o impacto da descarbonização na operação e planeamento das redes de energia eléctrica
O plano REPowerEU, lançado em Maio pela Comissão Europeia com o objectivo de diminuir a dependência de gás e petróleo russos, ambiciona dar um forte impulso à produção solar fotovoltaica.
Mário Couto Technical Leader, EPRI – Electric Power Research InstitutePretende-se instalar mais de 320 GW até 2025, o que corresponde a cerca do dobro do nível actual, e atingir 600 GW até 2030. Segundo dados de 2021 da Agência Internacional de Energia, as energias renováveis estão a crescer rapidamente, mas não ao ritmo da forte recuperação do consumo global no período pós-pandemia. Para acomodar de forma efectiva uma crescente integração de renováveis, torna-se fundamental perceber o impacto que esses recursos têm na operação e planeamento das redes de energia eléctrica.
A integração de produção renovável no sistema eléctrico tem sido feita quer ao nível de grandes centrais produtoras ligadas na rede de transporte (exemplo: grandes parques eólicos e solares), quer pela integração de unidades de pequena e média dimensão ligadas directamente na rede de distribuição (exemplo: solar fotovoltaico residencial ou empresarial). Pela sua natureza, os recursos vento e sol impõem maior variabilidade e incerteza nos processos de operação e planeamento das redes eléctricas. Por sua vez, a electrificação do consumo, por exemplo, através da massificação dos veículos eléctricos, também introduz incerteza do lado da procura. Desde logo, essas características colocam desafios na manutenção do equilíbrio entre oferta e procura, o que impacta no controlo de tensão e frequência.
Por isso, a gestão e flexibilidade da procura são apontadas como soluções chaves no futuro. Por um lado, será importante a flexibilidade dos consumos se ajustarem para as horas de maior produção renovável; por outro
lado, reduzir ou transferir o consumo para horas posteriores, em caso de baixa produção renovável, ou no caso de a rede eléctrica se encontrar em situação operacional crítica. Será também importante promover um conjunto de medidas de consciencialização dos consumidores quanto ao impacto do seu consumo nas redes eléctricas. Tal poderá ser feito induzindo um uso mais racional da energia eléctrica, compensando quem tem um comportamento benéfico nas respostas à necessidade do sistema eléctrico e penalizando aqueles que sobrecarregam o sistema quando ele está mais vulnerável.
A incerteza na operação e planeamento é acentuada pelo papel cada vez mais relevante do consumidor na transição energética que, em muitas casos, é um“prosumidor”pois também produz electricidade. Os consumidores nas suas instalações podem ter diferentes tipos de tecnologias, como por exemplo sistemas de microgeração, veículos eléctricos e baterias de armazenamento de energia, o que torna mais difícil para os operadores da rede prever como será a troca de energia com a rede eléctrica (injecção ou absorção). O conceito das comunidades de energia, em que um conjunto de consumidores/prosumidores podem colaborar, ganhando escala, para participar nos mercados de electrcicidade, no fornecimento de serviços de sistema e na promoção de transacções locais de energia, coloca também desafios, pois acentua a descentralização do sistema eléctrico e o surgimento de novos players
A progressiva descentralização requer que os operadores das redes eléctricas, sobretudo de distribuição, promovam a digitalização, através do desenvolvimento e integração de sistemas de comunicação bidireccionais com diferentes players, de ferramentas de previsão de produção e consumo, e de sistemas de supervisão e controlo, de modo a garantir a capacidade de gerir eficientemente um sistema eléctrico com um elevado número de recursos distribuídos. Uma vez que a digitalização e a descentralização contribuem para que exista um elevado volume de dados, que têm um potencial tremendo para todos os agentes do sector eléctrico, os operadores de rede necessitam de ter recursos tecnológicos e humanos com capacidade para extrair conhecimento desses dados, e assim, potenciar uma gestão optimizada do sistema. Porém, importa salientar que a digitalização do sector eléctrico aumenta a exposição a intrusões e a ciberataques, requerendo a adopção de medidas de segurança apropriadas para evitar consequências drásticas, como apagões.