ENTREVISTA - REN
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40 Custódio Dias
a REN e o MIBEL Dada a importância que se prevê que terá o MIBEL-Mercado Ibérico de Electricidade e na sequência da informação que já publicamos sobre este assunto, solicitamos ao Eng.º José Penedos (Presidente do Conselho de Administração da REN-Rede Eléctrica Nacional, S.A.) que nos concedesse uma entrevista, sob esta temática, para nos dar a sua perspectiva do funcionamento do MIBEL. Pedido a que prontamente correspondeu e que agradecemos.
Qual a actual situação do MIBEL? O MIBEL é um projecto conjunto do Governo português e do Governo espanhol no qual a REN e a sua homóloga de Espanha, a REE-Red Eléctrica de España, assumem um papel de facilitadores, na medida em que as duas empresas (REN em Portugal e REE em Espanha) detêm as redes nacionais de transporte de energia eléctrica e gerem as infra-estruturas de interligação das duas redes. São então duas entidades, designadas de Operadores de Sistema, que têm uma missão particular no quadro do MIBEL, que é o reforço da infra estrutura de interligação das redes, para se deixar de poder evocar a insuficiência da capacidade de transporte das interligações para dificultar as transacções comerciais transfronteiriças no domínio do fornecimento de energia eléctrica. Assim, o MIBEL, na sua concepção original, é um mercado regional, no quadro do Mercado Interno da Electricidade, definido pela Comissão Europeia e pelo Conselho Europeu através de uma directiva. Os mercados regionais devem poder dar substância às ambições da União Europeia (UE) na criação do mercado interno, actual
mente no sector da electricidade e no futuro no âmbito mais vasto da energia, no qual obviamente se incluirá a electricidade e o gás, quer na componente da produção, quer na componente da distribuição, quer na componente da comercialização e serviço de fornecimento aos consumidores finais. Assim, nós entidades gestoras de rede temos uma responsabilidade especial, porque temos a particular obrigação de, seja por novos investimentos em infraestruturas de transporte, seja pelo reforço das infra estruturas existentes, prepararmos a malha de transmissão da energia de modo a que, falando em termos da anterior Europa dos quinze e em termos da actual Europa dos vinte e cinco, em que o mesmo acontecerá, embora um pouco mais tarde, na Europa se estabeleça uma espécie de plataforma transnacional de trocas de energia entre todos os estados membros, de modo a tornar real o objectivo de qualquer cidadão de, em qualquer parte do espaço da UE poder fazer a sua aquisição de energia a quem quiser, ou seja, é o princípio da livre escolha contratual. Assim, o consumidor que até ao estabeleci-
mento do mercado estava rigidamente ligado a um fornecedor através de uma rede, passa depois a poder contratar o seu fornecimento a outro fornecedor; a rede continua lá, a desempenhar a sua função de meio de transporte, mas autonomiza-se a relação comercial. Desta forma, o mercado, que sempre foi interrogado neste sector de actividade quanto às suas limitações, está hoje menos interrogado, porque se percebe que há na relação entre fornecedor e cliente uma área a explorar com muita novidade que é a função comercial e é esta a verdadeira descoberta destes mercados da electricidade. O MIBEL é apontado pelos dois go-vernos envolvidos como um desejo, um objectivo, para as duas economias, para a portuguesa seguramente, que é um bocado mais frágil do que a economia espanhola, e para os cidadãos dos dois mercados, porque não são só as economias que podem beneficiar, através das empresas, mas também os cidadãos individualmente considerados, que podem ter nesta possibilidade de escolha um sentimento pleno de realização dos objectivos da directiva do mercado interno.
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Isto é, a lógica deste mercado é obrigar a que os produtores portugueses sejam pelo menos tão competitivos como os espanhóis. Há um problema que não pode ser escondido que tem a ver com situações específicas nos dois mercados. Por exemplo, como é feita a produção de energia em Espanha? Lá há centrais nucleares e em Portugal não há. É comummente aceite que a produção de energia eléctrica a partir de centrais nucleares é mais económica do que a produção a partir de centrais térmicas clássicas, por exemplo, a partir das centrais que utilizam o carvão das Astúrias, ou a partir do gás natural. Então os produtores espanhóis têm uma vantagem no mix de produção. A forma como os meios de produção se vão organizando ao longo do tempo resulta de opções empresariais e políticas, porque os países têm um misto de política de empresa e de política de ordem geral, que implicam
escolhas nacionais sobre que modelo de desenvolvimento deve der adoptado. Em Portugal foi decidido não optar pelo nuclear. A Espanha optou por ter energia nuclear e hoje ao abrir as portas do mercado assiste se a este confronto entre o modelo de desenvolvimento eléctrico em Espanha e o modelo de desenvolvimento
eléctrico em Portugal. São dois modelos diferentes. A história sendo diferente em cada um dos países, as componentes de custo estrutural de cada segmento de produção (carvão, hidroeléctrico, gás, fuelóleo ou nuclear) são também diferentes. Essas componentes sendo diferentes transmitem se ao mercado, em termos de oferta, com preços diferentes. Em Espanha os produtores vão ao mercado por grosso, chamado mercado spot, em Portugal ainda não há mercado a funcionar. Estamos a prepará-lo, e no dia em que estiver o mercado a prazo a funcionar em Portugal e em que as ofertas nesse mercado a prazo possam ter uma lógica de todos os agentes produtores portugueses e espanhóis virem oferecer ao mercado a prazo, ao mesmo tempo que todos os agentes de comercialização de ambos os países possam ir ao mercado diário, não se vai dar o afundamento de todos os agentes produtores portugueses, o que sucederá certamente é uma pressão sobre os preços praticados pelos produtores portugueses. Esta pressão reverterá a favor da economia no seu conjunto e a favor dos consumidores, porque ao juntar dois mercados assimétricos, em que o mercado espanhol é cinco vezes maior do que o português e que tem um preço médio inferior ao do mercado mais pequeno, é seguro, pela lógica do mercado, que quando se juntam os dois mercados não é o mercado de valor mais alto a influenciar o mercado de valor mais baixo, mas o contrário. É, por isso, estranho que se diga que com o MIBEL os preços em Portugal só poderão subir. Sendo a energia eléctrica um bem essencial, ao estar sujeito às regras do mercado, não haverá um grande risco de, no futuro, passar a ser encarado numa perspectiva demasiado economicista, que poderá ser perigosa no que se refere à garantia do seu fornecimento? Esse é um problema real do sector que é um problema de investimento. Como é que se vão garantir os investimentos necessários à expansão do sistema, seja investimentos em produção, seja investimentos nas redes que são essenciais para realizar os mercados. O
problema é tão importante que há uma intenção ao nível da UE de emanar orientações específicas sobre garantia de remuneração dos investimentos em produção, na perspectiva de em cada mercado nacional termos o chamado locational signal, que é um sinal de localização de novas capacidades de produção, de forma a não permitir que nenhum espaço nacional seja canibalizado pela produção de outro espaço, ou seja, por exemplo e no limite, que não se chegue à situação de termos um só país a produzir e todos os outros a importar toda a energia que consomem. Há, então, a preocupação de assinalar, para cada espaço do mercado europeu, a produção mais próxima possível do consumo, ou seja, em rigor, em cada espaço da união, ao nível de áreas de controlo (por área de controlo entenda se Operador de Sistema de transporte) deverão estar garantidas as condições para o estabelecimento de novas capacidades de produção, de modo a que quem invista tenha um horizonte temporal de recuperação dos custos do seu investimento. Este quadro é um quadro normativo a estabelecer no âmbito europeu, mas está hoje presente nos chamados contratos de longo prazo que ainda existem e que continuam a ser defendidos por economistas e quadros do sector eléctrico, porque não é possível encarar com serenidade os próximos tempos, em que há mudanças tecnológicas anunciadas no domínio da produção de energia, se não houver um quadro de garantia de recuperação de custos do investimento em relação às tecnologias anunciadas.