TERÇA-FEIRA | 8 JAN 2013 | 09
DiáriodeCoimbra António Piedade
Ciência
Bioquímico apiedade@ci.uc.pt
O átomo íntimo de Bohr e a descoberta da vitamina A em 1913 O ano de 1913 foi marcado por inúmeros avanços no conhecimento científico e na tecnologia. Cem anos depois verificamos que essas descobertas permitem-nos compreender melhor o universo. Por exemplo, ao ligarmos qualquer equipamento electrónico estamos a usufruir do avanço no conhecimento sobre a natureza “íntima do átomo” verificado em 1913. De facto, são desse ano três artigos seminais do físico e prémio Nobel dinamarquês Niels Bohr. Publicados na revista Philosophical Magazine, é nestes três artigos, sobre a constituição do átomo e das moléculas, que Bohr descreve as suas propostas para o comportamento das partículas fundamentais subatómicas então conhecidas como constituintes para o átomo, segundo o modelo atómico proposto em 1911 por Ernest Rutherford. Por exemplo, o modelo de Bohr propõe que os electrões orbitam o núcleo atómico em órbitas precisas e que eles libertam ou absorvem quantidades fixas de energia ao transitarem
Estrutura molecular da vitamina
da bioquímica, 1913 ficou para a história como o ano em que se identificou uma substância que mais tarde se designaria por vitamina A, ou retinol. Recorde-se, a propósito, que 1912 tinha sido marcado pela cunhagem por Casimir Funk do termo “vitamina”(a amina vital) para o “factor alimentar acessório” e pela formulação, por Hopkins e Funk, da “hipótese da deficiência vitamínica”, que propunha que a ausência, num dado sistema orgânico, de quantidades suficientes de uma certa vitamina, poderia levar ao desenvolvimento de uma determinada doença. Neste contexto bioquímico, no ano seguinte, de 1913, é descoberto um “factor alimentar acessório”solúvel em groduras,
importante para o crescimento do rato (Mus musculus), animal que tinha sido introduzido em 1909 por Little como modelo animal experimental nos estudos laboratoriais. Curioso, mas não único na história da ciência, o facto de a descoberta de ter sido efectuada, de forma independente, por duas equipas de cientistas. Por um lado, Lafayette Mendel e Thomas Osborne, por outro lado, Elmer McCollum e Marguerite Davis, comunicaram uma observação similar utilizando ratos alimentados com extractos de gema de ovo e manteiga. McCollum e Davis enviaram o artigo com os resultados para publicação três semanas antes de Mendel e Osborne fazerem o mesmo. Ainda mais singular, os dois artigos foram publicados no mesmo número (15) do “Journal of Biological Chemistry”! A descoberta
foi creditada a McCollum e Davis pelo facto de o artigo destes ter sido recebido primeiro. Cem anos depois, continuamos a estudar o papel da vitamina A como essencial para a manutenção de um bom estado de saúde. Um dos aspectos mais fulcrais é o de o composto que dela deriva no nosso organismo (o ácido retinóico) permitir a visão, uma vez que é a componente funcional de proteínas (rodopsinas) existentes na retina dos nossos olhos. Excitada pela radiação eletromagnéctica do espetro visível da luz solar, entendemos o seu funcionamento também pela contribuição de Bohr para as transições electrónicas nos átomos e moléculas. Sem elas o leitor não estaria a ver este texto.
construídos com pontas de cigarros não fumados. Bem, nada de especial, escarnecerão os mais radicais, acrescentando que o tabaco é tão mau que nem os parasitas o aguentam. Os investigadores verifica-
ram que as aves que utilizam as beatas nos seus ninhos, pardais (Passer domesticus) e a espécie de tentilhão Carpodacus mexicanus, o poderão fazer como recurso a um insecticida natural, já que as pontas dos cigarros preservam quantidades de nicotina e outras substâncias químicas. Estes investigadores, no artigo publicado na Biology Letters, em 2012 (DOI: 10.1098/ rsbl.2012.0931), não descartaram a hipótese de que as aves utilizem as beatas como um revestimento térmico para os ninhos, uma vez que estas têm celulose. Tão pouco afastam que as vantagens de as aves utilizarem a nicotina como desparasitante sejam anuladas pelos efeitos tóxicos dos químicos tabágicos. Ainda que não totalmente esclarecidos, os autores propõem duas hipóteses para o comportamento das aves: as substâncias químicas presentes nas
pontas de cigarro poderão estimular o sistema imunitário das crias e, assim, favorecer as suas hipóteses de sobrevivência. A segunda hipótese aponta para que os químicos presentes nas bitucas de cigarros possam ter um papel mais directo, evidente e já referido: as beatas seriam um insecticida natural, que desinfectaria os ninhos de parasitas externos. Esquecendo as infusões de nicotina e desejando que as hipóteses levantadas sejam testadas, o que as aves urbanas parecem ter descoberto é a reutilização do arsenal químico dos cigarros a favor das suas crias. Ao contrário do que escreveu Tchekov, estas aves mexicanas descobriram os benefícios do tabaco. Aparentemente. |
Niels Bohr
entre uma órbita para outra. Bohr estende ao universo íntimo do átomo, esse espaço vazio pontuado por um núcleo orbitado por electrões, a teoria quântica formulada por Max Planck em 1900. Esse “quantum” de energia captado ou emitido nas transições electrónicas é detectável na forma de radiação electromagnética (como o é a luz do Sol, as ondas de rádio e as micro-ondas entre outras). Bohr propõe ainda na alvorada da física nuclear, que o fenómeno designado por decaimento beta (uma emissão “espontânea”de um electrão ou positrão por um núcleo de um átomo pesado instável) é um processo nuclear. Numa outra área do conhecimento, mas precisamente o
Beatas no Ninho Embora o título possa parecer um pouco reles, o teor deste texto é tudo menos provocador. Bem, talvez o seja para alguns seres vivos. As beatas de que falamos são as pontas dos cigarros depois de fumados ou, em português do Brasil, as bitucas ou guimbas de cigarro. Mas porquê falar da terminologia de um produto tão nocivo à saúde e, pior, misturá-lo com ninhos? É que por vezes a natureza dá voltas por onde menos se espera. Neste caso, verificou-se que algumas aves da cidade do México utilizam as beatas de cigarros na construção dos seus ninhos. O comportamento foi observado e avaliado por investigadores da Universidad Nacional Autónoma de México, que utilizaram um procedimento ex-
Salvar vidas a partir do mosquito da malária
perimental para comprovarem a influência das guimbas de cigarro sobre parasitas que atacam as crias de aves. Os cientistas verificaram que ninhos com pontas de cigarros fumados apresentavam menos parasitas externos do que aqueles
O mecanismo utilizado pelos mosquitos do género Anopheles para evitar a coagulação do sangue foi desvendado por investigadores do Instituto de Biologia Molecular e Celular do Porto IBMC, no Porto, em parceria com colegas em Espanha e França. No centro uma molécula, a anophelin, que interage especificamente com uma proteína, a trombina, decisiva na cascata que desencadeia a coagulação. O trabalho foi publicado pela revista “Proceedings of the National Academy of Sciences”, em Dezembro de 2012, e abre caminho ao desenho de novas moléculas sintéticas para o tratamento de problemas cardiovasculares. |
Os superficiais
António Piedade Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva
Luis Azevedo Rodrigues (paleontólogo e comunicador de ciência) Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva
“Os superficiais – o que a internet está a fazer aos nossos cérebros”, livro finalista do prémio Pulitzer, da autoria de Nicholas Carr, é um livro incontornável para uma reflecção profunda sobre um debate actual e pertinente: a influência e consequências da tecnologia que subjaz à internet sobre a forma como estamos a moldar a nossa aprendizagem e a estruturar a nossa maneira de pensar. Publicado entre nós no final do ano transacto pela Gradiva, na sua colecção Trajectos, nº 92, com tradução de Luiza Alves da Costa e revisão Científica de João Paiva, este livro é de leitura urgente para uma melhor abordagem ao actual pensamento distraído e superficial que as novas tecnologias da informação baseadas na internet parecem estar a causar. |