VOUGA ARRIBA ... ou o de u
dr
Uma ap1·esentacão de Daniel Rodl'igues é desnecessária para os leitores deste seu «Vouga-Arriba». Não have1·á um que não o conheça. E que ele mesmo não conheça. Aqui, loJ:'O se esboca o perfil do autor deste livro - a sua capacidade de comunicar. Fácil, correntia, natural, dada numa linguagem directa e espontànea humana, em suma. Quer vá ao encontro do acontecimento, quer o «apanhe» com a sua facilidade de ca.pta~ão, dotada de vibrátil sensibilidade, Daniel Rodrigues é perfeitamente o historiador crítico ·do quotidiano, isto é, e conforme alguém afirmou, o verdadeiro jornalista. Nasceu em <<Terras do Demo>>, em 1931. A vida humilde e desgastante dos camponeses ainda hoje o toca. Nas origens, portanto, um profundo afecto pelos d1·amas dos pob1·es, os «humilhados e ofendidoS>> duma sociedade organizadamente injusta. Após estudos, o autor de «Vouga-Arriba>> foi funcionál'io público no sector da Justiça. Aí pode igualmente auscultar uma outra espécie de drama - o do homem que amesquinha o Homem • .•. E surJ:"iU o convite de «0 Comércio do Porto>> para inJ:"ressar no seu Corpo Redactot·ial. Cl'iando a sua Deleg·ação em Aveiro, desde logo e até ao p1·esente, lhe foi entreJ:"ue a organização e chefia. De então até hoj e não mais descansou a pena do jornalista em defesa de · Aveiro cidade e distrito. Não have1·á terra onde não t enha ido ou sobre que n ã o tenha escrito nas colunas da ~rande lmln·ensa, muito especia.Imente em .:0 Comércio do Porto»., no <<Diário Popula.r» e a.inda «Diát·i o de Lisboa.», «República», semanários e I'evistas. São numerosísimas as suas reporta2'ens eiitre as quais serão de salienta.r as que dedicou à Gafanha, a Préstimo e Talhadas (na candente questão dos baldios), ao «salgado>> de Aveiro, a Cacia (indústria versus aJ:"ricultura), à extinta Aldeia da Cadaveira, à Ria e litoral aveirenses, etc., etc. l\Ie1·ece ig·ual registo a comecada série sob o título «Do Buçaco à Cos ta Verde>>, l\Ias não só os problemas de Aveiro solicitaram a sua ac!;ão de jornalista. <<Da estepe alentejana ao Reino dos Algarves>>; <d'erras do Demo de ontem e de hoje>>; <<Qu:tis RobinsonS>> (sobre o Rio Guadiana) ; «Na 1·ota dos emigrantes >> - o dram'}. dos tl·abalhadores po1·tugues es em l!..,ranca. - são títulos de Daniel Rod1·i~ues . Ultimantente., e 1"'a inda no domínio da l'eporta.gem, ofereceu aos seus leitores <<0 Papel dos Estudantes na campanha de alfabetização em Terras do Homem da Nave>>. E não só na reportagem. Sobre a vida política e a Lei de Imprensa entrevistou o Dr. Raúl Rego, Director da República e iUinish·o do Primeiro Gove1·no P1·ovisório. Questões de trabalho foram por si l e vantadas em entrevista com o actual 1\Iinísti'O dessa pasta. E nem o gene ral Spínola, então Presidente da RCJ)Ública., esca}>OU ao diálogo com o jornalista. l,ara lá de toda esta aguda. e cons-
lante >tctividade - Daniel Rodrigues n ã o sabe es t ar parado - tem o nome deste probo profissional da pena aparecido na organização de v~tliosos supleinentos c cade rnos sobre os mais divers os e palpitantes assuntos: Serft de lembra.r o dedi<~ado à amizade Aveiro-Helém do Pará.
]\Ias t erá sido, JlOrventura, na luta prosseg·uidtt pelo J'(~stab e1ecintent.o da linha do «Vale do Yong-a.» que J>a.niel Rodrig·ucs tenha. dado d e s i aquele cunho humano com que, em todo o s eu labor, sein[HC [HO CHI'OH evidenciar as des~g-u<tld:~des dtuna sociedade capitalisht nuin pais pobre. O testemunho clessa luta é este lil· ro. «Youg·a.-At·rilJa» t~ o seu título. Oxalá seja feliz prenúncio.
{ ---_:·
..
-~
íNDICE
Duas razões Evocando
de um documento
9
13
I VALE DO VOUGA:
SIM OU NAO?
Hora de expectativa ... Anacronismo Encontros periódicos ... Viagem para esquecer Distritos de braço dado Linha que não deve acabar Elstrada Nacional: Aveiro - Vilar Formoso Drama desponta ...
17 19 23 27
...
29 33 37 31
47
II DESESPERO QUE GRITA
Aveiro - Viseu '" Um pandemónio ... Não aconteceria esta tragédia . Sernada nasceu com o comboio . Pseudo indiferentismo Distritos reclamam ... Responsáveis na espectativa?! A solução para o doente não é matá-lo Silêncio que fala ... . .. Frustração ... Ingíesea (também) querem o comboio Primeiro, a via férrea ... :S'l todo um pais afectado ...
55 57
61
67 73 79
83 89 93 103 107 111 117 123
lU ESPERANÇA CONFIANTE
Não era saudosismo ... Dois distritos em mesa redonda ... Não se pode fazer o desenvolvimento sócio-económico da região do Vouga sem um moderno comboio ALGUNS DOCUMENTOS
Após o 25 de Abril ...
DIA NACIONAL
133 135 147 149 155 159
RELATóRIO
163
NúMEROS
171
DO TRABALHO NO VOUGA
Um Povo Unido jamais será vencido! Antes, as palavras. Agora os factos?! O fim de um princípio?! ...
...
173 175 177 179
Composto e impresso nas oficinas da TIPAVE
-
Tipografia 1974
de Aveiro,
Lda.
DANIEL RODRIGUES
VOUGA
ARRIBA ...
ou O Drama de um Povo
AVEIRO
1 974
Para os mais incautos, para aqueles que, porventura, põem acima de tudo, as suas ideologias políticas ou religiosas, quiçá, talvez até acima do bem do Povo, nós queremos afirmar que, com a publicação deste «romance» desenrolado à volta do antigo «Texas», utra coisa não nos moveu senão testemunhar publicamente a luta de um Povo contra um indiferentismo desumano, amesquinhante; desmascarar uma farsa que foi sempre apanágio de um regime ditatorial; que atingiu a raia do escândalo quando se diziam muitas oisas lindas e se faziam muitas promessas (no caso do Vouga) e enviavam, simultãneamente, ofícios (confidenciais) aos Presid ntes das Câmaras e Juntas de Freguesia, intimando-os a fazerem do Vale do Vouga «tabu», por ser caso arrumado. E ao publicarmos depoimentos, entrevistas com elementos ligados ao regim-e fascista não nos moveu evidenciar pessoas, mas tão somente documentar o seu parecer (nessa altura responsável p lo cargo que desempenhavam) e que afinal, não viria a correspender aquilo que apregoavam, ou porque o seu falar era uma farsa, ou porque metidos' numa máquina que não lhes permitia d sencaixarem-se de toda essa engrenagem, salvo uma ou outra xcepção.
O livro ficaria, pois, manco se apenas pusessemos o Povo a falar e não responsabilizássemos, porventura, os autores da tragédia. O peixe morre pela boca, diz o nosso Povo. Foi isto o que pretendemos. Nada mais. Aliás, depois do 25 de Abril, o nosso rumo de acção foi precisamente o mesmo: auscultar os responsáveis e o Povo. É porque até poderia dar um 'outro livro, um outro «romance», se esses homens não tomassem uma posição válida pró-Povo, a favor da verdadeira, da autêntica democracia. A nós não nos importa homens, nem cargos. Importa-nos, isso im, a defesa do Povo. Para além da nossa ideologia política e r ligiosa, está o bem da Colectividade, das camadas mais desprovidas de réditos. ão atacamos ou elogiamos homens; atacamos situações, elogiamos tomadas de posições verdadeiras. Pessoas houve que auscultamos várias vezes, quer no regime fascista, quer no regime vigente. Apontamos, por exemplo, '0 caso desse grande paladino do Vouga - Jaime Gralheiro. Foi dura a batalha do Vouga para nós também. Continua a ser duro escrever este «romance». Porém, estamos (sempre) presentes e olhamos 00 Povo bem de frente e de cara bem lavada. D. R.
A meu Pai que dorme o sono da paz. A minha Mãe que, resignadamente, extinguindo.
se vai
A minha Mulher pelas horas de convívio que lhe roubo. A meus Fi!lhos pelo tempo de ternura que não lhes dou. Aos meus Mestres pela formação de carácter que me insuflaram. A Vás, Gentes do Vouga, por me proporcionardes a comunhão de um drama e ... porventura, a alegria de uma ressurreição!
DUAS RAZOES DE UM DOCUMENTO
«o
livro é muitas vezes uma resposta e, como tal, o seu uparecimento é determinado por uma razão nem sempre transparente porquanto os estimulas que lhe estão na origem podem escapar à percepção do leitor, mesmo do mais receptivo à mensa!t m ontída nas suas páginas» (in «Portugal e o Futuro», de Antônio pínola). Sozinho numa carruagem, na noite vespertina do inolvidável 2,5de Abril, lia eu a passagem que acabei de transcrever. E tive p na do comboio não me levar nessa noite até Lisboa! ... Quem diria?! A leitura daquela passagem mais me incitou a elaborar o trabalho que apresento. Já há muito me pedia, essa gente do «Vouga Arriba», que escrevesse, fizesse um livro. Hesitava, não pelo trabalho propriamente em si, mas porque conhecedor de um certo indiferentismo perante realidades que só cegos não viam ou surdos não escutavam! Mas foi precisamente esse indiferentismo que me fez arregaçar as mangas da camisa e vir para a rua mais uma vez desmascarar toda uma máquina capitalista que se atreveu a passar pelos direitos sagrados da «persona» só com o intuito degradante de cavar cada vez mais fundo o fosso do abismo onde viria, afinal, a enterrar-se. O Povo, esse Povo para quem ainda não chegou o horário das 40 ou 35 horas semanais, continuava a ser manjar dos esfomeados pela honra, pelo seu bem-estar. A extinção do Vale do Vouga assentou essencialmente nestes 9
objectivos: Enriquecer escandalosamente uns tantos e enfraquecer pauperrimamente milhares de familias. Este livro que é, em parte, extracto de várias reportagens inseridas em «O Comércio do Porto», outro objectivo não tem se não ser documento comprovativo do abandono a que foi votado o Povo gritante das Terras do Vouga e conseguir levar ao Governo Libertador os clamores, os dramas, que cada vez mais se ouvem nas serras e vales de uma região. que "foi votada a um ostracismo total. Hoje, mais do. que nunca,estamos confiantes de que a linha do Vale do Vouga reabrirá. Ela é do Povo. O Povo. quere-a, anseia-a. E um Povo unido ... Este livro será, pois, uma
resposta
a um
Sal
apelo.
Vouga
o
que que
greta morre
AUTOR
Frio
que
Vouguinha
enregela que nasce ou
10
LAÇO
QUE
UNE
DUAS
TERRAS
EVOCANDO
Madrugada dentro. A estrela d'alva estática por detrás do amieiro de rio seco, era agourenta de dia ridente. O cintilar entrava-me na janela e preçaua-se-me nos olhos. Não tardava muito que, calçada acima, rua abaixo, as tamancas de tia Maria Rosa não me dissessem que era dia. Num golpe de milhano, à busca de ave hipnotizada, arrumei com as mantas, tecidas lá na casa, por mãos habilidosamente ágeis, para os pés da cama. A voz endorminhada ecoou nos corredores: Senhor Pai, senhor Pai, é dia! Os peregrinos já passam para a Senhora da Lapa. Olhe, escute, lá vêm eles a cantar e a rezar, serra da Nave abaixo! Em bico de pés, corredor fora, atrevi-me a dar volta à chave e através da meia fresta, lá os via passar. Sacola às costas; sapatos pendurados no sombreiro, equúioraâos à frente com a cabaça de vinho fresco, do que há lá, talvez pelo Minha, donde teriam já saído há dias; coturnos enfiados em esguias pernas de homens de pele tisnada ... As pedras graníticas puseram-nos em farrapos, ensopados alguns em sangue que por vezes esguichava. Mas, ao menos, poupem-se os sapatos! O dinheiro é pouco e é preciso chegar à Senhora da Lapa! ... Ainda faltava subir as quelhas, os barrancos da serra da Senhora, mas depois estariam prostrados diante da Virgem solicitando a sua protecção. E eu ficava-me quase adormecido ao som do reguinho de água qwe ali me beijava os pés. E ele corria sempre, sempre até chegar ao linhar da tia Maria Rosa, A rega, em Agosto, não parava, 13
nem de dia nem de noite, a menos que o moleiro, traiçoeiro às vezes, tapasse a poça. E quem se aventuraria a lá ir fazer prevalecer os seus direitos ou as ordens do repartidor?! Ah! é que os lobos ainda uivavam! ... Lá ao longe, na Tabosa, ou no Carregal, onde AquiUno nascera, ouviam-se os primeiros toques matutinos do sino da torre. - Ouve-se cá o sino do Carregal, bom sinal, temos bom tempo - dizia a minha avó. E a Lapa gritava-me nos ouvidos e começava a âescortinar um dos seus nichos. Pai senhor Pai, é dia! Sapatitos enfiados, camisita de festa, araoatita às três pancadas; cabaz, comprado na véspera na feira de Barrelas; presunto, salpicão, coelho fritado, ia ali tudo metido ... Era a festa, uma festa que sempre trago no coração e impressa nos olhos. Lamosa ainda é passada ao lusco-jusco, mas num galope, a garotada punha-se onde «zurra o ma?'». E esse «zurra o mar» agora tem outro significado! Aquele penedo) postado à beira da estrada poeirenta, de solavancos sem número, quantos «macaquinhos» faz à garotada! E ninguém vai à Lapa, sem encostar a face à laje polida. de tanto ouvido ali esborrachado pela malícia de velhos que se entretêm, ao longo dos séculos, a enganar a inocência das crianças. E tudo isto é saboroso! E até parece que ouvi o «zurrar do mar» , deste mar que agora me seduz! É que também... encostei a cabeça!
* * * Se fora profeta, eternamente ficaria a escutar-te, ó Vouga, Vouga que te vi nascer e te assisto, à tua morte! E ainda me perguntam porque me bato por uma região que nem sempre é grata! ... Mas vale a pena lutar quando se tem nos olhos a dama do nosso pulsar! Vouga, ó Vouga, quantas vezes tens sido ingrato! Vi-te bebé, periclitante no teu correr! Não venhas agora, arrogante, dizer-me que não me conheces! Mas eu vejo todos os dias o teu progresso e adivinho quanto poderás ainda fazer em prol das terras onde tu descansas de longa caminhada. Deixaste 'os palheiros, de centeio feitos, e aqui ergues pirâmides de sal. E cada vez te admiro mais
14
porque serás tu o elo de união das Beiras, serás tu o continuador do :<Malhadinhas» à procura ou ao desafio com os cagaréus de Avelro.
* * * Mas não és só tu, ó (Rio) Voug~, que evoco. Lembro também ess~ linha que tantas vezes me trouxe e levou às terras que eter~amente adorarei - Beira Alta, Beira Litoral. Tortuosa via, uomitanâa lufadas de fumo eSbranquiçado, umas vezes, dourado outras, quando o sol espreitava por cima das piramidais montanhas ela roi durante seis décadas o transporte das gentes pobres que proulerom na vasta região como os peixes povoam as entranhas do mar! E encantava-me contigo, ó comboio, que tanto benefício trouxeste, recebendo, em troca, uma inesperada machadada! Eras velho e ninguém te deu o remédio do rejuvenescimento antes te conden.ando à guilhotina de malfeitor. O teu companheiro _ o Rio _ Esse permaneceu porque continua a ser devaneio para ricaços e. nao pseudo-empecilho para que a tal via larga possa um dia vzr para gáudio (também) de uns tantos!
=:
Dois destinos. Duas vidas, que uns consideram antagónicas e outros (a maioria) jwlgam complementares. _ Lapa- Vouga-linha-1'io trago-os nos olhos e guardados no coraçao, porque a todos estimo igualmente. É porque nào vos concebo separadamente! Poesia?! Romantismo?! Não! Uma realidade que os tecnocratas nunca conceberam; Concebê-Ia-ão agora os libertadores do Povo?! Fiquemos a aguardar melhores, dias. Os dias de um Portugal Novo em terrae do Vale do Vouga que começa onde o rio nasce e morre onde o mar começa. ,
D.
15·
:a.
Vale do Vouga: sim ou não?
Uma «herõtca» sobrevivente .•.
HORA DE EXPECTATIVA
Quartel
general
de uma linha
Era numa destas manhãs que apetece beber o orvalho na verdura dos nossos campos. Parámos em cima da Ponte de Eirol. Espraiámos a vista pela extensa laguna, salpicada de algas e de moliço apodrecido. A Ponte da Rata quebra-nos o horizonte. Subimos ao Miradouro de Pilatos. A vista cansa-se de tanto ver. As tonalidades são tantas e tão variadas, que descrevê-las só a pena de um Raul Brandão. Lá ao longe, muito ao longe, topámos com o comboio, a que o povo chama «Texas». Nossos ouvidos são feridos pelos silvos da locomotiva. Taciturno, sem pcdermos balbuciar palavra, esperámos que passasse por baixo de nós. Ele, o carroção, aproxima-se. Empertigado. Uivando. Deixando que a fumarada se misture com o sol. A manhã apresentava-se fresca. Nossa missão estava traçada. Galgar terras do Vouga, onde o comboio, apesar de tudo, continua a levar o turismo ,e a dar algum bem-estar a milhares de pessoas que, das pirâmides de sal às Caves de Viriato ou à Costa Verde, o acolhem de braços abertos. Estava anunciada uma reunião para. a Sernada. Reunião que se apregoava de vida ou de morte para os destinos da linha dó Vale do Vouga. Sailpicada de casinhas, encosta acima, à mistura com vinhas 19
e arvoredo, Sernada, aí está ela beijada pelas águas do Vouga, conspurcadas, poluídas por uma indústria que não perdoa. Ainda era cedo. Porém, a vida para aquelas largas centenas de pessoas, que se agitavam na estação, tinha começado há muito. Para alguns, não tinha sequer parado. A vida, numa estação, é feita de constantes e consecutivos fios de resignação, de doação. Há máquinas em manobras; há oficinas em laboração; há carvão a ser removido; há «agulhas» que se colocam no seu lugar; há escritórios a processar o sDeoe» e o «Haver»; há baús que embarcam ou desembarcam com o sustento dos ferroviários; há gaitas a tocar para dar partida aos comboios e às anacrónicas automotoras; há o esventrar de locomotivas; enfim, há todo um mundo que vive da linha, pela linha e por causa da linha do Vale do V ouga. São dois distritos - Aveiro- Viseu - que se unem pelos laços económico-sociais, sementes de uma só amizade.
Vejamos os horários dos comboios, que percorrem catorze quilómetros: AVEIRO-VISEU Partida:
7,10 - Chegada: 12,58 12,5816,58 19,5523,50 VISEU-AVEIRO
Partida:
5,55 - Chegada: 10,20 14,3019,35 18,0423,28
A média horária é, pois, aproximadamente, de vinte quilómetros. As automotoras, que fazem o trajecto Viseu-Espinho (não têm ligação para Aveiro), fazem o percurso em relativamente menos tempo. Porém, dada a velhice de que enfermam - mais de quarenta anos e sempre as mesmas - já não oferecem o mínimo de condições de comodidade.
Cinco horas para percorrer pouco mais de cem quilómetros Diz-se, nos últimos tempos, que o Vale do Vouga tinha de -acabar, porque daria muita despesa, prejuízo mesmo, à C.P. Evidentemente que se levantou uma onda de protesto de milhares de pessoas que sempre viveram do Vale do, Vouga. - Sernada, é um beco sem saída. Sem a C.P. não nada. Os habitantes de Jafafe, se não fosse a ponte da C.P., que fica ali, como o senhor vê, tinham de andar onze quilómetros para virem aqui à Sernada. O pessoal, que ali vive, é, podemos dizer, noventa por cento ferroviário. Sem comboios, Sernada teria de desaparecer. Estes os primeiros gemidos que ouvimos ao chegarmos à Sernada. Continuar com estes ronceiros comboios estará de acordo com as exigências actuais? Enquadrar-se-á no século da alunagem do homem? é
20
cento e
21
ANACRONISMO
Locomotivas:
sessenta
anos
em circulação
Foram muitos os funcionários ouvidos na estação da Sernada, E todos afirmaram que a linha dá prejuízo, mas poderá também dar muito lucro à Companhia se se fizer, não já uma reconversão da linha, mas sim uma reconversão de máquinas e de vagões. Afiançaram-nos mesmo que se se motorizasse o ramal Aveiro-Sernada, a Companhia teria cerca de vinte contos diários a menos de despesa. - Porque, veja - diz-nos um entendido no assunto - o carvão, vindo de Inglaterra, chega aqui por um preço exorbitante, O gasóleo ficaria muito mais em conta. Com as máquinas a gasóleo, a C.P. utilizaria apenas um motorista e um revisor: evitavam-se um guarda-freio, um f'ogueiro e um condutor e ainda se dispensariam muitos serventes ao longo da linha. E, continuando: - Se o material fosse moderno, as viagens seriam mais cómodas, mais rápidas; os passageiros que têm horror à linha do Vale do Vouga, voltariam; evitar-se-iam os incêndios nas matas, que acarretam largos encargos à Companhia. Toda esta região não pode viver sem o caminho de ferro. E, num desabafo: - Já há muitas mortes na estrada ... E o nosso interlocutor continua: - Só isto, senhor: cada viagem' de Aveiro à Sernada (trinta e cinco quilómetros) fica à C.P. em cerca de mil escudos. Se fosse- transformado para gasóleo, ficava-lhe em menos de cem escudos. Em dois anos tinha tudo saldado e, acima de tudo, 23
onquistava os passageiros que perdeu. Porque, afinal, quem não gosta de viajar de comboio, num bom comboio?! Até os estudantes lucrariam com isso! É que a C.P. dá descontos, e as caminhetas, que eu saiba, não. os dão. E a terminar: - E porque não uma via larga Aveíro-Sernada e Espinho-Oliveira de Azeméis? O sr. Fírmíno Pereira é chefe da Brigada das Oficinas. Eis o que nos disse: . -'- Isto, a continuar assim, não serve. O público é prejudicado. A C.P. sofre prejuízos. Assim, nem para turismo. O vapor teve a sua época. Coma tudo. Agora, é o tempo. do motor, rápido, eficiente. Só as autoridades resolverão o problema da linha do Vale do Vouga. E a Companhia só teria a ganhar. Agora, com máquinas de 1917, é que não pode ser nada. Nem para turismo, pois sujam os casacos dos turistas! ... Pessoa pacata, olhos de quem vê muito sem dar nas vistas. . De seu nome, António Pereira da Silva, com trinta e seis anos. É da Sernada e está ao serviço da C.P. Tem seguido de perto os problemas do Vale do Vouga. Uma oficina ampla e com sinais de se trabalhar a sério, está sob a sua orientação: - Todas estas máquinas são cuidadosamente reparadas aqui. Só os concertos mais complicados se processam no Porto. Muito embora as máquinas sejam quase do início desta linha, o certo é que elas, bem reparadas, oferecem segurança. Por sua vez fala o inspector de Tracção, Carlos Gonçalves Andril, que, entretanto, veio juntar-se ao grupo, e prosseguiu: - No entanto, não são rentáveis pela morosidade de deslocação. Mesmo assim, o tráfego tende a aumentar. Que seria tudo isto se fosse modernizado? O ideal seriam as automotoras. Para isto dar um passo em frente havia que substituir todo o material motor e rebocado (carruagens). - Iguais a estas? - perguntámos: - Não, nada disso! Estas são insuportáveis. Foram aqui f.eitas nestas oficinas. São mais rápidas do que os comboios, mas o passageiro chega partido ao fim da viagem. 24
E aquele dinâmico funcionário olha para todos os lados, e as palavras saem-lhe com sinceridade: - Estas automotoras são ainda do tempo da Companhia de Ferro do Vale do Vouga. - Mas que é isso da Companhia? ... - inquirimos. - Ah, não sabe?! A Companhia de Ferro do Vale do Vouga era independente. Só em 1947 é que passou para a C.P. O que havia nesse tempo é o que há hoje, praticamente - acrescenta do lado o sr. António Gonçalves, reformado há dias, com trinta e nove anos de serviço . - ...Mas tu ainda acreditas no que diz a minha mulher? Lá ao fundo, uma figura típica se nos depara. O seu rosto denuncia o cansaço de muitas horas de trabalho .e, quem sabe?, de «más passagens», no línguajar do povo. Ao lado, mais três figuras nos prendem o olhar por momentos. Uma, chama-nos «senhor engenheiro», enquanto nos estende a mão. Duas são crianças. Os três descarregam carvão dos vagões. A vida, para aquelas crianças começa cedo. O Mauro, assim é conhecido, ganha vinte e cinco • escudos por cada descarga. Entretanto, o Andril continua: - O remédio disto é colocar automotoras e fazer-se apenas um comboio de mercadorias para cada lado. O que faz estes trajectos serem morosos, para além das máquinas não poderem ultrapassar os trinta quilómetros, são as várias paragens ao longo do percurso. As automotoras doo bem sessenta quilómetros, mas é proibido ultrapassar os quarenta. - E porquê? - Bem, não sei! Será porque os carris não aguentam? Há que respeitar o serviço dos passageiros. E o sr. Andril, homem que parece viver o que se passa na linha do Vale do Vouga, revela-nos, por fim: - Olhe, só de Viseu a S. Pedro, o comboio tem dez paragens - média de uma paragem por cada dois quilómetros. Aliás - acrescenta - o mesmo se verifica de Viseu a Aveiro. São uns cento e catorze quilómetros e o comboio pára nada menos de cinquenta e quatro vezes. De S. Pedra aqui, dezoito: daqui a Aveiro dezasseis. Como podem os passageiros gostar de viajar nestes comboios?
25
ENCONTROS PERiÓDICOS
Visando
promoção!
Sernada seria palco' de um grande acontecimento. O Vale' do Vouga seria tema de vida ou de morte. Os cálculos saíram, contudo, um tanto errados. Não se tratava, ao que nos disseram, da vida ou morte da linha do Vale do Vouga, mas tão-somente de problemas de promoção do pessoal da C.P. na Zona Norte. E promoção humana é sínónimo de promoção económica em qualquer empresa. Esperámos (algumas horas) que a reunião chegasse ao seu termo. Eram quase treze horas. O eng." Alfredo Garcia, administrador da Companhia, que presidiu aos' trabalhos, enviou-nos um emissário comunicando que nos receberia logo que a reunião da manhã terminasse. Assim sucedeu. A pergunta feita, elucidou-nos que a sua estadia ali, visava unicamente tratar de assuntos relacionados com a situação do pessoal, ou seja, a promoção do mesmo nos seus vários aspectos - análise de vagas, lugares a preencher, etc .. - Nada temos com os problemas e com quaisquer perspectivas da linha. Não pertence ao nosso pelouro. E o eng." Garcia elucidou-nos, depois, que estavam a fazer reuniões periódicas, mas em várias regiões. Muito embora aquele técnico nos afirmasse que nada tinha a ver com a linha do Vale do Vouga, não deixámos de com ele trocar algumas impressões a propósito da mesma: - O que posso dizer é comunicar-lhe que esta linha, como 27
outras no gênero, está a ser objecto de estudo sobre a sua rentabilidade. - E as linhas transmontanas? - interrogámos. - Bem, como lhe digo, tudo está a ser objecto de minucioso estudo. O Governo terá a última palavra, certamente. - E as automotoras nesta linha? - Penso que são também objecto de estudo ... Como lhe disse, não é assunto do meu pelouro. Depois de salientarmos ao eng.? Garcia a ruína que poderia representar, para aqueles povos, a extinção da linha e de lhe darmos I() nosso parecer sobre a sua rentabilidade (se fosse bem explorada), aquele alto funcionário disse-nos parecer-lhe que a linha do Vale do Vouga dava prejuízo, E a despedir-se, acrescentou: - Passou-se muito tempo sem se querer gastar dinheiro ... Porém, como lhe disse, estão a fazer-se estudos a nível nacional. Só os técnicos poderão responder às perguntas que me formula. Apesar de constantemente solicitado, o chefe da estação, sr. António Serra, atendeu-nos com grande afabilidade: - Vou reformar-me para Julho. Mandaram uma circular a todos os funcionários da minha idade, solicitando a reforma, prometendo-nos um passe em todo o território. E eu até vou aproveitar, muito embora me sinta com forças ... Mas vamos ao assunto - diz-nos - mudando de conversa abruptamente:
VIAGEM PARA ESQUECER
Meia
dúzia
de passageiros
Quem não gostará de VIajar de Aveiro a Viseu? Bastaria a paisagem para se dar por bem empregues as cinco horas que se gastam para fazer um tal percurso! A paisagem é bela. A Natureza tudo deu e tudo oferece aos passageiros do comboio do Vale do Vouga. E se a Natureza foi tão pródiga em «benesses», por que espera o homem? Região ainda por descobrir, bom seria que
- Sabe o que lhe digo? Nós, o que queremos é progredir e não retroceder. Daqui partem, diariamente, para as fábricas da região, centenas de pessoas. E se não houvesse comboio? Isto está quase como há sessenta anos. Nada melhorou. As máquinas e carruagens são as mesmas. Muitos passageiros voltariam se as condições fossem melhoradas. Se isto acabar, é a ruína destes povos, porque mal já eles vivem. - Quanto a mim, o défice que esta linha acusa deve-se ao facto de utilizar carvão. Este vem da Escócia ou da Inglaterra até Leixões. Ali é carregado em vagões de via larga; em Espinho há o transbordo para a via estreita. Quando aqui chega a entrar nas máquinas está a peso de OUT/(}. Não sei bem quanto se gasta por dia, mas, ao que me consta, em toda a linha, anda à volta de vinte toneladas, Só aqui, são dez que as máquinas engolem! , 28
Aquicome!:ou a pseudo-razão .•. Quem diria que da beleza nasceria o dolo?!
29
passasse a ser mais conhecida. Então, seria a hora da verdade do Vale do Vouga. Então, seria o fim do esquecimento, que se estende desde há sessenta anos! Em vez de se lamentar que o Vale do Vouga dá prejuízo, haveria ocasião de se encontrarem soluções para uma óptima rentabilidade. Já não falamos da sua reconversão, mas tão-somente da modernização do material. Quem não aprecia a boa vitela de Latões, o bom vinho verde, as laranjas de Pessegueiro do Vouga? E quem ignora que as águas do Vouga são ricas em lampreias e abundantes em trutas?
* * * A nossa reportagem não ficaria completa se não embarcássemos no tão famigerado comboio. E lá fomos. Três carruagens, no máximo. O resto era mercadoria para descarregar na fábrica de Paradela. Na primeira classe, duas pessoas; na segunda, meia dúzia. D. Maria da Assunção Fortes, funcionária em Aveiro, olha-nos e diz: - Sou de Viseu, e para lá sigo. Isto é horrível. Quase sempre chego lá doente. Gostaria de ir lá muitas vezes ver os meus pais, mas tenho de limitar-me ao mínimo. Este transporte não tem nenhuma comodidade. Se houvesse um mais rápido e cómodo iria muitas vezes, até por gosto desta encantadora paisagem. Até sabia bem viajar todos os fins-de-semana! Mas assim não pode ser nada! ... Ao lado, um homem muito concentrado, fita o Vouga por entre as janelas fechadas. Interrompemos o seu silêncio: - Não se importa ... - Não, nada disso, pergunte. E nós perguntamos o que pensava do comboio e da sua extinção. Era o sr. João Cabral Mascarenhas, que embarcara também em Aveiro, vindo de Lisboa: - O que é preciso são locomotivas a gasóleo, Isto estraga os fates. Veja que nem as janelas podemos ter abertas. Diz-se que dá prejuízo. E a linha do Norte não dá também prejuízo? E por esse facto vão eliminá-la? O défice apresentado pela C.P. é no cômputo 30
global. Isto poderia melhorar-se e não seria preciso investir grandes capitais. O, prejuízo é mais simbólico do que real. Veja só este caso: há um carregamento de mercadorias em S. Pedro do Sul com destino ao Algarve. Se não houvesse comboio, que outro meio de comunicação poderia levar aquela mercadoria? Falar-se em extínção? Nem pensar nisso! Modernizar, isso sim! Talvez ainda não fossem f.eitos os estudos económicos do quanto representaria para o comércio desta extensa região, se algum dia se viesse a verificar a tal extinção da linha. Em segunda classe, como é natural, viajava uma estudante. Livros ao lado, olhos na paisagem. Ensimesmada como estava, até receámos incomodá-la. Dois sorrisos e a conversa foi estabelecida, Madalena Henrique da Silva. Jovem que aparentava uns dezoito anos. Vinha de Agueda. Seguia para Pessegueiro do Vouga: - Saio de Pessegueiro - diz - às 8,30 e regresso a esta hora (seriam umas quinze horas). Se não houvesse comboio , evidentemente que não poderia estudar. Não tenho outro transporte. Bom ou mau, é I() que nos vale. Entretanto, o «Texas», a meio da encosta, pára. Não sabemos as razões. Recua e avança, avança e recua, e arranca finalmente. Do lado, como que querendo desculpá-lo, o nosso cicerone, que não se cansou durante toda a viagem de cantar louvores à Natureza intervém: ' - Sabe, isto aqui é mais a subir do que se possa pensar! Deite a cabeça de fora e veja! De facto, assim era. E nós até desculpámos o triste sexagenário. Os velhos têm sempre uma desculpa! ...
31
DISTRITOS DE ·BRAÇO DADO?
o
Progresso
das Beiras
Ouvíramos o povo, esse povo que não atraiçoa a verdade; ouvíramos os homens que todos os dias sofrem as agruras de um comboio de museu; ouvíramos alguém responsável na C.P. que alguma coisa foi dizendo, nada acrescentando, contudo, ao que já sabíamos. Restava-nos auscultar toda uma região que tem sabido sofrer e esperar ao longo dos tempos. Para o processo da história aqui deixamos também o depoimento dos responsáveis concelhios de então. Talvez hoje (depois do 25 de Abril), pudessem dizer mais alguma coisa do que então, porventura, ocultaram. Ou talvez não! ... Dr. Nelson Bento do Couto, presidente da Câmara Municipal de Viseu. Fizemos-lhe a pergunta: VALE DO VOUGA: sim ou não? - Já lhe respondia. Dar-lhe-ia mesmo um depoimento, mas ele seria muito pessoal. Agradecia que me deixasse consultar a Câmara - assim começou o dr. Nelson Bento do Couto. A edilidade viseense reuniu-se e a resposta oficial não tardou. - Não é de acabar com o Vale do Vouga. A menos que se construam outras estruturas de comunicação, como por exemplo a auto-estrada, Aveiro-Vilar Formoso. Mesmo assim, não é de extinguir. Há sim que melhorá-la, no seu traçado, e, principalmente, na substituição de material. A linha ainda que não servisse os passageiros, serviria para transporte de mercadorias. Não podemos esquecer os interesses das populações que a linha do Vale do Vouga serve. 33
- Aveiro e Viseu só podem progredir unidos. O porto de Aveiro só poderá ser um bom porto, um porto mesmo internacional, se houver bons acessos com o interior. As Beiras precisam do porto de Aveiro. A finalizar, afirmou: - A auto-estrada Aveiro-Vilar Formoso tem de ser encarada pelos dois distritos. Eles têm de andar de braço dado. Só assim se poderá progredir. Venha a auto-estrada mas não se acabe com a via férrea pois elas são o complemento uma da outra.
* * * José Nunes Alves, presidente da Câmara Municipal de Albergaria -a-Velha: - O caminho de ferro do Vale do Vouga, apesar do mau estado do seu material e da falta de dispositivos nas máquinas por forma a evitar os inúmeros incêndios que provoca durante o ano, ainda se pode considerar útil para as regiões que atravessa B, principalmente, para o porto comercial de Aveiro, para onde pode canalizar muito tráfego. Em minha opinião torna-se necessário melhorar o material e horários que possam servir melhor o público.
* * * O professor Hildebrando Pinho de Oliveira, fala do concelho de S. Pedro do Sul. Eis o seu depoimento: - Embora reconheçamos que, economicamente, não se pode justificar a existência da linha com aquela estrutura antiquada, o Vale do Vouga, no entanto, não deve, de forma alguma, ser extinto pura e simplesmente. Devem procurar-se, sim, outras soluções que venham melhorar as comodidades do público. Esta posição justifica-se pelo facto de a linha do Vale do Vouga servir, no seu trajecto, pequenas aglomerações que não têm quaisquer outros serviços públicos de transporte. Penso, portanto, que será de montar circulações de autocarros nas vias nacionais e camarárias. Para esse efeito, ter-se-à de iniciar já a execução de melhoramento da estrada Aveiro-Viseu. 34
A grande solução seria, sem dúvida, -a auto-estrada Aveiro-Vilar Formoso. O que é inconcebível é continuar a viajar nestas condições. Impõe-se a modernização. do material ferroviário. Depois de aludir ao óbice que representava para o progresso industrial das Beiras, o anacronismo de vias de comunicação,. afirmou: - O que não podemos continuar é nesta guerra de cada qual puxar a brasa para a sua sardinha. Defina-se o traçado de uma via e trabalhe-se para a sua concretização. Aquela que me parece ser mais rentável para as Beiras é, de facto, uma estrada Vilar Formoso-Aveiro, servindo estas terras interiores, colocando-as o mais rapidamente possível em contacto com o porto de Aveiro.
* * * Deixámos São Pedro e viemos até Vouzela. O professor Júlio de Almeida Marques, falou-nos dos problemas do Vale do Vcuga: -A questão mais grave é o caso dos transportes de mercadorias. Quanto a passageiros temos uma rede de camionagem, 'Não podemos, de maneira nenhuma, ficar asfixiados. Se a rede rodoviária fosse modernizada até descongestíonaría o trânsito. Quanto ao caminho de ferro ele não tem conforto nenhum. Há que substituir o seu material motorizado e rebocado. Mesmo assim ainda serve à ramada estudantil. Uma auto-estrada Vilar Formoso-Aveiro, seria o ideal, sem nunca acabar com a linha do Vale do Vouga,
* * * Em Oliveira de Frades o dr. Luís dos Santos, diz-nos: Neste ambiente o dr. Luís dos Santos, diz-nos: - Temos que melhorar as condições rodoviárias, não só para as mercadorias mas, e principalmente, para os passageiros. Nesse sentida há que actualizar os horários dos comboios; estes não se cumprem; há material gasto; é preciso melhorar a circulação com máquinas novas. O comboio serve uma extensa zona a que as enti35
dades não devem alhear-se. O desaparecimento da linha do Vale do Vouga será catastrófico para esta vasta região. O Dr. Luís Santos, a finalizar, falou-nos do grande sonho das Beiras: via larga Aveíro-Vilar Formoso.
LINHA QUE NÃO DEVE ACABAR
* * * Dr. Horácio Marçal, Edilidade Aguedense: - Se se viesse a verificar o desaparecimento da linha, não haveria grande prejuízo desde que se construísse uma rodovia larga de Viseu a Aveiro, Como actualmente se encontra, a linha, não serve. A manter-se terá de ser completamente remodelada, tanto na largura da linha como na modernização do material, quer no motor, quer nas carruagens. Assim não beneficia os povos que dela dependem.
* * * Sever do Vouga é um concelho circundado por uma vasta região florestal. As suas gentes vivem, na grande maioria, da exploração da silvicultura. Talvez, por isso, o dr. David Cabral, a pergunta feita, respondesse de pronto: - Se desaparecesse não fazia falta nenhuma. Como estranhássemos a resposta, o dr. Cabral, logo acrescentou: - É que se desaparecesse, desapareceriam também os incêndios que atormentam estes povos. No entanto, mesmo corno está e nas condicões em que se processam os transportes, ainda é um beneficio para o concelho de Sever do Vouga. Lembre-se que passa por uma fábrica que maior movimento dá, em mercadorias, à linha do Vale do Vouga, Quero referir-me à Fábrica de Paradela. O remédio consiste, quanto a mim, apenas na sua modernização.
36
Via larga
que deve
nascer
Vila da Feira é um dos concelhos mais extensos e de maior densidade populacional do distrito de Aveiro e, porventura, até do País. Preside ans seus destinos o industrial Alcides Branco: - A linhà do Vale do Vouga - diz-nos - apesar de tudo, ainda consegue ser um factor de muita importância para a economia e desenvolvimento do concelho e norte do distrito. Pela utilidade que dá às populações e como via de escoamento dos múltiplos produtos da nossa indústria, ela é uma via necessária. Torna-se, no entanto, imperiosa a sua reforma não apenas para o progresso do distrito como principalmente para a aproximação íntegradora da região das Beiras com o Litoral.
* * * Oliveira de Azeméis, centro vidreiro na economia nacional, também é servida pela Linha do Vouga. O dr. Leopoldo Soares dos Reis, abordado a esse propósito, começou por nos afirmar: - A Linha do Vale do Vouga, além de servir muitos alunos dos vários estabelecimentos de ensino, também transporta animais e serve uma vasta rede de aviários que por aqui proliferam. A sua extínção representaria um grande prejuízo para o concelho. E depois de fazer vários considerandos atinentes ao comércio, disse que é necessário modernizar a linha e as máquinas. A camíonagem é apenas um complemento. 37
* * * Autêntica explosão industrial se verifica no concelho de S. João da Madeira. Cada palmo de terra vale ali a fortuna de uma pequena capital. O eng.? Daniel Ferreira Pinto, homem de poucas palavras, declarou-nos: - Parece, de facto, que a linha está a funcionar em condições precárias. Devido a essas condições, a rentabilidade da linha não é satisfatória. Como também não satisfaz o funcionamento da linha para o público, pois os serviços são morosos e a entrega das mercadorias faz-se, muitas vezes, atrasada. Apesar de tudo isto acrescentou - a Linha do Vale do Vouga é ainda um bem para a indústria. Tanto assim é que o cais se torna pequeno e precisa de ampliação.
* •.. * Finalmente chegámos à Costa Verde. Termina ali a Linha do Vale do Vouga. Uma estação anacrónica. Um autêntico ferrete numa vila que sonha com altos voost'). Mas deixemos falar o presidente da Câmara de Espinho dr. Manuel Baião Nunes dos Santos: - Em Espinho luta-se pela modernização da linha. Luta-se ainda pelo desaparecimento da estação, pois onde se encontra é um entrave para o progresso desta terra. O Vale do Vouga anda em cima de nós. O fumo atormenta-nos. Apesar de todos estes inconvenientes, o Vouga é ainda muito utilizado pelas gentes desta região, nomeadamente por estudantes, feirantes, etc, Há que modernizar _ disse - todo o material da linha. Para Espinho seria um bem, até porque muita gente a utiliza, pois aqui há a ligação com a linha do Norte. Como está - acrescentou com um leve sorriso - só serve para os turistas estrangeiros tirarem fotografias l ...
(1) -
cidade -
Entretanto e como se sabe Espinho foi elevada a segunda do Distrito de Aveiro.
38
à categoria
E a terminar: - Tirem-se as máquinas e deixe-se a linha. Pois se assim for, a Linha do Vale do Vouga é um bem para todos os povos que serve.
* •.. '" Aveiro-cidade, será uma terra privilegiada que muito beneficiaria se houvesse bons acessos entre ela e as Beiras. Isto, 00 que concerne ao seu porto. O dr. Artur Alves Moreira, disse: - A linha do Vale do Vouga tal como se encontra presentemente, com o seu anacronismo quanto a traçado e composição nela círculante, a meu ver, pouco representará para o concelho. A parte o reduzido interesse quanto à sua utilização por pessoas que dela se servem para se fazerem transportar para a cidade e da movimentação de mercadorias - e note-se que há outros meros rodoviários mais modernos e eficientes ao dispor dos eventuais utentes somente terá algum valor, e este bem diminuto, no percurso do concelho de Aveiro, no aspecto turístico. Outrotanto não sucederia se o seu traçado fosse modernizado e se as condições dos comboios circulantes fossem mais modernas e velozes! ...
de
39
ESTRADA NACIONAL: AVEIRO - VILAR FORMOSO
Necessidade
de primeira ordem
Chegámos ao fim de uma longa caminhada. Estamos satisfeitos. Não pela paisagem que desfrutámos. Não pela satisfação de auscultarmos desejos e anseios de dois distritos. Antes porque nos batemos por uma causa justa, por uma causa que interessa sobremaneira a duas províncias. As terras, sem linhas, sem boas vias, não podem progredir. As inúmeras manifestações de apoio que até nós chegaram são bem a prova de que não se pode contrariar um povo que luta pela sua promoção'. O dr. Orlando de Oliveira, reitor do Liceu de Aveiro, há muito que se encontra na cidade dos canais. Deixou a Serra e desceu até ao Litoral. Enviou-nos o depoimento espontâneo que se segue: Afinal, uma peça neste «processos que temos vindo a instaurar à actual situação da Linha do Vale do Vouga, Eis as suas palavras: - Tenho medo das complicações que os homens põem quase sempre nas suas atitudes. Tenho medo das deformações profissionais quando elas levam o mesmo homem, insensivelmente, a casmurrar na senda dos seus conhecimentos adquiridos por via escolar, protelando o homem como homem, nos seus sentimentos sociais, na sua sensibilidade afectiva, na sua libertação da matéria41
lidade dos cifrões. Aplaudo sem reservas o levantar do problema da Linha do Vale do Vouga e alegra-me saber que há pessoas como eu, a quem desgosta e choca a sentença que a C.P. lavrou de eliminar esse caminho de ferro. Por motivos vários, tenho feito parte de um «grupo de trabalho» onde se têm debatido problemas de infra-estruturas e, portanto, de comunicações. Vários engenheiros me honram com a sua parceria, e até mesmo um que, corno delegado da C.P., apresentou o assunto em termos categóricos e definitivos. Segundo ouvi, nada há a fazer: não se pode defender o que está condenado, por inúmeras razões; a resolução da C.P. é definitiva e inabalável. Quais essas razões? Todas à volta da falta de rendimento económico da exploração dessa linha. Argumentei e perguntei se deveria existir primeiro a linha que provocasse acessos e instalações capazes de a manter, ou se a mesma linha não deveria ser, antes, o pólo fomentador dessas instalações, se ela oferecesse boas éondições para tal. Éramos ainda rapazes quando assistimos, numa das nossas cidades, ao assentamento duma linha de «eléctricos» numa rua. A construção de prédios de habitação nessa rua, e em outras aderentes que logo surgiram, foi autenticamente explosiva: em meia dúzia de anos nasceu um bairro e a exploração dessa linha tornou-se lucrativa. A Linha do Vale do Vouga não serve tal como está. Nem serve, nem fomenta progresso e desenvolvimento. PIOr outro lado, o progresso e o desenvolvimento não surgem porque não há rede circulatória capaz. Temos, pois, um ciclo vicioso e, como tal, um beco sem saída; enquanto uma das partes não tiver uma salutar sacudidela, o marasmo continua. Não é a questão da bitola da linha que interessa, porque há caminhos de ferro de bitola estreita que oferecem as melhores condições de comodidade e rapidez. Assim pensando, não se torna necessário alterar grandemente o leito da via existente; o que é preciso é remodelá-la, tanto no material fixo como no circulante, Viseu tem sido a grande vítima dos maus serviços com que a dotaram e, não obstante, mantém-se um tanto silenciosa, talvez resignada e céptica por ter já perdido a faculdade da credulidade. Nem sou engenheiro nem economista, mas sou homem que dá valor aos afectos e ao espírito. Todavia, ainda não pressinto a derrota. Apenas há opiniões, e essas podem 42
rebater-se com raciocínios. Talvez não estejam ainda todos os trunfos na mesa, porque, se nós andamos convencidos de que uma boa estrada que ligue Aveiro a Viseu será factor essencial para o progresso da região, não há motivos para não pensar o mesmo quanto a um bom caminho de ferro. Apenas teremos que acrescentar que a zona do Vale do Vouga, formosa como poucas, deseja colaborar na obra de engrandecimento em que o País está empenhado. Para tanto, precisa e exige boas comunicações, tanto em estradas como em vias férreas. Suprir o que existe pode ser cómodo e de poupanças imediatas, tanto em dinheiros como em trabalhos, mas não é demonstração do espírito de luta e de iniciativa a exigir nos momentos cruciais duma arrancada. Aliás, a C.P. já resolveu manter a exploração doutras linhas que também são deficitárias, e isso prova que há elementos a considerar, além do económico a curto prazo! Pelo exposto, os meus parabéns pela iniciativa da campanha. A terminar, um brado de alma para os meus conterrâneos de Viseu: a nossa cidade tem obrigação de fazer valer os seus direitos! Basta de indolências e calmarias, de que apenas têm resultado prejuízos!»
o
Caminho
prazo
de Ferro será ainda
o complemento
da Estrada
e a longo Nacional
Em face do que ouvimos no deambular pelos concelhos que servem a Linha do Vale do Vouga, imperioso se tornava escutar a voz oficial sobre o porto de Aveiro, sobre o que ele representa ou pode vir a representar para a expansão das Beiras. Eduardo Cerqueira, falou-nos: - Como é evidentecomeçou por dizer - a circunstância de, neste momento, ocupar a presidência da Junta Autónoma do Porto de Aveiro, mais me faz prender a atenção e o empenho para a eficiência necessária das comunicações entre Viseu e Aveiro. E digo de Viseu e não de mais para além, porventura até à fronteira de Vilar Formoso, e ao que dela pode afluir, do lado de lá da raia, 43
1-
porque, neste ensejo, me circunscrevem o.âmbito. Põe-se em causa a valia actual do caminho de ferro. do Vale do Vouga. Inquire-se da minha opinião, mais como presidente daquele Organismo do que como aveirense. Nesta última vitalícia qualidade bastar-me-ia atentar o. número de passageiros que dos comboios desembarcam (para frequentar as aulas dos estabelecimentos de ensino secundário e para as ocupações diárias) para me pronunciar pela manutenção daquela linha. Na outra acidental qualidade não posso deixar de considerar a Linha do Vale do Vouga como mais uma via que conduz ao natural desaguadouro da mais vasta área das Beiras, que é o Porto de Aveiro. A Linha do Vale do Vouga desactualízou-se, sem dúvida, em múltiplos aspectos, já que não se adaptou às exigências modernas. Não se compreende, por exemplo, que se mantenham praticamente os arrastados horários de há trinta ou mais anos - cinco estiradíssimas e enfadonhas horas para percorrer uma centena de quilómetros que separam as duas capitais de distrito, embora ligadas 'por tantos laços de simpatia e interesse. Durante largo tempo, com persistência e entusiasmo, nos decénios de vinte e trinta, a Empresa do Vale do Vouga - e lembro especialmente o conselheiro Fernando de Sousa e o eng." Tristão Ferreira de Almeida, campeões dessa ideia - advogou a coordenação daquela ferrovia com o Porto de Aveiro. E se é verdade que, há meio século, o problema necessariamente tinha de ser encarado em termos ferroviários, e hoje, obviamente, estes são postergados pelo primado que entretanto tomaram as ligações rodoviárias, a Linha do Vale do- Vouga, com as condições de progressiva atracção do Porto de Aveiro, terá ainda, por largo período, se é que ela por esse motivo se não firmará, uma função útil a desempenhar. A manutenção da linha, todavia, não pode ínf'irmar a conveniência, cada dia mais evidente e instante, da construção da estrada, amplamente rasgada, com o traçado que um porto, em expansão inequívoca e dilatadas perspectivas futuras, como escoadouro natural e evidente, indubitavelmente requer. A Estrada Nacional n." 16 inscreve-se no conjunto das rodovias do País como de primeira ordem e com terminos em Vilar Formoso e Aveiro. Não representa essa classificação apenas uma coincidência casual. Significa um propósito de ligar duas portas que, amplas, se abrem a
necessidades e potencialidades. A velha estrada, todavia, tortuosa, acanhada, de traçado que não corresponde ao. que dela se pretende e exige, precisa de ser revista e refeita. Bate-se Viseu, e Aveiro secunda incondicional e convictamente a capital da Beira Alta - cidade amiga com a qual se confunde e irmana neste desiderato - por essa via moderna, onde o trânsito, ligeiro e pesado, flua em corrente contínua até ao mar. Essa estrada nova constitui uma pretensão indeclinável. E o caminho de ferro será ainda, e a longo prazo, o seu complemento válido.
44
45
* * * Aqui fica registado o pensar de uma região. Outra coisa não pretendemos nestas crónicas, Tem agora a palavra a Companhia de Caminhos de Ferro Portugueses. E não só esta. Tem a palavra o Governo. E tem-na numa altura em que grandes projectos estõa previstos pará a região do Vale do Vouga. Anuncia-se já, para o IV Plano de Fomento, uma barragem em Ribeiradio. Já há muito se falava nesse ambicioso proiecio. E será agora, em que todas as vias serão poucas, que se pensa na extinção de uma via que se torna imprescindível, num empreendimento destes? Vamos aguardar, gentes das Beiras, que a Justiça ailore como a ág1ta cristalina nascida nos rochedos da Lapa e que nos enamora em todo o percurso do Vouga. «Olha o Vouga como ele vai mansinho ...» - cantaria o poeta, ali por alturas de São Pedro do Sul!
DRAMA DESPONTA
CERTIDÃO DE ÓBITO? Em 26 de Agosto de 1972,a C.P. enviava para a Imprensa o seguinte comunicado: «Por determinação superior, a partir de hoje, sábado, e até aviso em contrário, o serviço ferroviário no troço Sernada do Vouga-Viseu, da linha do Vouga, e no ramal de Aveiro, é substituído por um serviço rodoviário, nas seguintes . condições: 1. O serviço de passageiros fica assegurado por autocarros, lOS quais efectuarão paragem nas estações e apeadeiros do percurso ou no interior das povoações ou nos cruzamentos das estradas de acesso, conforme as possibilidades. O transporte é feito nas condições das tarifas ferroviárias de 2.a classe, com o horário afixado nas estações. 2. O serviço de mercadorias fica assegurado por camiões, efectuando-se o despacho e a recepção das mercadorias nas estações e apeadeiros presentemente habilitados para a execução desse serviço e com o horário até agora em vigor. O transporte é feito nas condições das tarifas ferroviárias aplícáveis.» A propósito deste comunicado fornecido pela C.P. aos órgãos da Informação, afigura-se-nos útil acrescentar algo, tanto mais que chegou a constar que os comboios a vapor seriam substituídos a partir de hoje por automotoras na linha do Vale do Vouga. Ao que julgamos saber, uma tal permuta, com carácter definitivo, há-de surgir um dia, muito embora se não saiba quando.
47,
o
Compadrio Embora eufórico, por ver chegar o termo de um drama de que julgava na origem - o comboio - o público do Vouga, que já o apelidava de «bota-fogo», foi um tanto prudente nas afirmações que no dia seguinte transmitia aos jornais. Em 27 de Agosto, dois dias após a suspensão, «O Comércio do Porto» recolhia alguns comentários de gente anónima que teve a honra (ou desonra l) de viajar pela última vez no pseudo «bota-fogo» das serranias do Vouga. - «Não sei lá muito bem porque é que acabaram com isto! Isso dos fogos não é tanto como dizem. Também há fogos noutros lados e não existe lá o Vale do Vouga» (depoimento de António Andrade). - «O comboio a carvão não se pode aturar. Acho que a solução deve ser encontrada nas «Diesels» (Armando Simões Correia). - Como tem reagido o pessoal? - «Tem que aceitar. Mas encontra-se desgostoso. Quase todo morava nestes sítios, mas estamos esperançados que de hoje para amanhã se venha a adoptar o sistema «Diesel». Essa, certamente, é a mais viável hipótese. Por outro lado devo dizer-lhe que há necessidade do comboio. As crianças das escolas sofreriam muito com a sua extinção. Sendo como agora se está a processar o seu transporte exigiria, por várias razões, inumeráveis autocarros» (depoimento de um funcionário da C.P. que quis ficar no anonimato). A sentença condenou-o precisamente por ser «bota-fogo» por não ser rentável, mas o «busilis» foi outro como se verá na revisão deste «processo) do Vale do Vouga. Os responsáveis têm de responder em Tribunal Público pela farsa que quiseram apresentar a milhares de pessoas, e pelos prejuízos que daí advieram. Ou então, o Governo deposto, pelo compadrio com aquela monopolista Empresa. A menos que se venha a provar de elementos governamentais estarem directamente ligados a chorudos interesses da mudança de transportes! Quem descalçará a bota? Vamos, Vouga Arriba, vamos desmascarar toda uma situação que atormenta o Povo de uma das mais paradisíacas regiões deste País agora a começar a dar os primeiros passos livres! 48
Governador
Civil
substituto
sugere o reaparecimento
de Aveiro
do Vale do Vouga
Talvez muita gente se tivesse arrependido ou fingisse arre~ dimento de ter contribuído para a extinção (ou suspensão) do Vale do Vouga. Porém, deixemos os comentários para mais tarde e vejamos a panorâmica vivida alguns anos após Q «falecimento> d9 famígerado «Texas». _ _ ~. De facto é uma realidade - começa por nos afirmar o Eng. q Manuel Pontes, Governador Civil Substituto de Aveíro e emexeeeícíoa quando dos acontecimentos. E prosseguindo: - Chegaram ao Governo Civil várias reclamações. O Povo nãaestâ satisf~ çcm a suspensão do comboio. - Que fazer então? Perguntamos. - Há que voltar, de certo, provisoriamente, ao ,comboiq, tomando-se as medidas que tal caso requere para que não haja incêndios. Esta medida poderá ser transitória, pois há que ~. a sério na sua modernização. Há que tomar providência-s e ~S~;temente - rematou.
.;..* * E que medidas se tomaram? Passaram-se os meses, os anos e o Povo sempre a gritar: Venha o comboio, venha o comboio moder e nizado, mas esse Povo não foi ouvido. O drama despontou, cresceu e fez-se homem sem coração porque imbuído ele estava de 'wn capitalismo que não. se podia perder!
A linha do Vale do Vougo não pode ser extinta De Viseu a Aveiro chovem reclamações pela extínção, úníca e simplesmente, do comboio. A sua substituição por caminhetasé todo. um tema de desorientação em que vivem milhares de pessoas que todos os dias se vêem obrigadas a deslocações. Nãop.od~ 4
49
servir osfnteresses da: vasta -regiao Aveiro-Viseu .. Os protestos chegam às Câmaras, sobem aos Governos Civis. Mas não chegam só às' entidades oficiais. Vão mesmo ter aos jornais quer através de embaixadas, quer através de cartas. Eirol apresenta vivas reclamações: <illuàs horas de atraso em caminhetas e" por cima ainda serem um tantoindelicados com os pl!,sageirO's, é algo que não 'está certo». A Junta de Freguesia de Eírolenviou à Câmara Municipal de Aveiroe aoGovernoCivil ofícios onde dá conta precisamente de uma série de dificuldades que os seus habitantes têm tido e supcrtado. O problema ganhará outra amplitude chegada que seja a' época escolar em quê as crianças dada a' insuficiência de 'autocarros-ou não irão às aulas 'ou correrãob risco (desumano).' de terem·'quepal.milhar quilómetros' a pé. A edilidade, perante aquele ofício' decidiu comunicar à C.P. e à Direcção-Geral 'dos Transportes 'I'errestres ocaso pedindo queo'problema seja resolvido o mais depressa possível e ãcontento das populações, tendo em vista as necessidades de toda esta vasta região. Por outro lado, o vereador Carlos Gamelas, nessa reunião aproveitou "a oportunidade para tecer alguns comentários à decisão da C.P. afirmando, a dada altura, que houve da parte desta-uma precipitação. A C.P. não tomou em linha de conta variados factores importantes para o concelho de Aveíro e região. Substituir não pode ser uma palavra vã mas sim um atender das necessidades actuais.
·N. ..ao. nos. tiirem o' pouco. que possuirnos De terras da .Sernada chegam-nos elucidativas reclamações. O seu bradar é de tal acuidade que transcrevemos na íntegra o pensar dessas gentes': «Ainda mal refeitos da.angústia sentida ante a marcha avassaladora do fogo que lhes roubou os haveres e lhes exigiu algum sangue,' minto suor e bastantes lágrimas, o povo desta região acaba de .sofrer bem no âmago do seu coração o mais profundo golpe que' podia ser-lhe desferido: a notícia da possível elirmnação pura e simples da sua linha férrea: Se grande foi a calamidade já sofrida pela nossa gente, maior ela será frente ao propôsíto: que se antincia.E nós' recusamo-nos francamente' a 50
admitir mesmo como hipótese que se procure remediar um mal com um mal maior. Com efeito, substituir os comboios por autocarros no percurso Aveiro-Viseu - serviço criado a título experimental - está longe de satisfazer as necessidades da região ao nível em que O' comboio as satisfazia, a despeito da decrepitude do material utilizado. Crê-se que a essência remota da decisão tomada (ou a tomar) assenta na exploração deficitária da linha, embora se apresente como razão imediata o ciclópico sinistro. Mas será porventura mais rendável o serviço ora estabelecido? Evidentemente que não! Assim sendo, o que nos espera? O encerramento definitivo de todas as estações que não se situem .junto da estrada do percurso directo e a' limitação das carreiras condicionada pelo seu aproveitamento. Então como será resolvido o problema dos estabelecimentos industriais - em número de muitas centenas - e do comércio local criados junto da via férrea e com ela contando? Como se farã o escoamento, em pequena escala, dos produtos agrícolas para O'S mercados e locais de consumo? Corno será assegurado o transporte das massas escolares, considerando as possibilidades económicas da nossa gente? Sabemos que ainda há quem de,fenda a indefensável eliminação da linha, mas sabemos também que estes são os poucos que possuem automóvel e não suportam a «maçada» de uns mínutoé de paragem junto das cancelas encerradas da via nem a necessidade dos cuidados que a passagem de nível sem guarda lhes impõe. Não! A Linha do Vale do Vouga não pode morrer I E ninguém consciente dos seus. actos será capaz de vibrar-lhe o golpe. de misericórdia. Por mais desesperado que seja o estado de um enfermo nada há que autorize abreviar-lhe a morte. E se é certo que a nossa Iinha está doente o seu mal tem cura e o remédio está bem ao alcance de quem lho queira ministrar. Basta dotá-la de umas quantas locomotivas e automotoras .sdiesels e respectivos atrelados, reduzindo a cerca de 1/5 as despesas de tracção clássica; e, se possível, rectificar algumas curvas de menor raio da via; para permitir melhores marchas e mais possibilidades de concorrência com a estrada. Deste modo as despesas reduzír-se-ão e a receita acusará uma sensível subida mercê do tráfego recuperado. Então, eliminada a possibilidade de incêndios - uma das razões que se apontam para a sentença de morte do Vale do Vouga -"a outra .
51
·t
razão seria prontamente eliminada ~ e essa a mais forte no parecer de todos -a de exploração deficitária. Opor-nos-ão o. grande investimento de capital necessário para esse plano e a problemática da respectiva compensação. Mas o Caminho de Ferro é um serviço público: Para servir o público que o paga corno paga outros serviços necessários à vida do País e para os quais a rendibilidade não conta nem pode contar. Não. nos tirem o.pOUCQ que possuímos. Não ,.matem nem deixem matara única razão de ser da vida económica desta gente tão portuguesa e tão boa como a que aqui nasceu ou vive em regiões mais privilegiadas,' aonde melhor "chega o calor dos benefícios públicos. O povo da Beira-Vouga implora-o de, mãos, postas e merece-o».
Víseu parece querer levantar-se em peso. Aveiro,concerteza, não lhe quererá ficar atrás, ,,', Não há dúvida, não podem restar dúvidas 'de quea suspensão docomboioveio trazer problemas que afectam milhares de pessoas. Nunca se pediu que o comboio acabasse, mas tão somente que fie modernizasse. A reestruturação da linha a renovação dp material rolante (máquinas Diesel), foi sempre O' que se pediu. Agora substituir-se um comboio por camionetas, isso nunca! O caso, com boa vontade, ainda está a ser por enquanto um martírio suportável, mas quando abrirem as aulas, o que será? -, Parece-nos que já está previsto o aumento do número de camionetas mas isso mesmo não vai resolver a grave situação. Venha o comboio e venha modernizado é o que urge neste dealbar da nova época escolar. ,
,
Vamos pois levantar este anátema que caiu sobre Terras do Vouga. Domingos Alfredo Gonçalves, de Sernada do Vouga, continua a enviar para a Imprensa os clamores daquela região: «Lançámos há uma semana o grito: «O Vale do Vouga não pode morrer» e verificamos que ele ecoou pelas quebradas dos nossos montes retomando até nós de todos os quadrantes da região servida pela nossa via férrea, Certamente o eg.? Arrnínío Quintela tudo fará para que à nosso afJitivo grito de alma chegue às altas esferas da Governação Pública, de onde, certamente, virá o bálsamo bendito, para refrigério. das nossas apreensões. O Vale do Vouga não pode morrer) porque com ele morreria a. célula essencial da vida económica desta região. E porque assim o sentimos, estamos com o distrito vizinho e com ele gritaremos, hoje e sempre a plenos pulmões: Não! Não! Não! O Vale do Vouga não pode morrer».
Está à prova o.agir da C.P. perante o.clamor de dois distritos. Estamos certos que 'o comboio voltará.
e
Vale do Vouga não pode morrer ,Todos estão a perder com a medida inesperadamente adoptada, A C.P. deveria ter sextuplicado: o seu prejuízo: e o público, porque não é servido-convenientemente. Até o turismo passa .a ,ser letra morta numa região que ainda está por descobrir mascompoteneialidades ímpares nesse sector. 5-2
53
II
Desespero que grita
AVEIRO- VISEU'
À médio de vintevquilómetros/horo o comboio desapareceu. Foi um ar que lhe deu. Tal'l>ezGtlÍdasse nos segredos dos deuses, (nania nos nossos). A linha Aveiro-Sernada~Viseii. i;ass~u â ser um sõnho; o seti «Texás» foi~se numanoite de nevoeiro e enevoados ficaram todos quonio« ainda sé iam servindo doanacremico meio de transporte. Desde logo começaram a cheçarã« entidades é até aos jornais v~ementes reclamações. As camionetas noo servem. Nád podem servir. Consumatum est. Os telegramas e cartas ebooerom: Quem olvidaria os queixumes aflitivos vindos de Aveiro a Viseu? Metemo-nos ao caminho e vimos. Estação de Aveiro, 7 horas e 40 minutos. O horário da partida para Viseu no papel exposto ao- respeitável público era às 7 horas e 15 minutos. Um pouco de atraso. Um' tantoeompreensívef elare, dada a desorientação do princípio de uma nova etapa que matoua iniciada há 6(} anos! Chuva, uma chuva miudinha. -- Não, não é essa a camioneta que vai para Víseu, diz-nos um solícito ferroviário. É aquela, mas parece queestão ali a resolver um problema. Juígo que falta um motorista e aquele não quer ir porque a estrada está molhada e diz ser um perigo conduzir para Víseu assim ... Era o princípio de uma odisseia que o jornalista ia encetar até â hospitaleira cidade de Viriato. Seriam cinco horas e um quarto de trajecto. Como poderia haver perigo na condução, .monologamos nôs, quando chegámos à capital da Beira Alta se o horário médio não chegou a vinte quilómetros?! Que pena não possuirmos pernas e bicicleta de um Joaquim Agostinho?! Mas a camioneta arrancou; passa por cima dos trilhos do «falecido» comboio do Vale do Vouga. Requiem aeternum e reza por l
57
certamente foi a oração que brotou de todos os passageiros que seguiam para a «histórica» maratona. Pois. quem não havia de implorar as bênçãos do Alto se o motorista apregoava naquela manhã de chuva que a estrada era um psrigo?'! - Isto qualquer dia é um sarilho; eles andam a abusar com os escravos dos motoristas ... Eu não tenho obrigação de ir a Travassô (estação). A outra camioneta já lã foi!. .. - Tem, sim senhor, há lá gente, com certeza ... E o diálogo assim se começava a desenrolar, ali por alturas da Varanda de Pilatós, entre revisor e motorista. Os passageiros; ouvidos bem atentos e' «chorando» alguns a queda do seu comboio, também diziam das deles: - Isto, isto foram os senhores engenheiros que fizeram. tudo isto ... Dizem que isto dava prejuízo; mas, ao. fim do ano, parece que ainda. se distribuem gratificações! A quem é que elas.cabem, .isso não sabemos! . - Ó senhor; deixe-nos aqui... Estamos perto dos nossos empregos, . '. - Não, isto é um comboio (comboio sem linha, é claro) e só podeparar nas estações ... 4'" Senhores passageiros façam favor. (ou sem . . favor, . porque . . favorecidos ficam todos quantos ainda têm a sorte de ir. embarcando!), façam favor de sair desta camioneta. É aquela que vaí para Viseu. Continuava a chover, e o homem do boné branco, O incansável chefe lá andava a pingar. No Verão talvez pingue de suor, por tanta arrelia! Quer servir bem um sistema .que lhe deram já anacrónico! - Ó senhor, não é esta a camioneta que vai? - ...Mas os senhores disseram que era esta? -'- Não, não é; houve engano! - Bem, bem isto é uma pouca vergonha é o que lhe digo ... A C.P. até parece querer demonstrar que o público lhe merece respeito; parando aqui, parando ali..E nós até nos fomos lembrando do que reza a história acerca das antigas diligências!.O tempo avança. Não, não é isso ... Um marinheiro dorme entre Aguada e Albergaria. Perdeu o tino. As voltas foram tantas que o rapaz se quis ir .para a sua terra
até teve que ficar no meio da estrada. Bem! vinha a dormir, comenta-se! ... Mas quem dorme?! Não, não é anedota. Mas quem assim pensar, que se dê ao trabalho de fazer uma destas viagens. Quando chegámos a Albergaria-a-Velha, a uns vinte quilómetros de Aveiro, tínhamos no bornal uma hora e quarenta e cinco de viagem. Um funcionário da C.P. viaja ao nosso lado. Ele não quer o nome no jornal, apesar de já ser reformado. Mas há coisas ... _ Ainda não consegui ver qualquer pessoa que esteja satisfeita com isto.
5.8
59
I'lÓS,
o
.
* * * E as curvas começaram. O motorista todo se esfarrapa para conseguir chegar pouco atrasado; mas com esta chuva, o raio da chuva; estes precipícios, quem se abalançará?'! E o rio Vouga vai correndo. Pinheiro de Lafões. Horizonte ofuscado que não nos deixa de irritar. Descendo a encosta, escadas abaixo, lá vinham os passageiros. A estação fica, em linha recta, cerca de uns cem metros. A camioneta poderia ir à Estação, evitando-se assim, para além do mais, que se recebessem passageiros numa curva sem qualquer visibilidade. Bem, para a C.P. não há curvas e nem talvez haja transgressões ao Código ... Foi-se enchendo, enchendo mesmo. Em Oliveira de Frades levava apenas mais uns passageíritos ... Que o diga aquela veneranda anciã que numa travagern brusca se precipitou no, meio do corredor! '- Tenho saudades, muitas saudades do comboio. Muita gente punha o fogo e diziam que era o comboio. Vamos lá a ver se não há mais fogos! O comboio levava tudo. E não vê, senhor, como vai aí tudo enjoado, o que não acontecia com o <sfalecido», com aquela «alma de Deus» que o diabo levou! Era a Maria do Céu que a plenos pulmões gesticulava na camioneta. - As estações estão viúvas, senhor! Desidério de Almeida Paiva embarcara em Agueda. Agora nem sequer sabemos quando podemos viajar. Quando Ü' comboio era
vivo, ah, não ficava um passageiro em-terra! E sabiam que ele vinha. Vinha sempre. Era generoso! Levava até as nossas batatinhas e os nOSS06mantimentos. Sabe o que lhe digo? .Asestações estão viúvas! Veja esta; que tristeza! Está tudo. a voltar para trás! Em S.Pedro do Sul a camionetavoltou para trás. Precisava de ir tornar um «banho» nas termas. Mas quem o levou foram os pobres passageiros. Os vómitos sucediam-se. Atingimos Moçãmedes. A camioneta consegue furar por entre a verdura,mas de arrepiantescurvasvagravadas mais adiante de precipícios,de buracos, na terra batida! Corno, como se pode viajar por aqui? Isto só serve para carros de bois ~ ouvimos do lado. ~ Prefiro as camionetas, embora tenha mais trabalho. Mas o que eu não quem é sair desta Zona. Montei aqui casa, e não saberia o que fazer à minha vida se fosse destacado para outras bandas, diz-nos o revisor. Laurentino dos Santos, motorista, avisa: -Bem, isto de Inverno, de S.Pedro do Sul para cima pode ser mesmo um perigo - neve, gelo e curvas, veja lá ... Fernando Soares, técnico: -r+ Isto de camionetas não seria mau de todo, se a estrada tivesse condições para dar uma certa comodidade. Assim não
UMPANDEMÓNIO
Aquela
Estação
de Viseu l ...
Decorria animada a Feira de São Mateus, em Viseu. NãQ fomos ali para ouvir canções afamadas de não menos afamados cantores. A nossa canção era ouvir o povo. Esse povo que bota as mãos fi. cabeça pedindo a todos os santos que lhe mandem novamente 00 comboio rejuvenescido. Dois distritos foram directamente afectados. As suas' gentes botam o mesmo luto pelo anacrónico comboio! ... «Deitemo-nos cedo para cedonos levantarmos. Somos de muito
satísraa. Lauríndo de Almeida, Maria da. Conceição, José Vicente, .todos e mais alguns que ouvimos já no termo da viagem, com a torre da velha Sé de Viseu à vista, foram unânimes, nos seus depoimentos. Nada há que substitua o comboio, mas um comboio dê máquinas modernas.
o cais 60
dos 'passageiros transformou-se
num armazém de mercadorias: ..
tem-dado . à vida de Terroviário. Apenas espera,' não dias ten . brosos, mas a continuação no poiso que construiu ao lado da linha. Olhos curiosos, ferram-se nos nossos. , ~ Isto é o diabo! Não aguentamos isto! A estação está deserta de' passageiros, mas abarrotada de mercadorias . ..:..::..: Não, nós não estarnos afogados, estamos eníorcados.. que é diferente, senhor! Quem pode dar vazão a tudo isto?! Este o grito que, aqui e ali, mais' além, iamos registando. E o chefe, de bonébrarico, corre aqui, acode acolá. .~ Não, não lhe posso dizerçjá lhe disse! Os senhores façam cálculos, não será muito difícil! - Cento e' cinquenta toneladas?! Um sorriso, um leve encolher de ombros e até fícâmoaeonvencidos que não nos enganámos muito. São atrasos de quinze dias. A estação já tinha muito movimento. Era o canal de desembarque detodaa vasta região da Beira Alta. Antes, as mercadorias vinham distribuídas pelas duas linhas: Vale do Vouga e Dão. Agora cai tudo na nacional (Dão) e dá este resultado. E Santa Comba Dão também não está melhor! Quem será capaz de dizer que o comboio não faz falta? . De gente que espera levantar mercadorias, encomendas, registamos: ~ Rebentaram com a linha do Vale do Vouga e agora rebentam com a «Nacional». Vivem-se horas de incerteza. Foi uma machadada que deram a Víseu e a toda esta região.
longe, temos muito para andar» - ouvia ,eu lá na minha terra quando menino e moço, aos rapazes que iam pedir os <<Reis».· Manhãzinha cedo, já 00 nosso amável cicerone, o poeta e prosador «Rijo», nos batia à porta do quarto. A etapa era de carro. A camioneta ficara, na véspera, no Largo da Estação. Antes de partirmos para São Pedro, não podíamos deixar de deitar uma olhadela para a estação de Viseu, onde outrora 00 «Vouga» dormia para, no dia seguinte, caloorrear montes e vales, apitando, silvando de quilómetro a quilómetro, chamando os fregueses, qual relógio de torre em dia domingueiro. Agora, ai agora, os que não podem comprar relógio, que falta lhes vai fazer o «Vale do Vouga»! Ele até era, neste caso, o pai dos pobres! ... ~ Ó Rijo, ó Rijo, atende aqui... Disto não falas tu!. .. E o Rijo, de máquina fotográfica na mão, esboçou um leve sorriso e seguiu, como quem diz: Esse tipo agora que te atenda! ... Eu estou todos os dias a aturar-vos! !! - Mas o que é? Atalhámos nós, ávidos de novidade. - Olhe, que há-de ser? !Não vê o que aqui vai? Eram os cais da estação abarrotados de mercadorias .. Era o sr. Carlos Borges, da firma José Borges, L.da, de Viseu, - Estão a chegar-me - repare bem, - mercadorias com quinze dias de atraso, Isto pode lá ser! Veja os prejuízos que o c-omércio, desta vasta região de Viseu, está a sofrer. Na estação reinava geral descontentamento. - Não, não posso dar declarações. O sr. compreende a nossa situação; por amor de Deus lhe peço que não faça perguntas. Ó sr. Rijo: este senhor deve compreender a nossa situação! ... As carruagens ali estavam às moscas ou à chuva. Ao lado, uma automotora. Gasta uns 23 litros aos cem quilómetros. Por que gasta tanto? Explicaram. - Isto deixa-me saudades. Trabalho aqui há dezassete anos, mas vivo o caminho de ferro há trinta e cinco. Tenho apenas quarenta. Foi o meu pai que me trouxe. Aqui montei a minha vida. Deitamo-nos todos os dias com o coração aos saltos. É que pode muito bem suceder que no dia seguinte tenhamos ordem de marcha. E depois lá está a vida escangalhada! ... Um dos primeiros desabafos. Desabafo inocente, de quem se
Santa Cruz da Trapa, ri dente localidade nos contrafortes da Gralheira, mimosa de vinhedos e árvores de fruta, é terra de la-rgas tradições e de homens de -valor. . Ali têm casa solarengao presidente da Câmara Municipal de São Pedra do Sul e o ex-govemador de Portalegre e Viseu, e deputado em várias legislaturas, odr. Manuel Marques Teixeira o povo da redondeza ainda o trata por «sr. governador».
62
63
"'
..•.
'"
Mesmo na rua, registámos o depoimento simples,do €ir,Marques Teíxeira. Também ele viveu e continua a viver o golp-edado no Vale do Vouga, que atingiu directamente não só os dois distritos - Aveiro e Viseu-mas, de certo. modo, todo o País. - Eu sou contra a suspensão dos comboios. Ainda mais: sou contra aextinção - começa por nos dizer o dr. Marques Teixeira. .E logo prossegue: ----..COIIl() estava,não satisfazia, isso é verdade. Porém, havia que os modernizar. Os comboios têm mais regularidade nos horârios, Aumentar-se, por exemplo, o número de automotoras, de melhor qualidade e com mais segurança. Para o transporte de mero. cadorias teríamos os comboios, que também poderiam servir para passageiros .:: Há uma mágoa geral pelamedida adoptada. A Imprensa é um reflexo do descontentamento que reina desde Aveíro a Viseu, Olhe que até 00 aspecto sentimental me sinto rertdopor esta suspensão! ...
São Pedro do Sul, de encantos ímpares, do Vouga correndo de mansinho, como diria o poeta, sente a falta do comboio, do seu comboio. Na estação, que alguém afirmara ser um cemitério, apenas o chefe nos recebe, nessa manhã de domingo já de sol espelhante. Os carris lá estão. E continuarão a estar, até que um dia ... esse dia tão desejado pelo extenso co~celho. As termas de São Pedra do Sul também sofreram. Seria ímpossível registarmos. todos os depoimentos, mas eles afinam pelo mesmo diapasão: venha o comboio modernizado.
* * *
O dr. Telmo, jamais nos abandonou, desde que pisámo t rr de Vouzela. Incansável. Trabalha pela sua terra e sabe b m quanto pode a Imprensa. Ao s-eu jornal chegam constantes reclamações. Entre outros depoimentos registamos o do Dr. Antero de Araújo. Começou por nos dizer: - Isto é um absurdo. Podiam substituir as máquinas a vapor por máquinas «diesel». Bastaria hav-er dois comboios um ascendente e outro descendente. Serviriam para mercadorias e algumas carruagens ainda para os passageiros que o quisessem utiliza!'. Colocariam automotoras. O trajecto seria encurtado, Viseu-Espinho (141 kms), de sete horas para duas. A máquina a vapor gasta 15$OO/km,e a «diesel» $70jkm. Já vê o que a C.P. pouparia. Logo a seguir dispara-nos está pergunta: - De quem foi a culpa desta tragédia que caiu nestas terras? Unicamente da C.P. E prossegue: - Não temos estradas capazes para se processar um escoamente de mercadorias e, nomeadamente, escoamento de madeiras, de que esta região é rica. E a terminar: - A camíonagem está longe de satisfazer esta vasta região. Nos cafés e nas ruas, essa massa anónima de inconformados clamavam: - Fecharam-nos uma das únicas portas! E faziam perguntas: - Quem desenvolveu esta região, designadaments aquém da Gralheira? Unicamente o comboio! Se isto está um tanto mimoso, em contraste com as terras daquela serra da Gralheira, isso só se deve ao comboio. Fez a sua época, é certo, mas que o modernizassem! Tiveram tempo para isso!
Vouzela protegida doo ventos e abençoada pela Senhora do Castelo, também espera. Desolação por todo o lado. Nos cafés comenta-se O: caso; fazem-se sugestões; barafusta-se. Na estação.,o ambiente é deveras triste. Nos olhares daquela gente, ferroviários ou não, adivinha-se e desespero. Mais uma estação. viúva!
Em Vasconha, nas faldas nordestes do Caramulo, havia festa. Terra de tradições, antiquíssima, com c-erteza, típica, precisamente pelo seu primitivismo (ou não víramos nós até sair um porquinho arrogante de uma casa! Talvez passasse por ali o São Francisco e deixasse lá os hábitos de irmandade l). Nesse di~ tinha música porque era a inauguração da luz). . ...,
64
65
..
.
.
Fernando
Lopes Pereira,
pertence
à direcção do Grémio
NÃO ACONTECERIA ESTA TRAGÉDIA
da Lavoura de Vouzela:. . . _ Afectou profundamente a lavoura na região. Assim nos VaI dizendo, enquanto que uma moça, de fato domingueiro, n~s e~peta na lapela a fitinha da praxe. Era mordoma e precisava d.: dm~e.lro... _ Como sabe - continua o sr. Pereira - esta regiao utilizava muito o oomboio nos transportes de animais para as feiras. Os comboios levam tudo. E sabe? Era até um moderador! Agora se vierem as camionetas de carga, levam pelos transportes o que querem e lhes apetece. E a terminar: _ A C.P. desconhece que muitas localidades foram erguidas à beira da linha e dela viveram. E agora? .. '"
'"
Se isto continuasse Caminhos
na Companhia
dos
de Ferro do Vale do Vouga
'"
=r=
. Entretanto uma comissão da Sernada e aJguns ~as proximidades, apresentaram ao presidente da Câ:nara ~U~~c~?~l de Águeda uma longa exposição assinada por ma~s de mtl. tndtVtdualidades daquela localidade, a pedir a reabertura da ltnha do Vale do Vouga. O presidente da edilidade entregou-a ao governador civil dr. Francisco Guimarães, que prometeu(l) aos representant~s dos expositores, que a faria seguir para Lisboa, e que dentro de quinze dias a três semanas daria uma resposta. \ (;..-Y
Noite estrelada. Nas encostas da desencantada Gralheira, uma «cidadezinha» na escuridão, reluz! Parece que era um céu em terra agreste. E ouvia, olhava, e a música entrava-me nos tímpanos e a luz das estrelas da aldeiazinha projectava-se-me nas meninas dos olhos. Mas de quando em quando ficava absorto, taciturno, e O'Sgritos, os clamores, as 'lamúrias ouvidos durante já dois dias, vinham à baila. E esquecia-me que estava em Pinrieiro de Lajões. Lembrava-me daqueles homens de barrete branco à espera do seu comboio; lembrava-me daquele chefe que se entretinha a limpar os carris da estação. Ele tinha esperanças que o comboio voltasse; lembrava-me daquele outro que vi chorar (chorar, sim, senhores) por que sofria de moléstia que não perdoa e agora se vê na iminência de ir para outros lados; vieram ao meu pensamentO' aqueles passageiros que corriam como galgos, para não perderem a camioneta; lembrei-me daqueloutroe que há dias estiveram horas à espera que vie$se o que se tinha prometido, acabando por perder a feira de Oliveira, indo outros ai pé, com o bdhete nO'bolsa.
* '" * (1) _ Bela promessal. .. Mais tarde proibiria terminantemente os presidentes das câmaras e Juntas de Freguesia de falarem sobre o Vale do Vouga.
Felizmente que tudo se vem a saber! ...
66
A noite surpreendera-me em Pinheiro de Lafões. Casa para ficarmos, e mesa para saborearmos o belo bife de Lafões, não 67
faltaram. Essa gente, boa e hospedeira, recebeu-nos carinhosamente. Mas continuemos. A procissão saiu do adro e não pode recolher sem correr toda a via-sacra! De manhã, o sol, por entre os vinhedos, veio-me visitar e, prodigamente, espalhou as benesses de bons dias. Oxalá que fossem bons dias para toda esta gente. E a C.P., com uns milhares de contos, até prestava um bom serviço à Nação de todos nós (de alguns, nesse tempo!). Celestino Martins, presidente da Federação das Casas do Povo do Distrito de Viseu e presidente da Casa do Povo de Lafões. O seu grito é bem elucidativo. Na dupla qualidade, afirma: - A lavoura foi profundamente afectada, prejudicada nos seus anseios. Todos os transportes de mercadorias estavam a ser explorados pela C.P. Esta empresa movia influências junto das entidades estatais para não conceder licenças de alugueres de longo percurso. Assim, temos que os concelhos de Castro Daire, S. Pedro do Sul, Vouzela, Oliveira de Frades, Sever do Vouga e, se não me engano, de Lamego, não possuem um único aluguer desse género, apesar de as Câmaras Municipais instarem constantemente para que sejam concedidas, corroborando o pedido muitos industriais. - Entende que o comboio poderá vir a ser dispensado? - É de minha opinião que se o Governo tomasse as medidas que se impõem, poder-se-ia, a longo prazo, dispensar o comboio. Assim: 1.0 - Alargamento da estrada n." 16 e eliminação de grande parte das curvas. O movimento aumentaria; 2.° - Conceder licenças a outras empresas de camionagem, quer de passageiros quer de carga, de modo a que o público fosse bem servido; 3.° - Autorizar nos transportes de longo curso, serviços colectivos, o que até agora está vedado. Se isto se verificar, entendemos que o comboio até se poderia vir a dispensar. Enquanto isto não suceder, é inviável e desumana a medida adoptada. E o sr. Celestino continuou ria sua longa e bem fundamentada exposição: - A culpa da não rentabilidade desta linha deve-se única e exclusivamente à C.P. Os caminhos de ferro são como um segundo 68
Portugal. Eles podem, mandam e querem. Se isto contínu Companhia dos Caminhes de Ferro do Vale do Vouga, nunca h ríamos a esta tragédia. Mas a C.P. tomou conta do material. Nun o renovou e nem procurou atender os clientes como devia. Isto foi um monopólio e quem ficou monopolizado foi o respeitável público. - Quer saber como a C.P. não liga nada ao público? Chegamos a receber aqui mercadorias com 10 e 15 dias de demora, procedentes de Lisboa. Era o tempo suficiente para que um carro de bois a transportasse! Uma verdadeira anarquia! Para se ir de comboio desta terra a Aveiro - 60 quilómetros, gastava-se mais tempo do que Aveiro-Lisboa - 200 quilómetros. E' quem criou este clima deficitário? Unicamente, como já lhe disse, a C.P. E prossegue: - Apresentei, há dias, uma reclamação à C.P., na qual apontei as anomalias verificadas na estação. Assim: a camioneta de passageiros pára na Estrada Nacional, numa curva. A estação fica a duzentos metros e com com acesso e até óptimas condições de manobra. Não compreendo por que é que ela não vem à estação?! ... Aqui ainda os passageiros se podiam. abrigar das intempéries! - E porquê tudo isto? - Sei lá!. .. Olhe, até parece que a C.P. prima por servir mal o público. Ela lá sabe por que o faz!. .. , E digo-lhe mais: o caminho de ferro foi uma riqueza para esta região. O que seria isto se não tivesse por aqui passado?! Tenho a impressão que se a C.P. deixasse a linha, havia muitas empresas que a quereriam explorar. E depois veríamos se esta linha seria deficitária! ...
* * * Era feira em Oliveira de Frades. Aqui e além, na estrada, fomos encontrando gente. Aos grupos. Sacola às costas, descendo dos pinhais, aproveitando os atalhos. É um desabafar. Quem está magoado não tem «papas» na língua e conta tudo, sem mesmo saber a quem. Um estranho na 69
estrada, em campo ermo, era ousadia! Mas eles des,fiam a meada, antes de nos Identificarmos - Ó senhor, eu esperar pela camioneta, nisso não volto eu a cair! ... No último mercado foram largas dezenas de pessoas que ficaram semenfeirar, e olhe que com bilhetes pagos! Uma hora, duas horas à espera, quem vai nisso? Assim começou o América Mamede (de Vila Chã - Arcozelo das Maias): - Vou nove quilómetros a pé, mas sei que faço a minha feirinha. Faz hoje um mês que estivemos à espera, desde as dez horas até depois do meio-dia. Olhe que, sem exagero" eram para cima de 130 pessoas! Onde havia tanta camioneta? O comboio levava tudo, nem que fosse em peso toda a gente destas povoações i... O José Fernandes, de Arcozelo das Maias, interrompeu para desabafar: - Eu tirei o bilhete e fui a pé! De repente apareceu uma camioneta. - Olha, vai ali a tua mulher! ...
- Antes - disse - ia a pé. Veio o comboio, foi um regalo, mas agora volto a andar a pé ... Chegámos a Paradela, já no distrito de Aveiro. Estudantes que esperam a camioneta para Viseu; gente que vai ainda para a feira, todos olham para a estrada a ver se a camioneta vinha. Talvez venha! - Olhe, nem que eu tenha de ir fazer queixa a quem manda, hei-de mostrar-lhe que isto não pode ser! ... É o António Duarte que desabafa, enquanto do lado íamos ouvindo: - Vá, vá ver essa ponte. Qualquer dia é aí uma tragédia. É mais uma. A primeira foi acabarem com o comboio. A placa indica doze toneladas. Mas os camionistas querem lá saber disso?! ... Também não há mãos a medir, e espetam-lhe com vinte toneladas, pelo menos.
- Então os senhores não sabem esperar na estação? - diz o revisor. - Eu sei lá se vocês vinham?! ... Mais uns passos à frente e estamos em Arcozelo das Maias. Uma multidão. A estrada ficou interrompida. Gente dum lado, gente do outro .Carros que se cruzam, carros que se metem na bicha. Entretanto, muito rapidamente, fomos registando alguns desabafos. - O comboio era um bem para toda esta gente - diz um velhote. - Olhe, estamos aqui à espera do que não poderá vir! O comboio poderia vir atrasado, mas sabíamos que vinha sempre. - Pode dizer-me o seu nome? - Eu chamo-me Emília. Bem, espere um pouquito, que eu mostro-lhe a minha cédula. Abre um saquinho e desembrulha. Emília Marques, é o seu nome. Ela já precisava de mostrar a cédula. Pudera, é do tempo que não havia comboios! 70
71
SER NADA NASCEU COM O COMBOIO
E desaparecerá
com o comboio
Ó sol já ia alto, beijando a verdura de matizes e cambiantes, algo parecidas aos da Suíça. O Vouga, lá corria meigo em mil e uma sinuosidades. De um lado, Paradeia; do outro, Sever do Vouga. Quem será capaz de escolher ou optar? Talvez se por ali passasse o turismo (com letra maiúscula) escolhesse as duas belezas. Só conhecemos coisa parecida para os lados de Monchique: Uma diferença porém: a Monchique ou arredores já chegou o turismo. É Algarve! Ponto final! ...
Sernada nasceu com a linha e será nada sem ela.
Gentes da Sernada, milhares de pessoas esperam a incerteza do dia de amanhã, que prevêem negro, muito negro! Será a tragédia. Nós continuamos a dizer tragédia. Outros digam o t ,. . contrarm nao nos Importa! Mas esses que consultem o povo!. .. Na última vez que estivemos na Sernada, ainda havia muito carvão, mesmo muito carvão. Havia reboliço, sinónima de vida que circulava ruomundo do trabalho. Então o dissemos. Agora descendo a encosta, dep-ara-se-nos a solidão, isolamento!. .. Rio poluído; olhos tristes, casas fechadas. É pelos olhos tristes que nós trabalhamos. O ambiente que se vive na Sernada é de desespero, de um desespero, acentue-se bem, resignado, mas não conformado. É que Sernada nasceu com o comboio e está na íminência de desap-arecer com o comboio. Agora fica ainda uma réstia na linha de Sernada a Espinho. Mas o golpe também aqui já se adivinha. E amanhã será o fim ... As portas abrem-se-rJos e o diálogo recomeça no estabelecimento do sr. Gilberto Cadete, proprietário do «bufet» que sempre serviu os passageíros. - Isto parou. Há sete anos que tenho a concessão da C.P., cuja exploração me fica em 6 000$00por ano. - Quanto apurava por dia de vendas, antes da suspensão do Vouga? - Uns quinhentJos escudos. - E agora? - Agora, senhor, 50$00 e é quando é! ... Tenho a renda paga até Dezembro do corrente ano. Já pedi à C.P .. que me informasse sobre o que havia de fazer. A resposta ainda não veio. O que vou fazendo é da venda de algum copito! ... Os funcionários da C.P. estão a abandonar a Sernada. Mais adiante. da Silva.
Estávamos
no estabelecimento
do sr
.
José
- Abri a casa para servir o pessoal da C.P. - disse-nos. Em média apurava diariamente dois mil escudos. Agora não devo atingir os 500$00.Já vê que não posso continuar. Os encargos são grandes. Fechar a porta é o meu caminho! ... Acabrunhada, pensando no passado e adivinhando o futuro que se desenha triste, lá estava a sr." Palrnira Mendes da Conceição. 74
Viúva de um ferroviário. Há três décadas que se encontra na Sernada. Veio para ali, procurando viver, já que a pensão mensal de 422$00era insuficiente para o seu sustento. Socorria-se do aluguer de umas casitas. As rendas eram baratas , mas ainda conseguia apurar mensalmente seiscentos escudos. E com duas lágrimas teimosas a brotarem dos olhos, já um tanto encovados, vai dizendo: - Tenho já os quartos quase vazios. Ficarão mesmo para habitacão . das aranhas , se isto não se compuser. Foi uma tragédia, senhor, que desabou na Sernada, comenta-se do lado, mas em toda esta região. Foi uma bomba que aqui rebentou. Vidas escangalhadas, só nos resta agora emigrar. Emigrar para quem puder, é claro! ... Perto, mesmo ali ao lado', espreitava-nos o sr. Alcino Martins Vieira, proprietário de um estabelecimento. Também ele vive horas más. - O meu apuramento diário, responde-nos à pergunta feita, era de 1 500$00 a 2 000$00. Agora 200$00 a 300$00 é o muito. Tenho uma despesa diária de 300$00. Com três filhos, que posso eu fazer? Fechar o estabelecimento e procurar cutros mundos e outra vida ... Olhe, escangalharam-nos as vidas! ...
* * * Jafafe é uma localidade típica, deveras típica, separada da Sernada apenas pela ponte onde o comboio passava. Tal como a Sernada , também Jafafe está a começar agora a viver a suspensão do seu comboio. Desde já diremos que aquela localidade, muito embora esteja separada pela ponte, como dissemos, no entanto, qualquer transporte, entre uma e outra terra, terá de percorrer mais de quinze quilómetros. Incongruências, paradoxos! Idêntica situação se passa, em relação à Sernada, para quem quer entrar na localidade vindo da Paradela. A distância da estrada n." 16 à Sernada não será mais do que a percorrida por uma pedrada solta de mão ágil. Pois para, se atingir de automóvel, será necessário percorrer uns dez quilómetros, 75
depois: de ter visitado Albergaria. Por aqui se pode aquilatar do seu isolamento. . ?ebate~-se agora com problemas de infra-estruturas que ramais sentiram quando o comboio as servia . Uma serre ,. d e probl emas a que as .e?tidades d~vem estar atentas e não jogar apenas com a tal rentabIlidade economica Mas voltemos a Jafafe. O comércio está na iminência de desaparecer. Muitos ferroviários montaram vida. . . - Quando tO?OSos povos progridem, nós andamos para trás, aSSImcomeça a dizer-nos a sr." Silvina,enquanto vai ainda aviando alguns dos poucos clientes. E disse mais: --:-Nós andamos para trás. Fazia uma média de mil escudos por dI~: ~gora, metade, e enquanto ainda vão estando por aí alguns ferroviários. Se isto não melhorar, tenho mesmo de f.echar. ~ubindo a encosta, fomos visitar a sr." Maria José Ferreira. Souberamos da sua doença. Sofrera um «acidente» de «comboio»que anda em pneus (!). Tinha-se levantado no dia anterior. -:- ~ui à minha terra, ali para os lados de Pinheiro de Lafões. A ~nmeIra vez que viajava no tal «comboio». No sfalecidos, fui mu~tas, vezes; Nunca ad.oeci. Mas agora, neste malvado... Nunca mais Ia. volto. Ir de camioneta , quem vai nísso?. !. Fo ram CInCO . dilas que estive de cama! Julgava que morria!. .. _ Ai, s:n~r, com sua licença, foi por cima e por baixo!. .. Talvez nao volte a minha terra! A não ser que venha o comboio. Do lado, a vizinha comenta: Bem: bem, 00 pior são os meus filhos, os meus três filhos que a~ora tem de ir para os estudos e não sei corno há-de ser! O comboio levava tudo. Vai ser bonito! ... =r:
* * * . - Olhe, para além de tudo o que já tenho escrito na Imprensa regional e ~o «üm~ér~io», acre~centarei que é desumano, inconcebível a medida drastIca que Inopinadamente foi tomada. Assim começa, o de~oimento do sr. Domingos Alfredo Gonçalves, homem que esta a VIver o caso intensamente, porque o vê viver a todos 76
os seus conterrâneos da Sernada e daquela região. E continuou: - As mercadorias estão a chegar com vários dias de atraso. Recebi llrrw do Caramulo (uns 40 km. até à Sernada), com doze dias de atraso. Outra de Cabeceiras de Basto, com idêntico atraso. O que nos consola é sabermos não estarmos sós nesta luta titânica. E o senhor que vem dessas terras beiroas, auscultou e viu que, afinal, o nosso grito não é de saudosismo, apenas saudosismo, é de desgosto consumado e prejuízo. E com poucas palavras, mas imbuídas de muito sentir, Domingos Gonçalves baixa os olhos e continua: - Foi um golpe que nos vibraram. Que teria feito esta gente para a C.P. assim proceder? As entidades .oficíais que olhem bem de frente o futuro. Ê que esta gente até sabe estar presente quando é necessário e ausentar-se quando se sente ferida nos seus legítimos direitos ... É que nós (toda a vasta região, onde milhares de pessoas curtem o infortúnio), também somos Portugal e portugueses que sabem O'que querem e para onde caminham. Uma pequena divagação e o desabafo prossegue: - Foi um golpe na nossa carne ... Mas ela ainda lateja. É a vida dos nossos filhos que também está em jogo. O fogo queimava alguns dos nossos haveres, mas esta foi uma machadada que rasgou fibra a fibra as nossas vidas. E a terminar, comO' que desesperado, acrescenta: - Não, não, toda esta região de Aveíro a Viseu não pode viver sem a principal artéria que lhe trazia o sangue generoso do progresso. Fale, fale, não se canse de escrever. Está em perigo uma parcela do País. Poderá ser que nos ouçam!
* * * Como já dissemos, uma longa exposiçao subscrita por 1 320 assinaturas da Sernada e algumas localidades limítrofes, foi enviada ao Governo Civil, mostrando a desolação pelas medidas tomadas relativamente ao funcionamento das vias de comunicação do caminho de ferro do Vale do Vouga, pedindo para que as mesmas circulem com o material que se entenda ser adequado. Na mesma exposição, e a terminar, frisa-se que aqueles povos não podem
prescindir da linha do Vale do Vouga, como único transporte que satisf.az. - Foi difícil arranjar Domingos.
PSEUDO INDIFERENTlSMO
tanta assinatura, perguntámos ao sr.
- Facílimo. Arranjaram-se estas como se poderiam ter arranjado duas, três, quatro mil. O povo está unido e não concebe, não pode conceber, que acabem com a única via pública. Agora ficamos isolados. Sernada tem setenta fogos. Destes, sessenta vivem da C.P. Estou certo, finaliza Domingos Gonçalves, que poucas pessoas por aqui se irão aguentando.
Dr. Homem Nem
contra
de Meio: nem a' favor
Até agora, apenas ouvimos, na qeneraudade, gente do povo, gente que não sabe tuiiuraimenie urdir retóricos discursos, mas que sente, isso sente, nas suas veias, o go~pe que impiedosamente sofreu. E nós vimos esse povo, de olhos bem arreqalados, quase
Palmira l\Iendes não viveu o suficiente para assistir à ressurreição do Vale do Vouga, que tanto desejou. Culpado? - Um certo indiferentismo.
78
79
a pedir-nos de joelhos que interpretássemos os seus anseios e os levásemos bem longe. Foi isto o que até agora temos pretendido relatar, com a simplicidade e naturalidade que nos caracteriza. Daqui para a frente [alará também o povo, mas um «povo» . sábio, de ciência feita! Falarão homens de «canudo» e homens de responsabilidade político-administrativa.
* * * Quinta da Aguieira, no conceho de Agueda. Quinta onde têm passado e permanecido as mais altas figuras da vida política. Era ao cair da tarde. Hora marcada. Hora mais ou menos cumprida. Apenas ligeiros instantes de espera. O dr. Homem de Melo, de nome completo, Manuel José Archer Homem de Melo, conde de Agueda, deputado pelo círculo de Aveíro e director do vespertino <<.A Capital», não se demora. Conversa, diálogo, por vezes, um tanto animado. Respeitamos opiniões, sem jamais abdicarmos do nosso parecer e do nosso pensar. Aliás, ele fica bem expresso nos nossos comentários. Mas estávamos na Quinta da Aguíeira, não para discordarmos ou concordarmos, mas simplesmente para registarmos o depoimento de quem se prontif'ícara a dar-no-Io: o depoimento do filho de quem há décadas tanto pugnara para que a linha do Vale do Vouga fosse uma realidade. Isto é sintomático. Depois de bastante oonversa, lançámos a pergunta, sinteti~· zando toda uma problemática de análise do Vale do Vouga: O dr. Homem de MeIo espeta-no i? um sorriso e intimida-nos a escrever. (Scribe! - diriam os latinos).
e)
- Sou a favor do progresso. - E pross,egue: - Parece indiscutível que, pelo menos, nas circunstâncias em que a linha estava a ser explorada, o Vale do Vouga tinha-se transformado num autêntico anacronismo. Portanto: se se deseja o regresso a uma exploração idêntica à anterior, não posso deixar de lhe dizer que
(1) -
A intimidação era própria dessa época!
80
sou «contra». Se se encara a hipótese de melhorar o traçado, de alargar a via, renovar o material, abandonando definitivamente as máquinas a carvão, dir-lhe-ei que sou a «favor». E I.) dr. Homem de Melo, voltando-se agora para a solução que lhe parece mais viável, acrescentou: . - Mas não seria sincero se não acrescentasse que não acredito na possibilidade da renovação reíerída C). O que me parece mais aconselhável, é que autoridades e população pressionem o Governo, no sentido de iniciar quanto antes o eixo rodoviário Aveiro-Viseu, fundamental para o desenvolvimento da região. Entretanto, haverá que sofrer com paciência os inconvenientes resultantes de uma situação de emergência. Se a C.P. mantiver um serviço eficiente de autocarros (e o Governo deverá estar atento à actuação da concessionária), estou convencido que os clamores tenderão a esbater-se e o público acabará por conformar-se. E como remate e parecendo fazer uma síntese, Homem de MeIo, finalizou com estas compassadas palavras: - Venha, pois, a estrada e quanto antes.
* * * Um café de Albergaria. Vila ainda pacata, mas que olha o futuro como quem sabe para onde vai. Albergaria-a-Velha, também ela sentiu a morte do comboio. Não tanto como os concelhos congéneres, porquanto ali ainda se vão ouvindo silvos a caminho de Oliveira de Azeméis, São João da Madeira e Espinho. Até quando não sabemos. Por outro lado, dali parte uma leva de camionetas. Por isso, não estará, ao que nos foi possível averiguar, muito mal. Mas também não está contente. Anomalias ainda se vão registando. Mas num mar de descontentes, a gota de Albergaria perde-se no 'Oceano revolto. Pois já nos íamos a desviar. Um café em Albergaria. Tomando
(1) -
Pudera!
Estava nos meandros! ...
81
a sua bica jogando (se a memória não me falha) as damas, fomos encontrar 'o dr. Homem Ferreira, advogado, deputado na pr:sente . f· a perlegislatura. Em duas palavras, sem ro deios, a írmou-nos
DISTRITOS RECLAMAM
guntaf eita: _ Não. concordo com a suspensão do Vale do Vouga. E prosseguiu: . _ E não concordo com a suspensão do Vale do Vouga, VIsto servir zonas onde o serviço de camionagem não pode cheg~r: O fac~o do comboio ter originado o incêndio de proporções catastrofIca:, nao . ti mas apenas poder a ser me parece motivo para a sua ex mç:w, . ., ., se incentivo para uma renovação de maquinas, o que, aliás, ja impunha há muito tempo. _ Está convencido, o dr. Homem Ferreira,
falam do Vale do Vouga
. que o comboio
voltará? .. _ . , . _ Estou convencido que sim. Até porque é opimao pública, e . do que isso pela própria necessidade das populações, que maIS, ., . desejam ver restabelecidas as carreiras ferrOVIanas. E prosseguiu o dr. Homem Ferreira: . _ A linha é deficitária, parece, mas dado o mteresse ~as populações, como já referi, .entendo. que se tr~ta. de um serviço que não pode ser extinto por ser de mteresse publico.
82
Oito concelhos
Vouga acima ou Vouga abaixo, todo ele foi um caminho calcorreado. O povo falou. Os representantes oficiais dos concelhos também disseram alguma coisa.
* * * Ouvia a cantora Fernanda Baptista, no penúltimo arraial da Feira Franca, o dr. Nelson Bento do Couto. Não sei se para se distrair um pouco se por obrigação do cargo que desempenha. Por isso, ou por aquilo, o presidente da Câmara de Viseu estava ali presente. - Já deliberamos. Foram as primeiras palavras do dr. Nelson. Já deliberou a Câmara Municipal mostrar à C.P. e ao Governo o descontentamento geral que reina nesta região. A cópia da deliberação vai ser enviada ao sr. governador civil. E explicou mais: - É que se têm por inteiramente justificadas as razões que levaram a suspender as máquinas a vapor, no meio dessa tragédia que assolou os povos do Baixo Vouga, mas não concordamos que a linha se encerre pura e simplesmente. E não aceitamos, porquanto os prejuízos de toda a ordem são incalculáveis. - O que levou a Câmara a tomar essa decisão? - Aquilo que já lhe acabei de relatar, mas ainda porque à Câmara chegaram e continuam a chegar veementes reclamações 83
das gentes deste concelho, e perante isto, não podemos olvidar um dos grandes dramas com que os municípes se estão a debater. E a terminar: _ Amanhã ausculte o comércio e veja os prejuízos que ele está a sofrer com a demora de mercadorias. Que seja restabelecido o comboio com máquinas adequadas, ao menos enquanto se não abre uma auto-estrada Aveiro-Viseu-Vilar Formoso, ou seja substancialmente melhorada a estrada n." 16, Aveiro-Viseu. Depois disto, veremos se o comboio poderá ou não ser dispensado.
* * *
Numa manhã de domingo, de sol benfazejo, esbanjando raios acariciadores, fomos, até Santa Cruz da Trapa. Tem história, uma história certamente desconhecida de muitos. Fora vila e tornou-se célebre por ali perto se ter erigido um importante mosteiro da Trapa, de monges beneditinos. Nesta terra procurámos o presidente da Câmara de São Pedro do Sul. O professor Ildebrando Pinho de Oliveira foi peremptório no seu sentir e da maneira como pensa a Câmara actual: _ Está a acordar-se em se ef.ectuar uma reunião conjunta, dos concelhos de São Pedro do Sul, Oliveira de Frades, Vouzela e outras que queiram aderir, nomeadamente Viseu e Castro Daire, para irmos com o nosso governador civil, directamente ao Governo.
Já reparou - diz-nos - o que representa para esta zona a co1ocação de madeiras em lugares propícios para renderem mais? E a finalizar: - Para mim, a parte principal que afecta esta gente é o aspecto comercial. O lavrador desta região vive da madeira.
* * * Bastante longe do Vale do Vouga fica Castro Daire. Vila do interior, ela lá vai progredindo, mercê do bairrismo das suas gentes que nas horas vagas até podem pescar as belas trutas do Paiva, que a seus pés vai cantando até ao Douro. Pois também o Presidente da Edilidade de Castro Daire, dr. João Duarte de Oliveira, nos disse que o seu concelho se sente substancialmente afectado pela extínção do comboio. É a estação de São Pedro do Sul que está mais próxima desta vila. Os transportes de mercadorias para a linha do Norte faziam-se através do Vale do Vouga. Iam até Aveiro, e depois seguiam o seu destino. Quanto aos passageiros, também eles sofreram. A viagem, por exemplo, para o Porto, torna-se mais longa. Agora tem de se ir de camioneta até à Régua, e depois apanhar o comboio da linha do Douro. O comércio é afectado, pois tinha transacções com o Porto, e as chegadas serão mais morosas. - Se Os meus colegas - disse-nos a finalizar - quiserem ir ao Governo directamente, eu também irei dizer dos anseias das gentes deste concelho.
- E por que não à C.P.? - interrompemos. _ Não, vamos à fonte! Porque é ao Governo que temos de informar o que aconteceu e está a acontecer nestas terras. E não vamos à C.P. por várias razões. O Governo é que pode desenvencilhar-nos desta encruzilhada. E continuou o professor Ildebrando: _ Há que repor o Vale do Vouga em condições de segurança para os proprietários confinantes com a linha. Dê-se um mínimo de comodidades, mas não nos tirem o comboio,
Vouzela, terra hospedeira, terra onde a paisagem se casa bem com o belo e o horrível, chora também a perda irreparável. O professor Júlio Marques começou por nos dizer: - O comboio, com as estruturas que tinha, não servia. Porém,
84
85
* * *
havia necessidade de uma reestruturação, quer das máquinas quer da linha. E se assim fosse, ou se assim tivesse acontecido, a linha teria não restam dúvidas, outra rentabilidade, não só para a C.P., com; também para os utentes, para o público que dela se servia. - Isto como está é impossível. As mercadorias não chegam a tempo; os passageiros nunca sabem quando têm lugar. É uma situação in~tável. No entanto, estam os esperançados que o comboio volte, mas em moldes actualizados. E a terminar: - Houve há dias uma embaixada de mumcipes à Câmara, pedindo para que se interceda junto do Governo, a fim de se reiniciar a circulação dos comboios. A Câmara exarou em acta, e vai enviar cópia ao chefe do distrito.
* * * Em Oliveira de Frades o descontentamento é geral. Já o dissemos, mas agora é a voz oficial que se pronuncia. Adamastor Augusto Ferreira, vice-presídente da Câmara e presidente em exercício, declarou-nos: - Em face dos clamores gerais, o que fizemos até agora foi enviar telegramas à C.P., mostrando todo este fervilhar de desgosto, de prejuízo que o concelho sofreu. Vamo-nos ligar aos restantes concelhos e apresentar as nossas queixas em conjunto. - E então as camionetas? - A camionetas não satisfazem. As mercadorias andam muito atrasadas. O ideal seria a actualização das máquinas. Aqui, em Oliveira de Frades, havia até o tal comboio denominado de «académico». Os estudantes embarcavam e saíam, e chegavam a tempo às aulas. E agora? - Quanto a feiras? - Nem queira saber! Ficamos muito prejudicados. É um pandemónio! - Porque não satisfazem as camionetas? - Basta dizer que as camionetas têm lotação, e, como tal, uma vez cheias, não levam mais.
86
- E o turismo? - Ah! Também o turismo sofre bastante. É .que muita gente preferia viajar, mesmo sujando-se, em comboio do que em camionetas sem segurança. E quando vier o Inverno vai ser um problema. Gelo, neve e um mar de gente, nomeadamente estudantes, a quererem ir para as aulas e as camionetas a não poderem circular.
* * * Sever do Vouga. Mais paisagens, sentimentos e anseias iguais aos das terras de Viseu. O dr. David Dias Cabral, a pergunta lançada, responde-nos: - O caso está certo, desde que haja camionetas que sirvam bem o público e que não fique ninguém sem embarcar. Agora vejo as camionetas com passageiros, antes via comboios vazios. Estou um tanto convencido que muito do descontentamento é originado pelo pessoal da C.P. Mas não haverá razão para apreensões, porque estou certo que a empresa irá estudar todos os casos, e para cada um dará a respectiva solução mais justa e humana. Doutra maneira, até nem se compreendia. - Se forem máquinas «diesel», que se mantenha a linha, se não for ...
* * * Também à Câmara de Agueda têm chegado veementes reclamações. Só de duas ou três localidades, o dr. Horácio Marçal recebeu 1 230 assinaturas subscrevendo uma exposição de protesto pela suspensão da linha do Vale do Vouga. O dr. Horácio Marçal esclarece-nos: - A Câmara, logo após a suspensão, escreveu à Direcção-Geral de Transportes a pedir que fosse restabelecido o comboio com automotoras e máquinas a «diesel». - Chamava-se a atenção - prossegue o dr. Horácio .-:.para se construir urgentemente uma rodovia condizente com as necessidades de Aveíro-Agueda-Viseu.
81
E mostrando a sua opimao, o presidente da edilidade aguedense, acrescentou: . _ A solução que se adoptou é pior do que a que estava. Não serve as populações. Havia necessidade de melhorar o material ferroviário; construir o mais rapidamente possível a tal referida rodovia. Estes meios de transportes podem ser até complemento um do outro. Como está, é que não: nem comboio e nem estrada capaz de nela circularem camionetas com segurança .
RESPONSÁVEIS
NA EXPECTATIVA?!
.• * * Problema Finalmente chegámos à capital do distrito de Aveiro. Também o dr. Artur Alves Moreira nos disse que a Câmara, na sua ausência, recebera uma exposição de munícipes descontentes. Ela seguiu os trâmites legais. Pois também Aveiro não pode ficar indiferente aos clamores do seu povo, daquele povo que se sente atingido nos seus direitos. E rematou: _ Estamos a estudar um caso que pode resolver, de certo modo o problema das pessoas deste concelho que utilizam o comboio. 'Vamos pedir autorização para a Câmara colocar camionetas (na área do seu concelho) ao longo do percurso da linha. Acho que assim, com a «prata» da casa, se poderia acabar com as lamentações desses munícipes.
para
Governadores
Civis?!
Era começo da tarde de um sábado, quando aportámos em Viseu, após 5 horas e 15 minutos de viagem, tanto quanto se demorou a ligar as duas qrandes cidades - a de José Estêvão e CI; de Viriato. A nossa primeira diligência na capital da Beira AUa, foi procurarmos o mais directo representante do Governo: o chefe do distrito, enq" Armínio Quintela. Não estava, O fim-de-semana distribui-o entre Lamego e São Peâro do Sul. A distância que separa as duas cidades é grande, mas o nosso inseparável cicerone - o Rijo - para ele não há distâncias nem problemas. O nosso objectiva era alcançarmos as escadarias dos Remédios, ou vislumbrarmos a terra do tão conhecido e apetitoso presunto - Lamego! ... Casa solarenga, ali em frente da Casa das Brolhas, não f.oi difícil entrarmos em conversa com o eng.? Quintela. O governador civil dialogou naturalmente. - O senhor poderá fazer-me todas as perguntas, mas eu é que certamente não estarei habilitado, e nem poderei dar-lhe inteira resposta - assim começou. o eng." Quintela. Posto ao par do que nos levou a Lamego, logo afirma: - Tenho a esperança de que se trata de uma suspensão e não de uma extinção de linha. - Porquê, sr. governador? - Porque a extinção do comboio nesta altura em que a Estrada Nacional n.? 16 (Vilar Formoso-Viseu-Aveiro) ainda não
88
89
foi beneficiada de forma a transformá-la numa via rápida, traz os inconvenientes resultantes da supressão, de todos conhecidos. Todos sabemos que esta estrada, presentemente, é tortuosa, principalmente entre S. Pedro do Sul e Albergaria-a-Velha, pelo que a substituição do comboio, por camionagem, vem dificultar o tráfego na referida via. - O que levaria a C.P. a suspender esta linha? Seria apenas o incêndio, ou haverá outras razões, sr. governador? Uma pausa e a resposta vem devidamente pensada. - Embora não se visse grande futuro na manutenção da linha, nas actuais condições de exploração, é minha convicção que a suspensão ordenada resultou do calamitoso fogo de todos conhecido. - E se não tivesse vindo o fogo, sr. governador? - Tenho a certeza que se mantinha. - Haveria possibilidades de eliminar as faúlhas das máquinas a vapor? - Antes de mais quero dizer-lhe que o Vale do Vouga era o grande culpado dos incêndios, mas nem em todos esteve na origem. Quanto ao que me pergunta é um aspecto técnico. No entanto, parece ser do conhecimento geral .que existem redes de retenção para as faúlhas. - Sr. eng." Quintela, como governador, o movimento de descontentamento já lhe chegou oficialmente? - Até este momento (isto há uns quinze dias) chegaram-me rumores do desagrado de diversas pessoas e julgo que haverá um movimento da população de Viseu, São Pedro do Sul, Vouzela, Oliveira de Frades, no sentido de se apresentarem sugestões que possam diminuir os inconvenientes da situação presente para o restabelecimento dos comboios, tendo em atenção também evitar-se os incêndios na época do Verão. - E depois de chegarem essas reclamações, - Assim não tenho dúvidas em apresentar ao respectivo departamento do Governo os anseios que me forem presentes.
O eng. ° Armínio Quintela revelou-nos: - O Governo conhece muito bem a importância dessa estrada para o desenvolvimento das Beiras (serrana e litoral). Bem vê, e como já algumas vezes o disse, as estradas do distrito encontram-se estranguladas nos seus pontos mais importantes, quer a estrada n." 1 (acesso a Aveiro, Porto, Coimbra, Lisboa), quer para o Norte do distrito, através das margens do Douro até ao Porto. Assim, e como já lhe disse atrás, acho que a linha do Vale do Vouga se torna indispensável na actual conjectura, enquanto não houver ou abertura de uma nova via ou remodelação da actual, que nos ligue a Aveiro e Vilar Formoso. E fazendo uma pausa, o eng." Quintela logo acentuou: - A renovação da linha, segundo cálculos de pessoas especializadas que há tempos acompanharam o secretário das Comunicações, orça em mais de meio milhão de contos. Mas se se tornar indispensável... E até no aspecto turístico sou de opinião que se deveria manter a linha do Vale do Vouga. Sabemos quanto representa a abertura de boas vias entre a serra e o litoral. Também neste aspecto o governador civil, nos afirmou: - Pois, com certeza, as Beiras têm olhos postos no litoral. Ele é, através dos seus portos, uma porta aberta do mundo às Beiras. Se houver comunicações, com certeza que nesta vasta região, ainda um tanto por descobrir, até se instalarão válidas indústrias. E o litoral também precisa de nós. Os portos (Figueira ou Aveiro) - esboça um sorriso - também esperam pelas Beiras. - Ousámos lançar a pergunta sobre que porto (Figueira ou Aveiro) recairiam os interesses da região?
Abordámos depois um outro aspecto, de certo modo coligado com a via férrea. A idealizada auto-estrada Aveiro-Viseu-Vilar Formoso.
- Bem vê que cada um dos portos, e como já foi definido, tem funções específicas. Assim não me parece que haja interesses concorrentes. Cada porto é que há-de impor-se por si, nas características que possam ser mais vantajosas. Uma coisa é certa, acrescentou-nos o sr. eng.? Quintela, é haver ligações boas e rápidas com o litoral, pois só assim as potencialidades deste Portugal se poderão desenvolver. Temos de unir esforços, para que a auto-estrada Vilar Formoso-Viseu-Aveiro seja uma realidade no mais curto espaço de tempo ..
90
91
.• * *
Voltámos ainda ao caso da suspensão da linha, e no que concerne a quaisquer implicações no sector político. O eng.? Armínio, responde-nos com um sorriso que nós adivinhámos, mas respeitámos o silêncio. É das tais perguntas que não podem ter resposta!
A SOLUÇÃO PARA O DOENTE NÃO É MATÁ-LO
* * * Chegámos a um ponto nevrálgico. Melindroso, com certeza. Ternos ouvido aqui, ali, mais além, que a culpa de tudo isto (a suspensão do comboio) tinha sido o governador civil de Aveiro. Certamente que o nosso trabalho não ficaria completo- se não ouvíssemos o tal responsável. A tragédia do incêndio ocorreu precisamente quando o dr. Vale Guimarães gozava férias. Ombreou com a responsabilidade do- Governo Civil, o substituto, eng.? Manuel Simões Pontes. Inquirido, afirma: - O que se' passou nesses dias de tragédia, foi simplesmente isto: As populações e até as entidades responsáveis na condução do ataque ao incêndio assediaram o Governo Civil, no sentido de se pedir urgentemente que se suspendesse o comboio. Diziam mesmo que se não acabasse o comboio, as próprias populações, por descontentamento, poderiam até provocar o seu descarrilamento. Em face disto, outra coisa não fizemos senão informar o Governo da dramática situação. Devo acrescentar que as populações tinham nessa altura o comboio como o principal factor daquele pavoroso incêndio. - E agora, sr. engenheiro? - Agora estou certo de que o Governo está atento a todas estas situações e que trabalha para resolver o problema da melhor maneira, ou seja, de satisfazer as necessidades das populações. O Governo Civil tem dado todas as informações adequadas ao Governo, de maneira a evitar que as populações sofram prejuízos na sua vida. Qual a medida que o Governo irá adoptar na solução deste problema? -Não seit')! (I) - E nunca se soube! ... Não interessava outra! Só que o 25 de Abril veio antes}. ..
92
saber-se. A jogada, era
Reforma do velho Vale do Vouga Impunha-se. Requeria-se ouvir um homem que se pode considerar o pioneiro do levantamento de um problema que há muito andava nos ares. Jaime Gralheiro, advogado arguto) dramaturgo enquadrado num teatro português por representar, colaborador da Imprensa, é, para além do mais) um conhecedor profundo dos problemas económico-sociais da região que lhe foi berço. Ele vive-os como ninguém e como ninguém os sabe retratar à luz duma verdade despida de preconceitos. Numa casa sobranceira ao Vouga e olhando o casario salpicado de verdura, conversamos com Jaime Graiheiro,
Jaime Gralheiro, um nome, uma figura que as gentes do Vale do Vouga todas conhecem pela sua inteligência arguta, pelo seu dinamismo indesmentível em prol da paradisiaca região do VOUgR
- Sei que, nestes últimos tempos, se tem preocupado com o problema das comunicações e transportes ThO distrito de Viseu e que, dentro desse contexto, a questão de saber se a linha do Vale do Vouga é ou não de manter mereceu a sua reflexão. Gostaria que me 93
desse a sua opimao sobre a recente decisão governativa extinguindo, pura e simplesmente, a circulação nessa via. - É, realmente, verdade que me tenho vindo a debruçar sobre o problema dos transportes e comunicações no distrito de Viseu. E a minha atenção foi chamada para este assunto por uma conclusão (que logo me pareceu insólita), tirada no fim de um colóquio, a nível nacional, efectuado nas Termas de S. Pedra do Sul, em 1970 (salvo erro) e com o patrocínio das entidades oficiais e particulares ligadas aos problemas do turismo e transportes, no País. Ora, segundo tal conclusão, o caminho de ferro do Vale do Vouga deveria ser suprimido, dado não ter qualquer interesse para o desenvolvimento económico-turístico da região, antes se tornando num factor de estagnação ou retrocesso (cito de cor e segundo a ideia que dela me ficou). E prosseguindo, Jaime Gralheiro afirmou: - Esta conclusão mereceu ampla divulgação em toda a Imprensa, quer a nível nacional quer a nível regional. Foi ao tomar, assim, conhecimento dela que me resolvi estudar o assunto um pouco mais a fundo. Isto feito, fácil me foi concluir (por meu lado), que, realmente, não era possível pensarmos em hipóteses de progressos sócio-económicos nesta região da Beira (Alta e Litoral): Vale do Vouga, mantendo as redes ferro e rodoviárias no estado em que se encontravam. Simplesmente entendia que extinguir a linha do Vale do Vouga não era solução; antes, defendi como medidas urgentes: a) - A reforma e substituição do velho Vale do Vouga por um autêntico comboio, ao mesmo tempo que b) - Se devia abrir uma estrada, a nível internacional, ligando Aveiro a Vilar Formoso passando por Viseu, pois a E. N. n." 16 que hoje temos (ou melhor: não temos) é um travão à circulação das pessoas ·e coisas - isto é: da riqueza (para aqueles que só em termos de riqueza raciocinam). Além do mais e para basear estas minhas conclusões (que provocaram grande polémica jornalística com a C.P. no D.L.) eu chamava a atenção do País e do Governo para o facto de o III Plano de Fomento ter previsto uma dotação de várias centenas de milhares de contos para o porto de Aveiro, o qual por vocação 94
(como hoje se diz) natural pode e deve aspirar a ser um dos grandes portos do País. Ora, sendo assim, e sendo o distrito de Viseu e Guarda, principalmente a zona norte , com mais dificuldade de escoamento pela linha do Douro, o «interland» natural do referido porto, não se compreendia a extinção pura e simples do linha do Vale do Vouga e o abandono a que estava votada (também) a Estrada (dita) Nacional n." 16. (Isto independentemente de quanto significa de injustiça para as povos aqui radicados a (in)existência de tais vias de comunicação) . Reconhecia o anacronismo desse velho «bota-fogo»; chamei a atenção para o perigo a que estavam sujeitas as populações vizinhas da linha - um dia a desgraça poderia fazer do Vale do Vouga o seu lugar de férias; infelizmente tive razão depressa de mais. A propósito dos perigos que referi também (agora no tocante à estrada) aquele existente na ponte de Pessegueiro do Vouga. A ponte só prevê uma carga de doze toneladas. Simplesmente a E.N. n." 16, quer se queira, quer não é o cordão umbilical que liza , '" o Norte do País à Europa. Por isso a Europa entra-nos pelas costas dentro em gigantescos camiões «TIR» com atrelados imensos, tudo pesando vinte a trinta toneladas. Não há outro caminho que não' seja a E.N. n." 16 .Mas para além dos perigos constantes que é encontrar na estrada (nas famosas curvas do Vale do Vouga) tais bisarmas, temos o problema da ponte. Ela não pode continuar a aguentar por muito tempo o dobro (ou quase) da tonelagem. Quando se verificar a tragédia vamos todos comodamente revoltar-nos, para depois nos esquecermos e tudo continuar como dantes ... Se a grande tragédia do Vale do Vouga, nos tivesse, pelo menos, aberto os olhos para as realidades e carências locais (e nacionais) nem tudo se teria perdido. Ora bem: sempre entendi, como já deixei dito, que «aquele» Vale do Vouga não servia. Veja só: em 1921 estava previsto um comboio ligando Viseu a Espinho em cerca de 4 horas. Presentemente (e antes da extinção) esse percurso era coberto em cerca de 9/10 horas - tempo real, contando com os habituais atrasos. Isto, efectivamente, não podia continuar! ... Só que a solução para o doente não está em «matá-lo». Pode ser a mais fácil, mas não é seguramente a mais correcta se houver 95
boas razões para crer que o doente ainda se pode salvar e, salvo que seja, se verificar que tem um papel importante a desempenhar no meio em que se insere. E o nosso entrevistado, valendo-se dos seus conhecimentos jurídicos, dissertou à volta da legalidade e afirmou: _ A prova irrefutável de que é necessária (já) uma ligação ferroviária, em termos, ao serviço da região entre Aveiro e Viseu, resulta, parece-me, clara do coro de protestos e queixas pela extínção decretada. Extinção que, mesmo do ponto de vista legal se me afigura muito discutível. Com efeito, segundo o art." 12. do Dec. Lei 39 780, de 21/8/54 (Regulamento para a .exploração e polícia do caminho de ferro) se o regime de exploração de uma linha for deficitário poderá o Governo autorizar a cessação dela, temporária ou definitiva, total ou parcial, desde que esteja estabelecido pela empresa ou por esta contratado com outra um serviço de transportes por' estrada que substitua o da linha férrea, sem deixar de dar satisfação às necessidades públicas e às exigências do desenvolvimento da região servida». Deste comando legal resulta que o Governo pode autorizar a cessação da linha se for (ou «continuar» a ser) deficitária. Não' prevê a sua cessação se ...' o comboio lançar o fogo às matas. Para isso há outros remédios. Simplesmente foi isto que aconteceu. Depois: não se garantiu, de modo algum, «a satisfação das necessidades públicas e as exigências dó desenvolvimento da região servida» a que faz alusão a última parte do normativo legal. E fiquemos por aqui. _ Não lhe parece que ao ser reaberta a linha do Vale do Vouga a exploração desta deveria ser entregue a outra companhia que não a C.P.? , _ Há que distinguir. Em minha opinião os grandes serviços como a saúde, o ensino, os transportes, os seguros, etc., não devem ser pretexto de exploração capitalista. Quer dizer: estes serviços destinam-se a satisfazer necessidades gerais tão importantes, e tão essenciais, que a simples ideia de que há quem possa ganhar (no sentido de lucro) à sua custa me repugna. Estes serviços, dentro de uma política social saudável, devem estar a cargo do próprio Estado, como verdadeiro representante da colectividade, o qual deve procurar satisfazer as necessidades 0
96
em causa o melhor possível, mesmo que tenha prejuízo de exploração (chamemos-lhe assim) que deverá ser coberto com outras receitas gerais. Simplesmente, poder-me-à objectar: e em Portugal? Toda a organização político-social portuguesa assenta sobre um esquema capitalista. E a verdade é que não vejo grandes possibilidades de mutação imediata. O dr. Jaime Gralheiro analisou depois a sua afirmação: - Posta a questão desde que tomou conta dade que é inepta. Com efeito, antes lucro, chegando a ser «superávit».
neste pé, a resposta pode ser outra: A G.P. da linha do Vale do Vouga mostrou à sacieda entrega, sempre o Vale do Vouga dera (era voz oorrente) das poucas linhas com
Depois foi essa miséria que se viu. Agarrada a critérios de rentabilidade ultrapassados, esmagada por estruturas obsoletas, verdadeiro reflexo daqueles que durante anos e anos a dirigiram - e não arrancaram nem deixaram arrancar - a C.P. esclerosou-se, perdeu toda a capacidade de resposta perante o desafio de um mundo que avançava ao ritmo dos foguetões. Basta ler os seus relatórios com cuidado, para descobrir nas entrelinhas (ou até nas linhas) um quase queixume de impotência dos novos tecnocratas a quem deixaram como herança um corpo quase morto (ou morto mesmo?). Face a esta realidade a pergunta é pertinente. - Não seria melhor para esta região a entrega da exploração do Vale do Vouga e a sua reestruturação a outra companhia? - Acho que sim. Se fosse possível organizar-se um grande consórcio de todas as empresas transportadoras com interesses efectivos na região (interesses que lhes importe desenvolver, claro!) é muito provável que a região viesse a beneficiar por reflexo. E depois acabava-se com o monopólio da velha toda poderosa. - Há vários anos que o Vale do Vouga tem vindo a provocar incêndios maiores ou menores, ao longo do seu percurso. Porém, nenhum que se assemelhasse ao deste ano. Tem alguma explicação para isso? - Tenho. Não sei se abrangerá o problema em todas as suas 97
implicações. Não deve abranger. Mas parece-me lançar uma luz diferente sobre o sucedido. Com a implantação dos Serviços Florestais em toda a região, foi proibida a apascentaçãlO de gados. É certo que esta proi~içãO só abrangeu os baldios, mas era impossível manter rebanhos so nos incultos particulares. Para quem o tentou, as distracções ficaram demasiado caras , em razão das multas que choveram. , . Por outro lado, as fábricas produtoras de adubos quírmcos fizeram a sua promoção de vendas - e venderam. Dadas as razões político-económicas, bem conhecidas, os homens do campo emigraram. Assim deixou de ser rentável roçar os matos. A mão-de-obra tornou-se muito cara. Os locais, por falta de acessos, eram inatingíveis. O adubo químico substituiu os estrumes naturais. Simplesmente, pouco a pouco' e paulatinamente os matos foram crescendo criou-se um tapete (qual tapete: uma barreira) de vegetação esp~ntânea a qual tornava cada vez mais difícil a exploração ou roça dos matos. Presentemente toda esta região, arborizada, de encostas alcantis fráguas e ribanceiras é um inferno de tojos descriados, de silvas, carumas, matos, o diabo! Não se pode romper. Ninguém roça. Não é possível. Não vale a pena. . São milhares de hectares transformados em selva quase macessível, ou mesmo inacessível, em alguns pontos. Uma faúlha neste saco de pólvora é aquilo que se viu. Ontem foi a zona de Agueda e Albergaria. Amanhã, por este ou outro motivo, será Sever, Oliveira de Frades, Vouzela S. Pedro do Sul, por aí fora. Estou a lembrar-me de toda a zona que se estende desde o Vouga, em Serrazes, ao Rio Sul. Se um dia o fogo lá pega vai ser o bom e o bonito.
Política
de incêndios
E o dr. Jaime Gralheiro prosseguiu: _ Quer dizer: é preciso adoptar-se uma política de incêndios. Fazer aceiros. Prevenir. _ E a propósito de prevenção que fez a C.P.? 98
A C.P. sabe muito bem que o Vale do Vouga atravessa uma zona densamente arborizada; a G.P. sabe muito bem que não é possível roçar os matos, a C.P. sabe (e o Governo também) que mesmo os terrenos cultos se transformam em incultos por falta de mão-de-obra. Pois parece que se impunha redobrar de cautela: açaimar as chaminés, ,evitara limpeza dos cinzeiros nos troços da linha confinantes com povoamentos .florestais. Só que, se a chaminé se açaima, o comboio não anda. Em vez de carvão, a C.P. emprega lenha e, se emprega o carvão, é de terceiríssima qualidade, que não arde, e faz torresmos e entope tudo e não dá rendimento e obriga a descargas sucessivas, seja aonde for,e obriga a abrir bem a chaminé para haver tiragem ... A C.P. sabe isto há dezenas de anos. O resultado está à vista. De qualquer forma, com ou sem comboios «bota-fogos», o perigo mantém-se, mais atenuado, é certo, mas o grande inimigo continua lá. Em vez do comboio basta uma ponta de cigarro, uma faísca, uma fogueira mal apagada, ou o acta irreflectido de um louco. Tem de se ir mais longe. - Qual a solução que preconiza? - Transformar o inimigo em aliado. Eu explico: se são os' matos por roçar os grandes veículos dos fogos assassinos, vamos evitar que haja matos. E como? Abrindo os baldios já arborizados (e são praticamente todos) à pastorícia. Entreguem-se os baldios às Juntas de Freguesia, verdadeiras representantes, das comunidades locais; fomente-se a criação de rebanhos cooperativos de largos milhares de cabeças (vacas, ovelhas ou cabras conforme a região). Transformem-se os milhares de hectares inúteis (que não seja para a resina, madeiras e lenhas, praticamente em benefício dos Serviços Florestais) numa fonte de riqueza de carne , leite e lã em benefício daqueles que aqui vivem e que, da terra, desesperadamente procuram ainda arrancar com que sobreviver. E serão esses futuros milhares de cabeças de gado distribuídas em rebanhos comunitários, conforme as zonas e as condições de pastagem, quem há-de comer todo esse mato, ervas, urzes, silvas, tojos - a pólvora dos nossos montes pelas tardes de Verão. Este é um problema que merecia maior estudo e debate. Aqui 99
só lho deixo aflorado, Espero ainda, qualquer dia, voltar a ele com mais vagar. - Não lhe parece que este descontentamento popular gerado com a supressão da «Vale do Vouga» possa beneficiar a Oposição nas próximas eleições para deputados? - Sinceramente acho que não. Sabe: ao Governo interessa muito pouco estes descontentamentos localizados. De resto, 'O Governo não está dependente de qualquer vota popular. Está acima dos votos. Depois é fácil ao Governa transformar este incidente, à primeira vista prejudicial à imagem que ele pretende mostrar aos povos desta região, num pretexto para conquistar mais votos ainda (se deles necessitasse). Veja: o serviço prestado pelo «Vale do Vouga» era tão mau, que toda a gente estava contra ele. Basta lembrar-lhe a tal conclusão do colóquio. Esta conclusão não era de um ou outro utente, mas a de um grupo (que se apresentava como) especializado no problema de transportes e turismo. Depois havia uma má vontade generalizada contra o serviço prestado pelo comboio, embora tal má vontade não fosse propriamente contra a existência do comboio em si. Simplesmente é fácil passar de um ponto ao outro. Ora, tornando-se público e notório que fora o comboio que (mais uma vez) lançara o fogo do passado verão, e perante a onda de protestos pela manutenção de tal monstro, o governo pôde, com o aplauso geral imediato, satisfazer a reacção emocional dos povos. E com uma cajadada matava dois coelhos: libertava a C.P. das obras urgentes, caras e indispensáveis para a sobrevivência da linha e ao mesmo tempo dava uma satisfação (algo demagógica) aos protestos dos prejudicados. Claro que, agora, as populações começam a dar conta de que o serviço até aí prestado' (embora mau) era um serviço. Depois não lhes foi dada qualquer garantia governamental ou empresarial de que esta supressão era uma «pausas para o restabelecimento futuro-próximo de um serviço condigna. As populações chegam a esta triste conclusão: se mal estavam pior ficaram. Assim não há-de tardar o dia em que deputações locais, de
aldeias, freguesias, concelhos e distritos façam respeitosas representações junto dos organismos estatais competentes a fim de pressionarem o governo na sentido do restabelecimento do ara extinto. Face a tais manifestações o governo levará a C.P. a fazer uma ou outra melhoria que dê nas vistas, mas seja barata, e repõe o velho ronceiro sobre os carris, tal como estava ou pouco melhor. Esta reposição há-de causar tanta alegria junto dos povos que voltam a ser servidos (mal) que eles até se esquecerão de que, afinal, tudo voltou ao princípio. Entretanto o governo obteve o aplauso fácil de um povo que com pouco se satisfaz. Se tudo isto coincidir com um período pré-eleítoral, facilmente se adivinham lOS efeítos propagandísticos da manobra. Abordamos depois o descontentamento dos povos atingidos pelo incêndio. Jaime Gralheiro, não hesita em fazer uma análise ao problema e, responde-nos: - Olhe: mais grave que o descontentamento pela extínção da comboio é o problema das indemnizações a centenas de pessoas que viram as suas matas reduzidas a candelos, as suas culturas em cinzas, os seu animais em torresmos e as suas casas a archotes. Para não falar no caso da morte de uma pessoa. A esse sim, o prejuízo toca-lhes imediatamente. São centenas de milhar de contos.. Quem lhes paga? Estará o Governo na disposição de indemnizar condignamente ou terão de recorrer aos tribunais todos os ofendidos? E, tanto quanto lhe posso adiantar, há já dezenas de proprietários lesados, preparando as suas acções judiciais. E isto podia-se evitar. Se é verdade que o Governo cobre o «déficit» da C.P. e estas indemnizações fá-le-ão aumentar, porque há-de a Governo dar à C.P. o dinheiro, para esta o dar às vítimas? Seria mais curial (mais desburocratizado) ser o Governo a entregá-lo directamente aos prejudicados. E o cálculo dos prejuízos também não é assim tão difícil...
100
101
Enfim. Esperemos.
SILÊNCIO QUE FALA
----------------------------
SIL~NCIO
QUE FALA. Paradoxo? Não. Crua realidade. Chegámo-nos a iludir de que o Governo de Marcelo teria ouvidos para ouvir e coração para sentir o drama que pairou em terras do Vouga, tanto foi o brado que de Aveiro a Viseu ecoou pelas quebradas. Julgávamos até que o potentado da Co~P. que era, como alguém disse, o 2. 0 Estado monopolista de um País algemado, viesse para a arena ao desafio do toureiro. Porém, tal não aconteceu. E o silêncio foi tal que chegou a apetecer-nos a irm'Os por aí abaixo e arrombarmos as portas-férreas de São Bento ou as atrancadas pelo ironismo de Santa Apolónia. Mas se o irritante, mesquinho, imbecil silêncio desses dois
silêncio que
103
fala
grandes reinados, continuava a ser um facto, mordiam-nos as carnes e derretiam-nos os ossos os constantes brados que se continuavam a ouvir por essas terras, Vouga acima, até aos rochedos da romântica, espirituosa serra da Lapa, onde peregrinos ajoelham e rezam junto da Virgem da Lapinha. O capítulo que se segue m·ostra bem como o silêncio contrastou com o bradar às armas, de militares sem. armas, porque espoliados, há muito, dessa força! ...
«Mesa Redonda» à porta fechada As entidades mais directamente ligadas à região e, de certo modo, responsáveis pelo silêncio que se constatava, por parte do Gçverno ou da C.P., perante um problema cruciante que atormentava, como temos vindo a salientar, milhares de portugueses dos mais genuinos p~triotas, pronunciaram·-se na altura devida e todas acordaram e concordaram de que a suspensão (ou extinção) do Vale do Vouga representava algo de retrocesso num século que proclamavam em franco progresso, mas a que lhe faltavam as rudimentares infraestruturas. Porém., passados os primeiros embates das populações e após as terem cansado, (era timbre do Governo deposto) foi nítido o seu embiocamento. Fizeram-se mesmo campanhas de mentalização (podemos fazer esta afirmação sem perigo de podermos ser desmentidos) junto dos Presidentes das Câmaras Municipais para s calarem e arrepiarem caminho. Deram-se mesmo instruções para que se catequizasse o Povo de que o Vale do Vouga seria substituido, a curto prazo, pela via larga Aveiro-Viseu. Estultícia! Pobre gente que durante quase meio século outra escola não tiveste senão a doutrina apregoada nos ecrans da televisão ou nas parangonas dos . . .... Jornais
'
• • • · Dia 19 de Novembro de 1972. Chegou ao nosso conhecimento que os Governadores Civis dos dois Distritos mais atingidos I se reuniriam na capital da Beira Alta para, com os deputados desse
104
FRUSTRAÇÃO
Silêncio
dramático
Pessoas válidas, nomes inteligentes, não se deixam convencer pelo canto da sereia. Continuam a clamar: VENHA O VALE 00 VOUGA. Uma dessas figuras que veio ao nosso encontro e nos pediu que voltássemos ao assunto, pois estávamos a contribuir para a valorização duma vasta região, foi o rev. Orlando dos Santos, filho da Sernada e pároco- do Troviscal e Mamarrosa. Não hesitamos abordar de novo o assunto. E perguntamos: - O que se lhe oferece dizer do silêncio (por parte das entidades) sobre a linha do Vale do Vouga? - Antes do mais, quero dizer-lhe que toda a região lhe está agradecida pelo muito que pugnou em prol do interesse de centenas de ferroviários e suas famílias, radicadas ao longo de dezenas e dezenas de quilómetros. Presentemente temos a incerteza do amanhã. Falta-nos já a confiança. Temos conhecimento objectivo tão somente duma intervenção do presidente da Câmara de Agueda e do governador civil de Viseu. Não sabemos efectivamente conciliar este ostracismo do abandono da linha, pois sabemos que o Governo não autorizou o fecho de uma estação sequer. Temos que dizer que a nossa confiança vai amortecendo e muitas vezes nem sequer temos aquela força, aquela coragem de reagir e de gritar bem alto pelos interesses desses irmãos da tracção da via e obras, de toda uma linha com mais de 60 anos de história válida, lucrativa e frutuosa. Não pode morrer, assim, vítima da incompreensão de quem julga o tempo ter ultrapassado todas as diligências, todos os sacrificios dessa arrancada histórica. 1()7
No entanto, lamentamos que nenhum deputado tenha olhado conscientemente, ou, pelo menos, comprometidamente; para este caso. De um momento para o outro veio uma determinação do Governo: a C.P. diz que não depende dela o fecho da linha. E como se hão-de haver todos esses povos agora apenas servidos por uma estrada sinuosa e estreita? Por outro lado, não podemos pensar em sonhar com essa utopia de auto-estrada. No orçamento presente não consta que esteja previsa a construção dessa rodovia para Vilar Formoso que tanto se apregoa. Joga-se, também, o problema habitacional. São dezenas de casas que vão ficar desabitadas. É um prejuízo latente e constante para os proprietários, que as construíram com sangue, com privações. Não é a questão de saudosismo; não é questão de levantar-se em nome dos seus irmãos ferroviários, porque somos padres, ou porque somos médicos, ou porque somos doutores, que estam os a pugnar pelos interesses da linha de caminho de ferro do Vale do Vouga. Acreditamos que o Governo não pode alienar-se duma empresa com mais de 60 anos de serviços prestimosos, para bem da economia nacional. É a única artéria vital do transporte de mercadorias, de passageiros a satisfazer todas as exigências e potências desta massa populacional que enche ou que pelo menos habita toda esta zona. - Mas diz-se que não é já viável ou rentável uma via nestes moldes? - Pura ilusão de quem assim pensa! Veja: ainda agora, e por isso a desolação para nós ainda se avoluma mais, ao norte de Espa. nha, entre Gijon e Ferról del Caudillo, numa extensão de 320 quilómetros, foi inaugurada em 7 de Setembro essa via ferroviária, de via reduzida. Repare bem, entre o norte da Galiza e as próprias Astúrias, comportando 88 estações e apeadeiros, 110 túneis de construção moderna e 27 viadutos. Sabemos perfeitamente, também, pelo depoimento de pessoas fidedignas e capazes, que a linha em si, a do Vale do Vouga, aguenta para cima de sete anos e o material circulante também nos dá garantias de pelo menos cinco anos. E fogo, para já, não se pode pegar a coisa nenhuma, porque tudo ficou destruido. Durante este tempo, o Governo, entretanto, arranjaria o plano de fomento capaz de substiuir a linha do caminho de ferro do Vale do Vouga 108
por uma estrada capaz, uma estrada própria que fizesse aqui a transmutação do mar para a serra, ou vice-versa. Principalmente, o que ansiamos, nesta hora de incerteza, é termos confiança em quem nos governa. E o rev. Orlando dos Santos, como que desacreditado em quem queria acreditar, prossegue: - Esperávamos ansiosamente uma resposta de algum deputado de Portugal. Já não digo dos de Aveíro, dos de Viseu, mas alguém que tivesse olhos de ver, que soubesse ver com isenção, que viesse em nosso auxílio e levantasse a sua voz na Assembleia Nacional. E nós acreditamos que ainda haverá uma meia dúzia de deputados que sejam capazes de vencer barreiras e proclamarem bem alto que não é o saudosismo, de que já estamos rotulados, que nos move em debatermos a tragédia que bateu em terras do Vouga. - Tem-me constado que os transportes rodoviários estão a satisfazer o público. O que é que nos diz sobre isso? - Olhe, essa pergunta não é a que mais nos interessa, a nós que olhamos para o Vale do Vouga e que nos deslocamos de carro ou de camioneta com facilidade. Olha-se para um facto consumado. Há uma determinação superior que parece não ter dependido da C.P. Aproveitaram o momento em que o fogo simultaneamente com o Dia do Bombeiro def'lagrou em várias zonas do País, para darem a machadada, cujo cutelo já há muito estava levantado. Não é esse o facto que se discute, mas sim a sobrevivência da própria linha. É não nos alienarmos de investimentos de milhares e milhares de contos; duma história válida e frutuosa de mais de sessenta anos com todas aquelas implicações de famílias que se foram radicando ao longo do próprio traçado da linha e ainda de centenas de famílias que sobrevivem à custa da mesma rede ferroviária. - Consta que os lesados pelo incêndio do Vale do Vouga irão pedir as respectivas indemnizações. Entende que se a C.P. deliberar pôr a via em circulação os prejudicados pedirão as respectivas indemnizações? - Olhe, não é só isso. Todas as empresas de madeiras estão a abater o resto do arvoredo da floresta, porque têm um prazo máximo, creio que até ao fim do corrente mês, pagando aquilo por um preço de tuta-e-meia, Há, no entanto, muitas pessoas, mesmo 109
irmanadas com os interesses ferroviários, ,que nem sequer levantaram o problema. A minha casa , a casa de meus pais , também foi ameaçada e 10 pinhal ardeu. Outros se queimaram, nomeadamente a do dr. Francisco de Sousa Lé. Não pediremos, nunca nos lembrámos de pedir (aliás, outros assim têm procedido) quaisquer indemnizações. Porém, esperamos merecer a sobrevivência da linha, Não é por saudosismo, como já lhe disse, é que nós nascemos na linha, presos à linha e queremos respeitar até um valor nacional. E a terminar: - Repito: além do mais, e isso é que é de transcendente importância, é procurarmos todos evitar as correntes migratórias internas e externas, e por isso, temos todos de lutar para prendermos as gentes a essa paradisíaca região que se chama «Vale do do Vouga».
INGLESES (TAMBÉM) QUEREM O COMBOIO
Atrás do comboio ferroviários
ingleses
e do Vouga
invadiram ... a Sernada
O Vouga Arriba anda-me no pensamento, como na mente me baila o drama de milhares de pessoas dessa paradisíaca região a quem o destino teima em esquecer. E essa gente, gente de quem tenho gratas recordações, constantemente me escreve ou telefona. E nós vamos ao par de tudo o que se vai passando, Assim aconteceu desta vez. - Venha, venha cá amanhã! Uma caravana de 150 ingleses vêm-nos visitar. Este o cartão de recomendação para mais uma reportagem, Para mais um alertar; para mais um não esquecer de uma realidade palpável, de uma certeza de que o povo, desde Aveiro a Viseu, não se contenta com possíveis promessas. O Povo sabe o que quer. De manhã chovera. Um chovisco entremeado com raios de sol. Mais uma vez descemos Albergaria até ao Vale de Sernada. Essa Sernada que é bela, paisagisticamente encantadora! Até o fumo das suas anacrónicas locomotivas lhe dá um ar próprio de terras que viveram sempre à sombra de máquinas, porventura negras como tições. E o seu rio, carregado de poluição, ainda brilha em dias de Primavera, como este que nos levou de novo a entrar nas suas muralhas matizadas de verdura, ou de flores perdidas nas encostas em devoção à capelinha que se ergue no cimo do pináculo. Onze horas ,e trinta minutos. O povo aglomera-se. Desde Agosto último (aquando do incêndio) a Sernada não registava tanto 110
11-1
movimento. Desta vez não se tratava de passageiros, mas de espectadores. A anacrónica máquina lança silvos que ainda são de esperança, no cimo do monte. O chefe dá ordens e o comboio inglês chega. Quem diz que o «Vale do Vouga» não voltava? Agora até comboio especial de ingleses, mas apenas com o senão de que Vouga Arriba talvez jamais inglês verá!. .. . Cinco carruagens; centena e meia de ingleses com as suas objectivas em acção. Sernada, finalmente voltou a viver os seus dias grandes. Os últimos foram os de Agosto. A estação de Sernada toda ela é (nesse dia) movimento, só para inglês ver e trabalhar (com as objectivas). Uma máquina desce o rio e escala a encosta. Outra passeia nas proximidades da ponte. E os fumos das duas misturam-se com lOS silvos de ambas. Pouca-terra, pouca-terra e a anacrónica máquina avança por aí acima enquanto um «exército» de fotógrafos ingleses, em turismo, dispara de todos os modos e feitios e de todos os ângulos. Momento alto (de triste recordação quer para Jafafe, quer para a Sernada) foi quando surgiu a ordem para que o comboio (toda a composição) avançasse até ao meio da ponte. Desde Agosto que a linha estava encerrada para aquele lado mas ... quando inglês manda ... É turismo! Para turismo, então faça-se a vontade e o povo de Jafafe até arregalou os olhos à espera que lá chegasse o seu comboio, mas ele ficou a meio da ponte. Será um dia! Um dia voltará! Ingleses e Portugueses, em romaria seguiram o comboio até à ponte. Espinho-Sernada, Sernada-Espinho, era o que constava do programa da organização do Clube de Locomotivas da Grã-Bretanha, acompanhado pelos inspectores Miranda e Faustino e pelo chefe de escritórios Amadeu Soares. Era seu desejo atravessar os montes de terras do Alto Vouga até à cidade do Viriato, mas, aí, o Vale do Vouga já morreu. E caminhar nas suas cinzas não é para todos! Quando ele ressuscitar, então sim os ingleses poderão voltar a ver o País (Vouga) das delícias, das fadas, dos encantos! Até lá vamos esperando que venha a auto estrada para servir os utentes dos «espadas» que os outros vão vendo passar ... o tempo, meus senhores! ... As horas eram apertadas. A barafunda era imensa e nós aqui e 112
ali fomos recolhendo impressões. «Beautiful, beautiful»: .. eram as frases que ecoavam nos ares da Sernada, que mais parecia um acampamento inglês do que uma terra que vivia do seu comboio. «Já vim a Portugal mais de trinta vezes. Em algumas delas visitei, no comboio, o Vale do Vouga - «Beautiful, beautiíuls começa por nos dizer mr. Fírmínger, funcionário superior dos caminhos de ferro e organizador desta excursão de estudo. «O nosso desejo - prosseguiu - era visitarmos toda essa maravilhosa região. Se voltasse o comboio seria uma boa coisa» - acrescentou pausadamente. A pergunta por nós formulada sobre as potencialidades turísticas desta região que o «Vale do Vouga» poderia ajudar a desenvolver, o nosso interlocutor respondeu-nos que até só pelo aspecto turístico se justificava a linha. Mas, logo acrescentou que economicamente, como estava, não justificaria. Mas turismo é turismo e há que o aproveitar ... «Yes, Yes»L .. Jovem inquieto, quase parecia de temperamento latino, Hon Rail abordado pela nossa reportagem, também ele estava encantado com esta região e até com estas máquinas encardidas de tanto carvão oomerem. Sobre a extinção do comboio, disse-nos que conhecia um caso semelhante na Escócia com o qual o Governo inglês estava bastante apreensivo. «O povo faz pressão e estou certo - diz-nos - que o Governo cederá aIOpedido das gentes dessa região (Inverness) até porque está a verificar-se um surto turístico.» - Igualmente aqui... - interrompemos. E o jovem, chef.e do comboio especial (assim nos disse) lá partiu com a caravana. E os ingleses foram-se e a Sernada ficou outra vez silenciosa, taciturna, a beber apenas a alegria verdejante das suas montanhas ·e a recordar os silvos que todos os dias se misturavam com a música do seu viver. Agora a música cheira a cedros que alguém plantou em campa fria! Até quando Sernada? Até quando Vouga Arriba deixarás de ouvir os silvos dos teus comboios e das tuas automotoras? L.. 113'
Na turbamulta
há vozes que se ouvem
E naquela Estação ouviam-se os mais díspares comentários, enquanto que os ingleses a torto e a direito exclamavam «beautiful», «beautífuls. «Os ingleses admiram o espectáculo. Nós procuramos acabar com ele, encerrando uma via de ingresso a essa maravilhosa região» - assim comentava um ferroviária. E logo outro acrescentava: «A Sernada já há muito não tinha o movimento de hoje. Mas as máquinas são apenas para os turistas ingleses verem ...». Tudo isto (suspensão da linha) foi e é feito em cima dos joelhos. Há pelo menos oito automotoras da Sernada a Espinho e vice-versa: umas circulam com o dobro de lotação e outras andam às moscas. Não se escolhem os melhores horários. Estamos em crer que só uma fábrica da região (Paradela) daria rentabilidade com a exploração da linha. Na-entanto, dizem que a C.P. está a pagar mais aos transportes do que esse complexo industrial lhe paga. Acrescente-se que só de Aveíro a Paradela, já não contando com o transporte do Alentejo. Enquanto muitos se riem por conseguirem acabar com o comboio, que talvez os atormentasse, os povos de todo o Vouga choram lágrimas de sangue. Mas estes senhores deviam estar agora aqui a escutar estes ingleses. E as pessoas, às dezenas, misturadas com a centena e meia de ingleses desabafam e até puxam pelo casaco do repórter para os atender. O Alberto Pereira de Almeida, técnica- numa fábrica da região, natural e residente na martirizada Sernada, abre o saco das lamentações e diz: - Estou convencido que a utilização da linha da-Vale do Vouga virá a ser uma realidade. Os responsáveis sentir-se-ão 00 dever de pensar o mal que fizeram aos povos do Vouga. Só lamentamos que se esteja tanto tempo a sacrificar uma região que não merecia tão severa punição. A visita desta centena e meia de ingleses a esta região virá demonstrar que nós, portugueses, não sabemos apreciar as potencialidades que a Natureza nos deu. Veja isto! Só filmado!. .. Eu também filmo, para depois mostrar este espectáculo inglês a alguns portugueses com responsabilidades nesta impensada decisão,
114
em prejuízo de milhares de pessoas. Com o Povo, senhor, não se brinca! É um desabafa- quase desesperado. E enquanto Wma ingleses de cócaras filmando o comboio, o sr. Alberto acrescenta: - Os transportes rodoviários até podem ser utilizados: arranquem-se-lhes as rodas de borracha e ponham-se-lhes rodas de ferro, porque os carris estão à espera que lhes tirem a ferrugem, .. A decisão é de uma responsabilidade tremenda. Só na Sernada já saiu, neste lapso de tempo, cerca de UIÍlacentena de pessoas. É que nós somos portugueses e sofremos com esta debandada. - Mas, a auto-estrada ... - interrompemos. - A auto-estrada é necessária, mas de maneira nenhuma pode substituir o comboio. Temos de fazer um escoamento rápido. Temos de servir lugares e lugarejos. O povo ainda anda devagar. E terá de andar devagar por muito tempo. O sr. Domingos Alfredo, homem que tanto tem lutado nesta dura batalha, também ele quis, mais uma vez, dar o seu depoimento até para que se saiba que as gentes do Vouga não ficaram caladas e nem compensadas com a anunciada auto-estrada: - Ainda não estam os convencidos que a via não reabra. A esperança é a última a morrer. Aqui à volta são três lugares que ficam campletamente isolados. A auto-estrada não resolve certas problemas para esta região. Ela é uma ilusão para estes lugares e outros nas mesmas circunstâncias. O viver destes povos era o caminha de ferro. Agora vão-se embora!. ..
* * * A Direcção da Gasa da Beira Alta, na Parto, acompanhou, desde a primeira hora, a caso do Vale do Vouga, pronunciando-se quer através de exposições, a quem de direito, quer em deslocações a Lisboa. Numa das suas deslocações ao Terreiro da Paço, os seus dirigentes disseram ao Eng. o Rui Sanches: «Ousamos inquirir parque foi suspendido o caminho de ferro do Vale do Vouga em prejuízo manifesto daqueles aglomerados (de, 1'15
/
30 concelhos) populacionais, detentores de um comércio, indústria estâncias termais e de um turismo excepcionais?» «Porque não máquinas de «Diesel» ou electrificação da linha como na Suíça e Espanha?» E aqueles «enviados especiais» do povo da Beira Alta depois de trocarem impressões com o ministro das Obras Públicas, acabaram por solicitar veementemente (ao menos enquanto a auto-estrada Aveiro-Vilar Formoso não foi' uma efectiva realidade) a reabertura da linha às automotoras. O ·,eng. Rui Sanches afirmou que ia rever a situação. Uma aurora de esperança nasceut').
PRIMEIRO, A VIA FÉRREA
Sernada
ainda confia
Continua na ordem do dia o caso da suspensão da linha do Vale do Vouga. É toda uma região que se pronuncia e declara publicamente que foi prejudicada, que não pode viver sem o seu comboio e sem as suas automotoras. As exposições que a Casa da Beira Alta no Porto endereçou ao Presidente do Conselho e ao Ministro das Comunicações, mereceram do público uma aceitação invulgares. É mais uma réstea de esperança que nasce para essas tão martirizadas terras do Vouga. Ontem, o dr, Horácio Marçal, presidente da Câmara Municipal de Agueda, esteve em Sernada do Vouga. O povo daquelas terras recebeu-o de braços abertos, convicto de que esse homem público alguma coisa poderá fazer para os ajudar na campanha da sobrevivência do Vale do Vouga Pelo povo da Sernada e ruo Centro do C.A.T. do pessoal da C.P., foi, entretanto, oferecido um jantar àquela embaixada aguedense, Ao fundo da sala, um grande dístico a toda a largura da parede que dizia: «1.0 - A VIA FÉRREA» Ele esteve sempre patente nos olhos das entidades para as convencer, se é que ainda não estão convencidas, de que as terras do Vouga querem o seu comboio, a sua linha funcíonável, Domingos Gonçalves referindo-se concretamente à suspensão, «Um incêndio veio servir de pretexto à supressão do serviço ;ferroviário na nossa linha, tornando esta região ainda mais pobre do que ela era, roubando-lhe o pouco de válido que ainda (1)
Mas foi sol de pouca dura! ...
116
117
possuía. Surgiu então a ideia de se aproveitar o traçado integral da linha para a construção daquela estrada, o que significa a eliminação definitiva da nossa quase única fonte de vida no contexto económico. Essa dádiva representaria algo mas de um valor infinitamente mínimo considerado em relação à perda de um património que é nosso e que perdemos». E os incêndios,' sr. presidente? Eles continuam a devastar a nossa floresta de Agatão, Cedrim e Vila Nova de Fusos, sem que se possa acusar o comboio desses malefícios, dado que os mortos não lançam fogo! ... Contudo nunca o desgraçado comboio foi responsabilizado por sinistros de tamanhas proporções em pleno Inverno, longe dos calores e das secas de Agosto, dos ventos fortes e quentes de Nordeste. Não podemos aceitar, portanto, e nem por certo V. aceita que sejamos incêndios plausível razão para o encerramento da linha. Essa razão é bem outra e não é justo que sejamos nós, as gentes da região, a sofrer consequências dos erros alheios. Urge restabelecer a circulação ferroviária, ainda que renovado; como se impõe, o respectivo material tractor e rebocado. E então, depois disto, então sim, venha a estrada prometida, cuja utilidade e premência desnecessário se torna encarecer. Deixamos o assunto à consideração de V., certo de que poderá dar um valioso oontributo». O rev. Orlando, pároco do Troviscal e natural daquela terra, tem estado sempre com a gente do Vale do Vouga. «Estou aqui porque tenho coração: porque vejo e sinto o drama destas gentes. Não é, meus senhores, um saudosismo dessa gente, é uma perda irreparável que as faz debandar à procura doutras terras». E mais adiante perguntou: «Por que razão está aberto ainda o ramal para Espinho, para Santa Comba Dão e foi fechado este? Não compreendo, não posso compreender a arbitrariedade de critérios. Talvez eu até saiba a razão! Talvez saiba, meus senhores! Mas para: quê dizê-las? A indústria' de Agueda, só ela, justificava uma linha aberta. Só uma fábrica da região, de Paradela, seria suficiente para que a linha pudesse sobreviver. Mas porquê, tudo isto? 118
Não é a auto-estrada que vem resolver o caso desta gente da serra. Não nos procurem alegres com promessas, satisfaçam-nos com realidades! Promessas, promessas! ... Dêem-nos o que tiraram e esta gente fica satisfeita! Quem fechou a linha do Vale do Vouga? A C.P. diz que não foi ela, então quem foi? Dígam-nos l» O inspector (já reformado) Joaquim Moreira Vinhas, de improviso, disse todo o sentir de uma região que conhece e ama. «Olhem para o dístico e vejam o pensar do povo» - afirmou. <<Este dístico diz tudo. Primeiro a via férrea, depois... depois a rodovia. Porque se diz que esta linha desapareceu por causa do fogo se já antes ela estava condenada? O défice que se verificaria no Vale do Vouga, que nada é de comparar com outros similares do Norte do País (e ruo entanto elas estão abertas) não se deve a esta gente. A linha do Vale do, Vouga nunca deixou de pagar aos seus funcionários e, no entanto, no Norte ... Mas esta desapareceu e porquê? Não acredito, que o'Governo deixe de ouvir dois milhões de pessoas, tantas quantas o Vale do Vouga pode servir. Eu tenho uma réstea de esperança».
O clima criado era de emoção, de autêntica emoção. Cá fora, na linha, o povo com çou a aglomerar-se e os altifalantes foram voltados para a rua. O dr. Horácio Marçal depois de saudar toda a gente do Vouga, ali presente, fez vários considerandos sobre os problemas que lhe foram postos. Afiançou que o Governo agiu bem intencionado e que não se lhe podem assacar culpas pela extínção do Vougat'). «ACâmara não está enfeudada a qualquer corrente, ou atitude. O que queremos é a defesa dos interesses do povo. Se a reabertura da linha for a melhor solução, lutaremos por que ela se abra; se se chegar à conclusão de que a auto-estrada resolverá o problema dos povos, então optaremos por essa solução. Eu e todos os elementos da Câmara de Agueda, daremos o peito à luta pelos interesses dos povos. É por eles que nós aqui estamos».
(1)
Que boa intenção! ... 119'
* * * Ontem, às 12 horas, deslocou-se da Sernada ao Governo Civil de Aveiro numerosa embaixada. Era acompanhada pelo presidente da Câmara Municipal de Agueda, dr. Horácio Marçal, O dr. Vale Guimarães, governador civil, após lhe terem sido apresentadas as razões da presença daquela representação, disse que ia expor ao ministro das Obras Públicas o assunto da ponte da Sernada, a fim de poder ser utilizada também para o tráfego rodoviário. Naquele mesmo momento, um telefonema para Lisboa, para o gabinete do eng. Rui Sanches, e obtinha-se a promessa de que o caso iria ser estudado. Quanto à circulação de automotoras na linha, foi ali dito pelo dr. Vale Guimarães, que a via, como está, só pode suportar velocidades da ordem dos 20 quilómetros horários. Por isso há que encarar seriamente este aspecto. No entanto, não está posta de parte a viabilidade da solução. Quanto à estrada de Jafafe, as obras vão começar na próxima semana, prolongando-se a rodovia até aos acessos da referida ponte.
Ao menos o que lhe tiraram! ... Ao fim da tarde, o dr. Vale Guimarães recebeu os presidentes das Juntas de Freguesia da zona por onde circulou o Vale do Vouga, O pedido foi idêntico: reabertura da via. O chefe do distrito disse que quanto ao caso da região de Aveiro o problema dos transportes poderá ser resolvido, através de autocarros dos Serviços Municipalizados. Porém, este assunto só deverá ser solucionado se a C.P. vier a abandonar a linha. Essa decisão - de abandono ou não - deverá ser tomada dentro de um mês. Horas de emoção foram' as ontem vividas em Sernada. Horas de vivência, de uma vivência que é drama para milha120
res, mas onde ainda se agasalha uma réstea de esperança. Essa tal esperança que é a última a morrer! Um bufete, Uma mulher. Uma família. As cadeiras estão a monte... «Cuidado senhor! Não se encoste às cadeiras. Estão pintadas! Pintadas, porquê? Ó sr. Rodrigues, nósestamos em vésperas de debandar! ...» A mulher chora. E soluçando vai dizendo: «Vim do Porto há sete anos. Arreiguei-me a esta gente. Fizemos aqui a vida e agora! Agora vamos para a Pampilhosa. Não sei a vida que nos espera lá. Aqui, tínhamos a nossa vida montada. Tanto dinheiro que aqui fazíamos servindo esta gente .Tanto dinheiro que arranjávamos por esse Vouga acima; por esse «Vouga Arriba», como o sr. diz. O meu marido acompanhava sempre esses pobres homens. Agora, tudo morreu. A linha morreu. Nós «morremos»! Se aqui trouxemos este caso ele é apenas para demonstrar que é mais um caso; um caso protótipo do que se passa por esse Vouga Arriba. E para dizer aos «apóstolos» desse pregão que é um caso de saudosismo, para lhe dizermos, meus senhores, que o caso do Vouga não é caso de saudosismo; é um caso de morte para muita gente; morte nos seus nobres sentimentos; morte nos seus haveres; morte para uma terra que era sua. Mas, meus senhores, quem tiver ouvidos que ouça e quem tiver olhos que veja, que suba o Vale do Vouga e desça aos povoados recônditos! E depois que se pronuncie! O povo sabe o que quer e para onde caminha! Dêem, meus senhores, primeiro a esse povo o que lhe tiraram. Depois, ai depois, nós somos apóstolos da auto-estrada e esse povo até saberá compreender! Promessas? Para quê promessas? Para já o povo quer o comboio, ou automotoras, que o acorde logo de manhã porque eles, grande parte dessa gente, nem sequer têm dinheiro para comprar um relógio que bata horas! ...
121
É TODO UM PAIS AFECTADO
Suspensão afecta
oito
milhões
da linha de portugueses
- Queremos um comboio, um comboio renovado, limpo, mas queremos um comboio. Acabem as camionetas que não nos servem. Este o grito que ouvimos a centenas de pessoas de Viseu a Aveiro, reunidas em sessão pública em Macinhata 00 Vouga. Este encontro, sugerido pela «Independência de Agueda», foi bem a prova concludente que 0' povo 00 «Vouga Arriba» ainda não se calou; ainda não se conformou com o que lhe tiraram. Esta, a verdade incontroversa. Esta a realidade, pese muito embora a quem não a queira ouvir ; esta a verdade, repetimos, que carrega sobre as gentes do Vale do Vouga. Nenhuma promessa (realizável ou não) os convence, porque o drama não é vivido nos gabinetes mas nas casas disseminadas por essa paradisíaca região. Foi há um ano, precisamente há um ano, quando abalamos por esse Vouga acima. Cinco horas e um quarto metidos numa caixa de fósforos" foi o tempo que demorámos de Aveiro a Viseu. Então relatámos tudo, Depois disso não mais, largámos tão candente caso. Uma pausa mediou e até julgámos (perdão, queriam-nos fazer julgar) que esse traumatizado povo se fosse aclímatando um tanto ao transporte de camionagem, Mas não. Ontem ouvimos clamar 123
os mêsmos gritos que então escutáramos nos vales e quebradas desse Portugal desconhecido. Só que agora o clima se transforma não numa esperança, mas numa esperança desesperada.
isso é que me atrevo a fazer estes considerandos. O gastar 5 000 contos por quilómetro quando na região refiro essa distância fica apenas em mil contos. Isto dinheiro. Há dinheiro para fazer renovação de estradas para reformar uma via férrea.
Estado vai a que me é estragar e não o há
* * * Dezassete horas. A sala da Junta de Freguesia de Macinhata do Vouga, está superlotada e transborda para o átrio. Camionetas de aluguer, carros, motorizadas, enchem o largo. Era Aveiro-Viseu, gentes desta espinal medula que ali estavam para dizer à Imprensa, a esse Portugal além, aos seus governantes, que a sua voz ainda não foi abafada pelos ventos que possam soprar nas suas serras! O comboio tem de ressuscitar, novo, moderno, eficiente. Durante quase três horas, num diálogo descarnado de protocolos o povo disse 10 que pensa, o que quer e o que terá de fazer se o comboio não voltar. Gente de bodas as classes sociais - engenheiros, advogados, médicos, padres, operários, funcionários públicos e da C.P.; gente anónima que deixou os seus afazeres, para ali estarem presentes. É um S.O.S. (dizia-se) que queremos daqui lançar a quem nos queira ouvir .' Ainda acreditamos que nos ouçam! Impossível se tornava ao repórter registar todos os desabafos que espontãneamente expunham. Eles saíam como catadupas mas que reflectiam bem a sinceridade que lhes ia na alma. Ordeiramente decorreu a sessão a provar que outra coisa não se deseja senão repor a justiça onde ela deve estar. - Se a C.P. é uma Empresa Pública, como diz que é, e parece que legalmente que o é, tem de passar por cima dos seus lucros e pensar em todos os interesses da região que está a prejudicar. Assim começaria o diálogo. - É antí-econômíce ter-se uma estrada nova (referia-se à via rápida anunciada) onde existe um caminho de ferro. e uma estrada velha. Tenho assistido a vários congressos de engenharia e de jornadas ligadas ao sector ferroviário, em Lourenço Marques e por
Poeira
Analisou depois (este técnico cujo nome não vale a pena reterirj C) casos das linhas da Beira iguais aos que se passam na linha em questão. _ Lá fez-se e aqui por que não? Dizer-se que se gastam 660 mil contos na renovação da linha é mesmo meter poeira nos olhos do povo, nania a nós técnicos. Tenho vinte anos destes. serviços! - Mas esta linha, sr. engenheiro, conforme está poderá servir? perguntou a Imprensa. Quanto a mim não. A máquina a vapor está antiquada e provado que não pode render. Máquinas a Diesel eléctricas é o que se impõe na linha do Vale do Vouga. E prosseguiu: não se exigia uma reconversão rápida de toda a linha, mas poder-se-ia ir remodelando paulatinamente, por troços. A linha da Beira andou nestes trabalhos cerca de 20 anos. Muito do material velho pode ser ainda aproveitado. O binómio que hoje se passa, estrada-caminho de ferro, é o mesmo que se passa entre a aviação e via marítima. Mas, quanto a mim, todos esses serviços se podiam coordenar de tal maneira que servissem os interesses públicos. Aliás, é o que sucede na Afríca do Sul. Há uma autêntica coordenação e só assim se compreende ser a sua exploração uma das únicas rentáveis no mundo. Aquele técnico ferroviário fez depois uma profunda análise económica das possibilidades da linha. _ Quantos habitantes serão afectados pela supressão do Vale do Vouga? perguntou-se à multidão.
(1)
124
nos olhos ...
Hoje (depois. do 25 de Abril) já se poderia declinar.
125
- Milhares, largos milhares! Dois distritos - o de Víseu e Aveiro, respondeu-se. De repente levanta-se uma voz: - Quem é afectado, meus senhores, senhores jornalistas, são nada menos, nada mais do que 8 milhões de habitantes. É toda a economia nacional que sofre, que fica prejudicada. (Jaime Gralheiro). - Porque não se suspenderam outras linhas que também não dão lucro? Porquê? - O que é verdade (outra voz) é que a C.P. diz que extinguiu a linha por não dar lucro, mas o que é certo é que, segundo as contas do último ano, o déficit aumentou. - Mas foi a C.P. que extinguiu o Vale do Vouga ou foi o Estado? perguntámos nós. - Foi escrito, aliás, foi dito pela voz autorizada do chefe do distrito substituto, que a suspensão foi solicitada pelo povo que fazia ameaças, p.erante o incêndio que deflagrara. E nesse caso, diz-se, o Governo não teve outro remédio senão extinguir o Vale do Vouga. Aliás, isso mesmo foi referido pela C.P. E ainda quanto aos fogos uma outra voz se levantou, afirmando que era verdade os comboios lançarem fogos, mas isto porque não havia os devidos cuidados num comboio que estava velho. Tinham de lhe abrir as goelas para poder puxar e até nem faziam a limpeza dos braseiros. Mas, pergunta-se, nas estradas os acidentes não são cada vez mais? Então vamos acabar com as estradas por esse motivo? , FOi ali dito que no Vale do Zambeze houve um caso idêntico e não se encontrou outro remédio senão satisfazer o povo, conservar-se-lhe o comboio até haver um ou outro meio- de transporte eficiente e que servisse o povo. Até lá, nunca!
- Mas, diz-se, perguntámos nós, que agora os transportes por camíonagern são mais eficientes e que o povo até os prefere? - Mentira, mentira, é uma pura mentira. Que vão ver e depois em consciência que digam se temos razão ou não! Esta pergunta foi como um furacão que rebentou na sala. Era a voz de todo um povo que repudia todas essas farsas. - Consta que alguma entidade superior tenha feito essa viagem de Aveiro a Viseu ou více-versa, para poder aquilatar da verdade? VOZES: Nunca lá vimos ninguém e nem nos consta. - Atenção, atenção, eu quero contar um caso. Uma pausa e a descrição começa: Ontem em Mourisca do Vouga a camioneta levava mais cinco passageiros. O motorista ordenou aIO cobrador que não levasse esses passageiros a mais. Receberam ordem de saída. Mas eles recusaram-se, afirmando que a camioneta que mais tarde vinha de Viseu, chegaria com a lotação completa, o que sucede sempre às sextas-feiras. Telefonou à G.N.R. e esta tê-las-ia informado que procurassem acomodar as coisas. Discussão e mais discussão e como permanecessem na negativa, o motorista voltou para trás com a camioneta carregada de passageiros e apresentou-os no Posto da Guarda. O que resultou? Em sinal de protesto os outros vinte e oito passageiros saíram da camioneta recusando-se a seguir viagem. Ora é esta a situação mais ou menos quotidiana criada a todo o Vale do Vouga. - Transporte de mercadorias? - Estão a chegar com o dobro do atraso e em más condições.
Contam-se dois casos deveras dramáticos e denotantes do que vai por esse Vale do Vouga. São às dezenas, centenas de pessoas que ficam sem possibilidades de transporte. São carreiras que hegam com o dobro do atraso.
- Mais um caso, senhores! - A minha mulher estava em Vouzela. Tirou um bilhete para Lafões. A dado momento, já no trajecto, uma outra que se cruzava, fez-lhe sinal de «Polícia» e a minha mulher foi convidada a sair, ficando no meio- do pinhal, num ermo, sozinha, à espera que voltasse 'Outra. Falou-se depois de vários aspectos que prejudicam os utentes de tais transportes, nomeadamente nos sectores, comércio, escolar
1,26
127
G. N. R. intervém
(com crianças a chegarem atrasadas às aulas); operariado a não cumprir os horários nas empresas. Abordou-se ainda o aspecto do deficitário rendimento e a propósito perguntou-se por que não foi a C.P. a explorar os transportes de estradas paralelas ou confinantes com a via férrea e porque. autorizou essa exploração a outros? Seria um bom meio de se poderem arrecadar capitais para salvar o déficite da via, salvaguardando, assim, os interesses públicos. - E que se pensa fazer perante esta situação? - Aguardar, aguardar que nos façam justiça! ... E do meio da assistência vozes se ouviram: - Conforme se tocar assim vamos dançar! Parece que nesta frase se sintetiza toda uma temática do direito do homem. Nós queremos o comboio, nós queremos o comboio renovado. Assim termiruou esta magna reunião, marcante de uma situação que aflige toda a vasta região do Vouga.
Sernada
e o Vale do Vouga
Domingos Alfredo Gonçalves, com vida montada em Sernada e homem que aos problemas da região se tem dedicado, não deixou de seguir o maior problema que alguma vez caíra sobre terras do Vouga - A SUSPENSÃODO VALE DO VOUGA.Já tivemos oportunidade de' o dizer publicamente, Domingos Alfredo tem sido o grande paladino desta nobre causa. Pois, nesta magna reunião não podia deixar de se ouvir a sua voz. Não pôde estar presente, mas enviou o seu testemunho que foi lido em voz alta. Por oportuno e porque reflecte todo um sentir de uma terra, porventura a mais sacrificada, damos-lhe o relevo, a que tem direito. «Um ano volveu já sobre a data em que deflagrou o grande' 128
incêndio do VALE DO VOUGA VISEU-SERNADA-AVEIRO. -
do encerramento
da Zin1ul
Até nova ordem - dizia-se - e esta pobre SERNADA aguardou e aguarda ainda no seu confiante sebastianismo - a reposição do serviço ferroviário, do qual vivia, vivendo para ele. Entretanto assiste, oprimida, ao ruir de todas as suas esperanças vendo desaparecer, dia a dia, tudo quanto representava vitalidade económica. Com o comboio, foi o restaurante, o posto médico, o serviço de correios, o café, a barbearia e aquilo que foi a florescente e conhecida SERNADA DO VOUGA, transformou-se num lugarejo ignorado, a revolver-se nos últimos estertores de uma agonia lenta. Começou já a debandada das suas gentes, buscando paragens distantes e possibilidade de vida! que a terra-mãe não pode assegurar-lhe. E o fim aproxima-se.
Mas não é somente a terra em que vivemos e a que nos apegamos com todas as veras da nossa alma, que sofre as agruras duma situação que l'en.atlvo sobre a linha, Domingos Ooncalvilll 6 bem o sfmbolo da persistênnão criou nem para ela contricia, em prol de uma causa - a caúlia do buiu. São todas as povoações l'ovo do VoulI'a. RecordA-lo 41IIJlperatlvo de JUlt1lla. marginais da linha, tantas delas nadas e criadas à sua sombra acolhedora; são muitos mühares de pessoas, que assistem impotentés ao 'r,W.sabar âa« suas estrUturas económicas; são largCJIS
. :centeruis de povoados; asfixiados, abandonados pela debandada permanente dos seus filhos válidos, é.a desouxçõol , . Nó~, porém teimamos em alimentar a esperança de melhores dias, pois ainda isperamos a promoção dos povos e das terras portuguesas . . ' .E ~nós, que '~ui;ri,as~emos, não seremos esquecidos com~ Portugueses em terras de Portugal. . Temos rJOisa esperança+repeitmos - de' que a nOSSa SERivADA,.JAFÂ'FEe ,CARVOEIRO;4';:como Fénix - hão-de renascer âas. suas próprias cinzas».
-. * *
.*
Por que não faz a CP também uma
. ~Erittetanto foram enviados telegramas ao Presidente do' C6h~elhôMihistro das Comunicações e Governadores Civis de Aveiro ;'. e. Viseu; , _',-.~Neles' se relata toda a:panorâmica dramática já descrita. ,.
lhe âareniuma via rápida, fica calado e satisfeito. A via rápida serve, e serve muito bem, para todos aqueles que têm grandes «espadas» ou que têm a sorte de já possuirem um veículo de quatro rodas. Para os que andam em cima de duas (rodas ou pernas),a via mais utilitária e aquela que melhor se coaduna com o seu viver, é, e continuará ainda a ser, o velho Vale do Vouga, rejuvenescido. E não nos venham dizer ou apontar o velho ditado de «Rei morto, rei posto». Tão ubérrima como idílica região só pode ficar bem servida com as duas vias.
sondagem aos transportes
do Vale do Vouga?
.'
Vlo :rápidcl
não ~ sinónirno
do
de «morte»
Vale",.,dc:tVougo
, .' Para os menos informados ou desconhecedores da nossa <~dsiçãórelativamente â~xtinção ou suspensão da Lirtha do Vale dg Vou9'a,_qüerembs, aqui;:mais uma vez, afirmar o nossodesa: 'càrd6 no' sfta suoressõo ou suspensão. E se ontem tecemos hinos laudatórios quantóà abertura duma via rápida Aveirà-Viseu foi unicamente. porque sabemos e conhecemos que essa abertura não 'Substitui .:uma via [erroouiria. Assim, mantém-se. de pé a noesa posiçãl) e a de centenas de pessoas Vouga arriba que foram ouvidas~ -Já (jissemosque se o caminho de ferro não vier a servir para ou~ra 1:oisa;.servit-ia'até.paraajudar ade~en~o:lver O'turiSmo em ,Úio ,pd~adisíàÇa. reaiõo, Mas não. E)le ,'serve para m'l.útQ:'mais.S~·rve P.ar!! .O'S..m.enos' endinheirados; 'serve ;patá ·tôàósâqtle7f;.~ ~que ,ainda, infelizmente, têm de. andar c-Qm'.(L.ta1eigQ~à·sécostas'ou a canastra :rlasardinhade terra em terra. Ou ainda para todos ,a'quelesquenecessitamsle 'l!mescQamerito rápido das suas merca:dor,ias.-:P:or.,'isso;não-.J;aja HUSQes de que. O' POP,o.,J.á.pe(o. fqcto de
A C.P. vai fazer uma série de sondagens ao tráfego ferroviário analisar os coeficientes de ocupação das composições e as matrizes de}'tráfego. Este, mais ou menos, o texto que saiu nos jornais. Q, objectivo de sondagem também veio nos diários. 'Não há dúvida que a C.P. está a trabalhar pelo seguro! Lá isso está! Fiscalizar, sondar é o lema que nos parece estar em marcha para uma melhoria! ... Actualizar, modernizar, será a ordem de comando. E suspender, eliminar, de quem será? Não deixa de ser laudatória a primeira medida, mas condenatóría a segunda. Voltar a abordar o intrigante caso da suspensão da Linha do Vale do Vouga, para quê? Respondemos nós a quem se nos dirige desde terras de Viriato até às paragens de José Estêvão. Para quê, amigos"! ... Mas porque calar é consentir e porque ainda somos dos que acreditamos na passagem evangélica: «batei, batei e abrir-se-vos-á», e porque calar é ser derrotado antecipadamente, voltamos ao assunto tantas' quantas vezes a oportunidade se nos deparar. Isto até que o comboio ressuscite ou então os ossos. se transformem em cinzas! ... E agora deparou-se-nos uma oportunidade, .ou melhor, duas: a medida de sondagem da C.P .. e os dístícos que em toda: a linha
-visando
do Vale do Vouga estão patentes. Não sabemos quem 'os estampou, ou melhor, sabemos: foi o Povo, esse Povo que quer O' seu comboio. E porque já está descoroçoado de tanto pedir publicamente, e já vai estando cansado de tantas vezes erguer as mãos, pedindo . piedade, pedindo o que lhe tiraram, resolveu mostrar o seu descontentamento através de frases elucidativas. O Povo é assim. É generoso, mas também sabe pagar, na altura própria, com a moeda com que lhe pagaram. Nós sugeríamos à C.P. que fosse também fazer uma sondagem ao Vale do Vouga. Ouvisse, com ouvidos de ouvir e visse com olhos de ver, O' panorama que existe por essa tão esquecida região. Já que a C.P. está com tão boa vontade em servir o Povo, que ouça também o Povo do Vale do Vouga, E então sim, tirará as conclusões. E já que estamos a falar deste problema! apraz-nos recordar, passados que são largos dias, a promessa do ministro das Obras Públicas e Comunicações aos representantes da Casa da Beira Alta. Ele disse que ia rever o caso do Vale do Vouga, Depois disso, e embora se tivesse registado uma onda de regozijo, nada mais se soube, Estamos certos que o eng. o Rui Sanches estará a trabalhar nesse sentido. Confiemos, povos do Vouga, até ao lavar dos cestos ...
111
'" '" '"
o que
escrevemos, será o suficiente para provar (ao menos) aos vindouros de que a linha não foi esquecida pelos seus maiores e que repudiaram tão infeliz como desumana atitude consumada por um governo ditador. Termina assim uma das partes do nosso trabalho. A que se segue é já escrita numa Primavera de Esperança e no Regime que nos deixa respirar o ar das montanhas e ouvir o canticar das águas do Vouga, desde a Lapinha aos montículos do Sal.
132
Esperança
confiante
Não era scudosismo
.. :
"~''''~l'<r-:-~'t''~~~~.~/'~~~.y.~~~~t? Roseirais despontam na linha mas a esperança dos" cravbs' vermelhos lapela-se no peito das gentes desde Aveiro a Viseu. Foi há dois anos que percorremos todo o trajecto da via que Governa fascista encerrou. O drama ficou expresso nos capítulos que antecederam. Nova jornada agora iniciámos para inventafiarmos toda uma panorâmica que adivinhamos latente. , Pois, como preâmbulo do que ouvimos, podemos adiantar que a situação de inconformismo, de descontentamento, é deveras supe-' bor ao de há dois anos. O tempo veio provar que o que aquela, gente relatou, não era saudosismo, porventura romantismo doentio; " mas sim uma verdade insofismável de que o Vale do Vouga não pode ser substituído por qualquer outra rodovia. As duas' completam-se e não se rivalizam. ",.":'
:.~:
';--
' ••
1
•• :
?
lt4.~()lrM8despertam .na linha e .aesperanca,
135
renasce!
, Sernada olhos no futuro
- O comboio resolve tudo: camioneta cheia não leva mais. Comboio leva sempre mais um, assim desabafava o Chefe da Estação, Sr. José Marques. E o DOmingos, lá anda, atravessando .carris, olhando a encostá. Ele, o grande batalhador da ressurreição do Vouga, continua na recolha de assinaturas para apresentar ao novo Governo.
cP
Semada ainda vive. A morte 86 poderA vir quando desaparecer Mal tal não acontecerA.
a última
mAquina.
Ainda há carvão, ainda há algumas caras tristes, ainda há máquinas esventradas, projectando lufadas de fumo na encosta, ou no rio que já vai poluído. A Sernada ainda vive. Vive uma vida que se esfuma com o fumo das sexagenárias máquinas que a envolve. ~ Venha 'o comboio, venha o comboio', modernizado. , ,Alberto Costa, Alda Marques, António Joaquim,' Manuel Rodrigues Dias, Alemo Eugênio, Augusto Pedro e Oliveira, José da Silva, foram nomes que registamos dentro da camioneta que substituiu o comboio. Não havia qualquer hesitação, nem nas palavras nem nos rostos que adivinhamos revoltados. Aquela revolta que já dura dois anos!' - Isto não serve, não podemos suportar as viagens de camioneta.
136
interessada no golpe
Serra acima, a paisagem de uma beleza desconhecida, entra-nos nas meninas dos olhos bêbados de um desejo, porventura, de uma frustração (!) mas como a esperança é a última a morrer, gatinhámos por aí. acima, mais acima! Pinheiro de Latões pára-nos, como já há dois anos ali nos fez dormir. O panorama é o mesmo, só que agora 'os roseirais que ornamentavam a linha e beijavam o anacrônimo comboio se assenhorearam de toda a via. E as rosas cheirosas até fazem esquecer a ferrugem dos carris! - Desolação, tristeza,' dizia-nos alguém quando n6s nos detínhamos na contemplação de um facto consumado. - Novamente?! - Sim, novamente! Celestino Ferreíra Martíns, reconhecera-nos naquela manhã de muito sol e ... muita esperança, em terras de Lafões. - Que lhe hei-de dizer? O que lhe afirmei há dois anos. Só qu agora. com provas insofismáveis de que é urgente a «ressurreíç o') do comboio. Faz-nos uma panorâmica da triste situação no sector de vias de comunicação. - Como já tive .oportunidade de afirmar, pode dizer-se que todas as tentativas para se sair do marasmo em que se debate a 137
.economia do 'distrito de' Viseu vão sempre esbarrar no' angustioso problema das vias de comunicação e dos transportes distritais. No plano ferroviário, o distrito de Viseu viveu, até há poucos anos, unia situação que nada tinha. de invejável e que subitamente se-agravou mais ainda por forma absolutamente inexplicável ou pelo menos, se explicação tem, não chegou -ela ao conhecimento dos Povos interessados. Serviam-no as linhas do Vale do Vouga e do ramal de Santa Comba Dão-Viseu, ambas de via única e bitola estreita, e a linha da Beira Alta também de via única, mas de bitola larga. Apesar de anacrónicas ia-se vivendo mas a C.P., que ao longo dos anos, nada fez para modernizar ou substituir, estava interessada em dar um golpe. E deu-o no Vale do Vouga, nos moldes que são do conhecimento geral.
•••• Há duas ou três dezenas de anos que não é concedida uma licença de raio livre; ou seja, para efectuar transportes em todo o País," sem limitações territoriais com raio de 100 kms. .Dos 24 cOIÍcelhos que compõem o distrito, em 13 não existe uma única licença de aluguer para transportes de mercadorias para todo o País. E isto porquê? pergunta-nos o sr. Celestino e responde: --..:.Dentro do mecanismo oficial qualquer pedido de concessão terá sempre de contar. com o desfavor, quando não cerrada oposição, de duas entidades: - a C.P. e o Grémio dos Industriais de Transportes Automóveis (G.I.T.A.). A atitude da primeira resulta dum mal entendido espírito de compreensão dessaempresa, que tudo quer para si, apesar de se manifestar -incapaz de dar satisfação ao que legitimamente dela se poderia esperar, por tal forma que, longe de instrumento de progresso da região, tem sido factor de estagnação. O Grémio, por seu turno, transformou-se num instrumento dócil nas mãos de alguns grandes industriais de transportes que não lhes interessa que apareçam nas estradas outras empresas a fazer-Ihea concorrência procurando transformar as 'rodovias nacionais ém' «coutadas .própria, na qual soá a eles é .permítido «caçar».
13&
Daí que há milhares de pedidos de licenças para concessões de transportes . E o sr. Celestino a terminar, diz-nos: «É urgente restabelecer a linha do Vale do Vouga, é urgente modernizar as rodovias do DistritAl e é imperioso rever o condicionalismo legal de concessão de licenças de aluguer para automóveis ligeiros de passageiros e concessão de carreiras de transporte de passageiros». E despedindo-se, com um ar irónico e compenetrado, ainda esboça esta passagem sintomática: - A C./P . apresentou mais prejuízos depois da linha fechar do que quando a explorava. Onde está, então, a verdade do seu pseudo pretexto de que encerrou por prejuizo?!
Comboio em zona pecuária Oliveira de Frades tem novo elenco camarário. A posição da actual Comissão Administrativa é (também) de fazer ressurgir o Vale do Vouga. -Aliás, começa por oos dizer o Dr. José Carreto Lages, vogal dessa comissão, o Vale do Vouga consta do nosso programa apresentado ao Povo de Oliveira de Frades na nossa eleição. Interessa-nos, diz o Dr. José Carreto Lages, grandemente, porque conhecedores dos problemas que a suspensão da linha causou a esta região. Por outro lado é o querer generalizado da~ populações do concelho. Repare, que não é uma necessidade de saudosismo, ou sentimentalismo, mas sim uma necessidade imperiosa. Isto sente-se não só no transporte de passageiros, de modestos recursos, mas também no de mercadorias. Em todas as Nações evoluídas se promove a construção e reconstrução de linhas e aqui vamos acabá-las? Não, não pode ser. Uma nova hora chegou. O comboio tem de voltar . E repare que numa região em que o cooperativismo, nomeadamente no sector pecuário, está a procurar avançar, não nos podem servir os transportes rodoviários. Aliás, a via rápida, não pode ser uma substituição mas tão somente um complemento, porque as duas são necessárias.
139
Comboio em civilização moderna
A Edilidade irá actuar não isoladamente mas de conjunto. Irá trabalhar, no tão magno problema do Vale do Vouga, com todas as Câmaras, cujos concelhos foram afectados pela suspensão - começa por nos dizer o porta-voz da Câmara de Vouzela, Prof. António Alexandrino. E prossegue: Estamos a auscultar detalhadamente os anseios do Povo. Ele é que se tem de pronunciar. Já se lamentou, mas agora tem de o fazer de viva voz. Eu por mim entendo que na civilização moderna é indispensável esta via de comunicação, nomeadamente nesta região. Ainda que venha a t&l via rápida, ela não resolve o problema dos transportes, porquanto as povoações continuam a ser mal servidas. Queremos um comboio, mas um comboio modernizado, com'O é intuitivo.
Vouzela e toda a região de Lafões, agora, mais isoladas, mais pobres, metidas (apenas) numa aleofa de verdura!
140
Este problema do comboio foi considerado. prioritário na nossa tomada de posse. Mas, como lhe disse, o. Povo tem agora a palavra. Porém, todas as achegas que nos possam dar serão válidas para sairmos de uma situação crítica em que nos lançaram.
Campanha
que é um exemplo
- Ponham-se já essas máquinas na linha! Não. se pode esperar mais. Isto ouvimos nós na Estação de Viseu, da boca de alguns ferroviários. Será a boa maneira disto arrancar. Senão passamos a vida em lamentações. Foi de Viseu que partiu recentemente, uma iniciativa que nos parece de uma acuidade digna de enaltecer, não pelo que ela pode representar de valor económico, mas pelo simbolismo. de que se reveste. Um grupo de ferroviários lançou a ideia de os seus colegas, principalmente das linhas do DãO'e do Vale do Vouga até Aveiro, se custearem de um dia de trabalho proporcionando assim um apoio financeiro ao Estado para restabelecer a linha e pôr o comboio em Iuncíonamento. Sobre esta iniciativa falou-nos o sr. Amaro da Silva. «Esta ideia nasceu pela saudade do Vale do. Vouga. Mas, não s6, porque isso seria insignificante, mas, principalmente, porque n6s sentimos no dia-a-dia a falta que a linha faz a esta gente. É porque' as camionetas não. satisfazem, de maneira nenhuma, esta vasta região. E o sr. Amara prossegue: As listas de assinaturas continuam em circulação. Já nos chegaram algumas. Espero que nestas duas linhas ultrapassará as mil adesões. 141
Olhe que há ferroviários que estão dispostos até a custear-se com 5 dias de trabalho. Outra, do Povo, parece que também já corre. Não compreendemos porque se teima nos transportes da E.G.T. Há interesses grandes, mas nós da C.P. não podemos pactuar com esses interesses misteriosos. É necessário servir o' Povo e servi-lo nas melhores condições. Se isto continuar assim, teremos de agir. Aventam-se já para aí hipóteses de repúdio contra esse género de transportes. Entretanto soubemos em algumas estações que o número de bilhetes desceu cerca de 50% em relação há dois anos.
Acabar,
nunca! Restaurar,
sim!
Apoiámos a campanha que se está a desenrolar para que o . nosso Vale do Vouga volte a silvar, mas sem fumo. Temos que acarínhar a ideia porque ela é também a nossa. O comboio faz falta a toda a gente. Assim começou por nos afirmar o Eng." Lino Moreira, Presidente da Comissão Administrativa de Viseu e acabado de chegar de uma longa viagem ao estrangeiro. E prosseguindo: As camionetas nunca poderão substituir' uma linha, que não só escoava rapidamente o transporte de passageiros como nunca deixava armazenados nas Estações toneladas de mercadorias. É inacreditável como se possa pensar que um transporte rodoviário possa satisfazer, nomeadamente nas mercadorias, uma vasta .região. Não estamos, acrescentou, em posição de acabarmos com o Vale do Vouga, mas sim restaurá-lo, principalmente numa região do interior. ~. a,.terminar: Conheço grande parte do mundo.. designadamente do, Japão, 142
das Américas do Norte, da Europa e sei bem o que as vias férreas representam para incrementar um país, uma região. A Câmara Municipal de Viseu está no firme propósito de ajudar a ~encer a luta.
Bei ras co-i nteressadas Jaime Gralheiro, advogado distinto, «dramaturgo em carne viva» como lhe chamou Diniz-Jacinto, incansável lutador pelos interesses das serranias do Vouga e integérrimo defensor da linha do Vale do Vouga, é agora também Presidente da Câmara de São Pedra do Sul. Era já tarde quando penetrámos no Seu gabinete camarário. Mângas arregaçadas, olhos vivos, gesticular fácil, logo nos aperce-
são Pedro do Sul, pendurada 'que continua a- esperart«.
nas faldas da Gralhelra,
.6 mais uma terra
bemos de que agora o marasmo em que viveu tão ridente concelho, se transformará numa ordem de trabalhos de rápida solução. Então que me quer, meu homem? Talvez já saiba! ...
=-
Esboçámos um sorriso e mãos ao trabalho que o tempo é dinheiro. - Escreva! Ordem delicada, mas, incisíva. Levanta-se da cadeira e caminha cá-lá, lá-cá, olhos semi-cerrados e o pensamento sai-lhe tumultuosamente calmo (paradoxo?). - «Oproblema do Vale do Vouga, presentemente é um problema mais urgente do que era há dois anos. A situação agravou-se e criou uma nova acuidade após o 25 de Abril. Com efeito se antes não se podia pensar no arranque sócio-económico da região sem um comboio a valer, a verdade é que o marasmo e a apatia nacional, a rodos os níveis, levaram-nos naturalmente a descrer que o'regime velho fosse capaz ou quisesse mesmo arrancar a região para os caminhos do progresso. Os povos reivindicaram mas havia uma certa desesperança. Era reivindicar quase só para se mostrar que se estava vivo. Ninguém acreditava verdadeiramente que um governo ou um regime que fecha toda uma região sem ouvir os clamores dos seus povos, descrícíonaríamente, só porque a C.P. não tinha lucro, ninguém acreditava que esse 'regime ou governo voltasse atrás e se pusesse ao lado do Povo contra o qual sempre estivera. Agora, depois do 25 de Abril, nasceu um Portugal Novo, não só nas suas actividades, mas no coração de cada português. As pessoas passaram a acreditar em si próprias e passaram a acreditar naqueles que fizeram a revolução. O clima de entusiasmo gerado empurra as pessoas no sentido de ganharem em pouco tempo, os 50 anos, que se perderam, O Povo quer arrancar e o Povo acredita que o Governo quer ava~çar com o Povo.
desde Aveiro até à Guarda têm urgência de se ligar uns aos outros. A Beira Litoral e a Beira Alta não podem faltar num processo de valorização e progresso separados. Uma depende da outra, como dois braços do mesmo corpo. Uma operação conjunta dos povos de toda esta zona, pelo menos de Viseu a Aveiro, impõe-se urgentemente para já».
Substituição
não satisfaz público
- Muito embora considere que a C.P. não estará na disposição da reconversão da linha, o certo é que o comboio faz falta e as camionetas não satisfazem, tanto quanto mé tenho apercebido, as populações. A substituição não satisfaz o público. Nós, com os restantes concelhos, daremos tedo o apoio para ir de encontro aos legítimos anseias do Povo. Quer o comboio, venha o comboio, mas um comboio modernizado». Este o pensar do Presidente da Comissão Administrativa de Agueda, um concelho a que tanta falta fez o comboio, quer no aspecto de transportes de passageiros quer, e, principalmente, no de mercadorias. Quanto a Aveiro, para além do que pode representar para a evolução do seu porto de mar, a falta do comboio também atectou o concelho. O interesse no caso dos seus responsáveis está patenteado na iniciativa de promover uma reunião, a nível de Câmaras, a que adiante aludimos.
Assim, novas perspectivas se abrem a toda esta região., Não quer ficar para trás; quer ser digna de si própria na construção do novo País. 91',a, sem vias de acesso, isso não é possível. É urgente ligar a c.fi,a;~i~ade produtiva da região de Laf'ões aos mercados e liga!' os <c~Il:trosde abastecimento à região de Lafões. Estrada Nacional ri.O, 1'6 se não servia, cada vez serve .menos, Os Povos 10
146
Nunca existiu um projecto de via rรกpida, mas sim um risco Dum mapa!
DOIS DISTRITOS EM MESA REDONDA
Nõo
se pode
ócio-económico
fazer
o desenvolvimento
da região
sem um moderno
do Vouga
comboio
A Câmara de Aveiro, sob proposta de João Sarabando, resolveu li V ntar o grave problema da suspensão do Vale do Vouga. Posterlorm nte, a mesma Câmara, por proposta de Carlos Jerónimo, di IIb rou que se promovesse uma reunião a nível das Câmaras 1ft tas ao Vale do Vouga, desde Aveiro a Víseu. Esta reunião teve I"';ora. lugar no salão nobre dos Paços do Concelho. Presentes todas /I maras interessadas em resolver tão magno como pertinente nrobloma. Todos os representantes apresentaram na sessão de trabalhos di dois distritos o pensar das gentes dos seus concelhos. Todos, com mil! ou menos dose de conhecimento do assunto, disseram das ~nlV s consequências que adviriam da suspensão de uma linha 1/\1 ligação de duas grandes regiões - a do Litoral e a da Beira AltA, ambas complementos uma da outra. O'representante de Viseu, após ter feito uma curiosa dissertaI ()sobre-o caminho do «Malhadinhas» salientou que as suas mercadortas e as suas madeiras têm de ter um caminho servido pelo Vale do Vouga. Aveiro precisa de Viseu mas Viseu também precisa de Av ira e, principalmente, do seu porto. E só o pode utilizar se houv r um bom transporte e esse transporte será o comboio.
* * * 0' presidente da Comissão Administrativa de S. Pedro do Sul, o dr. Jaime Gralheiro, o homem que mais de perto tem seguido o do Aj r» do Vale do Vouga, fez uma exposição, quer a nível I' I{iona.lquer a nível concelhio das implicações que a suspensão troux para toda a região desde Aveiro a Viseu. No aspecto geral Jaime Gralheiro disse que o comboio é hoje 111'" m ia de grande transporte. Nas zonas suburbanas o comboio 149
leva duma só vez o que uma série de camionetas não transporta. O comboio não pode ser dispensável. NãO'é passível fazer o grande desenvolvimento sócio-económico sem um bom cambaia. E na sua análise profunda e bem deíineada, Jaime Gralheiro acrescentou que há a considerar a comboio para curtas distâncias e grandes distâncias. Aquele serve apenas para as passageiras e este para passageiras, mas essencialmente para tranportes de mercadorias. Ora, disse, a Vale da Vouga, dadas as características das zonas que serve de Aveira a Viseu, participa destas duas grandes facetas. De Aveira até Paradela da Vouga pode considerar-se um comboio para pequenas distâncias. A partir daí será para_ as grandes distâncias. A inexistência de um bom comboio e de uma via rápida vem originar problemas de suma importância, trazendo uma sobrecarga à estrada n.? 16 já de si incomportável com um vulgar tráfego, pois nem sequer permite que dois veículos se cruzem em determinados locais. Quanto à região, e mais concretamente ao concelho de S. Pedro do Sul e Oliveira de Frades, apresentou toda uma panorâmica deveras confrangedora, não só na deficiência de transportes de passageiros como ainda e, principalmente" no transporte de mercadorias, nomeadamente no de adubos. Quanto a estes diria mesmo que os lavradores estão a pagar dois transportes: um até Santa Comba DãO' e outro desta às suas localidades, por não haver transporte, acrescida ainda de que a CUF já inclui o transporte até S. Pedro, ande a mercadoria, como é óbvio, não pode chegar no comboio. As mercadorias que no comboio demoram apenas dois dias de Lisboa, agora chegam a demorar quinze. Acresce ainda que essas mercadorias vêm, por vezes, misturadas com pesticidas ou mesma petróleo, pois nas camionetas não pode haver lugar para separação, como sucedia com o comboio.
m ios de transporte. Se já antes muitos industriais fugiam de aqui vir investir, agora a caso é agravado, por não terem transportes, ó a existência de um comboio pode trazer para aqui boas indústrias». Quanto ao turismo, ao chamado turismo-social, Jaime Gralheiro dissertou primeiramente sobre a potencialidade das Termas de S. Pedra do Sul que vão transformar-se dentro em breve pólo de atracção não só da' turismo dos ricos mas também da gente com menos possibilidades. E quanto a este facto disse que esta gente só as poderá utilizar se tiver meios de transporte baratos. Ela ainda não tem carro e só o comboio a pode satisfazer. E referindo-se ao impasse em que' tem estado O' turismo nesta previlegiada região, e que se deve à falta de transporte, disse que por uma estatística que viu há tempos publicada,' verificou que apenas um terço de turistas que entram por Vilar Formoso se atreve a percorrer as 500 curvas do Vale do Vouga. Ora se houvesse um bom comboio, esta regíão transformar-se-ia. O triângulo - disse Jaime Gralheiro - que desde Aveiro, Espinho e Viseu se estende até à Guarda, principalmente a zona Norte e com saídas para o Douro, se tivesse um bom comboio que fizesse ligação rápida, não só esta zona da Beira Alta, como a do Douro e de Aveiro seria altamente beneficiada. Aveiro passaria a ser um «interland». O porto de Aveiro passava a ser de facto um autêntico porta. Assim está desligada.
* *' *
O problema de indústria, foi também outra caso que Jaime Gralheiro explanou com muita acuidade. Não temos indústria e nem sequer podemos pensar em tê-la, porque ela está dependente dos
E entrando na análise «do Portugal Novo» que se está a construir, o dramaturgo de «carne viva», afirmaria aos seus colegas, que agora, mais do que nunca temos de nos bater pela vinda do comboio, O fascismo acabou com ele e acabou com ele parque não lhe dava rendimento. Ele não podia dar porque já o tinha dado ao longo de meio século, onde nunca se investiu, apenas se quis explorar. Mas o Povo antes não acreditava: que lhe dessem novamente Q comboio, porque se o fascismo acabou com ele é, porque o Governa sabia que não dava rendimento à sua «mãezinha» C.P. ou à sua associada. Mas nós agora temos uma grande responsabilidade perante a Povo e essa responsabilidade tem de ser traduzida em factos e eles terão de ser: dar-lhe a que os outros lhe tiraram.
150
151;
Apenas
um terço
,
de turistas
'
'"
'
..
o dr. Flávio Sardo, após várias considerações concernentes ao seu concelho ligadas ao Vale do Vouga, debruçou-se sobre um todo relacionado com as possibilidades que advém para o porto de Aveiro se houver um bom canal que rasgue as serras da Beira Alta até às pirâmides de sal. Por isso, o comboio não é só necessário como se torna urgente a sua reposição. Ele é necessário para haver um eínterlands entre Aveiro e as Beiras. '"
'"
'"
o presidente da Comissão Administrativa de Vouzela disse que se espalha lá por cima o boato de que o Povo reclama a vinda do comboio, não porque isso lhe sirva, mas para que o Governo, perante estas lamentações, lhe traga a via rápida. Quanto a este problema, Jaime Gralheiro voltou a intervir, explicando: - Bem, quanto a isso, eu devo dizer, com muita pena, que o projecto da tal via nunca existiu. Essa estrada, que até já se chama estrada política, foi mais um «bluf» com que iludiram o Povo em época de eleições, porque eles ainda temiam um pouco as reacções do Povo. Propagandeou-sa na Televisão e na Imprensa através do então ministro das Comunicações, mas o certo é qU~ o que ali foi apontado era apenas um risco no mapa. Um projecto demora muito tempo a fazer. Mais de dois anos. Ora atendendo a que pudesse vir a tal via rápida, que nunca substitui o comboio, íamos estar parados durante mais de seis anos? A estrada foi mais um tapar de olhos ao nosso Povo, que andou com eles encerrados durante quase meio século! .•. '"
.
Quanto à primeira, é procurar inquirir da possibilidade de pôr duas ou três máquinas «Diesel» em circulação. Para tanto, bastará tecnicamente saber-se qual a bitola da linha e as máquinas a utilizar, de acordo com essa bitola. É porque, desta maneira, já pode prestar muito serviço aJOpúblico. Depois, numa segunda fase, ver a possibilidade de .ir remodelando a linha com rectificação de curvas, etc., trabalho esse que se pode fazer com o comboio' em circulação, como acontece noutras vias. A longo prazo, então estudar-se-ia a possibilidade de uma via larga e, possivelmente, sua electrificação. '"
'"
O dr. Flávio Sardo, depois de algumas considerações, propôs que fosse nomeada uma comissão à frente da qual figurasse Jaime Gralheiro, proposta que de imediato foi aprovada. Dessa comissão, além doutras pessoas, farão parte um elemento de Viseu, de São Pedra do Sul, Vouzela, Agueda e Aveiro, podendo-se fazer cercar de todos os elementos válidos que queiram dar um contributo em tão magno problema. Os três concelhos do distrito de Víseu encarregar-se-ão de fazer o estudo sócio-económico e os outros o técnico. Entretanto, o primeiro daqueles estudos deverá estar pronto até ao dia 10 do corrente e toda a correspondência pode ser dirigida para a Câmara de Aveiro. Aceitam-se todas as sugestões e documentos que se possam juntar ao importante processo, que será presente ao Governo. A comissão pede mesmo que apareçam voluntários que queiram trabalhar em prol de um caso que atormenta toda uma vasta região.
Entrou-se depois na procura de soluções para restabelecer o comboio. Mais uma vez Jaime Gralheiro apresentou soluções. Entre elas apontou: - O comboio, para já, tem duas etapas: uma imediata e outra a curto prazo, podendo ainda considerar-se uma outra a longo prazo. 152
'"
153
ALGUNS DOCUMENTOS
Exposição
enviada
em Janeiro Presidente
pela
zona
do Vouga
de 1973 ao então da
República
Ex.mo Sr. Presidente da República: Os abaixo assinados, todos residentes nas áreas servidas pelo extinto comboio do Vale do Vouga, vêm expor a V. Ex." o seguinte: Foi a linha do Vale do Vouga aberta há mais de 50 anos. Com a sua abertura pretendeu-se pôr em contacto toda a zona que vai de Viseu a Aveiro e Espinho (o Vale do Vouga) com o Litoral. Acontece que ao longo dos anos a linha nunca mais sofreu beneficiações e desde que foi entregue à C.P. foi, pura e simplesmente, abandonada. Não admira, por isso, que se tivesse tornado inadequada ao trânsito moderno, acabando mesmo por se tornar economicamente deficitária a sua exploração. Nem outra coisa seria de esperar dado que um investimento feito há mais de cinquenta anos, não podia continuar a dar lucro, pois há muito tempo já se amortizara. Simplesmente a C.P. não o entendia assim. E, como resposta aos clamores das populações mal servidas, em vez de melhorar os serviços, aproveitou o facto de o comboio ter lançado um pavoroso incêndio, no verão de 1972,para conseguir do Governo a sua suspensão provisória ... a qual se veio a tornar, depois, definitiva. Como substituição montou um serviço de camionagem o qual É AINDA PIOR QUE O MAU SERVIÇO PRESTADO PELO COMBOIO. Com efeito: a) - as camionetas não servem, nem podem servir, muitas povoações que antes eram servidas pelo comboio; b) - as camionetas não têm capacidade para transportar todas as mercadorias; assim: 157
c) - as tarifas que antes demoravam 2 ou 3 dias a chegar ao seu destino, demoram, agora, 10 a 15 dias; além disso: d) - Como vem tudo misturado, as mercadorias vêm juntas com produtos químicos (adubos ou pesticidas) que muitas vezes se derramam inutilizando, assim, aquelas, ou tornando-as gravemente perigosas para a saúde pública. e) - em dias de mercado ou feiras, muita gente fica em terra, por não ter lugar. f) - Porque o percurso procura sobrepôr-se ao do comboio, sem o conseguir, as viagens são longas e incómodas. g) - As estradas onde este percurso se processa são velhas, estreitas, com muita curva, e cobertas de geada, no inverno, o que transforma cada viagem numa aventura.' . Dado que estes inconvenientes afectam centenas de pessoas todos os dias (principalmente, estudantes, operários e pequenos agricultores) Os signatários depositam nas mãos de V; Ex." esta exposição, a fim de que o Chefe do Estado, conhecedor (muito sumariamente) dos grandes problemas de transportes que nos afligem, POSSA IMPôR UMA SOLUÇÃO JUSTA com vista aos interesses de toda a região. Tal solução justa só pode ser, IMEDIATAMENTE, a reposição do Vale do Vouga, com tracção diesel e rectificação, por fases, do seu antiquíssimo e anacrónico traçado. De resto, a reposição do comboio, numa altura em que é urgente a poupança das fontes de energia (de acordo, aliás, com os . insistentes pedidos feitos pelo Governo ao País) É UMA MEDIDA ALTAMENTE ECONÓMICA, pois, um comboio só transporta mais gente e mercadorias que várias centenas de automóveis ou até, camionetas juntas;
particularmente estrangulada em vias de comunicação rodovíáría capazes. De passagem, embora, não queremos deixar de lembrar a V. Ex." a situação de injustiça que se mantém relativamente a milhares de pessoas afectadas pelo grande incêndio do Vale do Vouga, as quais ainda não receberam as indemnizações a que têm direito. É certo que a C.P. faz vagas promessas de entendimento extra-judicial. A verdade, porém, é que as populações afectadas estão em risco de terem de recorrer aos tribunais, encharcando estes com centenas de acções, o que tudo' traz graves despesas aos interessados ,e trabalho desnecessário aos serviços judiciais. Na convicção de que V. Ex." tomará na devida conta esta exposição, a depositamos nas mãos de V. Ex.", nos termos do n.? 18. do art.° 8. da Constituição Política. 0
0
Após O 211 de Abril Ex.mo Senhor Ministro da Coordenação Económica
O comboio é o meio de transporte mais barato para as grandes distâncias e zonas suburbanas. Ora, o comboio do Vale do Vouga, de Aveiro à Sernada e de Espinho-Sernada, dadas as especiais características industriais da zona que serve, É UM VERDADEIRO TRANSPORTE SUBURBANO. Daí até Viseu, funciona corno transporte de grandes distâncias, tanto mais útil quanto é certo que esta região se encontra
As assinaturas que seguem representam, talvez, um milhão de Portugueses, habitando mais de duzentas freguesias dos Concelhos de Espinho, Vila da Feira, S. João da Madeira, Oliveira de Azeméis, Vale de Cambra, Arouca, Castelo de Paiva, Albergaria-a-Velha, Sever do Vouga, Oliveira de Frades, Vouzela, Tondela, S. 'Pedro do Sul, Castro Daire, Lamego, Viseu, Sátão, Vila Nova de Paiva, Agueda, Anadia e Aveiro, servidas pela linha férrea do Vale do Vouga - única via de acesso para muitas e principal fonte de vida para todos; A pretexto do incêndio, na verdade pavoroso, que dizimou extensa área de florestas na região, a Empresa concessionária resolveu, com o beneplácito do Governo de então, obviamente, suprimir a circulação de comboios entre Aveíro e Viseu, reduzindo as nossas terras e as nossas gentes, já de si tão pobres, à miséria e desolação. Tal pretexto, entretanto, não-convenceu ninguém,
158
·159
até porque, morto O' comboio - e mortos não lançam fogos os incêndios continuam a deflagrar quase diariamente durante o Verão, e só não tomam - QU não tomaram ainda - as proporções daquele porque, felizmente, idênticas condições de calor, fortes ventanias de nordeste e outras circunstâncias favoráveis o não proporcionaram.
'explorando o Turismo nesta privilegiada região, tornando-se assim, se não altamente rentável, pelo menos auto-suficiente. Excelência: Repetindo o grito de alma há muito soltado e jamais ouvido, confiamos os nossos destinos e o das nossas terras ao Governo Provisôrio da Nação, certos de que, num propósito já amplamente demonstrado de dar ao Povo o que é do Povo, nos fará Justiça. E esperando-a firmemente, aqui deixamos bem expressas a V. Ex.a, as nossas homenagens de saudação e agradecimento.
A verdadeira sentença de morte do Vale do Vouga, Excelência, foi ditada pura e simplesmente, pelos resultados deficitários da sua exploração. Mas a verdade é que a nossa linha, antes de entregue à actual concessionária (em 1947) sempre se bastou a si própria, graças a uma administração economicamente equilibrada e, sem que, contudo, deixasse de servir o público como jamais ele servido foi, posteriormente.
/I'erras do Vouga, Maio de 1974.
Admitamos que a concorrência da estrada, já nesse tempo enorme, haja recrudescido. Mas que fez a C.P. para se lhe opôr?
Propostas
- Suprimiu circulações e transferiu parte do material rolante para outras linhas - anteriormente menos rentáveis do que a do Vouga - algumas das quais reapetrechara com unidades motoras de moderno tipo e outros elementos úteis.
dos
do Sindicato
Livre
Ferrovió rios do Norte 126/9/74)
Seja, porém, como for, Excelência, a via férrea é um serviço público para servir o público, servindo a economia Nacional, e, consequentemente, terá que ser encarada como tantos outros serviços que, não tendo receitas próprias, são indispensáveis à vida do País, pelo que o erário público suporta os encargos inerentes.
Na reumao extraordinária da Comissão Administrativa do Sindicato Livre dos Ferroviários do Norte de Portugal (Movimento, Tracção, Via e Obras e Serviços Regionais) efectuada na passado dia 11, foram debatidos os seguintes problemas: I - Prevendo-se que as duas primeiras locomotivas a receber de Espanha, cheguem ao nosso País ainda no decorrer do mês de Setembro de 1974, deliberou-se o seguinte: 11- Solicitar à Administração da Companhia o imediato arranjo provisório do ramal de Sernada a Aveiro de forma a serem realizadas no mesmo ramal as experiências julgadas convenientes, com as referidas locomotivas, logo após a sua recepção. 111- Fazer deslocar a Sernada do Vouga, num dos próximos dias, alguns dos elementos do Grupo de Trabalho, encarregados do estudo de horários de comboios, para, conjuntamente com a 9.;' Secção do Movimento, serem estudadas as possibilidades de preparação de uma locomotiva a vapor e o necessário material rebocado
Mas nós crêmos, Excelência, que o nosso Caminho de Ferro, embora à custa de um investimento de certa monta - sem dúvida mais elevado agora do que na oportunidade em que devia ter sido feito - para reparação da via há dois anos abandonada (rectificando-se algumas curvas de pequeno raio para permitir melhores velocidades); dotação de quatro máquinas <<DIESEL» (para um comboio diário destinado ao transporte da Grande Velocidade e outro tri-semanal em cada sentido, em dias alternados, para a Pequena Velocidade); e meia dúzia de Automotoras «DIESEL-ELÉCTRICAS» com respectivos atrelados (para serviço de passageiros) o nosso Caminho de Ferro, diziamos, ainda está a tempo de recuperar o tráfego perdido e mesmo de criar novo tráfego, 160
11
•
161
(passageiros e de carga) para, no decorrer do mês de Outubro de 1974, se reiniciar o serviço ferroviário no ramal de' Sernada a Aveiro, IV - Para possibilitar o lançamento do serviço atrás referido, torna-se indispensável afectar ao serviço do ramal as duas primeiras locomotivas Diesel a receber que, com o apoio de uma locomotiva a vapor de reserva, se considera suficiente à prestação do serviço público de acordo com as necessidades de momento. V - As restantes locomotivas Diesel a receber no decorrer do próximo mês de Outubro seriam afectadas às linhas do Norte de Portugal onde o serviço se encontra assegurado embora deficientemente. D~, Norte de Portugal, seriam libertadas 4 locomotivas a vapor da série 161/170 que passariam a fazer parte do parque privativo das linhas do Tua, uma, do Corgo, uma, e do Vouga duas.
162
RELATÓRIO
Algumas
soluções
Ficou acordado na reunião realizada em Aveíro entre os Edis dos concelhos do Vouga, desde a cidade de José Estêvão até às alturas de Víriato, elaborar-se um pormenorizado estudo sobre os inconvenientes e prejuízos trazidos pela suspensão do comboio do Vale do Vouga, a fim de se apresentar ao Governo. Esses trabalhos foram já enviados ao Dr. Jaime Gralheiro para a sua coordenação. Porque nos pareceu oportuno, aquí deixamos transcrito o parecer, no que concerne ao estado da linha (actualmente) elaborado pelo dinâmico Inspector Ferroviário, na situação de aposentado, sr. Joaquim Moreira Vinhas, homem bem conhecedor dos meandros da vida ferroviária e o que representa para os povos a suspensão de uma linha. Eis o relatório que o autor diz ser uma «modesta achega para o restabelecímento do serviço ferroviário nas linhas do Vale do Vouga»: À
GUISA DE HISTóRIA
A linha férrea do Vale do Vouga, construída (e explorada nos primeiros tempos) pela «Companhia Francesa para a Construção e Exploração de Caminhos de Ferro no Norte de Portugal», é uma via de bitoila métrica (indevidamente chamada via reduzida) a mais aconselhada para vencer acentuados desníveis por mais fácil inserção nas encostas montanhosas, caso do Vale do Vouga, mormente entre Albergaria-a-Velha e Viseu - 88 quilómetros - rigorosamente metade do seu percurso total (141 km de Espinho a Viseu e 35 km entre Sernada e Aveíro). Servindo muitas centenas de povoações, disseminadas por 23 concelhos, dos Distritos de Aveiro e Viseu (Espinho, Feira, S. João da Madeira, Oliveira de Azeméis, Vale de Cambra, Arouca, Castelo de Paiva, Albergaria-a-Velha, Sever do Vouga, Oliveira de Frades, Vouzela, Tondela, S. Pedro do Sul, Castro Daire, Lamego, Viseu, Satão, Vila Nova de Paiva, Agueda, Anadia, Aveiro, ílhavo e Vagos) serve, ainda que de forma menos directa, povoações dos Distritos do Porto (Grijó, S. Félix da Marinha e outras do 165
concelho de Gaia) , Coimbra (concelhos de Mira e Cantanhede) e Guarda (Gouveia, especialmente), região esta tão pobre de recursos, na generalidade, como rica de belezas naturais, pelo que, dada esta última razão, a linha do Vale do Vouga é considerada e sem favor como a mais bonita das linhas férreas Portuguesas. De um traçado caprichoso que melhor serve a panorâmica de sonho, é turística por essência. Contudo, nunca a correspondente e rendosa indústria foi explorada a sério, nem o poderia ser com o material - quer de reboque quer rebocável - tão velho como a própria linha (60 anos no troço Aveiro-Viseu e 66 no de Espinho) material esse que não oferece a comodidade e o asseio, exigíveis na época que vivemos e na .qual se integra o advento do Turismo em Portugal. Administrada durante largos anos pela extinta e saudosa Companhia do Vale do Vouga, nunca a sua exploração foi considerada deficitária nem careceu de subsídios, ou deixou de solver os seus compromissos, actualizando os seus serviços e estruturas, numa afirmação de que se bastava a si própria. Incorporada, a partir de 1 de Janeiro de 1947, numa Empresa magestática, logo foi votada ao mais completo abandono e, daí, o infinito cortejo de deficiências e consequente fuga de tráfego, origem implícita dos défdcites, o que levou a Empresa concessionária a pensar em desfazer-se, a breve trecho, desta linha e de outras, como ela não-rentáveis. Havia, apenas, que encontrar um pretexto, mais ou menos plausível, e, ele surgiu, para o Vale do Vouga, no pavoroso incêndio deflagrado na noite de 19 para 20 de Agosto de 1972, e que, com razão ou sem ela, se atribuiu a possível faúlha das locomotivas a carvão. Não foi difícil à Empresa conseguir o beneplácito da Autoridade Distrital de Aveiro (na pessoa do seu Governador Civil substituto em exercício) e, muito menos, de entidades preponderantes na situação deposta, pessoalmente interessadas na eliminação do comboio que lhes perturbava o acesso às residências e propriedades, suspendendo-se, assim, o serviço entre Aveiro e Viseu a partir do dia 26 daquele mês e ano e mantendo-se apenas a circulação entre Sernada e Espinho, talvez porque as locomotivas a vapor não lançassem fogos naquela área pelo respeito que deviam aos trunfos políticos de Pinheiro da Bemposta, Oliveira de Azeméis e Santa Maria de Lamas. o. povo do Alto e Baixo Vouga, lesado com a decisão, reagia 166
naturalmente, pedindo o apoio dasautarquias locais às razões qu lhe assistiam, promovendo reuniões com as autoridades a todos os níveis, suplicando às pessoas influentes na política de então, crente de que todos apostariam na manutenção do seu comboio. Recebeu promessas, muitas promessas aparentemente sinceras entre sorrisos paternalistas, mas a morte do Vale do Vouga estava decretada por interesses inconfessáveis de alguns em detrimento da interesse de todos e havia de consumar-se inexoravelmente. Breve, porém, ouvir-se-ia o dobre de finados do império da mentira, e a nossa gente desperta do pesadelo que a amarfanhou, cantando, agora, aleluias de redenção, confiado na Nova Aurora de Verdade e Justiça que a madrugada de 25 de Abril lhe trouxe, gritando de novo: QUEREMo.S O VALE DO Vo.UGA!!! Tentemos dizê-lo, na medida das nossas possibilidades, começando pelo Estado da via: .Há dois anos abandonada, entre ervas e silvados, os carris soterrados em algumas estações (por terras sobre eles lançadas para possibilitar o aceso dos autocarros ora em serviço, às plataformas) e nas passagens de nível (pelas poeiras e areia das estradas, que jamais foram limpas) essa via, que hoje custaria muitas centenas de milhões de escudos, oferece, aos olhos de quem passa, um aspecto desolador. Mas a desolação é bem maior para quem, sabendo-a património nacional, assiste à subversão .daquela enorme obra do erário público, sem proveito para ninguém. O ESTADO.DAS PONTES: Em betão armado (salvo a de Eirol e alguns pequenos pontões de estrutura metálica), encontram-se em perfeito estado, não constituindo problema para a circulação. Entretanto à rodovia (se bem que mantendo lugar para os carris) e faltam somente doze metros de conclusão do respectivo taboleiro alargado, o que, segundo cremos e ao ritmo a que os trabalhos decorrem, demorará pouco mais de um mês. É, pois, necessário considerar e desde 'já a montagem dos carris retirados, antes de iniciada a superestru-
tura betuminosa, para poupar / esta aos malefícios daquela e consequentes despesas. E parece oportuno esclarecer que não há inconveniente no uso desta obra de arte em serviço misto - ferro-rodoviário - mediante a implantação de um par de cancelas basculantes no limite dos acessos, manobradas da estação e conjugadas com sinais luminosos, tudo isto com um pequeno dispêndio.
o ESTADO DO MATERIAL CIRCULANTE: O de reboque está condenado, quer pela sua dispendiosa alimentação (a carvão) quer pela possibilidade de provocar incêndios nas matas que atravessa. O'rebocável, embora velho também, pode servir ainda por muito tempo, se não em condições óptimas, pelo menos sofríveis. Algum deste foi retirado pela concessionária para servir outras linhas e teria que voltar à sua origem. O ESTADO DO MATERIAL DE TELECOMUNICAÇÕES E SINALIZAÇÃO,EM PERFEITAS CONDIÇÕES DE SERVIR Posto isto, assim ao correr da máquina, três soluções distintas se nos apresentam para corporizar o objectivo que nos move: o ressurgimento do Caminho de Ferro do Vale do Vouga, E são elas: SOLUÇÃOA: Renovação total da via, incluindo a rectificação de algumas curvas, de raio francamente escasso; fornecimento de cinco locomotivas Diesel (para comboios mercadorias e mistos, deslocação de grandes massas populares sobre os mercados e romarias, transporte de tropas e mancebos, etc.) e de seis unidades motoras duplas Diesel - sigla U.D.D. desde há muito em serviço na via larga (para comboios ligeiros de passageiros) e de algumas carruagens modernas, em duralumínio, do tipo fabricado pela indústria nacional (Sorefame). Deste modo teríamos no Vale do Vouga o caminho de ferro que' a região merece e que lhe garantiria velocidades de concor.rêncla, comodidade e asseio, permitindo encarar-se uma exploração, em grande escala, do turismo regional, recaptando-se o tráfego 168
perdido e tornando assim em rentável a linha deficitária. Este plano implicaria, sabemo-lo, vultoso investimento de capital mas, porque feito gradualmente e durante alguns anos, na parte relativa à via (a parte mais importante desse investimento) talvez fosse 'de considerar, embora a médio ou longo prazo. De considerar, também, o déficite anual da ordem dos 25000000$00que a Empresa suporta com o serviço de camionagem (quase totalmente de aluguer) que substitui, presentemente, o ferroviário entre Aveiro e Viseu, ,e que desapareceria. SOLUÇÃOB: Vistoria geral da linha, sua limpesa e nivelamento e possível substituição de alguns carris e travessas, podendo servir para isto o material retirado da renovação da linha Porto-Lisboa, recentemente realizado, substituindo-se depois e por ocasião das «revistas metódicas» parte do piso, em terra e areia, por brita retirada da renovação antes referida, muita da qual se encontra ali bem perto, ao longo da linha entre Espinho e Granja. A brita oferece mais estabilidade e evita o levantamento de poeiras pelos comboios em marcha, tornando mais cómoda a viajem aos passageiros. Havia, aindavque vistoriar os aparelhos de sinalização, pintando-se alguns de novo; Que concluir os trabalhos em curso na ponte sobre o Vouga, em Sernada; Que dotar a linha das locomotivas e automotoras previstas para a solução «A» tendo-se porém em conta que, mantidas, neste caso, as curvas de pequeno raio, aquelas automotoras não devem ultrapassar o comprimento total de 14 metros e, assentes sobre bogies como é normal, não devem medir mais de 8,5 metros entre eixos. Vamos, entretanto, à SOLUÇÃOC: A mais económica, obviamente, e de equação imediata. Consistiria ela na utilização do material rebocâvel existente, bastando, portanto, o fornecimento exclusivo de cinco locomotivas Diesel que assegurariam um gráfico de cinco comboios diários entre Aveiroe Sernadae de quatro entre Sernada e Viseu. 169
Quanto à via, seria de considerar o que se preconiza para a Solução «B», o mesmo sucedendo quanto à ponte de Sernada e material de sinalização. Relativamente às locomotivas Diesel desejadas, sabe-se que a Empresa acaba de adquirir seis destas unidades, com 19 anos de uso, em Espanhae que se destinam às linhas do Norte de Portugal (Porto-Póvoa-Famalicão e Senhora da Hora a Fafe). A verdade, porém, é que tais locomotivas apenas podem ser utilizadas neste último troço, sabendo-se que o seu peso sobre eixo é superior a 10T e que a ponte sobre o rio Ave, em Vila do Conde, as não suportará. Para a linha do Vouga servem e resolveriam, para já, o problema que nos aflige. Mais tarde poderiamos chegar ao previsto na Solução «E», desde que a C.P. adquira, como pretende, 16 unidades U.D.D. às fábricas italianas Fiat, destinadas àquelas linhas do Norte, as quais dispensariam sete automotoras de construção holandeza - ALLAN - e respectivos atrelados, que ali circulam há cerca de 20 anos mas que, juntas às locomotivas acabadas de receber de Espanha (velhas também mas sofrivelmente reparadas segundo consta) poderiam satisfazer a nossa modesta aspiração. Esclareçamos que as 16 unidades U.D.D. acima citadas ainda não estão em fabrico por virtude de o respectivo contrato, - no valor de 55 000 0"00$00- não ter sido, oportunamente, tornado firme e, agora, a fábrica exigir um acréscimo de 30%, elevando-o para mais de 70000000$00. Deste modo e enquanto o assunto não for resolvido (e terá de o ser o mais depressa possível, antes que novos acréscimos se verifiquem ao valor do contrato) chegamos à seguinte CONCLUSÃO Seja adoptada, tão imediatamente quanto possível, a Solução «C» deste modesto trabalho, dando-se, assim, satisfação aos desejos de muitos milhares de Portugueses que reclamam e merecem o-seu comboio, o seu VALE DO VOUGA. Albergaria-a-Velha,
16 de Julho de 1974 JOAQUIM MOREIRA VINHAS
170
NÚMEROS CURIOSIDADES QUE FALAM Diz-se que a linha do Vale do Vouga se encerr?u .por falta ~e rentabilidade. Porém, não se procura elucidar o pu~li~o da raza~ desse fenómeno. Como também não se diz, não se dizia, porque~e que a C.P. apresentava nos seus relatórios déficits. Talvez seja oportuno aqui referir o que há tempos ouvimo.s da boca de, responsáveis do Sindicato dos Ferroviários. A partir de 1.969.~te 1971 a C.P. ofereceu dugares a mais de uma centena de indivíduos que. começaram a ganhar mensalmente na ordem dos 15 a 2Ocont~s. Mais; quase todos estes tuncionários, estes distintos (!) func~~" nários, eram reformados de empresas ou do Estado. Que ren~ablhdade podiam dar estes homens? Mas os 20 contos esses e que saiem dos cofres da C.P. L. Segundo uma estatística podemos verificar que a linha r.epresentava bastante antes de O quadro que se segue é
. apresentada no Boletim da C.P. do Vale do Vouga era algo que ser incor~or~da na C.P,. bem elucidatívo e respeita a 1947,
data da tal incorporação: Passageiros Linhas
Comprimento Bilhetes venem didns nas quilómetros estações (milhares)
Linha da Beira Alta Linha de S.ta Comba/Viseu LINHA DO VALE DO VOUGA
252,2 49,2 140,4
1.014,7 233,7 1.089,5
Linha do Tua Linha de Guimarães Linha do Litoral do Mínho Linha de' Famalicão RAMAL DA SERNADA Ramal de Leixões Linha do 'I'âmega Linha do Corgo Linha do Sabor
133,1 82,9 24,0 29,3 37,1 6,5 34,6 96,2 105,3
292,0 1.927,5 624,6 88,9 208,6 352,6 75,1 344,0 88,5
171
)\1ercadnrias Carga expedida nas estações (toneladas) 225.387,3 91.999,9 19.450,0 32.509,1 40.488,3 5.735,9 3.854,1 28.470,3 35.172,2 13.227,6 44.108,1 17.398,6
Dia Nacional
do Trabalho
Enxadas
no
ar
são
no Vouga
já
prelúdio
de
vitória?!
Um povo jamais
unido
será vencido!
Tínhamos já o Iivro na tipografia quando surgiu o Dia Nacional do Trabalho. Impunha-se a junção de mais uma peça, como cúpula do querer e da generosidade do Povo do Vouga. De Aveiro a Viseu, largas centenas de voluntários, desde a criança ao velhinho, do médico ao ferroviário, do sacerdote ao reformado, trabalharam na restauração e limpeza da «sua» linha. Uns 20 quilómetros de linha foram, assim, apenas num dia, postos
o
l'ovo
do Vou!:,a cerca quem
(julga)
o poderá
ajudar
conquista do Vale do Vouga
175
na dura
batalha
da
a funcionar. Houve mesmo quem trabalhasse nesse memorável dia de unidade, mais de 15 horas. Registamos mais alguns depoimentos entre a multidão, que são a síntese do que pensam, continuam a pensar, esses milhares de pessoas a quem a falta do comboio representa qualquer coisa como Ü' pão para a boca.
* * *
Antes, as palavras
- Já limpei toda a ponte, essa obra de arte que é uma pena estar a estragar-se - dizia-nos o professor aposentado, sr. Alfredo Paulino corri a provecta idade de 83 anos. - Sabe, tenho saudade do comboio. Eu bem vejo a falta que faz a esta gente - remata-nos aquele professor aposentado, olhando a ponte de São Pedro do Sul. - Tenho 73 anos, mas trabalho nisto com muito gosto porque bem sei a falta que nos fez o comboio - desabafa a sr." Margarida de Jesus logo corroborada pela sr." Maria do Carmo com 74 anos. Até para ir buscar a pensão do meu falecido, a Albergaria, me faz falta. Só são 429$00, mas vai fazendo jeito! E o Francisco Coelho da Silva, Joaquim António e Agostinho da Silva, estes de 69 anos e aquele de 72, encostados à enxada, também nos mostraram claramente o drama em que têm vivido por falta de transportes condignos e eficientes. - Olhe que esta gente, diz-nos o sr. Vinhas, até está disposta a trabalhar um dia por mês na restauração e manutenção da linha, desde que lhe afiancem que o comboio volta. Crianças, aleijados, ferroviários aposentados e no activo, gente das aldeias, era impressionante a sua atitude. Uma jornada que atesta ao Governo a necessidade urgente do restabelecimento dos transportes através do comboio ou de locomotivas diesel. Quem não acreditava, estará agora plenamente convencido que o Povo não vai apenas em saudosismo. Ele quando reclama é porque já está com carradas de razão, no seu próprio linguajar,
Agora, os factos? I
176
o
fim de um princípio?!
Povos, do Baixo e Alto Vouga, aqui vos deixo um trabalho que foi escrito para vós e por vós, olhando o drama que vos tem atormentado. Ao menos que vos fique a certeza que alguém pugnou pelos vossos interesses fazendo eco dos vossos anseios. Procuramos patentear a injustiça que não receou deixar cair o cutelo sobre cabeças, porventura, encanecidas. Mais não podemos fazer. Este trabalho é fruto de muitas noites roubadas ao sono, após um dia de intenso labor ao serviço da profissão. O comboio voltará, temos quase a certeza, mas se não vier, resta-nos a consolação de desmascararmos uma atitude, uma determinação que apenas (e só apenas) teve como fundamento ampliar ainda mais o empório de meia dúzia de capitalistas, servindo vós de sopé. Que são essas empresas de camionagem senão um sorvedouro dos capitais da C.P.? E quem faz parte desse potentado? Quem fazia? Talvez esta pergunta se coadune melhor. Gentes do Vouga, missão cumprida, resta-nos esperar que os homens do 25 de Abril, que antes se tornaram nossos paladinos, dêem agora o seu beneplácito a uma causa que é do Povo e só ao Povo deye pertencer, ou então a Democracia é palavra vã. Não será! Não queremos que seja! Não há-de ser! O fim de um princípio chegará! A vitória já sorri!... Outubro de 1974
179