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seniores Alterações de comportamento na demência: desafios para quem cuida
from DIGNUS nº3
by cie
Alterações de comportamento na demência Desafios para quem cuida
Medicina Geral e Familiar Elisa Serôdio, Cristiana Pinto, Inês Varejão Sousa
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Oenvelhecimento populacional acarreta um aumento da prevalência das síndromes demenciais, das quais 80% têm causa degenerativa, como, por exemplo, a Doença de Alzheimer. A demência é uma síndrome caracterizada por deterioração progressiva das funções cognitivas (memória, linguagem, coordenação dos movimentos, perceção visual, função executiva). Embora os sintomas cognitivos sejam necessários para o diagnóstico, os Sintomas Psiquiátricos e Comportamentais de Demência (SPCD) podem dominar tanto a apresentação como a manifestação clínica da síndrome demencial. Cerca de 90% dos doentes desenvolvem SPCD durante o curso da doença. São exemplos a agitação, agressividade, alucinações, desinibição sexual ou distúrbios alimentares.
Estes sintomas estão associados a aumento do uso de recursos de saúde, institucionalização precoce e aumento de morbimortalidade, além de diminuição de qualidade de vida do doente e do seu cuidador. Está já documentado que os cuidadores que lidam com estes sintomas apresentam mais frequentemente depressão e níveis elevados de stress. “Cerca de 90% dos doentes desenvolvem Sintomas Psiquiátricos e Comportamentais de Demência (SPCD) durante o curso da doença.”
Tradicionalmente, o tratamento deste conjunto de doenças centra-se na diminuição da deterioração cognitiva, sendo fulcral a intervenção também ao nível dos SPCD. A avaliação das alterações de comportamento deve ser realizada tendo em conta três eixos de avaliação: o doente, a interação com o cuidador e o meio envolvente. A procura de fatores desencadeantes, nomeadamente de causa orgânica, não deve ser negligenciada.
Na abordagem dos SPCD e cuidados de doentes com síndrome demencial podem ser úteis terapias farmacológicas e não farmacológicas. As recomendações da Sociedade Americana de Geriatria e da Associação Americana de Psiquiatria Geriátrica sobre demência recomendam medidas não farmacológicas como tratamento de primeira linha, exceto em casos de psicose
com risco de dano ao próprio ou a outros, depressão major e agressividade com risco para o próprio ou a outros.
As medidas não farmacológicas incluem estratégias como a Terapia Comportamental (análise de padrões comportamentais do doente, desencadeadores, a ação e a consequência destes e sua discussão); Validação (resolução de conflitos não resolvidos); Reminiscência (discussão de experiências passadas) e Orientação na realidade (relembrar ao doente, por meio de pistas ou auxiliadores externos, factos sobre o próprio ou orientação temporal).
Outras abordagens incluem programas de atividade física, musicoterapia, fototerapia, terapia com animais, estimulação multissensorial ou aromaterapia. As adaptações ambientais (ambiente tranquilo, agradável, iluminado e com objetos familiares) e a instituição de rotinas específicas (manutenção de horários e promoção de orientação temporal – colocação de relógios e uso da exposição à luz solar e evicção de situações desconhecidas), também são estratégias úteis.
É importante não negligenciar a educação do cuidador sobre o tema e fornecer orientações para evitar o contacto físico para conter o comportamento, não levantar a voz, não castigar, falar devagar, com voz calma e tranquilizadora, aproximar-se da pessoa pela frente, para não a assustar, antecipar as vontades do doente e promover cuidados de segurança. As intervenções com foco nos cuidadores revelaram-se mais eficazes relativamente à diminuição da frequência dos SPCD, melhoria da confiança dos cuidadores e da comunicação cuidador-doente.
São entraves à aplicação das abordagens não farmacológicas a ausência de formação na área e a restrição no tempo reservado à avaliação dos sintomas e aplicação das intervenções. Contudo, estas intervenções mostraram efeito benéfico não apenas no controlo dos SPCD, mas também no declínio cognitivo e nas atividades da vida diária.

As intervenções não farmacológicas complementam-se entre si e ao tratamento farmacológico, com a vantagem de não apresentarem efeitos adversos e não potenciarem interações medicamentosas.
A nível do tratamento farmacológico existem diversas classes de medicamentos que podem ser úteis para o tratamento dos sintomas neuropsiquiátricos.
Sendo o Médico de Família o profissional que presta cuidados de saúde longitudinais à pessoa com demência e à sua família, torna-se imperativo que tenha uma postura ativa no que concerne ao reconhecimento e abordagem desta sintomatologia, de forma a melhorar a qualidade de vida do doente e do seu cuidador.
Referências bibliográficas 1. Direcção Geral da Saúde. Abordagem Terapêutica das Alterações Cognitivas. Lisboa, DGS, 2011. Norma n.º 053/2011. 2. Caramelli P, Bottino CM. Treating the behavioral and psychological symptoms of dementia. J Bras Psiquiatr, 56(2): 83-87, 2007. 3. Niedens M. The Neuropsychiatric Symptoms of Dementia: A Visual Guide to Response Considerations. Alzheimer’s Association – Heart of America Chapter, 2012.


texto e fotos por André Manuel Mendes
Aos 69 anos tem um longo percurso profissional ligado, sobretudo à área do ensino e, mais recentemente, à saúde e cuidadores e assistentes pessoais. José Manuel Silva é Presidente do Conselho de Direção da Escola Superior Saúde Santa Maria, no Porto, fundador e Presidente da Caregivers Portugal – Associação Portuguesa de Cuidadores, investigador e voluntário em organizações sociais.
Nascido no Alentejo, é um “cidadão do mundo”, fez o mestrado na Universidade de Boston, nos Estados Unidos da América (EUA), o Doutoramento na Universidade da Extremadura e uma pós-graduação em Gestão Estratégica de Universidades na Universidade Politécnica da Catalunha.
Iniciou a sua vida profissional como professor do ensino secundário, passou para o superior nos anos 80 e fez grande parte da sua carreira profissional no Instituto Politécnico de Leiria onde chegou a Professor Coordenador. Desde 2013, fez um reset na carreira profissional e na vida pessoal, assumiu o desafio de liderar a Escola Superior Saúde Santa Maria
(ESSSM), de se tornar cidadão do Porto e de se dedicar a questões no âmbito da formação em saúde, com particular atenção à emergência de novos especialistas em cuidados e assistência pessoal, tão necessários no apoio a pessoas com deficiências ou limitações de autonomia. As questões da educação não foram esquecidas, mas a evolução demográfica e a atenção crescente a quantos necessitam de apoios nas suas atividades de vida diária, fizeram com que o foco da sua atividade seja hoje muito mais direcionado para as áreas estratégicas da ESSSM que se preocupa em formar profissionais que possam prestar assistência e apoio em termos de enfermagem fisioterapia, cuidados pessoais, de que o curso de Gerontologia e cuidados de longa duração é exemplo e, no futuro, terapia ocupacional.
A revista Dignus foi conhecer o percurso pessoal e profissional de José Manuel Silva, um homem que ao longo da sua carreira foi acumulando conhecimento e experiências muito diversificadas, incluindo gestão autárquica, o que a par da sua sensibilidade social e do espírito de missão com que se envolve em tudo o que faz, lhe permitem ter uma forma muito peculiar de analisar a realidade social e demográfica do tempo presente e os grandes desafios que se nos colocam em termos de longevidade e de apoios para que o envelhecimento e as limitações de autonomia sejam vividos sem dramas e sempre com um projeto de vida positivo.
Dignus: Como vê a realidade do envelhecimento em Portugal? Quais os principais desafios de ser idoso nos dias de hoje? José Manuel Silva (JMS): Os principais desafios com que os idosos se deparam são principalmente dois: um deles é que estamos a envelhecer mas não estamos preparados para envelhecer, as pessoas não se preocupam com o envelhecimento ou só se começam a preocupar quando estão efetivamente a envelhecer, e essa atitude tem que ser corrigida. Por outro lado, a sociedade portuguesa, tal como grande parte das sociedades, não está preparada para uma realidade em que a esmagadora maioria das pessoas chega a idades avançadas e não existem estruturas para as acolher. Há ainda um problema adicional, é que as pessoas envelhecem e a sua situação económica deteriora-se também, ou seja, temos um quadro onde as pessoas perdem qualidade de vida em termos pessoais e financeiros, e isso é uma preocupação que tem que nos mobilizar. Em Portugal temos um grande problema pois temos níveis de envelhecimento semelhantes aos dos restantes países, mas envelhecemos com menos qualidade porque temos menos saúde e um nível económico-social e financeiro mais baixo.
Dignus: Tendo já na sua formação passado por diversos países como Espanha e Estados Unidos da América, como encaram a realidade do envelhecimento nesses países? JMS: A forma como hoje as sociedades mais desenvolvidas encaram o problema do envelhecimento é semelhante, o que muda são as condições financeiras e a cultura dos países. Em Portugal ainda há uma certa tradição de proximidade familiar, mas estamos a avançar rapidamente para níveis de cuidados profissionais que outros países já alcançaram. Cada vez mais as famílias podem cuidar dos seus entes queridos e são necessários mais prestadores profissionais de cuidados com qualificação adequada.
Em muitos países já é corrente as pessoas, há medida que vão envelhecendo, trocarem de residência procurando casas mais pequenas e mais funcionais, o que facilita a sua autonomia e a prestação de cuidados. Em Portugal quem faz isso é uma minoria, por razões culturais e financeiras, o que torna muito mais difícil a independência e a manutenção de melhores condições de vida. Por outro lado, ainda não há preocupação de se construírem casas flexíveis a pensar em adaptações mais fáceis quando surge um problema de saúde limitador de autonomia e de independência. No âmbito do projeto ICAVI, em que estamos a trabalhar, há uma equipa da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto a trabalhar nessa área.
Dignus: Quais as principais preocupações em que se centra a investigações nesta área? JMS: Aquilo que nos preocupa mais é tentar perceber como podemos melhorar as condições de vida das pessoas mais idosas ou com limitações de autonomia. Hoje em dia o conhecimento sobre o envelhecimento está muito avançado e o que é urgente e necessário é fazer um esforço suplementar para percebermos como podemos dar melhor qualidade de vida às pessoas, recorrendo a profissionais muito qualificados e a todas as ferramentas e serviços disponíveis, incluindo a utilização das tecnologias e da inteligência artificial. Um aspeto decisivo são os cuidadores pessoais/assistentes pessoais, pois há algo que nada substitui, o afeto, o carinho, a atenção ao outro, e aí entra a formação dos cuidadores, quer dos formais, quer dos informais, estes últimos também têm uma importância enorme, nomeadamente num país em que ainda há muitas famílias que cuidam dos familiares. Já é positivo ter um Estatuto do Cuidador Informal, mas a legislação não basta, é necessário regulamentar o Estatuto. Estamos todos na expetativa.
Dignus: Estão as instituições adaptadas às diferentes necessidades dos idosos e com respostas adequadas, ou ainda se assiste ao modelo tradicional do lar de idosos? JMS: É preciso fazer um esforço muito grande para mudarmos a nossa perspetiva face à institucionalização, porque instalou-se em Portugal a ideia de que a melhor solução seria institucionalizar as pessoas, colocá-las num lar, quando as famílias não conseguem tratar delas. Mas esta solução é muito despersonalizadora e hoje em dia começa a ganhar força uma orientação completamente diferente, o Ageing in Place, isto é, envelhecer nas suas casas, nas suas comunidades, sem que as pessoas se desenraizem.
Este caminho não é fácil, é mais simples criar equipamentos onde se agrupam as pessoas, até politicamente é mais vistoso, mas é urgente e necessário e isso passa por incrementar as redes de cuidados, o diálogo interinstitucional, juntar esforços, abandonar a tradição dos silos, dos quintais privados, e passar a trabalhar em conjunto, em comunidade. É um enorme desafio que temos pela frente, mas não tenho dúvidas que é a melhor solução. A institucionalização deve ser apenas o último recurso, o último capítulo de uma vida que se apaga.

Há um ditado popular africano que diz que para educar uma criança é preciso uma aldeia, e neste caso podemos dizer que para cuidar de um idoso ou de alguém com autonomia limitada é preciso uma comunidade. Temos de olhar para estas realidades de uma forma global e sistémica.
Dignus: De que forma se podem identificar e tentar colmatar as carências sentidas por esta faixa etária que é tendencialmente mais vulnerável? JMS: Na escola criámos um programa denominado “vintAgeing Mais Felizes” destinado a pessoas isoladas que são autónomas, mas um problema ainda mais grave são as pessoas idosas que não podem sair de casa, são invisíveis, e essas têm muito pouco suporte. Estarão identificadas nalguns casos, pela GNR e PSP, mas esses dados não são partilhados e o apoio acaba por falhar em muitos casos, para não dizer na maioria. A invisibilidade da velhice e da pobreza são uma chaga social e essas pessoas são a quem menos apoios chegam, não se queixam, não se manifestam, carregam a sua cruz no silêncio e, muitas vezes, com a nossa indiferença.
Claro que há muitas organizações, Misericórdias, IPSS, autarquias, Segurança Social e outras envolvidas, mas falta diálogo cruzado, trabalho em rede, planeamento, rentabilização de recursos. Veja-se o que se passa com os sem-abrigo, é apenas um exemplo, há uma miríade de organizações a trabalhar na área e quantos se tiram da rua? Por vezes, os apoios sobrepõem-se, porque todos querem aparecer, mostrar serviço, e quem cuida da eficácia das ações? Veremos se os NPISA (Núcleos de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo) conseguem desmentir esta triste realidade.
Dignus: O que é a Caregivers – Associação Portuguesa de Cuidadores e qual o intuito da sua criação? JMS: Em Portugal não existe a carreira profissional de cuidador(a), existem pessoas que fazem esse tipo de trabalho do ponto de vista profissional, mas que não são designados como cuidadores, são auxiliares de ação médica, auxiliares de lares, assistentes operacionais que também desempenham essas tarefas. Nós temo-nos empenhado muito na criação e dignificação de uma carreira de cuidadores, ou seja, o reconhecimento dos Cuidadores Profissionais. Nesse sentido criamos a Caregivers Portugal – Associação Portuguesa de Cuidadores, que é uma associação que em grande medida nasceu da nossa preocupação com os nossos diplomados, pois estes quando chegam ao mercado são integrados em carreiras em Portugal que não têm enquadramento para estes novos diplomados do ensino superior. A Caregivers tem procurado chamar a atenção para a importância dos cuidadores pessoais formais e para a importância da criação de uma profissão estruturada e reconhecida. Os cuidadores informais/familiares são muito importantes, mas os formais são cada vez mais necessários e é da formação destes que a ESSSM se ocupa.
O ato de cuidar é mais do que fazer tarefas básicas, cuidar não é apenas ter atenção ao corpo, mas também ao espírito. Por vezes precisamos mais de um carinho ou de um abraço do que propriamente que nos tratem bem do corpo. Um cuidador tem de ser cada vez mais um profissional muito qualificado, com conhecimentos variados que vão da execução de tarefas de higiene e limpeza a procedimentos técnicos complexos, um formação muitifacetada que inclua componentes da psicologia, da sociologia, do relacionamento interpessoal, das patologias mais recorrentes e das suas consequências,

entre outras, pelo que não podemos continuar a pensar que qualquer pessoa com boa vontade e algum espírito prático serve para cuidar de nós em situações específicas de fragilidade e dependência. Para além do mais temos de encarar estes problemas como questões de direitos e de cidadania.
Dignus: Qual a sua visão sobre a recente aprovação do Estatuto do Cuidador Informal? O que ainda é necessário fazer? JMS: Julgo que é um passo muito positivo, mas é ainda e apenas um primeiro passo. Temos que esperar a aprovação da regulamentação do estatuto e depois ver a forma como vai ser implementado. No entanto, tem havido, por variadas razões, um empolamento da situação dos cuidadores informais, que melhor seria designar por familiares, em detrimento dos formais que são profissionais e que são igualmente fundamentais na prestação de cuidados especializados. Isto tem tido um efeito perverso pois tem contribuído para desvalorizar o papel dos cuidadores profissionais, muitas vezes com o aval das instituições empregadoras que contratam profissionais diferenciados e os colocam a todos a realizar as mesmas atividades. Uma das situações recorrentes são os auxiliares de ação médica e os assistentes operacionais a exercerem exatamente as mesmas funções em regime de rotação, quando os seus perfis profissionais são muito diferentes, situação generalizada a outras categorias dado que face à inexistência de uma carreira e de uma profissão regulamentada de cuidador pessoal/assistente pessoal o que vigora são os instrumentos reguladores dos vários setores.
É muito importante que se dê o real valor a esta profissão emergente de profissionais cada vez mais qualificados e mais conscientes de que o seu trabalho não é apenas de tratar do corpo das pessoas, mas também do seu espírito, dos seus afetos, do seu lado pessoal e emocional.
Dignus: Olhando para a nossa realidade social e política atual, como antevê o futuro do envelhecimento em Portugal? JMS: Acho que hoje estamos mais preparados do que estávamos há algumas décadas, mas ainda há muito caminho para fazer, sobretudo através da mobilização da sociedade para esta realidade.
É preciso que nos convençamos que não é só às instituições e aos outros que compete tratar deste assunto, não é só às famílias que têm pessoas idosas, não é só à Segurança Social, é a todos nós, é uma tarefa que nos toca a todos até porque todos vamos envelhecer. É preciso que a sociedade em geral se consciencialize que o processo de envelhecimento é um processo normal e natural, que envolve toda a gente e, portanto, todos nós vamos ser chamados a ter um papel ativo não só porque vamos envelhecer mas também porque vamos ter que cuidar e ser cuidados. Como dizemos na Caregivers Portugal, “Todos somos cuidadores, todos precisamos de cuidados”.
Nuno Ribeiro

texto e fotos por André Manuel Mendes
A transição digital é um custo ou um investimento? Esta é uma das principais questões com que as instituições e empresas da área social se deparam num quotidiano cada vez mais exigente, onde se procuram ferramentas e soluções que permitam agilizar o trabalho e os cuidados aos idosos.
Foi com o intuito de dar uma resposta efetiva que nasceu um projeto alavancado por um conjunto de jovens empreendedores. Chama-se GeriCarePro e é uma aplicação web de gestão de unidades geriátricas, paliativas e continuadas, nomeadamente para uma gestão clínica e operacional. Esta plataforma permite um melhoramento da operacionalização das unidades, e tem como principal foco a agilização dos processos e uma poupança efetiva de custos para a entidade.
Nuno Ribeiro, farmacêutico de profissão de base foi um dos mentores deste projeto. Exerceu durante 10 anos a profissão de farmacêutico comunitário mas a sua visão e veia empreendedoras fizeram com que se aventurasse numa nova realidade. O seu irmão, Hugo Ribeiro, começou desde cedo a especializar-se na área da Geriatria, quer medicina paliativa quer cuidados continuados, e desafiou Nuno Ribeiro a criar algum tipo de aplicação web, inexistente e especializada face às necessidades que os profissionais de saúde sentiam, e ao mesmo tempo o mais diferenciado em termos científicos. “Não queremos ser uma mera plataforma de registos de entradas de tarefas, sinais vitais, queremos ter sempre uma componente científica o mais avançada possível”.
A Meritposition, empresa criadora do GeriCarePro, é composta por uma equipa de 5 elementos: Nuno Ribeiro, CEO e responsável financeiro; Hugo Ribeiro, médico especializado em Geriatria, medicina da dor e medicina paliativa, responsável pela parte científica de toda a aplicação; Pedro Caetano, médico especializado em hidrologia, medicina aeronáutica e economia da saúde, que dá o seu contributo na parte do negócio e da comunicação do mesmo; João Pedro, Programador Chefe que coordena a equipa de programação; e Gonçalo Ramos, Engenheiro Informático que está no controlo de qualidade, ou seja, no desenvolvimento de testes na plataforma. Estão no mercado desde setembro/outubro de 2019 e têm uma série de objetivos, projetos e parcerias para o futuro.
A revista Dignus foi conhecer o GeriCarePro e falou com Nuno Ribeiro, empreendedor que admitiu que é “importante abrir horizontes para o conhecimento técnico e científico mais atualizado nesta área”. Dignus: O que é o GeriCarePro? Nuno Ribeiro (NR): O GeriCarePro é uma aplicação web de gestão de unidades geriátricas, paliativas e continuadas, nomeadamente para gestão clínica e operacional, ou seja, tudo o que esteja relacionado com processos das rotinas diárias como registo na plataforma dos utentes, controlo das tarefas, avaliações, ocorrências, entre outros. Na parte legal e logística obrigatórias atualmente, quer seja uma unidade social ou privada, queremos facultar ferramentas de gestão que deem uma resposta efetiva às necessidades. Na parte clínica queremos de ter o que de melhor e mais atualizado pode existir no mercado e, para tal, temos algumas funcionalidades que nos diferenciam no mercado.
Em Portugal há uma grande diversidade de gestão, logística, operacionalidade das unidades, não é como em diversos países europeus onde as instituições se regem por determinadas guidelines, ou seja, há uma uniformidade de processos.
Dignus: E que tipo de funcionalidades se podem encontrar na plataforma? NR: Uma das funcionalidades que temos atualmente incorporadas e que nos diferencia no mercado chama-se Critérios de Beers, critérios de medicação potencialmente inadequada, que analisam uma potencial descontinuação/retirada de medicamentos. Não
queremos com isto substituir-nos ao decisor clínico, o médico, queremos ser um auxiliar de decisão. Temos ainda um diagrama corporal que ajuda na identificação de lesões, da sua gravidade e o seu acompanhamento, as escalas de avaliação geriátrica global com avaliação cognitiva, nutricional, motora, entre outros, que vai permitir aos técnicos de saúde intervir, mas também ao medico poder prescrever medicação mais adequada a cada doente.
Esta plataforma possibilita uma visão integrada, totalmente na mesma área, sem haver menus diferentes, para que todos os profissionais possam interagir de uma forma objetiva, simples e prática.
Dignus: Os dados são sempre inseridos pelo profissional de saúde ou contam com algum sistema para monitorização da condição do utente? NR: Para já ainda não há nenhum hardware, mas está em estudo. A sua implementação está a ser analisada numa relação custo/benefício. Colocam-se duas questões, se o mercado quer um sistema desse género e se está disponível para pagar por esse serviço. Interessa-nos fazer esse upgrade? Sim interessa, mas acarreta sempre tempo e investimento adicional. Temos atualmente alguns equipamentos que irão entrar em fase de testes, mas não é a nossa prioridade. Nesta fase é muito mais importante para nós a internacionalização da aplicação que está já em 5 línguas (português, português do Brasil, francês, espanhol e inglês), do que propriamente a integração de hardware. Mas se sentirmos que o mercado nos pede essa integração estamos disponíveis para integrar qualquer tipo de equipamento, seja para medição de glicémia, pressão arterial, sensor de quedas, entre outros.
E temos outros projetos. Para já esta aplicação é para ser usada num circuito interno de uma instituição pelos profissionais que lá trabalham, mas pode ser aberta a outro tipo de público, como por exemplo os cuidadores.
Dignus: Que representatividade tem o mercado português para a empresa e qual a importância da internacionalização da plataforma? NR: O processo de decisão em Portugal não é fácil nem rápido. Se pensarmos que grande parte das unidades em Portugal ainda são sociais, estamos a falar sempre de um processo de decisão complexo porque implica a perceção de que ter um software de gestão é um investimento ou é um custo. Infelizmente muitas das vezes vê-se como um custo. Em Portugal ainda não chegamos à fase em que o familiar tem como ponto do processo de decisão o facto de a unidade estar ou não digitalizada, ou seja, o facto de saber a rastreabilidade dos processos do seu familiar.
Temos atualmente alguns clientes em Portugal, temos muitos contactos previstos, mas a internacionalização é muito importante para nós, e estamos já presentes no Brasil, um mercado que tem uma grande capacidade de incorporação de novas tecnologias que tem pouca oferta nesta área. Queremos despertar consciências para a sociedade, grupos de utentes, família, que para além do preço, da qualidade do serviço, localização, fatores de enfermagem e cuidados médicos, que devem também incluir no processo de decisão a questão da digitalização.
Dignus: Que tipo de formação facultam nas instituições para a utilização da vossa plataforma? NR: Damos formação no processo de instalação de uma plataforma que funciona na cloud, não é um software que é instalado num dispositivo. Deslocamo-nos à instituição, conhecemos a equipa, vemos as suas necessidades, damos os nossos conselhos e informações relevantes para a transição digital.
O suporte pode ser dado fisicamente quando nos deslocamos às instalações, podemos ajudar na instalação da aplicação, na dinâmica da equipa com a aplicação, sendo que posteriormente a equipa vai desenvolver a sua própria dinâmica. Pode também ser dado remotamente através de Skype, por acesso remoto, ou através da nossa aplicação que permite comunicar um determinado problema numa determinada página de uma forma simples e intuitiva.
Neste momento temos uma grande disponibilidade para colaborar no desenvolvimento de novas funcionalidades ou na melhoria de funcionalidades existentes.

Dignus: Em 2019 foram distinguidos com o prémio internacional Headstart para a região InnoStars atribuído pelo EIT Health. Qual a importância deste reconhecimento? NR: O EIT Health é um consórcio independente ligado à Comissão Europeia, que tem como sócios as principais indústrias e universidades público-privadas da Europa. Estes recebem financiamento para ajudar startups que estão em processo de desenvolvimento de ideia, outras em processo final de ideia, que era o nosso caso, e ainda programas de aceleração para empresas que já estão no mercado. Todos estes prémios focam-se também no processo de internacionalização das empresas. Portugal pertence a uma região denominada InnoStars. Nesta região foram 15 as empresas premiadas, em Portugal foram 3, no caso de empresas diretamente relacionadas com o envelhecimento ativo com uma aplicação web deste género fomos a única. Recebemos um financiamento que nos permitiu fazer a transição para o mercado em meados de setembro, investimos em marketing, programação, e estamos neste momento em processo de mentoria com o EIT Health.
Dignus: As novas tecnologias como o GeriCarePro terão um papel preponderante no futuro do envelhecimento? NR: Obviamente esse é o futuro. A geração entre os 35 e os 45 anos atualmente vive com a tecnologia e fez parte de toda esta transformação digital e, como tal, eu não acredito que daqui a alguns anos queiram estar numa instituição que não tenha um suporte digital. Isso é o futuro, vai acontecer para qualquer setor. Eu enquanto familiar de pessoas institucionalizadas ou que poderão vir a estar institucionalizadas no futuro vou estar muito mais sensível a este tipo de questões.
No futuro vamos saber de uma forma segura e rastreável todos os processos e cuidados de saúde que nos foram dados. No caso das plataformas geriátricas poderão encaminhar-se para uma comunicação com os SPMS.
Eu acredito, a minha equipa acredita, e qualquer pessoa ligada a esta área acredita que isto vai ser o futuro. Mas isto não quer dizer que por terem uma plataforma digital passam a ter qualidade, não, nós somos apenas um auxiliar à decisão.
É preciso perceber se a transformação digital é um custo ou é um investimento. Nós fizemos um piloto durante 9 meses em 222 utentes de 3 instituições sociais e privadas, em que lidamos com diversos tipos de realidades, e temos provas do benefício do digital, no nosso caso do GeriCarePro.
texto e fotos por André Manuel Mendes
Ajudar os outros é mais do que uma simples ação, é dar um pouco de nós a quem mais precisa, é falar a “linguagem do amor”.
Cristina é cabeleireira e Susy trabalha na área da protética dentária, e entre os afazeres do trabalho e da família do dia a dia, conseguem encontrar um espaço na sua agenda para ajudar quem mais precisa.
São ambas o rosto da Ajuda Para Todos (APT), um grupo de amigos que se juntou para tentar chegar a todos que precisam de ajuda, sejam eles sem-abrigo ou famílias carenciadas. Todas as sextas-feiras este grupo de pessoas tem a disponibilidade para dar uma refeição quente aos sem-abrigo da Baixa do Porto 1 , e diariamente procuram dar resposta às necessidades de cidadãos e famílias carenciadas.
A revista Dignus foi conhecer de perto este projeto e paixão de Cristina e Susy, duas mulheres que têm apenas um grande objetivo, “tornar a vida dos outros um pouco mais fácil”.

Dignus: Como nasceu a APT e em que consiste esta iniciativa? Susy Freire (SF): A APT foi fundada depois de eu ter feito voluntariado noutro grupo, que não me preenchia na totalidade, optando assim por criar um grupo próprio com o intuito de ajudar famílias carenciadas e sem -abrigo.
Dignus: O que fazem nas vossas ações, desde a etapa de preparação até irem para o terreno? SF: Primeiramente temos que angariar e preparar a semana, ver quem vai fazer a sopa, quem é o restaurante que vai cozinhar, senão temos que procurar quem cozinhe as refeições. Eu cozinhei durante dois anos para a APT, fechava a minha empresa às 17h, mas neste momento não me é possível porque o restaurante onde eu cozinhava fecha mais cedo.
Por sorte temos a Cristina que nos deixa cozinhar no seu salão porque senão tínhamos que sair para a rua apenas com sandes. Mas arranjava-se sempre alguma coisa para eles comerem, sendo que a sopa é o essencial e tentamos sempre que nunca falte.
Dignus: Quando são as vossas saídas para a rua? Cristina Moreira (CM): A nossa saída é à sexta entre as 20h30 e as 20h45, mas como a cozinha que aqui tenho é pequena tenho que cozinhar enquanto trabalho, fazendo depois as recolhas pelo caminho. Eu tenho que colocar o fogão a funcionar pelas 17h.
Normalmente os restaurantes dão massa com acompanhamento, é algo que preenche o estômago das pessoas e é fácil de se fazer. Quando confeciono as refeições no salão tento fazer algo diferente para as pessoas, aproveitando o que os doadores nos dão de boa vontade. Temos que juntar todos os grãos que recebemos durante a semana para que há sexta-feira tenhamos farinha feita. SF: Temos que nos preocupar com o que vamos ter para a próxima semana, mas temos que ter sempre alimentos em stock. Tentamos que nunca falte stock para irmos para uma sexta-feira com tudo aquilo que eles merecem.

Dignus: A equipa da APT é composta por quantas pessoas? CM: É muito variável. Devemos destacar que para além dos sem-abrigo que apoiamos na Baixa da cidade do Porto, também ajudamos algumas famílias com necessidades que são por nós identificadas. Normalmente dividimos a tarefa entre as duas, a Susy assegura o stock para essas famílias enquanto eu asseguro o stock para a Baixa. E quando falamos em stock não falamos apenas de comida, mas também de pratos, guardanapos, colheres, copos.
Temos também que ter capacidade para doar o “Kit do dia seguinte”, um saco com mais uma refeição para o dia seguinte composto por um sumo, sandes, bolachas e fruta, para que não estejam sem comer nada durante um longo período de tempo. SF: Queremos garantir que estas pessoas tenham mais uma refeição porque depois do
jantar de sexta eu sei se só voltariam a comer no jantar de sábado… e isso a mim não me faz sentido.
Dignus: Como se conseguem conciliar todo o trabalho e vida pessoal com este voluntariado? CM: Tenho uma resposta muito simples para isso, com boa vontade, com bom coração. Claro que abdicamos de muito de nós. No meu caso envolvo a minha família, vou para a Baixa com as minhas filhas. Não é preciso ter dinheiro porque com doações tudo se faz, é preciso é ter boa vontade.
Quando a dor dos outros é sentida por nós, não conseguimos simplesmente não fazer nada.
Dignus: O que mais necessitam na APT? De que forma as pessoas podem ajudar? CM: Com alimentos básicos, nomeadamente temos pouco stock de sumos individuais de 250 ml que colocamos no “Kit do dia seguinte”. As carnes que usamos para cozinhar e que damos nos cabazes para algumas famílias também temos muitas dificuldades em ter regularmente para dar. SF: Mensalmente necessitamos de cerca de 380 a 400 sumos pequenos, 400 taças, colheres e copos, é o que mais precisamos.
Dignus: Têm parcerias com restaurantes que vos ajudam e doam refeições? CM: Temos algumas parcerias sim, não cobrem a totalidade das semanas do mês, mas ajudam-nos bastante. Para além dos restaurantes temos também confeitarias que nos doam as sobras dos bolos e do pão, para além de uma confeitaria que coze semanalmente 100 pães para a APT.
Dignus: Quantas pessoas dão apoio semanalmente? CM: Cerca de 70 pessoas por semana na rua, para além das cerca de 6 famílias que auxiliamos.
Dignus: E que pessoas são essas? CM: São desde pessoas idosas que na maior parte das vezes nem conseguem comer em pé porque têm dificuldades ou usam moletas. Temos também aquelem sem-abrigo adictos que anda por aí a deambular, bem como pessoas que tiveram de deixar as suas casas por infortúnios da vida e que têm que viver no quarto de uma pensão, mas que o dinheiro não chega para comerem. SF: Nestes casos ou comem ou pagam uma renda. Já aconteceu de nos aparecerem famílias inteiras, com crianças. Nunca quis ter


crianças nas “filas” e tentamos garantir todas as semanas alimentos para terem em casa. CM: As crianças aumentam nas “filas” na altura das férias de Natal porque muitas das crianças a única refeição que fazem é na escola.
Estamos aqui para ajudar, para tornar a vida dos outros um pouco mais fácil.
Há dias de muito frio, chuva e vento. A Baixa do Porto é muito fria e é horrível estar na rua à noite. As minhas colegas perguntam-me muitas vezes: “Tu vais Cristina? Com as tuas filhas? A tua filha é asmática! Já viste o frio que está?”, eu respondo que quando sair de lá as minhas filhas têm uma refeição quente e uma cama à espera delas, e aquelas pessoas que lá ficaram vão ficar no sítio onde as deixamos, na rua.
Dignus: Os idosos são uma classe naturalmente mais frágil. Quem são essas pessoas que encontram na rua? Quais as suas histórias e o que as levou para esta situação? CM: Temos um senhor que vive sozinho e que tem que optar por comer ou comprar os medicamentos com a sua reforma. SF: Temos outro caso de um senhor que faleceu recentemente que procurava emprego, e conseguiu, mas como o salário não era suficiente para pagar renda, contas e alimentação, a sua esposa vinha sempre para a “fila” buscar as refeições.
Tentamos dar-lhes sempre o maior carinho possível, porque aquelas pessoas que ali estão precisam de uma palavra amiga. Falar com eles e dar-lhes atenção é muito bom. CM: Estar ali na Baixa junto dos sem-abrigo é uma autêntica lição de vida. Acredite que somos verdadeiros príncipes e princesas.
A nossa sociedade ainda encara muito os sem abrigo como lixo… O sem-abrigo precisa de tanto de ajuda como nós, dentro daquela pessoa existe um coração apertado e um cérebro que pensa e sofre, e se nós podermos contribuir para que sofra um bocadinho menos já valeu muito a pena.
Há muitos idosos na rua, porque isto é uma sociedade de costas voltadas. Há 3 anos conseguimos uma enfermeira que foi para a rua vacinar os idosos contra a gripe porque essas pessoas não existem para o Estado, não podem sequer tirar o seu cartão de cidadão porque não têm uma morada.
Dignus: Como veem a gratidão nessas pessoas? CM: Fazem-nos chorar muitas vezes. Já me aconteceu chegar à Baixa e ter uma sem- -abrigo a dar-me uma flor, que me deixou logo emocionada. À minha filha dão rebuçados, flores, ganchos para o cabelo. Mas é principalmente aquele abraço, aquele obrigado, isso é tão bom. Aquela pessoa que come a sopa, a refeição, come um bolo e toma café, é tão bom saber que saiu dali quentinho.
Na Baixa só precisamos de ter amor ao próximo, e com a linguagem do amor resolvemos tudo. Basta a linguagem universal do amor que o resto resolvemos.
Dignus: E o que esperam para futuro? SF: Esperávamos que a fila diminuísse. CM: Mas tem tendência a aumentar cada vez mais.
Aquela gente que é sem-abrigo, sejam homens ou mulheres, são gente que porventura um dia contribuiu muito para o nosso país, e está ali muito potencial desaproveitado.
Gostava que mudasse a nossa atitude perante os sem-abrigo, que não nos lembrássemos delas só em épocas especiais.
Para apoiar esta iniciativa pode contactar através da página do Facebook da APT – Ajuda Para Todos. Pode igualmente dirigir-se ao Cabeleireiro Corte e Cabelo, na Rua dos Bombeiros Voluntários de Valbom, n.º 81, espaço que serve de ponto de recolha de roupa, calçado, bens alimentares e doações monetárias. Há também outros pontos de recolha, basta contactar a APT para informações sobre o ponto de recolha mais próximo de si.