Uma noite em teus braços

Page 1


Uma Noite em Teus Braços “Quando o destino nos mostra que ele, é quem dirige nossos encontros independentemente de nossa vontade ele escreve a nossa história. ”


Cacilda Tanagino

Uma Noite em Teus Braços

Publicação Eletrônica Clube dos autores 2ª Edição 2014


Uma Noite em Teus Braços Diagramação: Thiago Carvalho Revisão: Ortografa.com Designer da capa: By Cildinha_may Contatos com o autor: Tanaginoc@gmail.com Todos os direitos reservados ao autor. Proíbida a reprodução, no todo ou em parte,através de quaisquer meios. Todos os livros no Clube de Autores são de responsabilidade editorial e legal dos usuários que os publicaram, sendo o papel do site exclusivamente de permitir a publicação e de comercializar e entregar as obras adquiridas pelos leitores. Atendimento e venda direta ao leitor: https://www.clubedeautores.com.br Publicação Eletrônica: Clube de Autores Publicações S/A CNPJ: 16.779.786/0001-27 Rua Otto Boehm, 756 Sala 02, América - Joinville/SC, CEP 89201-700.

Todos os personagens e nomes desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas. É mera coincidência.


Nota da autora: Comecei a brincar com as palavras em meados de 2008, no inicio era apenas um desejo, mas com o passar dos dias o que era apenas um embrião começou a tomar forma, começou a ter vida e de repente, construí um universo todo especial no qual minha caneta foi desenhando sobre o papel. Mais tarde bem mais tarde decidi digitar o meu pequeno sonho que agora apresento a todas vocês. Uma Noite em Teus Braços conta a história de duas pessoas que são reunidas pelo destino de forma inusitada e totalmente além da imaginação. Cada casal que se encontra pela vida, tem uma história, às vezes bem simples, outras dignas de um Oscar de tão fantasiosa que são Adonai e Kamilah, talvez tenham um pouquinho de cada encontro, talvez eles sejam cada história fragmentada de um verdadeiro amor. Ou talvez, quem sabe sejam parecidos um pouco com você. Adonai era um homem bom e honesto, fora criado em meio às tribos de tuaregues no deserto do Saara, com a chegada da adolescência seu pai o


encaminhou para ser preparado e então se tornar um grande empresário. O tempo passou, Adonai ganhou o mundo e com ele todas as facilidades que o dinheiro pode dar, nunca parou pra pensar no amor, e tão pouco o desejava, porém numa noite muito estranha conheceu Kamilah, uma mulher misteriosa que cruzou o seu caminho e mudou profundamente sua maneira de pensar sobre as questões do amor. Kamilah por sua vez sempre sonhou em se apaixonar pelo homem certo, sempre desejou ter uma família, criada sem os pais ela tinha dificuldades em se relacionar, mas apesar de todo cuidado, numa noite de festa se empolgou e desafiou o perigo, deixou-se seduzir por um completo estranho na noite, que fez sua vida mudar radicalmente. Este homem a levou para conhecer o paraíso, e depois há deixou padecer nas portas do inferno.


Para Thiago, Nícolas e Desirée três pessoas maravilhosas que Deus colocou em meu caminho.


Era um sonho, talvez para justificar minha solidão; Sei lá, não sei ao certo dizer o que realmente foi... Só sei, que enquanto escrevia você foi minha maior inspiração.


CAPÍTULO UM Um telefone tocava insistentemente no balcão da repartição. Desanimada, Kamilah deixou a pilha de livros sob a mesa e foi atender. — Biblioteca pública, em que posso servir? Disse automaticamente. — Oi! Que voz cansada é essa? Acho que adivinhei em ligar-te! Que tal sairmos? Perguntou Leila do outro lado da linha com uma voz divertida. Kamilah sorriu e pensou, “a tempestuosa Leila em ação”. — Olá! Muito trabalho. Você tem alguma sugestão “Senhora Baladeira”? Perguntou serenamente, sabendo bem a resposta. —Mas é claro que sim, estou a fim de conhecer um barzinho novo do outro lado da cidade, dizem que têm música ao vivo e pista de dança com dois ambientes. —Como é o nome do bar? Perguntou Kamilah 8


—“Tavernas Bar”. Exótico não? Isso lembra algo primitivo, de repente encontramos um Neandertal e nos sequestra para alguma caverna. Concluiu Leila. Kamilah deu um risinho suave, e respondeu: — Leila você é extremamente maluca, eu não gostaria de topar com um homem das cavernas, eles devem cheirar muito mal. — Que isso menina! Pra que existem pregadores? Olha vou sair do escritório agora, já terminei minha missão por esta semana, estou passando por aí. Beijos.... Desligou o telefone sem dar-lhe tempo para responder. Kamilah colocou o fone no gancho novamente e em seguida olhou para os livros e pensou “coleguinhas vamos para seus lugares” a biblioteca estava solitária e o único barulho que ouvia era de si mesma, colocando os livros nos lugares e de sua respiração. Sentia-se bem naquele emprego, estava ali há quase três anos, antes trabalhou temporariamente em vários lugares, como no comércio local, foi secretária de um advogado, mas quando lhe ofereceram aquele serviço, não pensou 9


duas vezes em aceitar. Seguia colocando os livros de acordo com a ordem, olhando o título, o autor, o assunto, etc. Enquanto guardava os livros, um em particular chamou-lhe a atenção “O véu azul do Saara”, ela olhou com curiosidade e o folheou, abriu delicadamente aquela obra, uma emoção tomava conta de seu peito, como se o que fosse encontrar fosse algo maravilhoso e que poderia preencher todo o vazio de sua alma. Ela virou delicadamente aquelas páginas, amareladas pelo tempo parecendo um papiro, alguns trechos pareciam-lhes velhos conhecidos, emocionou-se ao ler os trechos marcados... Há anos não chove no Saara. De senhores mercadores nos tornaram farrapos humanos da seca. Não temos mais escravos, mas ainda temos nosso orgulho e nossa honra... De nobres e livres, hoje somos chamados de esquecidos, de nômades. Somos descendentes bérberes. Há séculos fugimos dos invasores... 10


E hoje nos comparam a bandidos e assaltantes. Não temos território, o nosso território é o deserto. Ninguém pode enfraquecer o orgulho dos tuaregues, nem mesmo o Saara... Pois somos um só, Somos kel tamasheq, Somos os donos da noite, Temos as estrelas para admirar, O vento para sentir E a areia para nos proteger... Somos os guardiões da riqueza do deserto. Somos aqueles que atravessam toda a extensão do Saara Como os únicos donos, Porque o deserto e nós somos um só... Em nossas tendas a Paz e o Amor reinam Nossas famílias são protegidas por que ela é nosso bem maior Então somos ricos, somos os verdadeiros herdeiros do Saara... Então... Não me venha dizer que somos os abandonados... 11


Enquanto lia, estranhamente visualizou aquela cena, suspirou pensando naquele povo que se perdeu no tempo, como as dunas do deserto. Olhando outras páginas verificou que o livro se tratava de um contexto histórico de um povo que era de certa forma, marginalizado pela sociedade europeia, porém para o ocidente era visto com curiosidade e admiração, enquanto dava uma passada rápida pelo texto encontrou uma página assinada, a letra demonstrava que o autor era um homem determinado e provavelmente seria o de uma honestidade impar, sentiu curiosidade em saber quem era dono de um nome como aquele “Adonai al-Shihab” nome imponente e totalmente diferente, “senhor absoluto” ela pensou no significado enquanto colocava o livro no lugar. Uma buzina estridente cortou-lhe o pensamento e a fez dar um sobressalto de susto. Era Leila, Kamilah observou da sacada e lhe deu um aceno. — Pronta! Leila gritou saindo do carro. 12


— Suba vem me ajudar. Leila subiu as escadas e entrou na biblioteca. — Esse lugar tem cheiro de mofo. — Deixa de besteiras e me ajude. Kamilah falou achando graça, logo ela que ficava também presa entre papéis, falando dos livros. Em menos de dez minutos terminaram de guardar os livros. Kamilah verificou as janelas e o sistema de alarme. — Pra que isso? Quem vai roubar livros velhos? — Não é quem vai roubar, o problema maior são os vândalos, podem entrar aqui e destruir ou mesmo incendiar os livros, e apesar de termos alguns realmente velhos temos verdadeiras obras como uma enciclopédia inglesa do século XVII, doada por um empresário importante da região, e sem contar que temos em nosso acervo coisas da história do nosso condado. Isso é vida, é trajetória, o homem não é nada sem sua cultura. — Chega! Você não pode empolgar. Leila cortou-a entre sorrisos. — Estou realmente louca para tomar um banho e dar uma relaxada. 13


— Pelo que vejo você tem planos pra hoje à noite. Respondeu Kamilah com um leve inclinar de pescoço — Hummm, quem sabe, tudo é possível. Respondeu Leila com um brilho no olhar. Seguiram pela via conversando animadamente, Leila olhou para Kamilah, inclinando-se para ela e fez uma observação, — Você parece que não está animada a sair? Aconteceu alguma coisa? —Não. Estou cansada, o chefe resolveu catalogar os livros mais antigos, estou digitando as fichas para arquivar no sistema, é um trabalho minucioso, requer atenção. — Não me fale em trabalho, preciso esquecer um pouco da tensão da semana. Chegaram ao apartamento de Kamilah, e Leila concluiu: —Você está precisando é de ficar com alguém, precisa se aventurar, acho que já está pronta para novas emoções. —Me aventurar? Não. Preciso de sossego e não de um homem. —Bom isso é só uma sugestão, às vezes fico preocupada com você, só isso. 14


—Eu sei, mas não se preocupe, estou bem. Deu um suspiro e concluiu: —Agora posso dizer que estou bem. Que horas vai passar por aqui? —Lá pelas oito horas tudo bem? Se vista para guerra, porque hoje o combate promete. —Então está combinado. Despediram-se com uma troca de beijos, e Kamilah saiu de dentro do carro. Depois do banho abriu o guarda roupa lentamente e pensou no dia em que chegou à cidade de “San Antonio” estava desorientada, não tinha noção de onde estava, quando saiu de “Austin” e pegou a rodovia interestadual só pensava em sumir, porém estava exausta quando parou em um posto de combustível e observou uma cena inusitada, uma mulher, meio alcoolizada, e zangada com alguém, a mulher tinha os cabelos pretos e longos, estavam em desalinhos, deveria ter um metro e setenta de altura, era esbelta e tinha uma cor linda de pele, não era branca como a maioria dos habitantes em Austin, mas era de um tom de dourado fascinante, de onde estava deu pra perceber que tinha os olhos escuros 15


como a noite, não dava para distinguir a cor exata dos olhos, mas era um contraste naquela com aquela pele dourada e aqueles cabelos negros, Kamilah observou a cena pitoresca enquanto abastecia o carro, quando viu que o homem empurrou Leila e a fez cambalear para o meio fio, antes que ela esborrachasse no chão Kamilah correu e a segurou colocando-a sentada no banco de seu carro e foi atrás do homem, — Hei você! Ficou louco? Você a agrediu! Você não pode fazer isso com uma mulher, ela poderia ter se machucado. Falou Kamilah. — E daí! Você acha que ela vai lembrar-se disso amanhã, tenho certeza que não vai saber nem onde estava. O homem falou com muita amargura na voz tentando amenizar a cena ele olhou para Kamilah e concluiu. — Veja, eu tenho mais o que fazer, do que perder tempo com esse porre. O homem virou as costas e saiu. Kamilah olhou para trás e viu Leila, ela realmente estava mal, o melhor momento era levá-la para algum lugar. Mas primeiro precisava saber quem era e onde morava aquela mulher exótica. 16


—Oi? Você pode me ouvir? Falou suavemente observando os traços bem delineados daquele rosto perfeito, Leila abriu os olhos como quem precisasse ter certeza que estava ouvindo mesmo aquela voz que mais parecia uma melodia, ela olhou em direção da voz e definitivamente acreditou que era uma visão, aquele rosto era idêntico ao de TinHinan, a lendária mulher que governou os tuaregues, mesmo depois de morta ainda se fazia presente nas leis dos tuaregues impondo sua presença através das lendas de seu povo. —Você precisa de ajuda. Aquilo não era uma visão, era realmente alguém querendo lhe ajudar, pensou Leila “que os feiticeiros do deserto me protejam, ou eu estou enlouquecendo ou a maldita vodca subiu pra minha cabeça, mas na minha frente está a rainha dos meus antepassados”. Serenamente Kamilah insistia em obter resposta falando suavemente com a jovem. —Para onde posso te levar? A voz continuava doce e sem alteração no timbre, aquilo era bom... —Você tem um endereço? 17


Enquanto falava, Leila olhava para aquele rosto angelical, “decididamente os feiticeiros do deserto me enviou alguém” e então lhe entregou uma bolsa de mão. Kamilah entendeu que ali deveria ter informações, abriu a bolsa meio sem jeito e viu a carteira dela, dentro havia os documentos e um cartão de visitas “Leila al-Ismail”, olhou o endereço e decidiu levá-la para casa. Entrou na cidade e foi dirigindo até encontrar um taxista, parou e perguntou ao chofer onde era aquele endereço, ele lhe explicou e cinco minutos depois estacionava diante de um chalé de estilo inglês muito lindo, tipo casa de boneca, mas em tamanho gigante. Desceu do carro, com as chaves que estavam na bolsa de Leila abriu a porta, e voltou para pega-la, com dificuldades Kamilah conseguiu leva-la para dentro e coloca-la na cama. Ela literalmente desmaiou ao chegar a seu quarto. Depois disso, Kamilah foi até a cozinha, e procurou um chá para fazer, depois de fazê-lo tomou e pensou “e agora? Fico por aqui ou vou procurar algum lugar?” Porém, estava tão exausta que resolveu encostar-se ao sofá e acabou adormecendo. 18


Acordou com Leila dentro de um robe branco parada na sua frente. —Bom dia! Falou inclinando um pouco a cabeça, para olhar Kamilah encostada de mau jeito no sofá. —Achei que eu tivesse sonhado, mas você realmente existe. Deve estar cansada. Aqui não é lugar de dormir, mais tarde você estará com dores na coluna. Pode-me dizer como vim parar em minha casa e na minha cama? E você? Quem é? E o meu carro onde deixei dessa vez? Kamilah ainda confusa ordenou o interrogatório na mente em poucas palavras respondeu o questionário e concluiu dizendo, meu nome é Kamilah Thompson, vim de Austin, estou procurando emprego e um pouquinho de sossego em algum lugar para recomeçar minha vida. Fez uma pausa, esperando mais alguma pergunta, mas Leila apenas a olhava-a em silêncio, como se tivesse avaliando-a. — Quanto a seu carro não sei onde está, porque a encontrei em uma loja de conveniência, enquanto abastecia você discutia com alguém. — Entendo... Respondeu olhando para o jardim de sua casa, e por um 19


momento pensou nas últimas palavras de Nicholas antes de se embebedar. Em seguida suspirou dizendo: — Acho que dessa vez eu exagerei. Estou com uma dor de cabeça... Vou procurar uma aspirina e já volto para conversarmos sobre você. Kamilah ficou olhando para ela enquanto afastava rumo ao banheiro. Depois de um tempo retornava com uma bolsa térmica na testa, então olhou para Kamilah pensativa “realmente não delirei, essa menina é muito parecida com a rainha Hoggar, só pode ser coisa dos feiticeiros” e pensando nos costumes de sua raça, ela percebeu que de alguma forma deveria retribuir o bem que recebeu e lhe falou abertamente: — Se você quer se estabelecer, por que não fica por aqui por um tempo, de repente podemos ser útil uma para outra. O que você acha? Kamilah achou aquelas palavras imprevisível demais, mas não tinha nada a perder, com o passar do tempo Leila tornou-se uma aliada e fiel escudeira; o tempo diminuiu à dor que sentia em relação a Rick. Foi difícil aceitar a dura realidade que se cercava em torno dele, 20


ele era o par ideal, o homem lindo que toda mulher queria pra si, inclusive ela. Rick era o maior galanteador do campus universitário, não faltava a uma festa, além de lindo era de uma bondade incrível, era impossível não se apaixonar, mas nem tudo é perfeito, Rick tinha um segredo devastador que o consumia lentamente, e isso magoava Kamilah, o relacionamento deles nunca existiu somente a esperança no coração de Kamilah a mantinha por perto, cega não enxergava a verdade, jamais imaginou que o carinho dele fosse fraternal, platônico, nunca a tocara, nem quando a beijava, sempre no rosto ou na mão, dizia que jamais a machucaria como haviam feito no passado, apesar disso, ele a queria por perto, ele a mantinha como a namoradinha linda, por um lado era bom por que afastava alguns idiotas, mas em compensação a solidão que sentia começava a arruinar seu coração; então em uma bela madrugada, se encontrava sem sono decidiu ir atrás dele em uma das festas que frequentava, e o que viu dilacerou seu coração, as pessoas bebiam, se beijavam, homens com homens, 21


mulheres com mulheres, estavam todos nus, corpos se envolvendo uns com os outros, uma verdadeira orgia repugnante, então ela viu ele com um casal, eles estavam copulando como animais, aquilo foi bestial demais... Nessa noite decidiu partir, ela não podia aceitar aquilo como uma coisa normal, ele não a tocava, mas se entregava a inúmeros homens e mulheres do campus, isso era vergonhoso, ela não teria cara de olhar para os outros depois do viu, precisava partir... Enquanto arrumava suas coisas, ele chegou, encostou-se ao batente da porta e ficou olhando ela juntar as coisas, ficou em silêncio, não disse nem um “sinto muito”. Nada. Não justificou sua loucura. Nem ao menos pediu para ela ficar e entender o que havia acabado de ver. Ela pôs as malas no carro, olhou pra ele e só o vazio pairou naquele instante. Então partiu. Pelo retrovisor ainda pode ver o rosto dele meio contrariado e ao mesmo tempo aliviado, pela partida dela. Três anos, já não pensava nele com mágoa, e tão pouco se sentia usada, a crise havia passado, tinha sua casa, seu 22


emprego e isso tudo com ajuda de Leila, com o passar do tempo elas se tornaram muito mais que amigas, se tornaram irmãs. Sempre teve curiosidade em saber quem era aquele homem que discutiu com a amiga, porém como ela nunca tocou no assunto acabou esquecendo-se do episódio, mas nunca se esqueceu da dor que viu naqueles olhos masculinos ao esbravejar sobre o porre da amiga. Depois deste episódio nunca mais viu Leila de porre, era como se alguma coisa tivesse mudado na vida dela, às vezes achava que havia testemunhado o final de um relacionamento, Leila se relacionava superficialmente com os homens, evitava qualquer coisa que pudesse virar comprometimento. Olhou suas vestes e pensou “Tavernas scotch-Bar” pede algo ao estilo country, colocou uma minissaia de couro e uma camisa branca, terminou o look com uma jaqueta de couro e botas pretas até as coxas. Olhou se no espelho para se maquiar e observou que estava sexy demais. Modelou seus olhos com rimel e cajal e completou com uma sombra, passou um Baton vermelho e colocou um 23


par de brincos e pulseiras. Estava linda. Os olhos verdes pareciam duas esmeraldas contrastando com seus cabelos cor de ébano e sua pele clara. Era muito exótica, ela sabia que estimulava os desejos masculinos, quando caminhava pela calçada, eles a observavam e sempre de modo cortês a cumprimentavam, mas nunca chegavam era como se a beleza dela os afugentasse. Leila chegou pontualmente às oito horas, Kamilah abriu a porta e a amiga deu um gritinho de felicidade. —Minha querida você está maravilhosa, hoje você vai arrebentar corações. Kamilah sorriu para a amiga enquanto descia as escadas e entravam no carro seguiram para o bar que ficava fora da cidade. No caminho falaram de coisas banais, então Kamilah lembrou–se da assinatura no livro que encontrara na biblioteca o nome era imponente, ela teve curiosidade em conhecer o dono daquela caligrafia marcante. Leila observou a cara de viagem da amiga e perguntou o que ela estava pensando, Kamilah olhou para ela 24


e comentou sobre o texto que havia lido, disse que às vezes imaginava estar em uma tenda no Saara ao lado de um lindo Sheik Tuaregue. Leila fez uma careta e disse-lhe: —Os belos sheiks minha amiga, você só vai encontrar nos romances e a maioria deles não são tuaregues, são descendentes de tribos bérberes e vou te dizer, lindo e sensual só na sua cabecinha de vento. Os verdadeiros são machistas e fanáticos, além dos cargos políticos que ocupam são extremamente despostas e arbitrários e a maioria das mulheres são verdadeiras escravas, submissas e parideiras, quase nunca tem voz ativa, as que conseguem tal feito são perseguidas pela língua e difamadas por entre as tribos. Salvo os descendentes europeus. Esses pelo menos são mais maleáveis com as mudanças, entendem melhor a posição da mulher, além de dar mais espaço, permitindo a elas estudarem e talvez se casarem por amor. Por que o casamento é como um enlace familiar, através dos noivos há uma continuidade de poder e dinheiro. A maioria acredita nisso, outros já acham que tudo tem haver com o 25


destino, nada acontece se não for da vontade de Alah e o amor só pode acontecer com a convivência mútua. Apesar do quadro desolador que a amiga lhe pintou, Kamilah lhe perguntou: —Você está me dizendo que não existe Sheik Tuaregue? —Não, não é isso. Talvez até exista, mas ser Sheik significa uma posição importante dentro do islamismo, ser tuaregue significa pertencer a um grupo étnico, a maioria não leva o Corão ao pé da letra. —Sério? Eu imaginei que todos eles fossem mulçumanos. —Nada. Se fossem, não tratariam a mulher com tanto respeito, isso é o que difere os tuaregues dos bérberes. —Interessante. —Numa tribo tuaregue, a mulher tem direito a escolher, a dizer não e ainda saber ler, cuidam da moradia, dos filhos e o marido cuida dela. Por que você acha que eles cobrem o rosto? Leila falou sorrindo, como se aquilo fosse uma vitória. —É mesmo, eles diferem dos outros. 26


—Enquanto a maioria das mulheres precisam se esconder do olhar masculino, as tuaregues se mostram e ainda tem o direito de possuir um amante. Não é legal? —Você conhece Adonai al-Shihab? Leila ficou muda, balançou a cabeça para se sintonizar e lhe respondeu com uma pergunta: —Quem? —Leila! Você ouviu bem, Adonai alShihab. —Por que o interesse? Você por acaso o conheceu? —Claro que não! Mas confesso depois que vi a assinatura dele fiquei tentada em descobrir quem é este homem, além de um nome interessante, a caligrafia dele é maravilhosa... Leila pensou um pouco para responder, escolhendo as palavras para falar do meio irmão sem dar demonstração de intimidade. —Ok, o que poderia falar pra você de al-Shihab, digamos que ele seja um homem que se mantém longe, é um empresário muito importante que não tem pátria definida, é meio árabe, meio 27


francês, meio americano, um mercador como seu velho pai. —Você o conhece? —Sim, ele um homem que se divide entre as obrigações com seu povo e o mundo dos negócios. —Ele deve ser bem interessante, empresário, homem do mundo, caligrafia maravilhosa, deve ser bonito. —Ele tem muitas qualidades, e a beleza é uma delas, tem vários projetos na área social e cultural no estado, inclusive, acho que ele tem alguma coisa com a fundação onde você trabalha. Como lhe falei antes, vive do comércio de pedras preciosas e da mineração, não tem casa fixa, ora está aqui na América, ora está do outro lado do mundo, só aparece por aqui de vez em quando, “que saudades”! Pensou enquanto continuava a falar: — Tem poucas amizades, apesar de ser um grande investidor, não confia em quase ninguém, ele é muito reservado quando se trata da vida pessoal dele. — Você fala como se tivesse conhecimento de causa. Falou Kamilah olhando nos olhos da amiga, essa desviou o olhar e perguntou: 28


—Mas porque você está perguntando sobre ele? —O livro que encontrei, deveria ser dele, seu nome estava na contracapa. — Talvez ele tenha doado para a biblioteca, Shihab às vezes surpreende as pessoas. Espero que essas informações tenham esclarecido sua curiosidade. Olhou para a jovem e sorriu. —Sim e não. Você ainda não me falou por que sabe tanto dele. — Quer saber? Vamos nos divertir, outro dia falamos mais sobre ele. Ainda dirigindo, Leila pensou na conversa e quase ficou com remorso ao pensar que poderia ter falado sobre a ligação fraterna que tem com o seu meio irmão Tuaregue, porém ambos haviam decidido que assuntos pessoais só pertenciam a eles, por essa razão poucos sabiam do parentesco dos dois. Chegaram ao scotch-bar, estava bem movimentado, era inauguração tinha gente de todos os lados naquele lugar. O lugar era um bar que possuía vários ambientes, havia um loft que era um ambiente descontraído para curtir shows e o melhor da música pop nacional 29


e internacional. O lounge que era um ambiente moderno, agradável e arrojado, com atendimento exclusivo, boa música e espaço para reservas. A pista house onde um DJ embalava a noite tocando desde os clássicos pop até os hits eletrônicos do momento, e a chopperia jungle onde além de ter uma pista de dança totalmente de caráter country possuia também mesas de bilhar e pistas eletrônicas de boliche, ali estava concentrado o maior número de pessoas. —Que lugar fabuloso! Leila comentou com entusiasmo. Kamilah também ficou empolgada com o movimento, muita gente bonita, pessoas que ela nunca viu na cidade, passavam e comprimentavam ambas, alguns Leila apresentava a Kamilah, outros elas só dava um pequeno aceno com a cabeça. A pista estava repleta, a música alegre contagiava o público, que se empolgava em aparecer no enorme telão colocado na parede oposta da mesa do DJ. Kamilah se entregou aos acordes daquela música eletrônica como um ritual no deserto, ela se desprendeu e deixou-se 30


levar pela magia, por um momento imaginou-se uma odalisca ao som dos alaudes, percussores e teclados, aquela música árabe mexia com seus sentidos, ela não tinha idéia do quanto estava sendo observada e do quanto estava mexendo diretamente com os sentidos masculinos a sua volta. Seu sorriso era contagiante, estava feliz, pela primeira vez Leila viu a amiga solta, isso lhe deu paz, pois ela sabia que a amiga trazia uma grande dor na alma, só que não tinha idéia, apesar de deduzir que deveria ser por causa de um homem, porque ela sempre se esquivava de relacionamentos. Kamilah sentiu sede e a chamou para beber alguma coisa, Leila deu sinal a ela para ir sozinha, estava conversando com alguém no celular. Então kamilah foi para o balcão do scoth bar, um garçom elegante se aproximou com um meio sorriso e ela pediu uma cerveja gelada. — Uma dama não deveria tomar cerveja sozinha em um bar como este. Uma voz baixa e bem marcada falou na altura de seus ombros. Um arrepio percorreu todo seu corpo. Quem seria? Seria com ela? Ela se virou lentamente e 31


se deparou com um par de olhos tão verdes quanto os dela. Na sua frente estavam quase dois metros e dez de homem, lindo, como um deus grego, ela nunca tinha visto olhos tão transparentes como aqueles, demorou um pouco para assimilar que aquilo não era uma visão e então respondeu a ele com certo humor na voz pensando que aquela abordagem tinha sido inusitada. — Estamos na América, aqui somos livres para fazer o que quisermos. E se isso for uma cantada, é mais estranha que já ouvi. Ela respondeu a observação dele com meio sorriso e continuou a olhálo, para quebrar aquele instante onde os dois se avaliavam fisicamente, instintivamente ela levou o gargalo da garrafa até aos lábios como um convite inconsciente na face, ela lhe perguntou muito sensual: — Você aceita beber? — Talvez. Mas lhe ofereço algo melhor que isso, porque beber cerveja com você definitivamente não combina. —Brincadeira, não é? — Não. Não é. 32


O sorriso dele estimulava-a desafiálo, ele sentiu que ela estava adorando ser provocada, e o que era pior ele também estava. —Caso você fosse beber comigo, o que sugeria? —Talvez um bom vinho em um lugar mais calmo, mais sugestivo. —Meu Deus! Em que planeta você vive? Kamilah respondeu-lhe quase que horrorizada. —No mesmo que você, mas de onde eu venho consideramos as mulheres como joias, por isso, cuidamos delas, é claro que às vezes precisamos lapidar algumas, mas isso vai de acordo com a situação. Respondeu zombeteiramente. Ela sorriu balançando a cabeça não acreditando na figura que estava na sua frente. Novamente ela pegou a garrafa e olhou para ele como um todo, depois foi fracionando o olhar, primeiro olhou para boca, os lábios pareciam desenhados de tão perfeitos, os olhos eram expressivos, o rosto bem talhado, fino nas extremidades, o queixo quadrado era marcado por uma pequena fenda redonda, quando sorria aparecia mais duas nas maçãs do rosto. 33


Teve uma vontade louca de beijá-lo, se controlou e com um suspiro olhou para a pista de dança retornando o olhar para aquele par de olhos. Ele também a olhava do mesmo modo. —Aceita dançar? Perguntou-lhe meio sem jeito com o rosto em brasa por ter sido tão atirada. Ele achou graça ao perceber que ela ficou constrangida, em ser tão explicita ao olhálo de cima em baixo, num convite silencioso ao pecado, quem era aquela mulher? Seu instinto lhe dizia que ali havia um vulcão de sensualidade ao mesmo tempo uma mulher doce e talvez reservada. Um contraste da beleza com a sutileza da magia, ela era todos encantos, ele se viu preso aos olhos dela no momento em que entrou ali e a viu dançar, se sentiu um verdadeiro bérberes no deserto, ele viu a semelhança dela como algo inevitável com o destino, ele precisava possuí-la, mais do que isso ele a queria em seu harém. Olhando em direção à pista de dança ele focalizou Leila, ela cruzou com olhar dele, mas ele desviou o olhar, pois naquele momento 34


seu objetivo era outro. E olhando para Kamilah, pegou–lhe suavemente na mão, tão suavemente que Kamilah não fez nenhuma objeção quando ele a puxou para sair dali. —Quero fazer algo melhor que isso. Venha! A noite estava quente, o céu estava sem nuvens e todo estrelado, Kamilah ainda pensou enquanto caminhava ao lado daquele completo estranho que poderia estar ficando louca em sair assim, sem ao menos saber para onde estava indo, mas por alguma razão, ela não estava com medo dele. Era como se soubesse que deveria ir, era como se esperasse esse encontro por séculos. —Entre no carro, vou levá-la para ver uma coisa. Ela olhou para o esportivo estacionado ali, ainda sem entender por que aquela força a impulsionava em querer descobrir o que era. Eles entraram no carro e ele dirigiu sentido à cidade, em silêncio ela só curtia aquele momento, a todo o momento afastava os pensamentos ruins que vinham em sua mente, agora já era tarde para pensar no assunto. 35


— Não fique apreensiva não tenho nenhuma intenção de lhe ferir ou mesmo sequestrar. —Acredito que você não fará isso. Ele sorriu, enquanto estacionava o carro na garagem de um edifício enorme, localizado perto da Rivercenter Mall. “Bom pelo menos estou no centro da cidade, é mais fácil para pedir socorro”. Pensou enquanto soltava o cinto de segurança e olhava o ambiente pouco iluminado daquela garagem, ele falava de modo tranquilo, era imperceptível descobrir o que ele realmente queria através de sua voz, não era descontrolado e nem tão pouco afoito, parecia ser direto e claro em suas ações. —Você pode achar estranho, talvez até piegas o que vou lhe mostrar, talvez também pense que seja uma desculpa para te levar para cama, apesar de que se você quiser, eu vou achar muito bom, não se descarta alguém como você, mesmo que isso seja primeiro encontro. — Espero que tenha algo muito interessante para me mostrar, por que apesar de lhe parecer natural, não tenho hábitos de seguir estranhos pela noite, 36


sem esquecer que deixei minha melhor amiga para trás e nem lhe disse aonde ia, com certeza ela ficará preocupada comigo. —Calma, vou lhe devolver sem nenhum arranhão. A menos é claro que você deseje experimentar as garras do leão. Enquanto falava dirigia sentido ao elevador. —Por acaso o que vai me mostrar tem garras? Perguntou de forma divertida. Ele sorriu. Mas não disse nada. Entraram em silêncio no elevador, ele apertou o último andar, o elevador subia e com ele os batimentos cardíacos de Kamilah, de repente uma ponta de preocupação a assombrou, “meu Deus, o que estou fazendo? ” Olhou para o sinal luminoso dos números que ia acendendo conforme subiam como uma contagem regressiva até que chegaram ao seu destino final à porta se abriu para um apartamento ricamente mobiliado, ela ficou impressionada com o requinte dos móveis e da decoração. —Seja bem-vinda a minha humilde casa. Ele falou a ela do mesmo modo de antes, suave e tranquilo, o timbre de voz 37


dele não modificava, não podia se dizer o que ele estava tramando. Ela olhou-o curiosa, então ele segurou as mãos dela e a levou para o interior do apartamento. Caminharam por um corredor, depois entraram em uma sala onde havia uma enorme janela. Mas ela não se impressionou com aquilo, ela ficou impressionada foi com a decoração, parecia um museu, mas com um toque pessoal marcante. — Eu a trouxe aqui para lhe mostrar isso. Ela levantou a cabeça e viu uma enorme tela pintada a sua frente, ela ficou muda com que viu; diante dela tinha um grupo de homens árabes com lanças e escudos, esses homens tinham o rosto tampado, como os tuaregues, eles estavam em um acampamento no deserto, a frente deles havia uma mulher morena que estava sentada em um trono, ela usava uma rica túnica azul encrustada de pedras preciosas, nas mãos trazia um leque feito de penas de pavão, seus braços possuíam braceletes amarelos e cor de prata, no pescoço trazia um lindo colar, que a adornava ricamente, seus cabelos 38


longos e negros como a noite, cobertos por um lenço e uma joia suspensa no alto da testa, ela deveria ser da realeza, não sorria, seus lábios carnudos eram cobertos por um batom de cor azul que contrastava com os olhos verdes desenhados por finos traços negros, os grandes brincos terminava o conjunto maravilhoso que a adornava a beleza daquela mulher, seu rosto de detalhes finos combinavam com o lindo nariz reto sobre a face, a imagem a petrificou. A sensação que sentia ao olhar para aqueles olhos era uma mistura de medo, de poder e respeito. Ela ficou parada olhando, como se tivesse recordando de alguma coisa. Como se soubesse que ao olhar para aqueles olhos estaria olhando para a própria alma. Ele observou as reações que ela teve diante do quadro, e viu nitidamente a emoção dela ao ver os detalhes, ao ver o acampamento e os guardiões daquela mulher. —Dizem que até nos dias de hoje, ela mantém um efeito mágico sobre as pessoas que a olhão. Ele falou trazendo-a de volta para a imensa sala. 39


— Quando a vi dançando, eu vi a semelhança de vocês duas, fiquei maravilhado com a cena, se estivéssemos no deserto, com certeza algum sultão já haveria de ter lhe sequestrado e a levado para os confins de algum palácio. Ela ouviu aquelas palavras e sentiu medo, pela primeira vez ela pensou que isso poderia lhe acontecer. — Calma! Essa não é minha intenção. Não tenho nenhum palácio e tão pouco tenho um harém. “Apesar de realmente desejá-la colocar em um particularmente meu” pensou enquanto falava com um sorriso de fazer derreter qualquer geleira. Ela olhou para ele e por momento desejou descobrir o que tinha debaixo daquela roupa, desejou experimentar o gosto daquela boca, imaginou como seria fazer amor com ele. — A nossa semelhança é incrível. Não tenho palavras para dizer a respeito. Quem é ela afinal? —Ela é uma rainha, foi líder de uma tribo tuaregue. Até nos dias de hoje ainda é venerada por todos, por essa razão, as mulheres tuaregues tem alguns 40


privilégios; nas tribos tuaregues, ao contrário das outras tribos de origem mulçumanas, elas não precisam ser submissas, elas têm um papel importante no grupo, podendo escolher o marido, o dote, entre outros privilégios. —Sério? Quanto mais ouço sobre os tuaregues, mais me interesso no assunto. —Então, normalmente quando se fala do povo do deserto, é natural generalizar, mas para quem conhece, sabe muito bem que não é assim, um bérbere não é um beduíno e tão pouco um tuaregue, apesar de serem grupos nômades e geograficamente localizados quase na mesma região, a diferença entre eles é bem definida, tanto na política quanto na religião e costumes, por exemplo, muitos tuaregues não levam o corão ao pé da letra, são mais místicos e acreditam mais nas forças da natureza que qualquer outro grupo étnico do deserto. O deserto é um mundo totalmente desconhecido do ocidente, mesmo com toda essa tecnologia que nos cerca e também a globalização. É impossível se cercar dos segredos e hábitos do Saara. 41


— Muito interessante, mas confesso que fiquei impressionada com nossa semelhança, muito estranho e muito misterioso. Ela concluiu já se virando para sair daquele lugar, olhou o lindo tapete sobre o chão da sala, viu que o ambiente apesar de bem decorado era frio, não tinha vida, aquilo há incomodou um pouco. Caminhou até uma poltrona para se sentar, colocou sua pequena bolsinha de mão sobre uma mesa de centro, e suspirou tentando avaliar aquela situação inusitada. — Eu não diria estranho, mas mágico, acredito que isso seja obra dos feiticeiros do deserto. Ela sorriu pensando no livro que havia visto na biblioteca. “Coincidência demais para um só dia, só falta ele ser um sheik, ou melhor, um tuaregue, perdido no deserto do Texas”. Ele ficou curioso, ela se iluminou enquanto sorria, ele se pegou imaginando o que teria ela pensado para se iluminar daquele jeito. Então decidiu convida-la para um drink antes de leva-la de volta, mas um estrondo fez a luz se apagar, ela se assustou, levantou-se 42


depressa, ele tranquilo, tratou de acalmála. —Psiu! Não precisava temer, vou ligar o gerador e tudo estará normal novamente. Ele já ia saindo, mas ela o segurou pela manga da camisa e completou: — Esse negócio de ficar sozinha aqui não me agrada, odeio o escuro. Ele a ouviu, mas seus sentidos estavam em alerta, as mãos dela queimavam seu antebraço, algo estava acontecendo naquele momento, ele percebeu que era impossível se comportar como um homem sensato aquele momento representava uma oportunidade em cem, para seduzir aquela mulher, uma magia incandescente começou a manipulá-los, o perfume que ela exalava mexiam totalmente com os seus sentidos, e ela não estava indiferente a ele, então como numa reação química a aproximação dos corpos se deu com longos beijos e sussurros de palavras ininteligíveis para Kamilah. A urgência deles se misturava ao barulho dos zíperes descendo, botas sendo arrancadas, ele a despiu tão logo 43


também o estava; então a ergueu como uma pluma nos braços e a levou para o quarto. Era um sonho, aquilo não podia estar acontecendo, há muito tempo não tocava uma mulher como ela, toda macia, o perfume dela era embriagador, ele se sentou na cama diante dela e lentamente começou a beijá-la, levantou seus cabelos sedosos alcançando as curvas de seu pescoço e foi marcando a trilha do prazer, ele estava louco, mas não poderia voltar atrás, o que estava ali era um presente dos deuses e ele iria aceitar o que estava escrito. Deitou-a devagar em seus braços para sugar-lhe os seios e sentir a suavidade de seu abdômen, nunca tivera algo tão majestoso assim, lentamente foi descendo suas mãos para o triângulo do prazer localizado abaixo, ela se retraiu ante o toque, ele sorriu e voltou beijá-la como que chicoteando sua pele com a língua, foi emocionante sentir a umidade quente no meio das pernas dela, ele sabia que ela estava pronta, mas ele queria mais, então voltou a beijá-la e a acomodou em cima do colchão, enquanto descia para o meio daquele triângulo, ela percebeu a intensão, tentou lhe segurar a 44


cabeça, com um sorriso baixo ele a olhou, ela meio que entorpecida, perguntou o que ele pretendia, ele não respondeu voltou a beijá-la, e de repente ela já estava acariciando os cabelos dele enquanto a sugava deliciosamente, ela se entregou, deixou-se ser levada por aquela insensatez e se pegou gemendo como uma gata no cio. “Perfeito” ele pensou, enquanto voltava a lhe acariciar os bico dos seios, duros como pedras, àquilo era volúpia do prazer; era isso, ambos já não tinham mais o controle da situação, ele sentiu que estava próximo de explodir, mas se segurou, precisava eternizar aquele momento, foi uma tortura para ele ao se introduzir dentro dela, ela era magnífica, encaixou-se perfeitamente em seu membro como se fosse uma única peça, seu quadril acompanhava sua cadência como as ondas do oceano, ele se desligou completamente por um momento só sentindo a reação do seu corpo naquela mulher, ela ia e vinha junto dele, remando, remando, então involuntariamente, ele a girou deixando-a numa posição de quatro, quando observou aquele trazeiro todo duro 45


empinado ele ficou louco, agarrou-a pelos cabelos e a montou como um cavaleiro e ela correspondeu às investidas como uma verdadeira amazonas, ele estava embriagado, ora beijando, ora mordendolhe o pescoço, ora massageando-lhe os seios, ora massageando-lhe o triângulo quente no meio das pernas, então já não restava mais nada para eles, o êxtase já estava além do limite, explodiram em um gozo frenético. Ao longo de sua vida sexual, ele nunca tinha estado com uma mulher tão receptiva assim, ela o levara aos píncaros do prazer, aquilo tinha que ser repetido novamente. Ainda assustada, ela jamais imaginou que poderia ter tanto prazer com um homem da forma com teve. A respiração de ambos estava descompassada, nada passava na cabeça deles exceto a onda de prazer magnífica que sentiram. A energia ainda não havia voltado, ele acariciou a face enfogueada de Kamilah ciente do prazer que ambos haviam desfrutado, perguntou: —Você está bem? 46


Ela apenas balançou a cabeça para dizer que sim. Ele compreendeu que ela deveria estar um pouco constrangida com a pressa dos dois, ele também estava apesar de sentir o cara mais sortudo por ter se deliciado com aquela beldade, ele percebeu surpreso que queria mais que apenas uma noite. Então ele beijou-lhe a testa e falou: —Amanhã eu a levarei para sua residência. Fica aqui, gostaria de acordar ao seu lado pela manhã. Ela não respondeu apenas se aconchegou naquele corpo quente, estava confusa e fraca para tomar qualquer decisão naquele momento, então adormeceu nos braços daquele estranho, ele afagava os cabelos sedosos dela, sentindo um perfume que ele jamais esqueceria, onde fosse aquele odor estaria impregnado em sua pele como tatuagem... então adormeceu. Já passava das quatro horas da manhã, quando Kamilah despertou; em princípio meio confusa em relação ao lugar, aos poucos foi recordando o que havia acontecido então se lembrou de que estava deitada ao lado do mais viril dos 47


homens, levantou-se bem devagar daquela enorme cama, enquanto sua consciência lhe acusava a todo instante, “que falta de juízo, depois de velha irresponsável, preciso dar o fora daqui. Não vou ter coragem de olhar pra ele novamente. Não depois de ter deixado ser seduzida por ele. Não depois de não ter me protegido. Merda! Nem nos lembramos de usar preservativo”. Correu pelo enorme corredor e conseguiu achar a sala, foi pegando peça por peça e a colocando apressadamente, depois de colocar o sutiã percebeu que não encontrava a calcinha, então calculou que deveria estar no quarto, oscilou entre o desejo de voltar ao quarto ou a fuga sem calcinha, achou a situação hilária e sorriu, então terminou de calçar as botas, pegou sua bolsa e saiu sem olhar para trás. A energia havia voltado, desceu pelo elevador até ao saguão cumprimentou o porteiro e pegou o celular, verificou que havia oito chamadas da amiga, mas decidiu que iria tomar um táxi para casa, quando o dia estivesse claro ela retornaria a ligação e se explicaria. Mas por hora desejava um bom 48


banho quente e uma xícara de leite bem fumegante. Depois de bom banho, Kamilah se dirigiu a cozinha aqueceu o leite e foi para o quarto, olhou para sua cama e colocou a xícara na mesinha ao lado da janela, não resistiu ao convite silencioso caiu sob o colchão e enrolou-se no edredom para se aquecer, precisava dormir, mas a sensação daquele homem em sua pele estava impregnada. — Foi um sonho! Um doce sonho... murmurou enquanto fechava os olhos.

CAPÍTULO DOIS

Do outro lado da cidade alguém despertava com uma sensação de ter vivido uma aventura no deserto de Hoggar, há muito tempo não tinha essa sensação de plenitude na alma. Adonai despertou consciente que tinha feito amor sem reservas e sem cuidados com uma total desconhecida, ele sabia que ao virar daria de topa com essa mulher e teria que 49


encara-la, mas pensar nas emoções animou seu coração, quando girou deparou-se com o vazio, ficou incrédulo, não poderia ter imaginado a situação, ele se levantou da cama confuso, nem um rastro da criatura. — Não acredito nisso. Foi para a sala e nada, tudo quieto. Então retornou e ao caminhar pode perceber a essência dela no ar, sorriu, “jamais vou esquecer essa fragrância” sentou-se na beira da cama olhando o vazio, enquanto acariciava o lençol no desejo incontido de sentir seu calor, o perfume estava impregnado, ele aspirou a ponto de sentir excitado, decidiu tomar uma chuveirada quando levantou e percebeu entre os lençóis uma pequena peça branca de renda inusitada, ele sorriu e pegou aquela pequena calcinha, fechou os olhos e sentiu as emoções da noite anterior, dirigiu-se a uma gaveta onde havia uma pequena caixa, então ele guardou a pequena peça, “quem sabe um dia eu a devolvo”. Mas isso só seria possível depois que soubesse quem era a sósia de TinHinan por hora deveria se contentar em 50


tomar um banho. Em baixo do chuveiro ele pensava no evento, “que loucura a minha, como trago uma mulher pra minha cama sem mesmo saber o nome, e por que ela foi embora sem ao menos se despedir, pra que esse mistério”. A água gelada escorria em seu corpo, mas não apagava as marcas daquela mulher. Saiu do banho decidido a procurá-la, porém o que ele encontrou parado no meio do quarto foi seu empregado, um velho tuaregue. —Bom dia Menino Adonai. Ele sorriu ao ouvir a voz do velho Moussa enquanto pensava no grande tempo que o velho amigo havia sido designado a tomar-lhe conta, desde a infância no deserto quando seu pai lhe confiou à segurança e a educação enquanto vivesse, o velho Moussa permanecia, mesmo com Adonai lhe dizendo que deveria descansar ou mesmo voltar para casa, o Velho Moussa permanecia dizendo que havia feito uma promessa e iria cumpri-la até o final de seus dias. — Meu caro Moussa, bom dia. 51


Respondeu com um sorriso límpido no rosto, demonstrando ao velho guardião que estava relaxado e feliz. —Suas roupas já estão prontas. Sua lista de compromissos pra hoje está bem extensa seu helicóptero já está aguardando para levá-lo a Austin. —Ótimo. Vou querer apenas café preto. —Já estará sendo servido. Vou pegar seu computador portátil. Enquanto ele falava Adonai se dirigiu para o interior do quarto olhou em direção à cama e pensou nos momentos que viveu com aquela quase desconhecida. “Como seria acordar ao lado dela? Pensou” e arrumando sua camisa no interior da calça lembrou-se do quanto selvagem foi ao ser descamisado por ela, e do quanto foi sexy ao debruçar sobre aquele corpo colado ao seu. Dirigiu-se ao corredor em direção ao salão de jantar onde uma imensa mesa estava posta, com todas as iguarias para agradar ao paladar, porém depois de ter experimentado aquela boca nenhuma iguaria seria tão boa quanto ela. Contornou a mesa e pegou apenas a 52


xícara de café e dirigiu-se para a janela olhou a imensidão daquele céu, era de um azul profundo, os raios do sol surgiam em tom alaranjado no horizonte, ainda estava pensando nisso quando o velho Moussa pigarreou a suas costas, ele se virou e olhou para o velho amigo. —Diga velho Moussa, o que você quer. —Menino Adonai parece descansado. Vejo que está com um brilho diferente no olhar. Adonai sorriu e olhou para o velho e pensou no quanto ele estava curioso. —Velho Moussa, não me diga que está ficando mexeriqueiro? —Claro que não senhor. Estou apenas fazendo uma observação. O senhor nunca trás ninguém para fazer visitas. —Sim. Entendo muito bem o que você quer me dizer. Mas vá se acostumando, acho que vou trazer essa visita mais vezes. O velho sorriu de volta para o patrão e prosseguiu na sua formalidade. —Já fiz contato com heliporto. Gostaria de lhe informar que o mercado 53


ainda se encontra nervoso. O senhor precisa estar atento com os concorrentes chineses. —É. Estive olhando os índices. Quantos aos concorrentes, digamos que às vezes, é necessário colocar pequenos tubarões dentro de um aquário, para deixar os cações mais vivos na hora de pescá-los. Então velho Moussa, não fique preocupado estou atento aos meus concorrentes. —Acredito que o senhor volte hoje? —Gostaria muito, mas creio que não será possível, devo viajar para o Brasil, há um lote de pedras oriundas de Minas gerais que estou realmente interessado em possuir. —Sim. Ouvi dizer que o Brasil tem gemas maravilhosas. Mas quero lembrá-lo do festival, precisamos nos aportar com antecedência no deserto para a organização. —Não me esqueci, porém, este ano não vou participar. Você será meu substituto. Estou muito preocupado com os conflitos que há em torno de toda a região, acho que este ano o festival precisa ser fechado para os turistas, do 54


jeito que a coisa está, todos nós corremos perigo. Mais um detalhe, refleti muito sobre a reunião do arrollan1, não vou aceitar ser o novo líder. O velho tuaregue ouviu em silêncio, sentiu um pesar muito grande. —Senhor, o que fez desistir de ser o mais novo Amenokal? —Minha vida, meus valores. Estou abdicando, por que sinto que já não faço parte daquela vida nômade, pôr que sei que ao aceitar tamanha honra terei que definitivamente cortar meus laços com o ocidente, coisa que não desejo, por que tenho Leila que vive aqui, minha única parenta viva, apesar de ter muito respeito pelo o povo de meus ancestrais, não vou correr risco de ser assassinado em qualquer duna de Hoggar. Vou continuar ajudando a todos, mas é só isso. Há muito tempo deixei de viver a vida como um Tuaregue, nem meu pai ficou por lá muito tempo, ele saiu e procurou meios de vencer toda aquela miséria.

1

Um grupo de lideres tuaregues que se reúnem para tomarem grandes decisões a cerca de assuntos internos do grupo.

55


—Se o Senhor Karin estivesse por aqui suas decisões seriam diferentes. —Talvez você tenha razão. Mas ele já não está conosco, e eu sou dono das minhas decisões, como a que vou resolver dentro de alguns dias, uma com o cheiro bem agradável e de voz sedutora e incrivelmente quente. Deu um sorrisinho e o velho Moussa percebeu que a tal pendência deveria ser a mulher que esteve com ele ali no apartamento. Adonai se dirigiu para o elevador e olhando para o velho amigo lhe perguntou: —Você sabe me dizer por que houve interrupção da energia esta noite? Os geradores não acionaram automaticamente como de costume. —Vou verificar o que houve. —Faça-o. E fechou a porta do elevador, ao invés de ir para a garagem onde seus homens já estavam lhe aguardando, desceu no saguão e caminhou a passos rápidos encontrando com o recepcionista que levou um susto no meio do corredor com paredes de vidro. 56


—Senhor

Adonai,

o

senhor

por

aqui? —Sim. Por que a surpresa? Perguntou com ar sério, mas sem ser rude. —Nenhum Senhor! É incomum vêlo por aqui. Vou avisar seus homens. —Estou aguardando. Adonai olhou para o recepcionista e o analisou depois lhe perguntou casualmente. —Então aconteceu alguma coisa estranha por aqui nesta noite? —Não senhor. Exceto pela linda garota que desceu por volta das quatro e meia da manhã, chamei o taxi para ela. —Linda garota? Você a conhece? —Acho que já a vi com a senhorita Ismail algumas vezes no Riverwalk. —No Riverwalk com a senhorita Ismail? Você tem certeza disso? —Sim. É impossível não observálas. Os homens estacionaram a limusine na frente do prédio e entraram no hall, então Adonai olhou para aqueles homens de preto e pensou que era uma das coisas que mais odiava, mas já estava 57


nessa rotina há anos. Seguiu em direção à porta de vidro e os demais seguranças o acompanharam. Seu motorista abriu a porta da limusine, enquanto os demais o seguiam em outros carros. Lendo um jornal seu pensamento voltou naquela linda beldade, então não tinha sido impressão ele realmente viu sua meia irmã na companhia dela, eram amigas. Isso seria mais fácil que tirar doce de criança. Sorriu pensando na metáfora. O telefone lhe tirou do devaneio. Viu que a ligação era de Austin. Ao olhar o número ele levantou uma sobrancelha, não conhecia aquele número. —Sim. Sou eu mesmo. O conheço. Onde? Hospital. Ok. Estarei ai. Cuide para que ele seja bem atendido. Depois daquela noite maravilhosa, Kamilah preferiu tentar esquecer aquele momento louco de intensa luxuria, porém tinha que dar explicações para a amiga e Leila não iria aceitar qualquer explicação, estava descendo as escadas da biblioteca quando um “Jeep” vermelho parou bem na sua frente, com um sorriso pálido Kamilah olhou para a amiga. 58


— Que surpresa boa! Estava pensando em te ligar. Leila olhou para ela com desconfiança e respondeu: —Você sabe que dia é hoje? Você tem ideia de quantas ligações minha você não retornou? Kamilah sentiu uma ponta de remorso, e então tentou amenizar sua culpa. —Leila não fique chateada comigo, sinto muito, eu realmente não sei te dizer por que agi assim, mas confesso, estou confusa e envergonhada. Leila a olhou e percebeu que havia acontecido alguma coisa que mexeu profundamente com a amiga. — Vamos entre no carro, precisamos de um drink. —Você tem razão. Assim podemos conversar. Concluiu Kamilah com um alivio na voz. Entraram em um pequeno bar no Plaza Ciel ao lado de Green Lantern, onde quase todo fim de tarde pequenos empresários e funcionários do centro comercial se encontravam para terminar o dia com um drink. Sentaram-se a mesa 59


em frente a uma grande janela onde dava pra se ver os últimos raios solares se esgotando atrás das densas nuvens no deserto distante. Leila olhou para as cores daqueles últimos raios solares e suspirou. —Lindo, não é mesmo? —Sim, acho que não tem entardecer mais lindo que San Antônio... Um garçom se aproximou da mesa e lhes estendeu a carta de drinks, ambas pediram um copo de água e em seguida decidiram por um sazerac, um coquetel a base de absinto, angustura, uísque e limão. Depois que o garçom se afastou Leila olhou para Kamilah como que analisando a amiga, ela sabia muito bem com quem ela tinha passado a noite, mas a preocupação dela estava na amiga, não no meio irmão. —Então pode começar me contar, por que você sumiu e ficou todo esse tempo sem me dar notícias. —Nossa! Ainda estou assimilando os últimos acontecimentos, foi tão inusitado, tão fantasioso e sem noção a que eu mesmo custo acreditar. 60


—Não me deixe curiosa, preciso que você me conte o que houve. Quem foi o homem que lhe tirou do bar sem ao menos falar um até logo. —Então esse é dos problemas, eu não sei quem ele é. Leila olhou para ela com pena e pensou “isso é típico dele”. Mas posso lhe dizer que foi uma noite que vou guardar no meu coração para o resto de minha vida. —Só isso. Não acredito. Fale-me mais, porque você não me ligou? —Eu saí da casa dele no meio da noite, peguei um taxi e fui pra casa, confesso que dormi quase o dia todo, acordei no final da tarde, então achei melhor tentar entender essa aventura para depois ligar pra você. Jamais imaginei viver um momento tão intenso como vivi, mas culpa vem me atormentando desde então, transamos sem nenhum cuidado, me entreguei a ele sem cerimônia e isso está tirando meu sossego, na altura do campeonato ele deve achar que eu não passo de uma devassa, estou morrendo de vergonha. 61


—Pelo profeta! Você está me dizendo que não se protegeu? Mas o que levou você a perder o controle assim? Eu não sei o que dizer para te confortar. Leila balbuciou olhando para Kamilah quase sem cor na sua frente. —Ele me levou até a casa dele para mostrar um quadro de uma princesa, a semelhança entre nós duas é notória... A química entre nós foi muito forte, desde o primeiro momento no bar, foi impossível controlar, quando dei por mim já estava me perdendo naqueles braços e me rendendo aos beijos ardentes daquele estranho. —Sim. Sem proteção alguma, você já parou pra pensar nas consequências? “Meu Deus! Vou esfolar Adonai na primeira oportunidade” pensou no irmão. — Então? Ele fez contato? —Não. Acredito que não nos veremos mais. Pode apostar foi só aquela noite. Homens como ele não perde tempo duas vezes com a mesma mulher. Agora se caso eu ficar grávida, ainda não pensei sobre o assunto, mas não sou nenhuma criança, vou assumir a maternidade da mesma forma que me entreguei a ele. 62


— Vamos pensar positivo e olhar para o lado bom da coisa. Leila falou tentando não pensar na possibilidade. —Como assim? Perguntou Kamilah. —Existe um ditado que diz o seguinte: “contra o destino, não adianta cautela” 2. Mesmo que você tivesse o controle da situação se isso estava escrito, de nada adiantaria se esforçar. O destino pode dar inúmeras voltas como um rio, mas ele chegará até a foz por que é assim que tem que ser. Kamilah ouviu as palavras da amiga e tentou entender o que ela estava lhe dizendo, meio confusa ela falou: —Leila, você está falando como ele, através de enigmas, só falta-me dizer que sou a reencarnação da tal princesa e que o príncipe de um deserto distante veio me resgatar para um harém perdido nas areias escaldantes do Saara. — Deixa de ser fantasiosa e melodramática. Não quis dizer isso, mas se tiver escrito por que não? —Acho melhor você tomar seu sazerac, porque ele deve estar 2

Ditado árabe.

63


esquentando. Kamilah falou entre sorrisos, de repente ela viu que alguém não tirava os olhos delas. — Leila não vire agora, mas já tem um tempinho que alguém está nos espreitando, você tem ideia de quem seja? Leila sentiu um arrepio na nuca, aquela sensação já lhe era peculiar. Sem precisar virar para ver quem era já sabia; somente um homem tinha esse poder, um homem que gostaria que estivesse bem longe dali; Nicholas Shandar. Leila virou-se lentamente e deparou-se com um par de olhos escuros como seus cabelos negros, ela viu a sombra de um sorriso naquela boca, que só ela sabia a intensidade dos beijos que ele poderia fornecer. Olhou diretamente para os olhos profundos e virou-se como se nada tivesse por ali, ela sabia muito bem como controlar seus sentimentos diante dos outros, fora criada para guardar pra si suas emoções. Então sorriu e disse pra Kamilah: —Não tenho ideia de quem seja. Mas continuando nosso assunto, você 64


tem intensão de procurar o misterioso novamente? —Claro que não! Kamilah respondeu depressa demais, dando a impressão que o seu desejo era bem diferente. Leila a olhou desconfiada. —Bem, quero dizer... Se de repente encontrá-lo de novo, vou ser mais cautelosa, mas não vou sair por ai procurando um desconhecido, já chega o que fiz, tenho medo de pensar o que pode me acontecer. —Mas você não estava sozinha, ele tão responsável quanto, e tenho certeza, que ele deveria saber o que estava fazendo... —Leila, pra ser sincera tudo foi tão bom, ele foi maravilhoso... —Me poupe dos detalhes, só de ver sua cara já imagino... ela fez uma careta de desagrado, em seguida chamou o garçom, pedindo outro sazerac. Kamilah voltou a olhar para o homem que as observavam, aos poucos foi se lembrando, ele era o mesmo cara que havia visto discutindo com Leila há anos atrás, alto, cabelos negros, pele 65


morena como um mouro, porém ele mais lembrava um cigano, apesar de estar vestido socialmente, aquelas pulseiras e os anéis denunciavam suas origens. Leila estava curiosa com a presença dele ali, mas não iria ceder, a conversa que tiveram há três anos tinha sido definitiva. Então não tinha por que ficar curiosa, mas ele mexia com seus sentidos, ela o percebia a quilômetros, como um radar... Seu coração havia se fechado, ela não iria permitir que ele invadisse seu sossego novamente, não! —Então? Vamos pra casa? Kamilah perguntou de repente. —Sim. Vamos. —Você tem certeza que não quer falar sobre o cara que está nos observando? Kamilah voltou a lhe perguntar. —Não tenho nada pra falar sobre ele, não agora. Antes de saírem, Kamilah pediu licença e foi ao toalete, Leila ficou sozinha na mesa, tremendo e implorando para que ele não se aproximasse, mas sua nuca se arrepiou ao ouvir a voz grave ao seu ouvido: 66


— Minha pequena flor do deserto, seus hábitos nunca mudam? Ela virou-se e deparou com os lábios dele próximo aos seus, ficou petrificada, porém controlou-se. E respondeu altiva como sempre: —Caro Nicholas, perdeu alguma coisa por aqui? Ou seu patrão delegou algum serviço penoso pra você? Ele sorriu, ela sempre ficava na defensiva quando estava com medo. —Ele pediu para agilizar umas pendências. Respondeu em tom sarcástico. Ela olhou-o preocupada. —Pra você ter se deslocado pra cá, alguma coisa grave aconteceu. —Não. Ele está em Austin, está acompanhando aquele afilhado dele em uma clinica. Falou sem emoção na voz. O que deixou Leila ainda mais preocupada. —Afilhado? Arqueou uma das sobrancelhas, tentando buscar na mente quem era. Acho que sei de quem se trata. Ao encontrá-lo diga a ele que preciso vêlo. —Agendarei um horário minha flor, porque ele tem andado bem ocupado por 67


esses dias. Falou dando de ombros e olhando-a nos olhos, ela desviou o olhar, então percebeu que ela ainda estava magoada com ele. —Deixei de ser sua flor há anos atrás. Finalizou com amargura. Ele levantou a cabeça e viu Kamilah voltando, então a pegou pelo queixo e disse suavemente: —Pra mim não. Você nunca deixou de ser minha flor. Sempre será uma kalanit selvagem do deserto. Ela o olhou profundamente e viu que o olhar dele estava tão distante quanto os dela, ela sabia que aquilo era uma promessa. Então ele saiu sem olhar para trás, Kamilah se aproximou a tempo de ver os olhos da amiga marejados de lágrimas. —Aconteceu alguma coisa? Kamilah perguntou olhando para a amiga. —Nada que mereça comentários. Respondeu friamente. Depois Kamilah ficou ela estava em seu serviço,

daquele evento no bar sem ver a amiga por dias, sua sala compenetrada no fazendo uns fichamentos 68


para organizar os livros mais antigos, quando seu chefe entrou na sala, ela não viu a expressão de tara do homem ao olha-la, “sentada assim atrás destes óculos, não tem nada haver com a gata selvagem que desfilava no “Tavernas scotch-Bar” ”. Pensou com uma vontade louca de possuir aquela beldade. “Tenho que criar coragem” “essa mulher tem que ser minha, por bem ou por mal, não importa, vou pega-la de qualquer jeito”. Pensava enquanto encostava a porta e lhe cumprimentava. —Bom dia senhorita Thompson. Kamilah levantou o olhar e deparou com James Craing lhe observando com se a despisse. — Senhor Craing, bom dia. —Vejo que continua catalogando as obras. Disse enquanto olhava alguns exemplares em cima da mesa. —Sim, mas já estou terminando, faltam apenas às obras doadas recentemente. — Essas obras são um completo deleite, vieram do Sul do Marrocos. O nosso doador deve passar aqui para vê69


las, elas pertenceram a sua família. Dolores me disse que você queria me ver. — Sim. Estou com um livro aqui que não está registrado. Ele deve ter sido esquecido ou quem sabe alguém o perdeu por aqui. —Deixe-me ver. Ele olhou o livro e o reconheceu imediatamente. —Realmente esse livro não faz parte do acervo. Ele pertence a um conhecido, devo ter deixado em cima do balcão, na semana passada. Vou leva-lo para minha sala. Respondeu sem cerimônia, ela olhou para ele com curiosidade, então lhe perguntou quase que duvidando: —Adonai é seu conhecido? —Sim, o dono do livro, um dos nossos maiores investidores, é ele quem tem financiado certos projetos na fundação. Ajudando-nos a formar nossa coleção de pedras preciosas do mundo. Falou com total entusiasmo. Craing a olhou e percebeu que ela estava bem curiosa em saber sobre Adonai. Ele ficou entre matar a curiosidade ou pega-la de jeito para 70


experimentar aqueles lábios, que provavelmente seriam deliciosos... —Você às vezes me intriga muito. —Ora por quê? —Raramente você pergunta sobre as pessoas que nos visitam, de repente, um livro lhe desperta o interesse, estranho, não acha? —Aonde você quer chegar com este comentário irrelevante? —Não é um simples comentário, é algo que estou vendo em seus olhos. O nome exótico de Adonai lhe chamou a atenção, não é? —Não. Respondeu irritada com a constatação dele. Em meio a uma risadinha sarcástica, ele olhou ao redor e se posicionou bem na frente dela, olhando para dentro do decote de sua blusa branca. Falou com muita malícia. —Às vezes fico imaginando o que tem debaixo desses tecidos, você é muito linda. Ela arrepiou o corpo inteiro, e olhou para ele com nojo. —Você está me faltando com o respeito. 71


Respondeu a Craing ainda mais irritada, ele a olhou bem nos olhos e depois para a boca dela, então pegou uma das mãos dela e deu um beijo soltando em seguida bem na direção de sua ereção. —Não estou faltando com respeito, estou apenas te elogiando senhorita Thompson, não é minha intensão faltar com respeito a alguém tão especial. Ao soltar-lhe a mão, ela sentiu esbarrar no membro rijo dentro da calça, ela retirou depressa tentando evitar o contato, mas foi impossível. —Saia daqui, antes que eu lhe mostre o que é faltar com o respeito. —Por que vocês têm essa mania irritante. Pode gritar se quiser, eu não tenho culpa de você me provocar. Respondeu enquanto se dirigia para porta, antes de abri-la ainda olhou para trás e sorriu. —Quanto mais difícil, mais gostosa. Vai valer a pena esperar para te levar para minha toca. Ela não pensou duas vezes, passou a mão em um dos livros que estava em sua mesa e jogou contra ele, acertou em 72


cheio bem na testa. Ele abafou um palavrão. —Sua cadela... Ele saiu da sala, nervoso, e foi para o banheiro, enquanto resmungava sem parar. Kamilah levantou-se e foi pegar o livro no chão, ficou remoendo de ódio: — Arrogante presunçoso... quem ele pensa que é? Enquanto desabafava, concluiu que cedo ou mais tarde, provavelmente ele iria tentar de novo, era só uma questão de tempo. Horas mais tarde, ela já estava terminando o trabalho, quando ele retornou novamente em sua sala, ela levantou os olhos e viu a cara amarrada dele. —O que foi dessa vez? Perguntou irritada. Ele a olhou e em poucas palavras assinalou a sentença dela no seu ambiente de trabalho. —Acho que você não compreendeu, se você cooperar comigo, você poderá ter inúmeras vantagens aqui dentro, mas se você continuar a fazer esse joguinho idiota, de mulher virtuosa. Terei que dificultar sua vida também. Pense nisso. 73


Em silêncio ela ouviu o que ele disse, suavemente ela colocou a caneta sobre a mesa retirou os óculos e levantouse indo na direção da porta, parou diante dele e respondeu quase como um sussurro: —Isso não é um jogo. Você é um ser nojento, faça o que quiser. Você pode tentar, mas não me intimida, jamais irá me tocar, me demita se achar conveniente, não tenho medo de você e não tenho preguiça para trabalhar. Logo em seguida, ela pegou a bolsa e saiu empurrando-o contra a parede, ele lançou-lhe um olhar de zombaria, estava adorando a situação. —Veremos se você vai dar conta. Logo, logo você vai estar sentadinha aqui no colinho do papai, e vai pedir para eu ser bem bonzinho com você. Ele respondeu com menosprezo, ela viu o brilho no olhar dele e sabia que não seria fácil. Saiu apressadamente para a porta precisava respirar. No pátio do estacionamento, ela caminhou até o carro, ainda tremia, quando colocou a chave na ignição, dirigiu sentido a Market Square, ela se acalmava sempre que se 74


dirigia ao velho mercado de artesanato mexicano, ao se misturar aos imigrantes e turistas, ela tinha a sensação de ser completamente desconhecida. Sentou-se em uma das mesinhas de um café e ficou observando o movimento de vai e vem das pessoas, por um momento desligou de tudo e sua cabeça ficou vazia. Ao longe ouvia o barulho dos carros nervosos, cada qual com sua pressa, cada qual com seus problemas. Respirou fundo e pensou na noite de prazer que viveu com o desconhecido, ela sentiu um comichão ventre abaixo como se tivesse novamente nos braços dele, seu sangue ferveu, os bicos dos seios enrijeceram, que poder era aquele? Como podia ficar excitada só de pensar nas carícias dele, aquilo era novidade para ela, jamais imaginava que isso pudesse acontecer, e de repente, ela desejou vê-lo novamente, onde ele estaria? O que deveria estar fazendo? Eram perguntas que a assombravam de vez em quando. Piscou suavemente a fim de apagar a desagradável sensação que teve no trabalho. Então voltou a pensar em seu chefe, até aquele momento não acreditava 75


que ele tivesse sido tão crápula a ponto de assediá-la. Mas ela ia coloca-lo no lugar, era só uma questão de oportunidade. Passado o estresse, ela resolveu ligar para Leila, porém o telefone não atendia. Deixou apenas um recado na secretária eletrônica. Depois de um pesadelo horrível com Rick e seu amante misterioso, Kamilah acordou quase que em choque, no sonho ele a acusava, ela sem entender nada pedia socorro para Rick, em seguida seu chefe a estava sufocando com um beijo, ela estava molhada de suor ao abrir os olhos, então se levantou e se dirigiu para a cozinha. Já passava das quatro da manhã, colocou uma água para esquentar, enquanto foi ao banheiro esvaziar sua bexiga, mais tarde sentada de frente para sua janela ficou vendo os primeiros raios solares que rasgavam o céu de “San Antonio” lembrou-lhe das manhãs no rancho da tia Sabina, provavelmente naquele mesmo horário sua tia já deveria estar de pé, sentiu saudades. Ela chegou à biblioteca um pouco antes do horário de costume, encontrou 76


com Dolores no saguão junto com José, o vigia, eles a receberão com um sorriso caloroso, ela lhes cumprimentou, e subiu as escadas em direção a sua sala, ao abrila quase desmaiou de susto, a mesa dela estava abarrotada de livros, ela entrou e com a mão na cintura engoliu um bolo que se formava em sua garganta. “Se ele pensa que irá me intimidar, está perdendo o tempo. ” Pensou enquanto ligava o computador. Respirou fundo, e sentou-se diante daquela pilha de livros. —Bom dia senhorita Thompson. Craing surgiu na porta. — Vejo que já começou seu trabalho, espero que até ao final da semana você já tenha catalogado todos esses livros. Craing falou zombeteiramente. —Mas se você mudar de ideia, talvez eu peça pra Dolores lhe ajudar. Ela o olhou em silêncio, enquanto ele fechava a porta. “Não acredito que vou ter que lidar com esse idiota. ” “Só me faltava essa, assédio em pleno serviço”. A mente de Kamilah estava povoada de resmungos, já estava ficando sem ar, quando saiu da sala para colocar alguns livros no carrinho, para serem colocados nas 77


prateleiras. Caminhando no corredor passou pela sala de Craing, a porta estava semiaberta, ouviu que ele estava acompanhado de alguém, estavam rindo, Craing com certeza estava rasgando seda com algum dos investidores da fundação. —Vejo que o trabalho por aqui está em pleno vapor. Como estão indo, os preparativos para a criação do museu natural? Alguém perguntava a Craing, Kamilah prestava atenção na conversa, ela diminuiu os passos, e fez uma pequena parada perto da porta. Enquanto conversavam Kamilah pegou-se comparando o timbre de voz do visitante com o homem que dormiu com ela naquela noite, “Essa voz... é parecida com a voz do... epa! Ele está aqui! Preciso sair daqui, antes que me vejam. ” Kamilah acelerou os passos pelo corredor e saiu porta a fora com a intensão de não voltar até à tarde. De repente, ele aspirou uma fragrância, impregnando todo o ar, automaticamente ele se levantou indo em direção à porta, Craing o olhou curioso, ele voltou para o homem a sua frente e sorriu: 78


—Havia alguém por aqui. —Pelo perfume só pode ser a senhorita Thompson. —Senhorita Thompson? —Sim. Uma das funcionárias da fundação, ela é corresponsável pelo projeto do museu natural, uma mulher muito dinâmica e sensível, porém é uma gata arredia, não dá mole pra ninguém, mas que dentro em breve espero que esteja ronronando para mim. Adonai o olhou furtivamente, não gostou do tom de voz de Craing, achou bem desagradável ouvir a forma como ele descreveu a funcionária. —Corresponsável? Pensei que você fosse o criador intelectual do projeto. —Pra ser sincero, tive uma ajuda imprescindível dela, ela fez os ajustes necessários e também dinamizou os custos, então achei prudente deixá-la como corresponsável. —Entendo. E onde ela está? Quero conhecê-la. —Vou chamá-la. Através do interfone Craing falou com sua secretária: 79


— Dolores traga-nos um café e peça para a senhorita Thompson vir aqui. —Um instante senhor Craing. Dolores respondeu prontamente, cinco minutos depois batia na porta do seu chefe. Dolores era uma descendente de mexicanos, de estatura baixa, e um pouco roliça, ela tinha uma semelhança inconfundível com seus antepassados, de cabelos negros e de estatura baixa, ela mais parecia um estereótipo nativo. —Aqui está o café senhor. Ele a olhou como que indagando. —Obrigado. Onde está a Senhorita Thompson? —Kamilah... Então, o senhor conhece nossa Kamilah... começou gaguejando, como se quisesse ganhar tempo para improvisar uma desculpa. — Ela foi solicitada para ir até a Catedral de San Fernando, para averiguar algumas cerâmicas encontradas pelos monges. A cor fugiu do rosto dele, e Adonai viu que ele desgostou totalmente com aquela notícia. —E ela saiu sem me avisar? Ela não tem nada haver com o setor de pesquisa, Dolores não estou entendendo. 80


—Só estou retransmitindo o recado, com licença. Dolores respondeu a ele e saiu imediatamente da sala, a fim de evitar mais perguntas. —Veja só, não lhe disse que ela é arredia. Craing falou para Adonai, ele ouviu aquilo, mas sua cabeça estava trabalhando em outros pontos. —Não diria arredia, mas uma pessoa com iniciativa. Ponderou-o para Craing. —Olhando por este ângulo, você está coberto de razão, mas precisava ter me dado uma satisfação, afinal ela ainda não tem autonomia para sair quando bem entender, deveria ter me avisado. Adonai sorriu para ele e continuou. — O que é isso Craing, até parece que a atitude da moça foi para lhe afrontar. —Não! Em absoluto, não estou pensando nisso. Mas essa moça tem o dom de me irritar. Às vezes me pego com pensamentos bem furtivos em relação a ela. —Do tipo: agarrando-a pelos cabelos e a levando para uma caverna? Ele perguntou com ironia. Achava um 81


desperdício homens sem bom senso, e o homem sentado bem na sua frente, provavelmente não tinha nenhum. Craing deu uma sonora gargalhada: — É uma boa ideia, não tinha pensado nisso, mas não é bem isso que eu pretendo. Ela precisa ser conquistada. Ser dominada. — Eu prefiro deixar as coisas acontecerem naturalmente, bem se sabe que o vento contra pode levar um barco à frente, mas se você não souber manejar as velas de nada adianta lutar. Adonai falou levantando-se e indo em direção a uma estante de livros, continuou casualmente. —Me fale sobre ela. —Ela está conosco há quase três anos, foi indicada pela Senhorita AlIsmail. Adonai arqueou uma sobrancelha, como que surpreso pela revelação. Craing não percebeu, continuou a falar como um rádio. —Foi Al-Ismail quem a indicou? —Sim. Elas são amigas quase que inseparáveis, onde se vê uma, encontra-se a outra. Possui um currículo invejável, 82


veio da Universidade de Austin, foi muito elogiada por alguns conhecidos meus de lá, então quando há vi, foi impossível não querer contratá-la, ela tem um sorriso contagiante, é impossível não querer afogar naqueles profundos olhos verdes. Na medida em que Craing ia falando, Adonai foi construindo a imagem daquela mulher na mente, surpreso percebeu que Kamilah Thompson era a mulher que ele seduziu algumas noites atrás. A voz de Craing estava longe, sua mente ligou a fragrância ao cheiro que ficou dias perturbando seu sossego, “não adianta correr do que está escrito” ele pensou. —Adonai? Você está me ouvindo? Craing perguntou em voz alta para trazer Adonai de volta. —Hã... Desculpa-me Craing, eu estou te ouvindo, pode continuar. —Estou vendo. O que houve? Perguntou curioso. —Nada. Quero ver o projeto da organização do museu. Trocou de assunto imediatamente. Craing achou aquilo tão estranho, mas não questionou. 83


— Aqui estão, estamos apenas lhe aguardando para a finalização de alguns detalhes. — Vou ao Brasil buscar algumas gemas que comprei de um fornecedor do estado de Minas Gerais. Estou pensando na Semana do Festival de Artes, o que você acha? Perguntou Adonai. —Excelente. A cidade vai estar cheia de turistas, com certeza será um sucesso. Vou providenciar para que tudo esteja ok. —Meu assessor deverá estar por aqui, ele deverá estar à frente. —Mas você estará aqui na inauguração? Perguntou Craing. —Se for da vontade do “destino” sim. Sou um homem do mundo, por isso, prefiro deixar as coisas acontecerem. —Preciso ir. Adonai se levantou e pegou na mão de seu curador, este prontamente a estendeu, sabendo que aquelas mãos o levariam a aquisição de alguns bens que ele já estava de olho algum tempo. —A propósito Craing, você tem a ficha de sua funcionária pra eu ver? —Sim. Você quer ver agora? 84


—Se for possível. Craing foi até ao arquivo e pegou a ficha de Kamilah e entregou para Adonai, ele abriu o envelope devagar e viu com surpresa uma versão mais conservadora, mais austera, mais profissional da mulher daquela noite. Era ela mesma. Não tinha mais dúvidas. Ele leu seus dados e com curiosidade percebeu que ela também esteve na mesma universidade que seu afilhado, fazendo o mesmo curso. — Imaginei que ela fosse daqui, mas estou vendo que ela é Portland, por acaso é no Oregon? —Sim, mas sempre viveu no Texas, segundo ela veio pra cá ainda na infância e foi criada com uma tia até ir para a universidade e seguir seu caminho, ela não é de falar muito sobre si, em se tratando dela, pouco fala. —Então você pegou essas informações... Foi cortado antes de concluir a frase. — Durante a entrevista para contratá-la. — Entendo. 85


Pensou mais um pouco, e decidido olhou para Craing e disse: — É o seguinte Craing, quero que essa jovem se junte a equipe para dar andamento na organização da amostra em novembro. Tudo bem? —Você é quem manda. Eu apenas executo suas ordens. Craing respondeu meio frustrado, quase furioso, ele percebeu o interesse de Adonai em Kamilah, só não entendeu o que era, já que ele quase não ficava em San Antonio, “o que seria?” Perguntou-se intimamente. Adonai se despediu e saiu. No carro pediu para o chofer passar no endereço de Kamilah. Ficou parado por um tempo, mas não a procurou. Decidiu ligar para a meia irmã, porém deu fora de área. Então deu sinal ao motorista para ir em direção ao seu apartamento. —Leila, vamos almoçar? Preciso te ver. Kamilah estava ansiosa ao falar ao telefone. —te espero no La Margarita. Não esperou nem pela resposta e já foi desligando o telefone. 86


O La Margarita era um restaurante muito confortável localizado as margens do Riverwalk, próximo ao setor comercial de San Antonio e também aos museus, o La Margarita tinha aquela característica meio latina, meio americana que encantava a todos os frequentadores, principalmente os trabalhadores das imediações e os turistas. Leila desligou o telefone e olhou no relógio, já era quase meio dia, não estava com fome, mas ia ao encontro da amiga, “o que será que houve que a deixou tão nervosa? ” Perguntou-se intimamente. Kamilah chegou ao restaurante e procurou a mesa de costume, enquanto sentava olhou para o rio, as barcas estavam subindo, outras descendo, era assim o dia inteiro, os turistas gostavam de admirar a arquitetura ao longo do rio. Dez minutos mais tarde Leila adentrava no restaurante, com uma aparência séria, ela passou pelas mesas sem olhar os clientes então avistou Kamilah no canto da sala olhando para a janela. O rosto estava pálido, Leila ficou preocupada, mas chegou sorrindo, Kamilah olhou para ela quase em lágrimas. 87


—Meu Deus! O que te aconteceu? Por que você está assim? Leila perguntou assustada. —Que bom te ver. Só você para me dar conforto. Kamilah tocou-lhe as mãos. Leila percebeu que elas estavam frias. —Me diga querida, o que está te afligindo? Kamilah começou a lhe contar os últimos acontecimentos, falou sobre tudo inclusive de ter ouvido a voz de Adonai. Leila ouviu em silêncio toda a narrativa, sem manifestar nenhuma emoção, era só ouvido, porque naquele momento era o que Kamilah precisava. Quando terminou já não estava tão nervosa quanto no inicio, então Leila raspou a garganta e falou. —Meu bem, acho que você está precisando descansar, desde que fomos à inauguração daquele bar, você anda nos cascos. —Já pensei nisso, porém agora preciso me organizar novamente, desde aquela noite, sinto como se tivesse entorpecida. —Não será que é pelo fato de você ter se entregado com tanta facilidade a 88


um desconhecido? Leila perguntou — Talvez isso seja o que lhe está consumindo, concluiu. —Não. O que está feito está feito, não adianta ficar remoendo por algo que já passou, apesar de ter me incomodado um pouco, já não estou pensando mais, tenho que levar em conta que o que aconteceu por mais incrível que tenha sido foi natural... — Em relação ao Craing, acho que posso te ajudar, ele é tão empregado quanto você, basta um telefonema. Você não precisa temê-lo, ele é só pressão. —Não estou preocupada com ele. —Então o que te incomoda? —Ainda não sei, mas acho que estou grávida. Leila ficou muda, não soube por quanto tempo, mas foi difícil assimilar aquela informação. Kamilah viu o quanto à notícia a chocou. —Por favor, diga alguma coisa. Não me olhe assim. —Não. Eu... eu... você tem certeza? Foi o que Leila conseguiu proferir. —Ainda não. Vou fazer um exame para confirmar. 89


—Você precisa encontrar com ele novamente e lhe contar o que aconteceu. Leila falou depressa. —Você ficou louca? Como vou encontrar com um estranho e lhe dizer que a nossa noite teve consequências. E se ele for casado? E se ele me confundiu com uma garota de programa, por que comportar como comportei, confesso que não foi o certo. Finalizou sem emoção. Leila percebeu que precisava falar com Adonai, para ajudar à amiga, mas isso seria muito complicado, por que como a própria Kamilah falou era improvável que ele aceitaria algum argumento, depois de ter estado com ela tão facilmente como foi. —Não adianta enlouquecer, agora precisamos nos acalmar, e então ver como resolveremos isso. Leila falou tranquilamente. Olhando para o relógio viu que sua hora havia vencido. —bem preciso voltar. —Eu também, saí há horas. Dolores deve estar preocupada comigo. Kamilah falou concordando com Leila. Acabaram não almoçando. Ambas saíram do restaurante com a promessa de 90


se encontrar a noite, depois do expediente. Leila dirigia pela South Álamo Street pensativa, teria que procurar Adonai para conversar e o que era pior teria que abordar um assunto extremamente pessoal, coisa que ambos evitavam fazer, a não ser que fosse um assunto coletivo, como era quando falavam do deserto. Mas agora, pelo bem de Kamilah teria que interferir. A cabeça de Leila estava começando a doer, ela precisava de uma aspirina, ao invés de retornar ao banco dirigiu-se para sua casa. —Clair, cancele minha agenda, não volto hoje, tenho um assunto particular para resolver. Desligou o celular e olhou para o carro preto estacionado em frente a sua casa. Leila agradeceu aos deuses pela coincidência. Abriu a porta e deparou-se com um homem sentado em sua sala. —Mar-haba3. Falou Leila com alegria. Passou as mãos pelos cabelos e suspirou. —Você adivinhou, já estava pensando em lhe procurar. Leila falou terminando de fechar a porta. Adonai 3

Olá.

91


sorriu para a irmã. — Você fica tão bonito quando sorri. —Ah lan-wa-sahlan!4 Adonai recebeu a meia irmã com o cumprimento em árabe, Leila respondeu: —A-leikom es salâm!5 Deu um beijo no rosto de seu meio irmão. —Que bons ventos te trazem a minha humilde casa? Começou Leila. —Acho que temos algo em comum... Respondeu Adonai. —É... Seria min há amiga? Perguntou Leila sem rodeios, ele sorriu. —Kamilah Thompson. —Pensei que não viesse me dar explicações, sobre ela, mas antes de começar a me falar vamos preparar um chá, minha cabeça está estourando. Ele ficou tenso, sempre que ela estava com dor de cabeça era porque alguma coisa não estava bem. Provavelmente iria falar até se cansar. Ela voltou com um bule nas mãos, ele pegou as xícaras, então se dirigiram para o jardim que ela tinha atrás da casa, lá se 4

A Paz Esteja Com Você, depende da região onde é pronunciado. 5 É a resposta para A Paz Esteja Com Você

92


sentaram em algumas almofadas um na frente do outro e absorveram o chá em silêncio. Adonai olhou para a irmã e viu que ela estava tensa, então escolhendo as palavras ele começou: —Habibiti6! —Diga Habibi7, eu vou lhe ouvir como sempre o fez comigo, meu querido irmão. Ele sorriu, era como; quando estavam em casa; na infância. Ela ficou pensativa, depois que sua mãe faleceu só ele a chamava de querida com tanta suavidade. —Eu passei a noite com sua amiga. —Eu vi quando você a abordou naquela noite, não vou lhe mentir. —Naquela noite não sabia quem era ela, fiquei sabendo no outro dia através de um dos meus funcionários, do mesmo modo fiquei sabendo da amizade de vocês. — Shihab, meu querido, você pensou na loucura que fez? Perguntou Leila muito séria, porém serena.

6 7

Querida Querido

93


—Pra ser sincero. Naquele momento não. Agi por impulso como um adolescente. Nestes trinta e dois anos de vida nunca imaginei viver uma situação tão inusitada como essa. —Eu também ainda não consegui digerir a situação. Você é tão meticuloso. Chega a dar medo, por que sempre calcula os riscos que corre, e de repente se entrega a uma paixão torrencial de uma noite, tudo bem é da Kamilah que estamos falando, mas levá-la pra cama sem ao menos pensar em consequências... Ele sabia que seria assim, ela iria falar até esgotar o assunto, era típico das mulheres do deserto. —Minha amiga, minha quase irmã. Você está me entendendo? —Sim. Eu compreendo seu ponto de vista. Mas foi algo que não sei te explicar. Eu cheguei aquele bar a fim de me distrair um pouco nem estava pensando em mulher, e então eu a vi, dançando, fiquei deslumbrado com aquela imagem, foi como ter visto uma dançarina em pleno deserto e quando vi o rosto dela eu não acreditei com a... 94


—Semelhança! Os dois disseram a palavra juntos em um único som. —Isso mesmo. Como pode ser. Ele falou ainda pensando na semelhança. —Vivo me perguntando também. Leila falou e em seguida lhe perguntou: —Você vai procurá-la novamente? —Talvez... Respondeu escondendo suas verdadeiras intensões em relação à Kamilah. —Eu não acredito. Meus ouvidos estão me pregando uma peça. Por Deus! Como você pode me explicar isso. —Entenda. Neste momento estou com muitos deveres. —Você sempre teve muitos deveres. Você já parou pra pensar que a noite insana de vocês pode ter gerado um filho? Agora quem ficou sem fala foi ele. Jamais teria pensado nisso se não fosse Leila. —Por quê? Ela lhe disse isso? Ela está grávida? —Não sei. Estou dizendo isso como uma possibilidade e não como um fato consumado. 95


Ele a olhou silenciosamente abaixou a cabeça confuso. Aquilo podia acontecer. —Pois é Shihab, achaste mel e lambuzaste com ele. —an ama talabt haza...8 respondeu em árabe para Leila. Leila abaixou a cabeça pensativa, ele olhou para o jardim, viu uma flor vermelha preste a cair do pé, se comparou a ela. Naquele momento sentiu meio sem vida, sem chão. Leila cortou-lhe o pensamento daquele instante. — Shihab. —Sim. Respondeu com a voz baixa de costume tentando voltar ao controle habitual. —E se de fato ela estiver grávida? —Existe alguma possibilidade de ser meu? —Você duvida da integridade dela? —Ora se coloque em meu lugar... falou laconicamente pra ela. —Não me olhe assim Habibiti, tente não me julgar antes de me ouvir.

8

Eu não pedi isso.

96


—Vocês homens são todos uns idiotas. O que te faz pensar que ela é uma leviana? — E o que te faz acreditar que isso não é uma possibilidade? Você não está com ela o tempo todo. Concluiu. —Sim, mas eu sei da vida dela, e posso te garantir, se ela estiver grávida o filho é seu. Somos amigas desde que ela chegou aqui. Ela nunca teve nenhum envolvimento. Não posso permitir que você a insulte. —Não quis ofende-la. Ele falou suavemente, tentando amenizar o calor que aquela discussão estava causando. — Mas é um direito meu ficar na defensiva. —Eu sei. Compreendo sua posição em relação a isso. —Você pode me avisar se ela estiver realmente grávida? —Não vou fazer isso, sinto muito. —Por quê? —Como por quê? Você não saiu à caça, então você mesmo terá que descobrir. — Deixa de ser teimosa, estou pedindo sua ajuda. 97


—Olha até posso te contar sobre isso, mas antes vou contar a ela quem é você, vou falar sobre nossa relação, ela precisa saber que se estiver grávida, talvez um tuaregue vá lançar mão em seu filho para educá-lo conforme os preceitos da tribo. Ela falou aquelas palavras intencionalmente a fim de alfinetá-lo. E teve êxito, ele passou as mãos pelo cabelo em sinal de impaciência, então fechando os punhos respondeu grosseiramente. —Qual é o seu problema com nossa origem? Você é tão tuaregue quanto a mim. E levar um filho para ser educado no deserto não é tão desumano assim. —Quero ver você repetir os costumes de papai com seu filho. Falou em tom de jocoso. Porém, ele a olhou profundamente nos olhos e disse: —Já estou entendendo seu jogo. E pode esfriar essa sua cabeça. Não me casarei com uma ocidental a não ser que for por amor, e se ela estiver grávida, decidirei o que for melhor para meu filho, se isso significa leva-lo para o deserto como eu fui não pensarei duas vezes, como eu fui e o meu pai foi. 98


—Você não se importa com ela? Com a dor dela? Leila estava alterando a voz, como se estivesse em desespero. —Isso só é suposição. Ela não está grávida. E se tiver veremos como agirei. — Então você terá que descobrir sozinho. Eu não vou contribuir com isso. —Tudo bem. Eu sei o quanto você é leal a ela, mas se for pra você colocar na balança, tenho certeza que me dirá. Ele disse pegando uma das mãos dela. Ela olhou e percebeu que ele tinha razão. —Encontrei com Nicholas. Ele me falou a respeito de seu afilhado. —Ele me disse que te encontrou. E vocês não vão acertar o ponteiro? —Não. O nosso tempo passou. Ele fez a escolha dele há tempos atrás. Adonai balançou a cabeça ao sorrir e pensou no quanto ela era uma cabeça dura. —A cultura dele não é tão diferente da nossa. E ele é tão ocidental quanto nós dois. —Apesar de nossas origens, a única ocidental aqui sou eu, vocês dois? Deus 99


me livre! Mas não quero falar dele, quero saber a respeito de seu afilhado. —A situação é crítica. Ele está bem mal. —Como assim? Perguntou curiosa. —Ele se aventurou pelo caminho da promiscuidade, as consequências foram severas com ele. —Meu Deus! E agora? —Estou ajudando no que posso. É lamentável, apostei muitas fichas nele. Agora o que não tem remédio, remediado está...

CAPÍTULO TRÊS Kamilah entrou na sala abafada, e olhou para aqueles livros, foi até uma pequena mesa e se serviu de um copo de água, já estava preparada para Craing caso ele viesse. Pegou seus óculos na gaveta e foi pegando os livros para catalogar. Depois de horas digitando, ela se acalmou, até se esqueceu dos problemas que estavam querendo lhe rondar. Já estava com as costas 100


queimando, então resolveu esticar as pernas, levantou-se e foi guardar os livros. Ao passar pelo corredor, ouviu vozes, dessa vez era Dolores com outra assistente, elas conversavam animadamente sobre as lendas do Cairo antigo. Kamilah sorriu ao imaginar Dolores vestida como Cleópatra, baixinha do jeito que era, ia ser uma graça vê-la com aquelas vestimentas, onde apenas um colar tapava os seios e uma pequena fita cobria o sexo, toda certinha do jeito que era, ia ser muito engraçado. Entrou no ambiente virtual, e lá estavam as moças, rindo animadamente. Elas olharam para a porta e chamaram por Kamilah. —Kamilah! Venha ver o que encontramos. Elas riam muito. —Olá meninas. Vejam só. Suas danadas! Achei que vocês estavam trabalhando. — E estamos. Estamos separando as imagens para a apresentação virtual do projeto Características de um Povo. Olha as imagens que conseguimos no arquivo. Kamilah sentou-se ao lado delas e foi vendo as imagens. 101


—E que povo vocês estão pesquisando? —Os tuaregues. O chefe pediu, provavelmente para estar fazendo a apresentação no dia da abertura da exposição. —Mas o que isso tem haver com a exposição? —Você não sabe? O dono da exposição é de origem tuaregue, e ele tem o maior orgulho disso. —Não me lembro de ter visto outro nome que não fosse o de Craing, na elaboração do projeto. Kamilah explicava para as colegas enquanto via as imagens. Dolores explicou para ela com a paciência de uma mãezona. — Veja este é o senhor Shihab, de manhã ele estava aqui, até o chefe pediu para lhe chamar, mas você já havia saído. Ele está investindo neste projeto e ele é o dono da exposição de gemas que você está ajudando a formar. —Isso mesmo. Falou a outra assistente, correndo. —Me deixa falar Dolores! Kamilah o senhor Shihab mais parece com um anjo, de tão gentil e bom que ele é. 102


—É mesmo. Sem contar que é lindo de morrer. Menina ele tem uns olhos que mais parecem um par de granadas de tão verdes que são. — Ele vem sempre aqui? Kamilah perguntou demonstrando pouco interesse pelo assunto. —Às vezes. Normalmente é o assessor dele que vem. Kamilah foi ouvindo as explicações e foi formando um bolo em sua garganta, “ele esteve aqui pela manhã” “quem esteve aqui pela manhã foi...”. —O que você está me dizendo Dolores? Ele esteve aqui? Hoje? —Sim. Você não o viu? Tenho uma foto dele aqui, inclusive, uma em que ele está com a vestimenta Tuaregue, veja! Olha que formosura de homem. Kamilah preparou o estômago para aquilo, mas quando viu aquele homem, primeiro vestido em um terno cinza e com óculos escuros ao lado de Craing e depois a outra, ele estava vestido com as roupas típicas dos homens de azuis, seu estômago se revirou, ela correu para o banheiro e vomitou todo o café da manhã, “não pode ser! ” “Isso é loucura demais 103


pra um dia só. ” As mulheres correram atrás dela no banheiro, Dolores pegou um pouco de água, enquanto a outra ajudava Kamilah a ficar de pé. —Pobrezinha, deve ser o calor. Está geladinha e branca como um papel. Kamilah olhou para Dolores e ficou mais nervosa. —Dolores me diga: o homem da foto... Ele é o Adonai al Shihab? É ele... O nosso investidor? —Sim, meu bem. Por que o espanto? —Não... eu... não me espantei, só que... deve ser o calor, eu... vou pra minha sala... Hum! Não digam nada a Craing... Sobre o que houve aqui. Por favor! —Calma. Não diremos nada, mas você precisa procurar um médico e ver o que está lhe acontecendo, hoje de manhã já te achei pálida, e agora isso. Kamilah viu no olhar de Dolores. Ela sabia que a mexicana estava sugerindo, no intimo dela alguma coisa gritava. “Você pode estar grávida!!!” Ela saiu ainda tremula e voltou para sua sala. Sentou-se em um sofá que ficava ao lado 104


da mesa e se inclinou no estofamento. “Eu não posso ter dormido com ele” “E agora? Como vou resolver esse problema? ” “Pense Kamilah, você é esperta, moderna, encare como uma coisa normal” “Quantas mulheres já não dormiu com um desconhecido! ” “Olhe pelo lado bom: Foi gostoso e você aproveitou até a última gota do tesão dele. Então não reclame” “Encare isso” “Vamos levante essa cabeça, você não é tão inocente assim. ” Sua consciência ficava lhe falando como uma vitrola. Ela respirou fundo e tentou relaxar, acabou pegando no sono. Acordou com Craing ao seu lado, ela se assustou: —Há quanto tempo está aqui? —O suficiente para ver o quanto você dormiu. Respondeu ele, meio sorrindo. —Me perdoe. Fiquei indisposta me encostei aqui pra ver se melhorava. Ela tentou se justificar. Ele a olhou com olhos de ternura, então lhe afagou a face. —Não sou seu inimigo. Gostaria de lhe pedir desculpas pelo comportamento irracional. Eu só quero uma chance. 105


—Lá vem você de novo com essa conversa. Poxa! Craing gosto muito de você, como meu chefe, nada, além disso. Ela falou olhando nos olhos dele, ele viu que ela estava pálida demais e gelada, então se levantou do sofá e estendeu-lhe a mão para ajuda-la se levantar. Ela aceitou a ajuda, passou as mãos na saia tentando desamassa-la um pouco. Então ele falou com um tom de voz menos agressivo: — Você não me parece bem, precisa ir a um médico. Falou suavemente com ela, mas no fundo ele estava preocupado. Ela ficou ouvindo aquilo e ficou pensando porque ele estava agindo diferente com ela. —Você não precisa se desculpar, já passou. —Não. Não passou, vejo que você está chateada. Seus olhos perdeu o brilho, está diferente. —Não é nada. Acredite. Ele foi saindo da sala e da porta lhe transmitiu as intenções de Adonai: —Você será uma das assessoras de al Shihab para a organização da exposição em novembro. Ela emudeceu e tudo ficou escuro. 106


Quando Kamilah acordou percebeu que estava em uma sala diferente, se surpreendeu ao ver Leila. —O que faz aqui? Onde estou? —Calma meu bem. Você teve um desmaio. Craing me chamou e então trouxemos você para o hospital. —Hospital? Mas não era preciso. Isso é apenas uma estafa qualquer. —Quem vai dizer isso é um médico, ok? Leila lhe falou afagando os cabelos. Um médico veio para examina-la e então Leila saiu da sala onde Kamilah estava deitada, e lhe fez algumas perguntas de praxe, então depois de conversarem um pouco sobre a possível gravidez, ele a liberou, mas pediu para vêla novamente em uma semana com os exames feitos. Ela concordou e saiu da sala. Lá estava Craing e Leila. —Então? Eles perguntaram em apenas um som, ela achou graça: —Calma! É o calor. Olharam um para o outro: —Calor? —Sim. Agora vamos sair daqui, não gosto de hospital. 107


Despediram-se de Craing na porta do hospital, ele entrou no carro frustrado com aquele episódio. As duas amigas se abraçaram e por um instante ficaram em silêncio. Quando se separaram Leila disse: —Kamilah! Precisamos conversar. —Eu sei. Tenho tanta coisa pra lhe dizer que nem sei por onde começar. Foram para casa de Kamilah, ela estava precisando de um banho, então disse para Leila ficar a vontade para fazer o que quisesse, e foi para o banheiro. Enquanto isso Leila tirou a sandálias e ficou descalça, o piso era frio e agradável, sentou-se nas almofadas ficou observando a decoração bem texana daquela sala, o celular tocou, pelo visor viu que era o número de Nicholas, ela pensou em ignorar, mas acabou atendendo. — O que você quer? Já lhe pedi pra não me incomodar. —Minha flor do deserto, você nem sabe o que quero, trouxe um recado pra você. —Recado? Se for dele eu já conversei com ele hoje. 108


—Então você deve saber que ele voltou para Austin. Ele irá fazer contato com você ainda hoje. Só que bem mais tarde. —Vocês dois já começaram com os joguinhos. Isso ele mesmo poderia ter me dito. Ela ouviu o homem sorrir. —Não tem jeito mesmo. Você está coberta de razão. Eu queria ouvir sua voz. —Pronto já ouviu. Desligou o telefone na cara do homem. E ficou olhando com olhar de sapeca para o aparelho. Agora precisava se concentrar para contar para Kamilah tudo sobre ela e Adonai. Kamilah colocou uma pequena bata sobre uma calça de algodão e escovou os cabelos negros como um breu e foi para a sala, Leila estava olhando para o celular com uma expressão de criança levada. Kamilah imaginou que alguma coisa ela deveria ter aprontado. Suspirou e ficou diante dela. —Que tal comermos alguma coisa? Estou com fome disse Kamilah para Leila. — Eu também estou com fome. Liga para um delivery. 109


—Comida chinesa? —Não. Hoje eu prefiro comida árabe. —Sim. E enquanto comemos vou lhe dizer por que. —Ok. Comida árabe pra você e pra mim vai ser um belo de um burrito. —Ai... Só você pra comer isso. Acho-o muito pesado. —Também acho, mas me deu uma vontade louca de degustar aquela massa folhada, hum! Estou pensando no sabor apimentado do molho. Kamilah respondeu quase que com prazer. Enquanto falavam coisas sem importância à hora foi passando, a comida chegou, elas comeram em silêncio, as duas não sabiam como abordar o assunto que realmente queriam conversar. De repente Kamilah colocou o talher sobre o prato e começou meio sem jeito: —Leila você não vai acreditar no que vou lhe contar. Leila a olhou e se preparou. —Estou ouvindo. —Vi uma foto de Adonai al- Shihab. E para minha tristeza, confirmei que o 110


homem daquela noite é o investidor da fundação, e para piorar, pediu para Craing me colocar na equipe que está organizando a amostra na inauguração do museu. —Então você já sabe... —Por que você já sabia? Não sei o que fazer quando encontrar com ele novamente. Como eu podia imaginar? Como o destino nos prega peça assim? Era a hora. Leila colocou a mão direita na face esquerda, colocando o cabelo atrás da orelha pensou um pouco e de repente ouviu a própria voz... —Você vai ficar mais chateada com o destino, talvez depois do que eu lhe disser você até deixe de ser minha amiga, mas espero que você me compreenda e tenha um coração generoso para me perdoar. Kamilah ficou tensa, por um momento achou que Leila fosse amante de Adonai, pensou inúmeras coisas em fração de segundos. Abaixou a cabeça e esperou a pancada como um peru pronto pra ser sacrificado no dia de ação de graças. Leila começou devagar... 111


— Você se lembra de quando me perguntou sobre Adonai? —Sim. Você se limitou a falar dele, achei até que vocês fossem amantes. —Não. Na verdade Adonai al-Shihab ibn Karin é meu meio irmão. Eu sou Leila al-Ismail ibn Numa filha de Karin al-Wafiq ibn Karin com sua criada Numa al-Leila ibn Ismail. Kamilah levantou a cabeça não acreditando no que seus ouvidos estavam ouvindo. Não tinha palavras para expressar a surpresa. —Somos filhos do mesmo pai. Vou lhe contar desde o inicio para que você possa compreender e analisar nossa história. O nosso pai chegou aqui há uns quarenta anos atrás, veio da França e se estabeleceu aqui na região como um comerciante de pedras e de joias, como você deve saber a expansão do domínio europeu em terras árabes acabou forçando muitas tribos a se tornarem nômades, como os kel tamashek, conhecido pelo mundo como Tuaregues ou os homens azuis, boa parte das tribos se espalharam pelo deserto, alguns chegaram à civilização através do estreito 112


de Gibraltar, outros ainda se misturam com o deserto, mas a maioria decidiu sobreviver da melhor forma, uns do comércio, outros do turismo, outros decidiram continuar como artesãos nômades, ou então se perderam para o terrorismo, entre outras coisas, alguns enriqueceram outros não tiveram a mesma sorte, por que como os indianos, também, temos nossa sociedade dividida em castas. Meu pai era um autêntico Tuaregue, porém deixou suas raízes para se estabelecer como um comerciante francês, ele possuía dupla nacionalidade, era filho de uma francesa com um Tuaregue, mas para que seus negócios tivessem êxito, ele preferiu se tornar um francês, estudou muito e se transformou em alguém importante contrariando os muitos caminhos que seus antepassados tomaram, mas apesar disso, não deixou de viver de acordo com sua origem e nem com sua crença e muito menos com seus valores. —Você está me deixando confusa. Balbuciou Kamilah. —Tenha calma, por que no final você vai estar é com uma baita dor de 113


cabeça. Vai por mim. Então em nossa sociedade, há cinco classes distintas, nós temos os nobres que são os imuhar, que é a classe de Adonai, os imrad que na verdade são os responsáveis em cuidar do rebanho de animais dos nobres, os iklan que são os escravos ou os servos além dos servos da gleba e os fora de casta, minha mãe era uma iklan, e o meu pai um imuhar. Segundo nossa cultura um imuhar pode deitar com mulheres iklan, mas não pode se casar, é como água e óleo, não se misturam nunca. —Espera um pouco Leila, espera... aonde você quer chegar com tudo isso? —Quero que você entenda quem é Adonai e quem sou eu, e o porquê de nunca lhe ter falado sobre isso. —Então prossiga. —Nosso pai se estabeleceu aqui e logo trouxe a família para viver com ele, como era comerciante viajava muito e numa de suas viagens conheceu a mãe de Adonai, uma francesa como ele, por isso Adonai tem a pele clara como de um homem branco, eu sou moura porque minha mãe era uma moura. Então por isso ninguém imagina nosso grau de 114


parentesco, sem contar que devido a minha classe social, não posso nem imaginar como seria viver como uma iklan. Adonai tem 32 anos, passou a infância entre as cabras no deserto e os cavalos aqui no Texas, já na adolescência foi encaminhado para estudar na França, como era o desejo da mãe dele, tempos depois foi para a Inglaterra, e assim que terminou seus estudos voltou para o Texas. Quanto a mim sempre vivi por aqui, estudei, cresci livre da cultura nômade, minha mãe permitiu que minha educação fosse o mais ocidental possível, o que justifica a diferença entre eu e Adonai tanto em hábitos quanto em costumes, mas quando estamos juntos, às vezes nos falamos em árabe, como nosso pai e minha mãe, apesar de respeitar as minhas origens, confesso que às vezes gostaria que fosse diferente. Continuando a história de Adonai quando a mãe dele ficou grávida resolveu que queria ganhar seu filho como as mulheres tuaregues, e para satisfazer os caprichos da amada, meu velho pai a levou para o deserto, porém ela não resistiu à vida árida e nem ao calor 115


intenso, então foi sucumbida pelas areias do Saara, logo após o nascimento do pequeno filho, Aimée, como uma verdadeira nômade entregou o filho ao pai e lhe disse o nome Adonai, meu pai concordou e o trouxe por uns tempos para minha mãe cuidar dele, mas quando ele fez quatro anos meu velho pai o entregou nas mãos de um preceptor tuaregue, que ficou responsável pela educação e segurança do menino de acordo com os preceitos da nossa cultura. Há cerca de dez anos, nosso pai faleceu, ele não teve tempo de indicar para Adonai que família deveria desposar, então desde essa época Adonai segue solteiro pelo mundo, a fortuna prosperou tornando-se um império. Ele é reconhecido mundialmente no mercado de pedras preciosas e confecção de joias, como meu nosso pai desejou, também como nosso pai, ele ainda é responsável por algumas tribos, sempre está às voltas com o povo nômade, apesar de que nos últimos meses ele tem estado mais aqui no Texas do que viajando para o deserto. —Mas por que continuam a manter em segredo o parentesco entre vocês dois? 116


—Como disse, minha mãe era uma serva, mas aqui na América, ela e o velho Karin acabaram-se apaixonando, eles não assumiram o amor em público e nem mesmo no papel. Nasci e fui criada aqui, sou uma bastarda aos olhos dos tuaregues, como mulher tuaregue, bastarda e ainda iklan, minha vida seria bem diferente. Se eu estivesse lá, provavelmente eu estaria me prostituindo, e cheia de filhos, Adonai cresceu sabendo de minha existência como irmã, porém, meu velho pai não me assumiu no papel e tão pouco para sua família, apesar de todos saberem do relacionamento dele com a serva. Ano passado Adonai resolveu me colocar como sócia dele nos negócios, então 25% do rendimento das empresas passou a me pertencer. Apesar de nunca ter me importado com isso, por que eu tive muito mais que Adonai. Tive meus pais comigo, enquanto ele, pobre coitado teve que aprender as duras penas os valores incutidos da nossa cultura e também como o herdeiro de um império teve que se colocar no seu papel. —O que você me disse é inacreditável. Meu Deus, já estava difícil 117


aceitar o fato que transei com alguém importante, agora saber ele também é um tuaregue. O que me falta acontecer ainda? Desabafou entre lágrimas. Leila afagoulhe os cabelos e disse: —A minha maior preocupação no momento minha querida é com sua suposta gravidez. Kamilah olhou e respondeu: —Por quê? Leila olhou nos olhos dela e prosseguiu: —Por que se você realmente estiver grávida, é bem capaz de Adonai tomar seu bebê e não se casar com você. De acordo com a cultura Tuaregue, um homem ao engravidar uma mulher que não seja tuaregue, ele pode ou não se casar com ela, porém, ele tem o direito de tirar-lhe o filho para ser educado de acordo com os preceitos deles, e um filho é para eles mais importante que qualquer riqueza no mundo. Kamilah colocou a mão sobre o ventre. —Mas isso não irá acontecer. E quem falou em casamento, foi só uma 118


noite, isso é inconcebível. Se eu estiver grávida ele nunca saberá. Jamais. Ela respondeu exasperada abraçando-se em forma de proteção. —Eu prometi contar a ele. Perdoeme. Apesar de lhe amar como a uma irmã, também o amo, e entre você e ele provavelmente serei mais fiel a ele. —Eu sei. Mas não estou grávida. — Assim espero Leila a olhou e falou em árabe: — smalla’alik, que Deus proteja você.

CAPÍTULO QUATRO A semana passou com um fiasco, Kamilah nem acreditou quando colocou o último livro na estante, todos já estavam fichados e os dados já estavam informatizados, olhou para a hora em seu relógio e viu que passava das dezoito horas, iria para casa, estava mais cansada como de costume, mas o que realmente estava lhe perturbando eram os últimos acontecimentos, até agora ela não 119


conseguia digerir os fatos inusitados por qual passou. Dignos de uma boa novela mexicana. Ao caminhar corredor pelo até sua sala sentiu uma forte tontura, sua vista escureceu por um instante, então ela percebeu que aquilo era indicio de que alguma coisa não ia bem com ela, ela provavelmente deveria estar grávida. Pegou sua bolsa e resolveu passar em uma farmácia, um teste seria a melhor pedida naquele momento, e ela não queria perder a calma, precisava de sua tranquilidade para resolver essa situação da melhor maneira possível. No carro viu que o telefone tocou por duas vezes, provavelmente seria Leila, mas não a atendeu, parou em uma drogaria fez algumas compras, e passou diante do caixa e em silêncio passou seu cartão, nem ouviu quando o rapaz lhe falou da tarde, apenas sorriu e saiu rapidamente. Chegando a sua casa viu que Leila estava estacionada na entrada, estacionou e antes de descer escondeu o teste dentro de sua bolsa. Ao descer a amiga lhe deu um sorriso singelo, parecia preocupada, inquieta, Kamilah a recebeu, mas percebeu que ela estava estranha. 120


—Olá meu bem, o que te trás aqui tão tarde? Kamilah perguntou como quem não queria nada. —Pensei em lhe chamar para sairmos um pouco da cidade, o que você acha? Leila perguntou esperando por um sim. —Não é má ideia. Para onde iríamos? —Litoral. Tenho uma casa próxima a Ocean Drive. —Nossa! Mas é em Corpus Christi? —Sim, fica bem próxima a baia. Ficam mais ou menos umas duas horas de viagem, o lugar é tranquilo nesta época do ano, existem alguns turistas, mas nada se iguala a San Antonio. Kamilah apertou a bolsa por um pouco como que decidindo o que fazer. Então sorriu para a amiga e a convidou para entrar. —Sairemos agora? Perguntou Kamilah. —Por que não? Não chegaremos muito tarde. Respondeu Leila enquanto colocava as correspondências de Kamilah na pequena mesinha ao lado da porta. Kamilah foi ao quarto pegou uma 121


pequena valise e colocou umas trocas de roupas e alguns sapatos, decidiu pegar um agasalho, então tomou uma chuveirada e colocou um jeans. Saiu do quarto mais leve, pegou sua bolsa e saiu. —Estou pronta. Quer comer antes de sairmos? —Não. Podemos comer na estrada, vamos aproveitar que ainda não escureceu de tudo. —Realmente, você tem razão. Kamilah respondeu enquanto pegava as chaves na mesa. E então saíram. Antes de entrar no carro o telefone de Leila tocou, ela atendeu e respondeu em monossílabos. —Olá! Sim, estou a caminho de Corpus Christi. Encontro-te na semana que vem. Ok. Desligou o telefone e olhou para Kamilah vermelha igual uma pimenta. Era meu assistente, não consegue bater um carimbo sem que eu autorize. —Imaginei mesmo que fosse do trabalho. Kamilah respondeu, mas no seu coração estava uma pontinha de dúvida, agora que sabia que a amiga era também 122


a irmã de seu maior pesadelo, a dúvida sempre iria bater. Até que a viagem não demorou muito, no caminho Leila foi contando às aventuras que havia passado em Corpus Christi, falou da casa que possui próximo a orla, e também dos grandes passeios que gostava de dar até a praia de Emerald Cove. Kamilah estava longe, a voz Leila estava a quilômetros quando de repente ela sentiu o carro parar, ela olhou em volta antes de descer do carro e sentir a brisa gelada vinda do Atlântico. Realmente aquilo era bom demais. — Se você animar ainda dá pra sairmos um pouco. O que acha? — estou muito cansada, prefiro dormir e levantar cedo para aproveitar o dia. Respondeu Kamilah, esperando ouvir um “sim, concordo com você”, mas conhecendo Leila, ela já imaginava a resposta. —Você ficou louca! Nem pensar! Vamos esticar só um pouquinho, eu conheço um lugar muito gostoso, onde se reúne algumas pessoas para cantar e beber, você vai gostar, vamos, por favor... 123


—O que posso dizer pra você. Depois deste discurso se eu não for você com certeza me fará voltar a pé para San Antonio. Falou entre risos, e foi entrando pelo portão em seguida caminharam por uma pequena alameda toda pintada de branco com pequenas mudas de “ave do paraíso” e petúnia, passaram por algumas trepadeiras e enfim, chegaram à grande varanda que cercava toda a casa, era imensa, ao vê-la, Kamilah pensou no poder financeiro que amiga tinha e até aquele momento nunca havia feito menção nenhuma sobre isso, isso a intrigou por demais, mas limitou-se a fazer quaisquer comentários nesse sentido, Leila chamou por Lizbeth, enquanto foi abrindo a grande porta de vidro que dava em uma sala enorme, decorada com muito esmero, com uma forte influência marroquina o que denunciava a verdadeira origem da amiga, ela caminhou no tapete macio como se tivesse flutuando, ela ficou impressionada com que viu, enquanto observava os quadros, Lizbeth entrou sala dentro falando alto, e surpresa com a visita da senhora. 124


—Minha senhora que bons ventos a trazem? Que surpresa maravilhosa, por que não me avisou que viria. Lizbeth lhe perguntou enquanto pegava a bagagem de Leila sorrindo. —Minha cara, se eu te avisasse não poderia ver sua alegria em me receber. Como vão as coisas por aqui? —Tudo na mais perfeita ordem, Nicholas ficou por aqui uns dias, mas já partiu. Leila fez que não ouvisse. Então se virou para Kamilah: —O que achou? —Estou maravilhada. O lugar é muito lindo. Leila sorriu — Você ainda não viu nada... De repente entra pela porta atropelando tudo um cão que pulou em Leila, ela gritou de alegria: —Mustafá que alegria meu amigão, vamos chega de carinho, sit! Deita. Muito bem meu amor. O cão lhe obedeceu prontamente à ordem. — Esse é meu cão de estimação. Falou olhando para Kamilah que estava encantada com a entrada dele. —Leila, por que ele não está com você em San Antonio? Ele é lindo. 125


—Não dou conta, ele é muito travesso, mas eu venho sempre aqui. Nisso ela olhou para a governanta e percebeu que ela estava aguardando-a. Ela sorriu para Lizbeth e apresentou Kamilah. —Liz essa minha quase irmãzinha Kamilah, ela vai ficar comigo o final de semana, acomode-a naquele aposento que dá vista para a orla. Olhou para a amiga e continuou a falar — Você vai gostar Kamilah. E enquanto Kamilah seguia Lizbeth, Leila se dirigiu para seu quarto no corredor oposto aos aposentos que indicou para levar Kamilah. Ela entrou no quarto e colocou sua valise em cima de uma cadeira que estava à esquerda da ampla janela, olhou para o mar e se aquietou um pouco, seus pensamentos estavam todos misturados, ela sentiu a fragrância de Nicholas no quarto, seguiu para o banheiro e viu que ele deixou um vidro da colônia de uso pessoal, ela sabia que aquilo tinha sido de propósito, olhou o vidro e o pegou, abriu lentamente pensando naquele maldito cigano, então aspirou o perfume. “Não! Você é passado”. Disse pra si mesma enquanto fechava o 126


vidro e o colocava onde encontrou. Lizbeth estava no quarto esperando por ela, Leila a olhou, então lhe perguntou: —Liz, você disse que o Nicholas esteve por aqui, ele ficou aqui nos meus aposentos? —Sim ele veio a trabalho com o Senhor Adonai, ficaram dois dias por aqui, ele veio pra cá, não quis ficar nos aposentos de costumes. Apenas cumpri ordens. Lizbeth respondeu preocupada. —Eu entendo. Não se preocupe. Vamos descer Kamilah já deve estar me esperando. As duas saíram do quarto e caminharam lado a lado, Lizbeth lhe colocando a par das notícias, e ela ouvindo, porém, seu pensamento a estava incomodando, só não sabia dizer por que. Ao chegar à sala Kamilah estava brincando com seu cão ela chamou a moça para a cozinha, Kamilah deixou o cão e seguiu Leila, até a imensa área toda azulejada em branco e rosa, tudo era muito bonito naquele lugar. —Quando você me disse que tinha uma casa, eu imaginei algo bem menor. Kamilah lhe falou demonstrando surpresa. 127


—Perdoe-me eu deveria ter lhe falado mais, mas eu não dou muita importância pra isso, por isso talvez eu não tenha feito nenhum comentário. Venha vamos dar uma volta. Kamilah pegou uma jaqueta e colocou sobre o vestido branco de listras azuis, estava com uma sandália baixa o que provavelmente não faria seu pé doer caso caminhasse na orla, como Leila disse que fariam. Entraram no carro, e caminharam por alguns minutos pela Ocean Drive até o Parque de Mccaughan, estacionaram o carro e foram caminhar. Caminharam em silêncio por um bom tempo, Kamilah não estava pensando em nada naquele momento, porém Leila estava em ebulição. —Estou com fome. Disse de repente para Kamilah — Vamos comer alguma coisa no Pavilhão? Perguntou. —Vamos. Essa caminhada abriu um buraco no meu estômago. Falou sorrindo. E foram comer. Ao longe uma música fluía no vento, Kamilah olhou em direção e percebeu um pequeno aglomerado de pessoas na areia da praia. Leila também 128


olhou para o mesmo sentido, sorriu e falou: —Você vai adorar conhecer o pessoal, vamos comer e depois iremos pra lá. —Ok. E foi o que fizeram. A música era uma melodia suave, havia uma fogueira para aquecer os participantes, enquanto sorviam tequilas batizadas com suco de laranja, outros tomavam cerveja, Kamilah pegou uma caneca de cerveja e Leila sentou diante do fogo, rindo com as pessoas, ela os apresentou a Kamilah um por um, Kamilah ficou até meio tonta em tanto cumprimentar as pessoas, havia alguns militares no meio do grupo e alguns turistas, entre outros havia também alguns jovens jogadores de beisebol, estava muito animado. Mas Kamilah resolveu sair um pouco para ficar sozinha e aproveitar aquela brisa que vinha do mar, caminhou por um tempo e sentou-se diante do mar, a baia de Corpus Christi, era linda, mesmo com aquela noite escura, a luz da avenida iluminava a pequena praia. Ficou ali 129


quieta, até que uma voz inconfundível a trouxe de volta do seu transe. —ya’álbi9! Um homem lhe dizia isso, enquanto sentava ao seu lado, Kamilah ficou estarrecida com aquilo, ele a olhou e ela viu seus joelhos virarem um par de tigelas de gelatinas, ainda bem que estava sentada. Ele inclinou a cabeça de modo que ficava mais cativante olhar para ele. — Não fuja precisamos conversar. Ela estava pregada na areia, nem a voz dela saia, era como se tivesse em pânico, mas não, ela estava era fascinada, a voz dele era uma melodia para os ouvidos. Ela olhou para aquela boca, viu os contornos suaves e de repente um beijo lhe foi roubado, ela correspondeu àquele breve beijo, quando seus lábios se separarão ainda estava tremendo. — O que é que você tem que eu não consigo ser racional, essa química que fluí entre nós, me deixa louco, eu perco a noção do perigo ao estar na sua presença. Ela não respondeu, apenas sorriu, ele ficou louco de tesão, precisava possuí9

Meu coração.

130


la, precisava tê-la novamente sob seu corpo. — ya’ hayet10 o que faço? Você me enfeitiçou. Ele sussurrou, ela pôs os dedos nos lábios dele e falou: — Não. Foi você quem invadiu minha vida e me roubou. Ele sorriu e ela continuou: — Você roubou meu coração, eu só sei pensar em nós dois. Mas tudo o que houve foi um grande erro. Precisamos ser sensatos, já não sou uma adolescente e você não é e nem nunca foi um homem de agir por impulso. Ela falava enquanto pegava um punhado de areia nas mãos e deixava-as correr entre os dedos. Imaginando se aquele encontro não tinha sido armação de Leila para confrontá-los. Ele ouvia em silêncio observando aquele pequeno gesto. — Realmente foi uma precipitação, no mundo dos negócios algo assim pode levar um homem à ruína. Mas prefiro acreditar que as coisas não acontecem por acontecer. E eu quero pagar pra ver, 10

Minha vida.

131


porque não viajei o mundo todo para conhecer o que conheci e por uma questão de bom senso vou deixar de lado. Ele respondeu olhando-a diretamente nos olhos. Ela sentia que estava desfalecendo, o que esse homem estava dizendo a ela? —Você armou esse encontro? Por que é muita coincidência você aparecer por aqui. —Não foi armado e tão pouco coincidência, tenho negócios aqui, não sabia que vocês tinham vindo pra cá. Lizbeth foi quem me disse que Bint11 estava na cidade, como conheço os hábitos de minha irmã vim encontrá-la, só não imaginava encontrá-la também. Respondeu francamente, Kamilah viu a sinceridade nos olhos dele, mas precisava manter a distância desse homem. — Tenho que ser franca com você não acredito no que acabou de me dizer. —Eu não preciso mentir. Não possuo esses hábitos ocidentais. —Nossa conversa já se prolongou por demais, preciso ir. 11

Irmã

132


—Não!!! Fique. Ele segurou-a pela mão ela sentiu se enfraquecer, o magnetismo dele era forte demais. — Fique eu ainda não terminei... então a segurou delicadamente pelo pescoço e a beijou nos lábios, no inicio foi cálido, mas segundos depois o beijo se inflamou a ponto de deixá-lo sem força e ela sem ar. Ele não tinha força para deixá-la e então se entregaram aquela urgência, ele percebeu o que estava acontecendo e em uma fração de segundos estavam dentro d’água, ela gritou com o choque da água fria em seu corpo, ele sorriu. — Louco a água está gelada. Ela começou a protestar, mas ele a silenciou novamente com um beijo, enquanto a levava mais para o fundo, ela sentiu o volume que estava esbarrando em suas coxas, tentou se desvencilhar dele voltando para a praia, mas ele a segurou com mais firmeza então, suas mãos já estavam por baixo do vestido, sua calcinha já havia sumido novamente, ela viu que estava perdida, ele a possuiu ali dentro daquela água gelada, e ela se entregou novamente aquela insensatez, afogando-se naqueles olhos tão verdes 133


como a água que batia nas suas costas, ele arremeteu uma, duas, três, até que ambos se perderam. Nada podia fazer, ele tinha plena consciência do que realmente estava fazendo, mas ela não sabia disso. Ela não sabia se tremia de frio ou de desejo, quando a trouxe novamente para a areia, estavam em silêncio. Não tinham coragem de quebrar aquela sensação, ele deitou do lado dela e respirava de vagar quase no limiar do silêncio, ele percebeu o incômodo dela, então se sentou, com os joelhos dobrados, ele os circulou com o braço e falou: —Não podemos ficar assim, vamos pra casa tirar essa roupa molhada. —Vá você eu estou com Leila, vou com ela. Kamilah lhe respondeu sem olhar diretamente para ele. —Venha, ela agora está resolvendo seus próprios problemas, não terá tempo pra você. Ele levantou e lhe estendeu as mãos, ela ficou insegura por um momento, mas o frio que sentia lhe fez aceitar o convite. Então ela o seguiu. Ele lhe abriu a porta do carro e enquanto ela sentava ele pegou o telefone e ligou para Leila. 134


—Alô Habibah12! Minha preciosa bint. Ouça sua amiga está comigo eu a levarei para casa. — Sim habib! Compreendo você está totalmente tomado por um gênio ruim, você não tem o direito de fazer isso com ela, ela é uma boa moça, habib me ouça só um pouquinho. —Bint pare de se preocupar, o que tiver que ser será, e eu não estou sendo injusto, estou apenas deixando o destino agir. Antes que ela começasse novamente com seu discurso ele finalizou a ligação. — A salamo a-leikom13 — A leikom es salâm14. Então ela ouviu que ele desligou, olhou para Nicholas e depois para o pequeno aparelho em sua mão. — Confesso a ti que estou desconhecendo meu irmão, ele está totalmente enfeitiçado pela Kamilah, mas com certeza não se casará com ela. — Nisso acho que você tem razão, ele realmente está enfeitiçado por ela. Mas 12

Querida A PAZ ESTEJA COM VOCÊ 14 É a resposta de volta 13

135


muita água ainda passará debaixo dessa ponte. Nicholas disse olhando para a direção do carro que saia do estacionamento. Leila olhou para ele e perguntou: — Por que você está dizendo isso? Ele pegou uma caneca de vinho e olhando para o pedaço de madeira que queimava respondeu: — Existem coisas que só em olhar a gente já sabe no que vai dar. —Você não acredita nesse relacionamento? Aliás, você não acredita em nada. —Dragii mei15, não é isso, acredito que essa história vai ter muitas lágrimas e abandono... mas acredite no final tudo dará certo... —Ai... é justamente isso que me preocupa, e se ela ficar grávida acredito que vai ser ainda pior... Leila falou quase num sussurro —Deixa o destino seguir, o que tiver de ser será... —Minha mãe sempre me dizia “que o que acontece uma vez pode nunca mais 15

Minha querida no dialeto cigano.

136


acontecer... mas tudo o que acontece duas vezes acontecerá uma terceira vez...”. —Esse ditado tuaregue não serviu para nós. Nicholas zombou dela, ela olhou para ele com desdém. — O que não serviu para nós foi sua loucura em manter uma tradição familiar, que infelizmente eu não me encaixo. —Minha flor do deserto, não é isso que te perturba, eu jamais faria você se converter aos costumes de meu povo. Ela o cortou imediatamente. —Não! Você diz isso agora por que eu não te quis. Ele a olhou pensativo e enquanto ela concluía. — Ainda me lembro daquela noite em que desisti de ti... Ela não terminou de falar, por que ele cobriu seus lábios com um intenso beijo.

137


CAPÍTULO CINCO

Haviam se passado duas semanas que tivera em Corpus Christi, Kamilah seguia para o trabalho pensativa sobre as últimas emoções que vivera com Adonai, sua pacata vida virara do avesso e agora ela precisava de tempo, tempo para avaliar tudo que vivera e pensar na pequena vida que se formava em seu útero. Não tivera tempo de conversar com ele, por que logo que chegaram a casa, ele se desculpou e saiu dizendo que precisava atender uma urgência, passou o final de semana sonhando com a volta dele, mas ela não aconteceu. Estava grávida, por um momento ela ficou tão feliz que não cabia em si, mas depois vieram às preocupações, a primeira era que iria ter esse filho sozinha, mesmo sabendo que a presença de um pai na vida do filho é muito importante, ela tomara a decisão de não revelar nada sobre a gravidez, não queria correr o risco de perder seu filho para 138


uma cultura nômade, a segunda era a parte financeira, já que estava assumindo esse bebê sozinha, teria que economizar muito para cobrir as necessidades do bebê e a terceira teria que ir embora de San Antonio, aquela cidade seria muito pequena para esconder uma gravidez e o pai desse bebê, logo perguntariam, logo desconfiariam, Não. Ela não ia pagar pra ver. A todo o momento pedia perdão a seu filho por ter sido tão irresponsável, ela poderia ter evitado, não só com pílulas, mas com preservativos; que cabeça a dela, ao invés de uma gravidez, ela poderia ter sido infectada por algum vírus, mas agora não adiantava mais ponderar e muito menos pensar sobre o assunto, era assumir e pronto. Estacionou seu carro e subiu silenciosa, estava grávida de três meses, pelas contas o bebê nasceria em maio, teria seis meses para se organizar. Para sua tristeza decidiu não contar nada para Leila, ela sabia a posição da amiga, e sabia muito bem que Adonai poderia interpretar sua gravidez de outro modo, tinha consciência do que poderia lhe acontecer, 139


provavelmente não se casariam e ainda ficaria longe de seu filho, ainda mais se fosse um menino, não! Ela já tinha tomado à decisão não voltaria atrás. Ao empurrar a porta, viu a outra assistente empilhando umas revistas na prateleira da estante, pensou em passar sem chamar atenção, mas no momento em que colocou os pés no salão Dolores lhe estendeu um sorriso. —Bom dia, Kamilah! Dolores falou sorridente. Kamilah a olhou e também com um sorriso retribuiu o bom dia. —Me diga Dolores, Craing já chegou? Kamilah perguntou. —Ainda não. Respondeu olhando para Kamilah como que analisando a moça depois continuou, — você quer lhe avise quando ele chegar? —Sim. Preciso conversar com ele. Você pode me fazer esse favorzinho? —Mas é claro que sim! Kamilah foi para sua sala e começou a finalizar algumas tarefas que havia deixado pendentes e depois olhou a agenda e começou a organiza-la para poder partir sem deixar nada pendente, observou que precisava fechar os 140


preparativos da amostra das gemas e também a catalogação dos achados na catedral de San Fernando. Enquanto escrevia alguns apontamentos, a porta se abriu, Dolores entrou com uma foto na mão e entregou para Kamilah, depois disse: — Flor, a fera já chegou, e me parece que a semana dele não começou bem. Sussurrou depois concluiu: — Ele chegou todo amarrotado. Kamilah olhou para ela em meio sorriso, pegou a foto sem entender nada, respondeu: — Fica tranquila sou vacinada contra cachorro louco. As duas riram baixinho, e então a mulher saiu da sala, no silêncio Kamilah virou a foto, e viu o rosto de Adonai, ele estava lindo, ela olhou e lembrou-se dos seus planos, não entendeu por que a secretária havia levado aquela foto até a sala dela, mas decidida a resolver suas pendências, achou melhor perguntar mais tarde, então colocou a foto no meio da agenda, e se levantou para ir até a sala do cachorro louco, intimamente começou a rir pela 141


comparação, ao chegar à sala dele já estava séria novamente. Bateu levemente, e em seguida entrou, Craing estava ao telefone e indicou a poltrona para ela se sentar, em seguida desligou o aparelho e sentou-se enfrente a moça. —Bom dia, senhorita Thompson, o que a traz a minha sala tão cedo? —Bom dia, respondeu delicadamente que pode e continuou: — Trouxe esses documentos para senhor assinar, são referentes à exposição de alShihab, também esses relatórios referentes à coleta dos artefatos da catedral de San Fernando. Ele olhou para os papéis e percebeu que praticamente estavam todos finalizados. —Vejo que ainda faltam alguns detalhes, mas ainda temos tempo para isso, por que apressou em me trazer? —Por que preciso me ausentar por um tempo. Gostaria muito que me desse uns dias de férias. —Mas a inauguração é em novembro, e você faz parte da organização do evento.

142


—Eu sei, mas não poderei estar aqui, preciso que você compreenda e me de férias ou então vou me demitir. —Não precisa exagerar Kamilah! Ele falou e levantou da mesa indo para a janela, Kamilah o seguiu com os olhos, mas depois voltou o olhar para o quadro que estava na parede em frente a ela; era o deserto, ao fundo um conjunto de tendas e um grupo de camelos, adiante havia uma fogueira rodeada de bérberes e somente uma palmeira, contrastando naquele amarelo do Saara. Voltou-se novamente para ele, e percebeu que apesar da estatura mediana dele, ele praticava esporte, viu os músculos salientes definidos sob o tecido de algodão da camisa, seu rosto bronzeado dava um charme a mais nos olhos escuros, era um homem bonito, deveria ter muitas amantes. Ele a olhou e percebeu que nos últimos dias ela estava bem abatida, havia emagrecido bastante, estava com a uma aparência desgastada, com olheiras mais profundas, ele quis ampará-la, mas olhou para paisagem na janela e lhe perguntou: 143


—Você precisa de quanto tempo? Uns trinta dias está bom? —Essa seria a ideia, mas gostaria que me desse uns noventas dias. —Muito tempo. Preciso de você aqui na inauguração. —Eu sei, mas não quero participar dessa inauguração, além de que o nosso investidor já tem uma equipe e um assessor que pode dar andamento nos preparativos. —É talvez você tenha razão. Vou lhe dar as férias, mas nenhum dia a mais que noventa dias. Ela sorriu e se levantou estava tão feliz que acabou dando-lhe um beijo na face, ele ficou surpreso com o gesto, e levou a mão até onde havia ganhado aquele beijo. Kamilah voltou para casa bem mais tarde naquele dia, deixou tudo organizado para não ter que voltar mais na fundação, estacionou o carro e pegou alguns embrulhos e se dirigiu para sua casa, ao abrir a porta olhou seu espaço, era bem pequeno, possuía apenas um quarto, uma 144


sala conjugada com a cozinha, logo deveria procurar outro lugar para morar. Estava preparando um lanche quando o telefone tocou. Pensou em Leila, desde que vieram do fim de semana não tiveram contato. —Alô. Do outro lado da linha uma voz feminina perguntou: —Senhorita Thompson? Kamilah Thompson? —Sim, sou eu mesma. —Aqui é da Clinica St. Germany. —Sim. Respondeu com um aperto no coração. — Estamos ligando pra senhorita da parte do senhor Rick Boost. —Sim. Prossiga. —O senhor Rick Boost está internado em nossa clínica. Kamilah sentiu seus joelhos tremerem e a moça continuou. — Ele não está muito bem, requisita sua presença. Kamilah sentiu náuseas, sentou-se para não cair. —Minha senhora o que houve com ele — Os detalhes do problema devem ser dito apenas com autorização da família, não tenho a permissão para dizer. 145


— Entendo, mas como conseguiram meu telefone, indagou. —Foi à própria família quem forneceu você poderá vir vê-lo? — Sim. Em dois dias estarei aí. Kamilah desligou o telefone. Um pouco confusa e ainda dolorida, ela pensou “depois de tudo ainda queria vê-la e agora no hospital”. Não pensou muito, se dirigiu para o quarto e arrumou as malas, em seguida resolveu ligar para Leila, ela não atendeu, então deixou um recado na secretária eletrônica: “Leila, estou indo para Austin, tenho que me encontrar com alguém, me ligue, para que possa te explicar melhor. Ah! Estou de férias, devo viajar, mas depois lhe falo sobre isso. Estou deixando a chave no lugar de sempre, se der, de vez em quando dê uma passadinha por aqui e abra as janelas. Gostaria de lhe agradecer por tudo minha querida amiga. Ainda te vejo. ” Desligou o telefone, e fez outra ligação: —Olá. Disse com entusiasmo. —Kamilah? É você? Minha querida que bom ouvir sua voz... 146


—Sim tia. Sou eu mesma, estou indo fazer uma visita. —Que bom, estamos com saudades, seu quarto continua o mesmo. —Que bom saber disso, até amanhã, beijos. —Assim espero, minha querida. Beijos. Kamilah pegou a estrada cedo, decidiu abastecer antes de pegar o pequeno trecho deserto da interestadual 35 sentido Austin, apesar do pequeno trecho, preferia estar com o tanque cheio, a viagem seria curta, em média gastava-se uma hora e meia pra chegar, mas como iria primeiro em Georgetown encontrar-se com sua tia, seu percurso aumentaria mais uns trinta minutos, enquanto dirigia a melodia lhe transportava para aquela noite, a sensação das mãos de Adonai em seu corpo ainda queimava, por um momento teve a impressão de ver o rosto dele entre a vegetação árida do caminho, que destino mais cabuloso, não conseguia compreender nenhuma lógica nos últimos acontecimentos, mas tinha tomado uma decisão, entre ficar com ele ou seu filho, 147


seria mil vezes seu filho, ela não poderia arriscar ficar sem ele, jamais... Ao longe ela avistou os edifícios que compunha a paisagem maravilhosa de Austin, de repente percebeu que sentia falta daquele lugar, viver em Austin era como viver em uma grande universidade a céu aberto, a convivência ali era muito eclética, um pátio enorme de professores e alunos, empresários e músicos, cada qual com sua tribo, totalmente diferente da vidinha pacata de San Antonio, mas o tempo dela havia passado, os planos dela eram outros, por isso precisava conversar com sua tia, desde que fora para a universidade nunca mais voltou, a não ser para pequenos passeios, que já fazia tempos que não acontecia, o último tinha sido com Rick, ele tinha amado o rancho, porém deixou claro que não conseguiria viver fora da vida louca de Austin, por um momento Kamilah ficou pensando no que poderia ter acontecido com ele, não lhe ocorria nada, ele era muito descuidado, com quase tudo, provavelmente a vida que levava deveria ter lhe cobrado, passou pela rua de sua antiga casa, viu que estava tudo fechado, parou por um 148


momento e olhou a janela fechada, a cortina ainda era a mesma, saiu e olhou pelo retrovisor como fez há anos atrás, que diferença, não sentia mais nada. Voltou para rua principal e pegou a rodovia novamente, andou mais um pouco e parou para comer e esvaziar a bexiga, ela não imagina que gravidez fosse tão estranha, tinha um buraco no estômago, e a todo o momento precisa ir esvaziar a bexiga, os enjoos de vez em quando ainda perturbava, mas ela já estava começando a se acostumar. Depois de se sentir aliviada tanto na fome quanto na vontade de ir ao banheiro, pegou novamente a estrada, e seguiu para o rancho de sua tia, ficou na estrada principal até Georgetown, antes de chegar à cidade pegou uma estrada vicinal à esquerda e dirigiu por mais dez minutos, ao subir a pequena lombada viu a grande casa e uma fumaça saindo da chaminé, sua tia deveria estar na cozinha com Helenita e Isabel, acelerou para chegar mais rápido, passou pela cerca branca que levava até o estábulo e enxergou o pequeno lago que banhava a propriedade, Jack estava puxando um pônei pelas 149


rédeas, o grande campo estava coberto pela vegetação típica das pastagens dos equinos, o cheiro de feno a fez lembrar-se do tempo em que cavalgava livre pelos campos do rancho. Parou o carro em frente a uma grande varanda, onde já se encontrava uma mulher de meia idade e seu cachorro labrador. Ambas sorriram, Kamilah desceu do carro e foi recebida com um caloroso abraço. —Minha querida que saudade, seja bem-vinda de volta a sua casa. —Oh! Tia que bom ouvir isso da senhora! — Você está tão bonita, está mais velha, mais madura. —A senhora acha, a senhora continua a mesma, o tempo não passa para a senhora. —Bondade a sua! Respondeu sorrindo e prosseguiu. —Venha se aprontar o almoço já será servido, depois peço para Jack pegar sua bagagem. Vamos! Você deve estar com fome. —Nossa! A senhora adivinhou, estou com fome sim e também cansada. 150


Respondeu em meio a sorriso, a velha senhora a olhou e por um instante percebeu um ar de preocupação nos olhos da sobrinha. Aquilo a fez lembrar-se da mãe de Kamilah, mas balançou a cabeça como se quisesse exorcizar aquela lembrança, não gostava de falar de coisas tristes, e lembrar-se de Beatrice era recordar da dor de perdê-la tão prematuramente, como tinha sido. Kamilah pegou a pequena valise no banco do carona e entrou na casa, ao subir as escadas percebeu que pouco tinha sido mudado, a mobília continuava a mesma, e a decoração também, olhou algumas fotos, e viu várias delas sob a parede ao longo dos degraus da escada, ao subir virou a direita no corredor e abriu à porta de seu antigo quarto, realmente tudo estava como ela havia deixado, já fazia dez anos quando havia olhado para aquele mesmo espelho sob a cômoda, fechou os olhos e se viu olhando no espelho, feliz por ter sido aprovada na universidade, agora o olhava e pensava no seu bebê, tentou não pensar no pai do bebê, mas estava pensando, como queria ter dividido aquela notícia com ele, como 151


será que ele reagiria? Será que se casaria com ela? O que ela estava fazendo, ele era um empresário, provavelmente ele iria avaliar a situação com vários advogados e consultores, não! Foi melhor assim, agora era caminhar e encarar o que viesse pela frente com a mesma coragem que sempre teve. Pegou sua valise e viu que havia algumas chamadas não atendidas no celular, era Leila, depois do almoço ligaria para ela, então estava descendo as escadas quando o celular tocou, pelo visor viu que era ela novamente, então atendeu enquanto ia para a cozinha. —Leila, sou eu, pode falar querida. —Kamilah, porque você viajou sem falar comigo, o que houve? —Eu peguei umas férias, e quando cheguei em casa, recebi uma ligação de uma clinica em Austin. —Clinica? Em Austin? Não estou compreendendo. —Se lembra daquele amigo que deixei em Austin? —O tal de Rick? —Sim, isso mesmo. —O que tem ele? Resolveu se casar? 152


—Não. Ele se encontra hospitalizado, e a família pediu para eu fazer uma visita a ele, porque ele não está bem, e pediu para me ver. —Kamilah, depois desse tempo todo, ele nunca se manifestou, isso é estranho. Leila estava com um pressentimento desagradável. —Também achei estranho, inclusive pelo fato de ter sido pedido da família, ele nunca me falou sobre eles. —Então minha querida, por que você não deixa isso pra lá. Kamilah percebeu a preocupação na voz de Leila, mas não falou nada. —Não se preocupe. Amanhã vou vêlo e depois ligo pra você, decidi passar uns dias com minha tia, durante a semana voltamos a nos falar. Finalizou Kamilah. —Certo, me passa o endereço de sua tia vou me encontrar com você... Alô, Kamilah? Você está me ouvindo? Alô? Droga! A ligação caiu. Kamilah colocou o aparelho em cima de uma pequena mesa e seguiu para o interior da cozinha, a mesa estava maravilhosa, além de sua tia estavam na 153


mesa Helenita, Isabel, Jack, seu velho pai Thomas, seu primo Bob e sua esposa Ema, e os dois filhinhos, que ela amou ao conhecê-los. —Chegue menina Kamilah. O velho Thomas falou com a voz entrecortada por causa do velho hábito de fumar. Todo a receberam com tamanho carinho que Kamilah não resistiu e começou a chorar, a velha tia a observou e teve certeza que a sobrinha estava grávida, aquele brilho no olhar, nos cabelos, aquela pele, ela estava idêntica à mãe dela. A velha senhora se levantou e a pegou pelos braços, e a levou para perto dela na cabeceira da mesa. Passado aquele momento, almoçaram em grande algazarra, alguns peões se juntaram a eles, e todos estavam rindo, conversando e especulando Kamilah, quanto à vida dela em San Antonio. Leila tentou ligar para Adonai, mas o celular só dava desligado, ligou para Nicholas, ele atendeu e ela conversou com ele, ao desligar, ficou aguardando Adonai retornar a ligação, mas ele não o fez, ela ficou mais tensa, porque aquilo não lhe 154


era próprio. Mais tarde Nicholas lhe fez contato, mas ela não gostou do que ouviu. —Leila, consegui falar com Adonai. —Conseguiu! Porque ele não me atendeu? —Ele está na clínica. O estado de saúde do afilhado piorou. —Sei. Por acaso esse afilhado dele está internado em uma clica em Austin? —Sim. Por quê? —Nicholas, eu posso estar enganada, mas estou com um pressentimento muito ruim em relação à Adonai e Kamilah. —Mas o que isso tem haver com o afilhado? —Acho que o afilhado de Adonai é também conhecido de Kamilah. —Não diga isso nem de brincadeira, mulher. Nicholas lhe respondeu. —Por quê? Leila perguntou sem entender o que ele queria dizer. —No momento não posso lhe dizer, mas acho melhor ir para Austin, por que se você tiver razão, acho que nosso Adonai vai precisar de um amigo. Concluiu. 155


—Agora é que vou ter uma síncope, você pode me dizer o que está acontecendo? —Mais tarde falo com você, no mais lhe aconselho a tomar um chá, você está parecendo às ciganas da minha tribo, fazem tempestade em copo d’agua por bem menos, começou a sorrir. Leila não respondeu, desligou o telefone na cara dele. Era o que ele queria deixá-la nervosa com ele a distrairia em relação ao irmão e a amiga.

CAPÍTULO SEIS Kamilah dormiu cedo, a intensão dela era ir pela manhã a Austin fazer a visita a Rick e retornar para o rancho antes do anoitecer, ainda não havia conversado com a tia sobre sua gravidez, mas a pegou observando-a por varias ocasiões, ela viu as feições preocupadas da tia, ficou tensa, mas depois se distraiu com os filhos de Bob e Ema, que achou melhor falar em outro momento que 156


tivesse somente elas. Desceu as escadas, e encontrou-se com ela no corredor da sala. —Bom dia, Kamilah, dormiu bem? —Bom dia tia, sim dormi muito bem, nossa! Há dias que não descansava tanto. — Você se importa de Jack te acompanhar até Austin, ele precisa comprar umas vacinas para os novos potros. —Que bom, acho a companhia dele ótima, é bom que ele vá dirigindo enquanto aprecio a paisagem. —Fico feliz, e também menos preocupada com você. —Por quê? Kamilah perguntou quase adivinhando a resposta. —Você pode não me dizer nada Kamilah, mas lhe conheço só em olhar, pra quando é o seu bebê? —Tia, a senhora continua a mesma. Eu ia lhe contar quando voltasse de Austin. Explicou sem rodeios, a velha senhora olhou para ela muito séria e falou. 157


—Espero que a história de sua mãe não se repita. No que depender de mim, vou proteger você e a seu bebê. Kamilah a olhou de esguelha, sem entender o que significava aquilo, até onde sabia, seus pais haviam morrido em um acidente numa viagem a Europa, enquanto ela estava na fazenda com tia. —Depois a senhora vai me contar esta história, por que não entendi muito bem o que a senhora quer me dizer. —Vamos o café está posto. A velha senhora a abraçou pelos ombros então entraram na cozinha, Jack já estava pronto, sorridente ele cumprimentou Kamilah. Ao chegar a Austin, se dirigiram a clínica, Kamilah olhou o prédio e depois olhou para Jack e pediu a ele para ficar com o carro, quando estivesse pronta ligaria para ele para buscá-la. Ele concordou, trocaram o número do celular e se despediram. Kamilah chegou à recepção da clínica e se identificou lhe indicaram o quarto de Rick, no corredor um médico aparentando uns quarenta anos lhe chamou: 158


— Senhorita Thompson? Ela olhou para trás e voltou. —Sim. —Precisamos conversar. Falou-lhe em tom sério e frio, que fez Kamilah sentir uma pressão no estômago. Algo estava errado. Seu intimo começou a lhe falar. —Venha a minha sala. Pediu a Kamilah enquanto abria uma porta, Kamilah entrou e se sentou na cadeira que ele indicou a ela. Enquanto ela sentava, ele a olhava. —Eu pedi para lhe encontrar. —Mas por quê? Há muito tempo não vejo o Rick. —Quanto tempo, desde que o viu? —Quase quatro Anos. —Não vou ficar de rodeios senhorita, mas Rick está em fase terminal de uma doença sexualmente transmissível. —Meu Deus! AIDS? —Não, mas outra, tão agressiva quanto, mas como ele demorou procurar ajuda, não foi possível salvá-lo. Você viveu com ele... 159


Antes que ele concluísse a frase, ela o cortou quase em desespero. —Sim, mas nunca tivemos relações. Ela abaixou a cabeça confusa e constrangida. Ele prosseguiu. —A senhorita aceita realizar uns exames para certificarmos que está tudo bem? —Sim, mas eu sei que está tudo bem, recentemente realizei alguns exames, está tudo ok comigo. Ela falou justiçando. Ele sorriu a ela como que para acalma-la. —Mesmo assim, faremos alguns exames específicos, ok? —Ok. Eu compreendo a situação. Enquanto realizava a coletas de sangue ela foi relatando para o médico a convivência dela e de Rick, falou das amizades dele, e do quanto ficava preocupada com as relações dele. —Pelo que você está me dizendo, vocês não eram namorados? —Não. Éramos amigos, ele me protegia no campus, só isso. —Te protegia? O médico perguntou curioso. 160


—Sim. Houve uma situação embaraçosa comigo, quando cheguei ao campus fui vítima de abuso sexual, ele ficou com pena, e decidiu que iria me proteger dos rapazes. Só que ele nunca me tocou, nem ao menos beijava, era como se fossemos irmãos. —É mesmo? Mas porque você não denunciou. —Ah! Doutor, o senhor já foi acadêmico, sabe que coisas assim acontecem no campus, principalmente nas festas das fraternidades. Kamilah retrucou. —Eu sei, mas enquanto moças como você ficarem em silêncio, este tipo de prática nunca vai acabar. Respondeu com emoção na voz. E continuou a examina-la. — bom senhorita, os resultados das coletas estarão prontos mais tarde, o exame clinico está ótimo, a propósito, você está gravida de quantos meses? Ele a olhou, ela ficou meio sem jeito e respondeu. —Uns três meses. —Sim. O pai do bebê goza de boa saúde? 161


—Acredito que sim. Já não o vejo alguns dias. —Ok. É o seguinte Kamilah, vou lhe permitir ficar apenas uns instantes com Rick, mas gostaria que se mantivesse o mais longe possível, no estado em que se encontra, não é aconselhável, pois o bebê ainda está em formação. —Ok. Eu compreendo. —Então vou lhe dar uma roupa apropriada para vestir. O médico a acompanhou pelo corredor com paredes brancas e grandes vidros, pararam por um instante diante de uma sala, ele lhe entregou uma roupa, sapatos, luvas, proteção para o cabelo e uma máscara que ela colocou no rosto. —Você terá cinco minutos, não seria bom para ele falar demais, então o deixe falar, não o interrompa depois saia, compreendeu? —Acho que sim. Ela respondeu com um semblante preocupado. Ele lhe sorriu, e falou: —Estarei aqui, basta me chamar. Ele lhe disse, mas estava mais preocupado que ela. Alguma coisa estava errada, ela sentiu isso desde que ele 162


começou a interrogá-la, depois durante a conversa, ele estava muito tenso. Ela colocou a roupa, e entrou no quarto, pouco iluminado, ela se aproximou um pouco da cama e deparou com um homem cadavérico sob a cama, ali não tinha nenhum Rick, pelo menos não o Rick que se recordava, ela sentiu vontade de fugir dali, mas ele abriu os olhos e a viu, sorriu um sorriso amarelo, feio, doente. Ela o olhou com receio, mesmo se o médico não tivesse lhe dito para evitar falar, ela descobriu que não poderia abrir a boca, pois estava chocada com aquela cena, seus joelhos tremiam, ela se controlava para não desfalecer ali mesmo. —Meu doce Kamilah, finalmente te trouxe até a mim. Sua voz saiu fraca, entrecortada pela tosse. Ela lhe respondeu meio de longe. —Não se esforce tanto. Estou aqui para ouvi-lo. —Eu preciso do seu perdão. Você foi à única mulher que amei e que nunca pude possuir, mas me bastava a sua presença. Tossiu novamente e continuou a falar. — Me vinguei daqueles calhordas, riu um pouco, tossiu novamente, eles 163


também devem estar como eu, indo para o inferno. Kamilah ficou horrorizada com que ele dizia. —Rick se contenha. Não se esforce isso já é o bastante, não preciso lhe perdoar, só preciso lhe agradecer. Siga seu caminho em paz. Falou com a voz tremendo. Ele a olhou esticou um braço e continuou. —Você é tão linda, seus olhos parecem uma floresta, nunca a esqueci, minha querida. Ela começou a chorar, ele fechou os olhos e se lembrou de quando ela partiu, então disse: — Não chore, corta meu coração vêla assim. Agora por favor, diga que me perdoa, preciso ouvir seu perdão, falou quase sussurrando, ela esforçou-se para ouvir as últimas palavras. Ela olhou para ele, para os olhos sem vida e como se tivesse hipnotizada falou-lhe: —Rick, do fundo do meu coração, eu lhe perdoo. Ele lhe sorriu, estava em paz, parecia que alguma coisa estava iluminando seu rosto, por um instante ela viu o velho amigo. Ela lhe devolveu o sorriso. 164


—Obrigado minha querida, agora posso descansar. Ele fechou os olhos. Enquanto o barulho do aparelho demonstrava que o coração dele havia parado de trabalhar. De repente ela voltou do torpor com uma voz nas suas costas que a fez realmente se sucumbir ao mal-estar. —Então a santa Kamilah não passa de uma ordináriazinha promiscua... Ao acordar estava deitada em quarto. Abriu os olhos devagar, a cabeça estava latejando. Pensou naquela voz, gente! Era de Adonai. Sentiu uma mão no seu rosto, então abriu os olhos e deparou com os dele, frios, distantes, irreconhecível, ali estava um homem duro, sofrido, diferente do amante sorridente. Ela estava confusa, e antes que ela começasse a querer uma explicação, ele falou: —Há alguns dias, Rick em meio a uma febre, começou a falar seu nome, na hora não liguei você ao nome, de repente percebi que a Kamilah que ele chamava era você. Pedi para meus homens investigarem, e eles me disseram que vocês moraram juntos, mas que cerca de 165


três anos atrás você juntou suas coisas e sumiu da vida dele, logo após ele se entregou ao vício total, vindo a terminar do modo como terminou. Ele a olhou com raiva e perguntou: —Você dormia com ele? Ela estava muda, não conseguia falar uma palavra se quer, não conseguia entender a ligação dele com Rick, sua cabeça estava zonza. Ele continuou a falar: — Eu te fiz uma pergunta exijo uma resposta. Você nos condenou a ter o mesmo destino que ele, com quantos mais, você deve ter deitado antes de dormir foi comigo. Ela o olhou incrédula. Não era possível que ele estivesse insinuando que além de dormir com Rick ela o havia infectado. Aquilo não era possível. Ela se levantou fraca, mas decidida a sair dali ele a segurou pelos braços com muita raiva, a chacoalhou e falou: —Eu quero ouvir uma explicação, eu exijo que você seja honesta comigo, porque o meu futuro depende disso. Ela o encarou e reuniu o pouco da força que ainda tinha, e lhe respondeu. 166


— Nunca dormi com Rick, ele sempre foi meu amigo e sempre me respeitou ao contrário de você que além de ter se aproveitado de uma situação ainda tem a cara de pau de me fazer acusações levianas. Acredite no que você quiser, eu tenho minha consciência tranquila. Acabou de lhe dizer aquilo se desvencilhou dele e correu para o banheiro, vomitou muito, até perder os sentidos novamente. Muito tempo depois acordou, estava com soro na veia, permaneceu de olhos fechados, então ouviu o médico conversando com ele. —Adonai, melhor ir descansar Nicholas o está esperando no corredor. —Como ela vai fica Brian? Sua voz demonstrava preocupação, já não estava com raiva. —Quando ela acordar, ela ficará um pouco fraca, afinal, foram emoções fortes, e no estado dela, é natural ter esses sintomas. —E os exames? —Perfeitos, ela está muito bem, como os seus também, não tem nada. 167


—Mas não existe um tempo de latência? —Em alguns casos sim. Mas pelo tempo que ela morou na mesma casa mais o tempo que ela o deixou se estivesse contraído alguma coisa, ela já estaria com os sintomas. Disse o médico. —Então ela não está doente? —Claro que não! O que te faz pensar isso? Ela está perfeitamente bem, ela me relatou o convívio dela com Rick, jamais ele a tocou. —Mas e esses desmaios? A palidez dela? —Adonai vá pra casa, descanse a hora que ela acordar eu mando lhe chamar, para vocês poderem conversar. —Brian, ao mesmo tempo em que estou preocupado com ela estou também com raiva. —Quanto a isso não posso lhe ajudar, a única coisa que lhe adianto seria vocês conversarem direito. Agora vá, ela deve acordar bem mais tarde. Nicholas veio ao encontro do amigo, ele não falou nenhuma palavra, mas viu que a coisa não tinha sido fácil, indo de encontro aos instintos de Leila, ele 168


percebeu que ela estava certa quanto ao destino. —Estou cansado demais para pensar. Falou olhando para Nicholas. —Venha. Foi uma semana difícil, você precisa descansar. Eu resolvo a pendências pra você. Adonai estava desolado consigo mesmo, ele precisava pensar friamente em como agir com Kamilah dali pra frente. Nicholas abiu a porta da limusine e ele entrou calado, ainda olhando para a porta de vidro da clínica, ele coçou o queixo e deu sinal ao motorista para sair dali. —Adonai, o velho Moussa já o está aguardando, e Leila está a caminho, daqui a pouco ela deve estar em sua casa. —Você falou com ela? —Não. Você a conhece, ela está desde cedo com pressentimentos ruins, como você não atendeu ao telefone, ela decidiu vir pra cá. —Não sei se estou pronto para encara-la. Respondeu. —Isso é só um mal-entendido, amanhã você estará recomposto, verá as coisas por outro ângulo. 169


Concluiu Nicholas, Adonai o olhou e viu que talvez ele tivesse razão. Ao anoitecer o médico esteve no quarto de Kamilah e tirou-lhe o soro, então ela acordou e ele a olhou sorrindo, perguntou-lhe: —Kamilah está se sentindo melhor? —Estou me sentindo fraca e meio tonta. —É por causa da medicação, algumas mulheres tendem a ter alguns sintomas no inicio da gravidez. Seus exames estão ok. Agora é fazer um chekup todo o mês até o bebê nascer. Você precisa contar ao pai do bebê sobre ele. Ela o olhou e pensou que depois do que passou é que não ia falar mesmo sobre sua gravidez. —Não doutor. O pai de meu filho não tem interesse nenhum em saber sobre a existência dele. —Você é quem sabe. Mas gostaria que você soubesse de uma coisa, Adonai cuidou de Rick por dois anos, lutou junto a cada recaída, já estava quase desistindo quando descobre que a mulher com a qual estava saindo era a possível namoradinha que abandonou o afilhado, 170


ele entrou em parafuso, se imaginou contaminado, entre outras coisas. Ela o ouviu calada, tentou se colocar no lugar dele, mas estava muito magoada. —Rick? Como ele está? Ela perguntou. —Ele faleceu. Respondeu olhando nos olhos dela. —Descanse, vou pedir para lhe trazerem algo para comer. —Eu agradeço. A propósito onde estão minhas roupas. —Ah! Dentro do armário. Assim que o médico saiu e fechou a porta atrás de si, ela decidiu o que fazer.

CAPÍTULO SETE Ethan estava lindo, era um menino forte, as bochechas rosadas mostravam um lindo sorriso quando via a mãe. Kamilah estendeu-lhe os braços e o retirou do berço, como ele se parecia com o pai, era impossível não perceber a 171


semelhança. Os olhos verdes como o mar, as covinhas no rosto seu filho agora contava com sete meses. Havia partido há um ano, quando saiu da clinica furtivamente com a ajuda de Jack, Kamilah seguiu para o rancho da tia, depois de relatar os acontecimentos, elas traçaram um plano para sumir com Kamilah do mapa, então a velha tia a mandou ir morar em outras terras localizadas ao sul do Texas, nas planícies litorâneas, próxima de Beaumont e Houston cuidar de outro rancho onde além de uma pequena criação de bovinos, havia também uma plantação de trigo, Kamilah aprovou a ideia e partiu antes de Ethan nascer. Estava próxima da civilização e ao mesmo tempo acolhida pela planície lhe mantinha no anonimato, a velha tia havia cuidado para que o segredo fosse guardado as sete chaves, às vezes o dinheiro podia ser bem útil. Nas proximidades do rancho há uma pequena reserva de índios “Patiris”, eles moram na beira do Rio Trinity, onde Kamilah acabou aceitando o convite do líder para lecionar na pequena escola. A casa no rancho foi construída de maneira 172


que atendesse confortavelmente a vida de Kamilah e dos empregados naquele rancho, aconchegante e harmoniosa, era uma casa de dois andares, no primeiro andar a casa se dividia em uma sala, o escritório, um quarto de hóspedes e uma cozinha ampla, além deum dispensa e a área de serviço, uma grande varanda circula toda a casa, mas no lado sul da casa havia uma enorme mesa e uma grande churrasqueira onde todas as noites os peões se reúnem para cantar e jogar conversa fora, no segundo andar além do quarto de Kamilah, tinha o quarto de Ethan e também uma sala onde uma grande vidraça dava ampla visão da colina na planície, havia uma varanda que dava um charme todo peculiar a sede do rancho, Kamilah morava com Ethan nesta casa enquanto a família do velho Thomas morava em outra casa a uns duzentos metros dela, os filhos dele vieram morar com ela neste rancho, Helenita e o velho Thomas, Isabel e Jack, Paul e Adam, todos vieram com ela e começou a tocar o novo rancho, a tia ficou no rancho em Georgetown como o filho e 173


outros empregados. Já estavam todos acostumados e felizes. Mas sempre Kamilah olhava pra trás e sentia falta do que havia deixado, além de Adonai, o que mais sentia falta era Leila, e do emprego que teve que largar, ela gostava do trabalho que desenvolvia na fundação, precisava esquecer, porém todos os dias aquilo se fazia mais presente, na presença viva de Adonai em Ethan, a cada sorriso de Ethan, a cada gesto lhe mostrava o quanto Adonai estava em sua vida. Ela procurava passar o dia enfurnada no trabalho com os índios e com o próprio rancho, ela tomou gosto pelas atividades do rancho, sua administração ganhou elogios da tia em certa ocasião, mas ela sabia que o mérito era dos rapazes, Jack era o braço direito dela, a ajudava em quase tudo, e também mantinha o nome dela no anonimato, depois que Ethan nasceu eles quase não a chamavam de Kamilah era sempre de senhora Thompson, quem não conhecia achava até que ela era casada. Uma mãe solteira naquelas terras não era bem vista, isso 174


não seria bom para os negócios e tão pouco para o seu filho. Todos os dias ela e Ethan iam para a pequena escola na reserva, mais tarde Isabel o buscava, enquanto Kamilah cavalgava até uma pequena colina, onde ela via boa parte da planície, e também do lago, às vezes através do vento era possível sentir cheiro do mar do golfo do México, ou outras era possível ouvir o barulho dos aviões do aeroporto de Houston, mas naquele momento o vento estava era lhe trazendo lembranças, apertou um pouco os flancos da jovem égua para acelerar a cavalgada, era como se quisesse fugir, por mais que quisesse, ela não se desfazia das lembranças, e tão pouco afastava o medo de um dia Adonai parar na sua porta. Ao chegar à parte mais alta do platô ela parou e desceu do cavalo. Ficou olhando para baixo, onde estava à pequena reserva de um lado e mais ao sul, seu rancho, ela amava aquele lugar, os platôs ao longe era uma visão magnifica e a visão de um pedaço do lago Houston completava aquele panorama único, ela sentou-se em uma pedra e se aqueceu com o restante de raios solares 175


que ainda teimavam em abraça-la, ainda era possível respirar, mas logo Adonai a encontraria, e provavelmente tiraria seu filho e o levaria para longe, só de pensar que esse dia pudesse chegar, ela sentiu um frio na barriga. Não! Precisava se manter incógnita a qualquer preço, como um vento ela montou novamente e desceu a colina, veloz, sentindo o afago do vento em seus cabelos, e os primeiros acordes da noite começa romper no céu. Entrou em um trote só no rancho, seguiu para o estábulo e levou a égua para tirar o arreio e solta-la juntos dos outros animais para pastarem. Enquanto pendurava a sela, Jack se aproximou com algumas seringas nas mãos. —Jack, você ainda está trabalhando? —Já encerrei por hoje. Vim trazer esse material para guardar. Ela olhou para mão dele, e perguntou: —São as vacinas dos bovinos? —Sim, amanhã começaremos a vaciná-los. —Logo chegará à colheita do trigo. —Então, você está animada? 176


—Claro que sim, e doida para finalizar. —Pensei em reunirmos o pessoal dos outros ranchos para uma noitada, o que você acha? —Por mim tudo bem, desde que eu não esteja. —Aqui! Ele jamais vai procurá-la em um rancho. —É talvez você tenha razão, mas prefiro não pagar pra ver. —Até lá iremos ver. Os dois vieram caminhando pela pequena estrada até a porta da casa dele. —Parece que teremos chuva. O velho Thomas falou com eles, eles olharam as nuvens pesadas e concordaram. Kamilah acelerou o passo e entrou em sua casa, e foi direto para a cozinha, Isabel estava com o bebê no colo, Kamilah a olhou de esguelha, e olhou para a janela e viu que o velho Thomas tinha razão, teriam chuva naquela noite. —Isabel, você pode passar a noite comigo? Acho que teremos uma tempestade. Isabel olhou pela janela, e concordou com ela. 177


—Você tem razão. Mas vou chamar o marido pra dormir comigo. —Tudo bem. Coloque o Ethan pra dormir, eu vou tomar um banho. —Isso mesmo, depois vai jantar, porque vento não alimenta ninguém, a senhora tem comido muito mal, como vai continuar amamentando, se não anda comendo direito. Isabel falou em tom de reprovação. Kamilah achou divertido, mas tinha que concordar, ela estava comendo muito pouco. —Não tenho comido muito por que não tenho tido fome. Falou enquanto lavava as mãos e o rosto no lavabo que havia entre a cozinha e a área da sala. Saiu enxugando as mãos e depois foi até ela e pegou o pequeno bebê. —Vai buscar seu marido vou ficar um pouco com ele. —Nem pensar, vá tomar seu banho primeiro, eu grito o Paul da varanda. —Mas que coisa Isabel! Tem hora que você é muito ranzinza. —Não senhora, você está cheirando a cavalo e vem pegar o bebê? Tem nenhuma graça. 178


Kamilah concordou com ela e então saiu para o banho. Ao entrar no quarto ela fechou as janelas, arrumou as cortinas enquanto a banheira enchia de água, abriu a gaveta e escolheu um pijama com detalhes florais, começou a se despir ao entrar na banheira ela se lembrou da noite em Corpus Christi, depois da loucura de entrar na água gelada da baía de Corpus Christi os dois foram pra casa e se aqueceram em uma banheira na casa Leila, antes dele sair às pressas, depois daquela noite, ela nunca mais soube o que era ser feliz, mesmo com o nascimento do seu filho, agora ela vivia apreensiva, como se a qualquer momento fosse abrir a porta e deparar com ele. De repente uma trovoada, chamou-a de volta para a terra, ela saiu logo se trocou e desceu as escadas para encontrar Isabel. Ethan já havia adormecido, ela ficou com um pouco de remorso, mas fazer o que. Ela foi até o fogão a lenha que havia cozinha e se sentou próxima dele com uma caneca de café, estava olhando as chamas, enquanto Paul tocava pequenas notas no violão, ela ouvia acordes que faziam dupla com vento 179


e com a chuva, e pensava na letra da canção, Escute o barulho da chuva que cai, Ela me diz o quanto fui tolo, Foi meu desejo deixá-la partir, Agora vou chorar sozinho, Agora vou ficar sozinho, Aquele dia em que a deixei, Mal sabia que meu coração ficou junto de ti... Chuva me diga se é justo, Amar outra com o meu coração tão distante, A mulher que me ama se foi E a chuva não vai dizer a ela o quanto eu me arrependi. Escute o barulho da chuva que cai, A chuva não vai lhe dizer Que eu te amo tanto... —Paul canta alguma coisa mais alegre. Jack falou ao entrar todo encharcado na varanda. — Com esse temporal ninguém aguenta. Concluiu olhando para a Kamilah, ele sabia que nos últimos dias ela vinha ficando mais sozinha e triste, ele sentia que ela estava sofrendo, mas não sabia 180


como ajudá-la. Ela saiu do transe e olhou para os dois, sem falar nada se levantou e pegou mais um café. —Kamilah tem alguma sugestão? Jack perguntou para distraí-la, ela o olhou e respondeu. —Adoro Alan Jackson. Que tal uma dele? —Boa pedida garota. Vamos lá Paul. —Ok! Que tal grandes olhos verdes? Enquanto os homens foram se ajeitando perto do fogo, Kamilah foi saindo à francesa, Isabel estava em pé ao lado da porta a viu quando foi saindo de mansinho, a seguiu, e em seguida a chamou. —Kamilah, sua tia ligou nesta tarde, ela precisa falar com você. Kamilah ouviu aquilo e um arrepio lhe subiu pelas costas. —Ela disse o que queria? —Não. Mas senti que ela estava ansiosa. —Entendo pela manhã eu ligo pra ela. Falou sem ter certeza que conseguiria esperar até no dia seguinte. E subiu as escadas, foi até ao quarto de Ethan, e ficou velando o soninho dele. Depois foi 181


para seu quarto, ao sentar-se na cama pegou a velha agenda, e tirou uma foto de Adonai, que estava com ela, olhou para ele, e rogou aos céus para que ele não a encontrasse. Não aguentou esperar e acabou ligando para a tia. —Boa noite tia, te acordei? —Não minha filha, eu estava esperando sua ligação. —O que houve? —O pai de Ethan esteve aqui? —Como? Adonai esteve ai? Mas como ele a descobriu? —Minha querida, com a fortuna que ele tem, ele deve ter chamado até o serviço secreto para trabalhar para ele. Sabina lhe respondeu com suavidade, ela ouvia, mas seu coração estava descompassado. —Será uma questão de tempo, ele estará aqui. Concluiu Kamilah. —Acredito que sim. Mas nós estaremos com você, estou enviando mais alguns homens, para lhe ajudar, se for o caso, mandarei seguranças para evitar o contato dele com você. —Não! Não é preciso isso. Vou enfrentá-lo, nem que pra isso eu precise ir 182


à justiça. Kamilah falou com uma voz firme. —É isso mesmo. Mas posso te adiantar uma coisa, ele me pareceu estar buscando você, em momento algum ele perguntou sobre sua gravidez, apenas queria te encontrar. —Me encontrando encontra o filho dele. —Mas agora é ficar calma e esperar. —Vou tentar. Fique com Deus. —Você também meu anjo. Kamilah desligou o telefone e ficou perdida em seus pensamentos, no momento precisava dormir, mas será que conseguiria dormir depois de saber que Adonai estava para surgir a qualquer momento? A tempestade durou tanto lá fora quanto dentro de Kamilah, já havia amanhecido, e ela já se encontrava na cozinha, não havia dormido quase nada, a noite tinha sido uma tormenta. —Vejo que você não pregou o olho. Isabel interrompeu os pensamentos de Kamilah, ela olhou a mulher coando o café no grande bule em cima do fogão a lenha, pegou uma caneca e se dirigiu até 183


ela e colocou um pouco do liquido quente e depois olhou para a janela e viu a chuva cair. —Não é que eu não tenha dormido, estou preocupada. Respondeu Kamilah, sem olhar para a moça. —Seja o que for ficar sem dormir não irá lhe ajudar. Isabel retrucou. —Eu sei. Ela colocou a caneca na mesa e saiu rumo à porta. —O tempo hoje não está muito bom, seria bom deixar o bebê em casa. — Acho que você tem razão, vou ficar com ele agora de manhã e depois do almoço eu vejo o que vou fazer. —Ótimo, então vou cuidar do meu serviço, vá lá para cima e aproveite mais a cama. Qualquer problema lhe chamo. Kamilah entrou no quarto do menino, e viu que ele já estava sentado no berço, com um sorriso ele manifestou o desejo de ir para o colo da mãe. Ela retribuiu e o pegou, levando-o para o quarto dela, o colocou deitado em sua cama para trocar a fralda molhada, ela abriu o macacão do menino, e o preparou para ser trocado. Enquanto estava no quarto com o menino, Isabel conversava 184


com alguns empregados na cozinha, entre eles seu irmão e seu marido. —Jack, a patroa me ligou ontem. Isabel falou para o irmão. —Ela queria o que? Perguntou. —Ela falou para ficarmos preparados, logo teremos visita. Paul olhou para a esposa e esperou ela falar mais a respeito, como ela ficou quieta, ele perguntou: —De que visita ela falou? —Acho que é o pai de Ethan. Respondeu. Jack levantou-se da mesa e foi para a porta, acendeu um cigarro, e com a caneca na outra mão, virou-se para a irmã e perguntou. —Será que virá para levar o menino? —Não acredito nisso, ele conhece as nossas leis. Isabel respondeu ao irmão segura do que falava, Paul se levantou e a abraçou, enquanto ouvia os irmãos, então ele falou. —Ele pode até pensar nisso, mas estaremos aqui. E deu um beijo no pescoço da amada. Ela lhe sorriu e lhe falou: 185


—Gente! Vamos esperar o moço chegar, depois veremos que atitude tomar. Isabel falou olhando para o irmão. —É você tem razão, mas vamos ficar atento, Kamilah já sofreu demais por causa deste homem. Afastou um pouco pegou o chapéu e depois a enorme capa. —Vamos Paul. O trabalho nos espera com ou sem chuva. Os dois homens saíram pela chuva rumo ao estábulo. Isabel foi arrumar as coisas e ficou pensando sobre a história de Kamilah, nunca teve coragem de perguntar-lhe sobre o pai do menino, mas desde que vieram para o rancho, ela e os demais sabiam que deveriam proteger Kamilah e o bebê, estava no escritório organizando alguns documentos antes de ir para a cozinha e providenciar o almoço, ela esbarrou na agenda de Kamilah que caiu espalhando alguns papéis e também uma foto, Isabel abaixou para pegar e viu a foto, era um homem extremamente bonito, viu que Ethan tinha mais do pai do que da própria Kamilah, ela observou aqueles traços perfeitos, os olhos dele eram doces, o sorriso suave enfeitava um rosto marcante, uma cor dourada 186


combinava com os cabelos negros, mas os olhos dele eram duas pedras preciosas, ela nunca havia visto um par de olhos tão verdes daquele jeito, ficou impressionada com a beleza dele, Ethan era a cópia perfeita da beleza, concluiu colocando a foto no meio da agenda como estava. A chuva havia diminuído a intensidade agora era só uma garoa fina que banhava a planície. Da janela Kamilah observava o tempo, seu bebe estava em seu colo, por vezes ele enrolava o pequeno dedinho nos cabelos da mãe, e como uma melodia balbuciava sons como se tivesse conversando com Kamilah, ela o embalava cantarolando uma suave canção, mas ele estava mais a fim de morder as mãozinhas e puxar os cabelos dela. Sorrindo ela desceu com ele até a cozinha, para alimenta-lo. —Olha quem chegou! Isabel bateu palmas em direção a eles, o menino sorriu, e Kamilah o colocou na cadeirinha própria para alimenta-lo. —Descansou um pouco Kamilah? Isabel perguntou estendendo um pratinho com uma papinha de frutas amassadas. 187


—Não. Quando cheguei lá em cima ele já estava acordado. Explicou. —Que bom, a chuva deu uma trégua, vou deixar Ethan com você e vou à comunidade, depois vou cavalgar até a colina. —Tudo bem, mas alimente-se, não saia de estômago vazio. Pediu Isabel. —Vou fazer isso agora, ok.

Kamilah seguia para o alto da colina como se tivesse fugindo de si própria, o vento frio cortava-lhe o rosto, ela estava com a mente vazia naquele momento, só o galope da égua competia com o barulho do vento, cavalgou por um tempo, depois desceu e caminhou até no ponto mais alto onde ela tinha uma vista de todo o vale. Ao longe viu a pequena comunidade indígena, mais ao sul o rancho, e ao norte o lago, imponente, tranquilo como suas águas. Adorava o Texas, mas com dor no coração sentiu que precisava sair dali, precisava exorcizar todo seu passado e começar de novo em outro lugar, sentia o vento na face, e o perfume da relva molhada, como poderia fugir novamente, se estava presa 188


ali, não. Não fugiria, ali era seu lugar, no momento certo o destino iria se mostrar a favor dela. Ela sentia isso, ela precisava acreditar nisso. De repente ouviu o galope de outro cavalo, era Jack, ela ficou preocupada, o que teria acontecido? —Kamilah, que bom que te encontrei. O rapaz falou rapidamente. —O que houve? Ela perguntou. —Um acidente. —Um acidente? Com quem? —Ainda não sabemos. São dois homens, um está morto. O outro está em péssimas condições. Ele parou o cavalo na frente dela, então ela montou e o seguiu. Enquanto ele ia lhe explicando. —Foi um avião, encontramos os destroços no perto da Garganta dos atakapans. —Nossa! Mas é na extremidade do rancho. Respondeu Kamilah. —Sim. Provavelmente eles deveriam estar indo para Austin. —Vamos. Você já chamou a guarda local? —Não. Chamei o doutor na comunidade, e pedi para o Paul falar com os rangers, eu os vi patrulhando mais 189


cedo pelas bandas do lago. Jack explicou para Kamilah, já estavam chegando ao pequeno posto médico que havia no rancho, Kamilah desceu da égua ainda em movimento, e a amarrou na pequena cerca de madeira em frente ao local, atravessou o pequeno gramado, e encontrou com o xerife na entrada do posto. —Senhora Thompson. —Xerife. Ambos estenderam as mãos e se cumprimentaram. —O que temos aqui? Perguntou Kamilah preocupada. —Foi um grave acidente de avião. Estamos tomando as devidas providências, mas sinto que teremos que aguardar um pouco, o médico examinou uma das vítimas e aconselhou-nos a esperar. —Não precise se preocupar, fiquem quanto tempo achar necessário, espero que o pequeno posto atenda as necessidades do momento. Ela falou olhando para o xerife parado na sua frente como uma estátua. 190


—A estrutura que a senhora tem aqui é bem equipada, acredito que irá ajudar. —Sim. Ela foi construída para nos atender, somente em casos extremos, pode acontecer alguma transferência, mas quem são as vítimas? Perguntou curiosa. Ele lhe respondeu: —Meus homens estão verificando, achei melhor vir pra cá. Kamilah entrou nos aposentos do ambulatório e encontrou as duas enfermeiras pra lá e pra cá com bandagens e seringas, elas não permitiram a entrada de ninguém na sala de curativos. Do lado de fora Kamilah começou a se sentir angustiada, o coração começou a ficar apertado, pensou no quanto a tia foi sábia em construir aquele pequeno ambulatório ali no rancho, a contratação do médico tinha sido providencial, muitas vezes eles haviam salvado muitas vidas ali mesmo, como as vítimas de picadas de cobras e outros acidentes com cavalos. Já se preparava para ir para casa no rancho quando o médico saiu da sala —Senhora Thompson espere, vou precisar de você. 191


—Diga o que posso fazer por você John? —A vítima precisa de uma transfusão, seu tipo sanguíneo é compatível, você pode doar um pouco? Perguntou. Ela o olhou, pensou um pouco, depois disse: —Se é pra salvar uma vida. Por que não? —Xerife, a vítima em questão é um homem, aparentemente uns 34 anos, sofreu várias escoriações pelo corpo, além de uma luxação nos pulsos, fraturou a tíbia do lado direito, e também sofreu um trauma externo seguido de um corte na cabeça, perdeu um bocado de sangue, está inconsciente. O médico explicou. Até o presente momento, podemos cuidar dele por aqui mesmo. —Doutor tem como precisar o horário do acidente? —A vítima chegou aqui com hipotermia, acredito que este acidente deva ter acontecido um pouco antes do amanhecer. Mas só saberemos quando o rapaz acordar. O médico explicou enquanto tirava as luvas e perguntou com 192


suavidade para Kamilah. —Está pronta minha querida? —Sim. —Olha fiz os testes no rapaz para verificar o tipo sanguíneo, como o seu é universal e como sei que sua saúde é perfeita, achei melhor não pedir pra outra pessoa, tudo bem? —Você é o médico por aqui, sabe melhor do que ninguém o que é melhor para os outros. Ela respondeu sorrindo. — a transfusão vai ser direta? Ou você vai apenas coletar? —Não, neste caso acho melhor ser direto, venha às minhas auxiliares já devem ter organizado os instrumentos. Kamilah entrou na pequena sala, onde seu filho havia nascido há alguns meses, viu a pequena estufa em um canto, e a maca onde havia sofrido as dores do parto, sentiu um frio na barriga ao ver o homem que jazia na cama, olhou para o médico e ele lhe indicou a outra maca para ela deitar e então ele começou os procedimentos para a transfusão, ela olhou para aquele homem, e viu que tinha alguma coisa familiar nele, mas a pressa do médico a impediu de ver quem era que 193


estava ali. O tempo passou, Kamilah perdeu a noção de quanto tempo havia ficado ali, deitada enquanto seu sangue era drenado para outra pessoa, havia adormecido, acordou com alguém falando seu nome, abriu os olhos, mas não tinha ninguém na sala, a não ser a vitima. Ela já não estava mais sendo drenada, então se levantou, sentiu-se um pouco fraca, mas estava bem. No seu íntimo se perguntou se o homem havia se salvado. Já ia sair da pequena cama quando uma das enfermeiras entrou, e a ajudou. —Como à senhora está? Aguarde aqui um momento, vou chamar o doutor. —Estou bem. E o homem? Perguntou. —Não sei dizer direito, mas o médico deve lhe dizer. Já volto. A enfermeira saiu e então Kamilah decidiu olhar aquele homem direito, levantou-se da cama e aproximou-se dele, levou um choque ao constatar quem estava ali, apesar daquela barba negra cobrindo-lhe a face, apesar de estar bem, bem mais magro, aquele homem inerte naquela cama era nada mais, nada menos que Adonai. Era Adonai! Os joelhos dela 194


amoleceram, ela se sentou novamente, respirou fundo para passar aquela náusea que teimava em lhe dominar, não era possível, passou as mãos pelos cabelos, e levantou-se novamente, para ter certeza que aquilo não era um engano. Não! O homem que estava ali, lutando para sobreviver era ele mesmo. Ela lhe acariciou a face, e as lágrimas brotaram em seus olhos. A aparência dele estava mais envelhecida, apesar dos ferimentos, ela tocou-lhe os cabelos e viu com preocupação o corte no alto da cabeça, olhou os outros ferimentos, e começou a rezar pra Deus para salvá-lo. —Meu amor não morra, lute, eu estou aqui com você. Kamilah sussurrou nos ouvidos dele, então lhe tocou os lábios com um beijo. Da porta o médico observava a cena sem entender nada, aproximou se dela, devagar a tocou, ela o olhou, estava em lágrimas, então ele a abraçou e a tirou da pequena sala. No pequeno corredor, ele a sentou em uma cadeira então lhe falou: —Não me diga que este homem é quem estou pensando. 195


—Sim, é ele, e você precisa de salvalo. —Meu Deus! Que responsabilidade. Não acredito em acaso, mas isto foi incrível. Ele se levantou e girou em torno de si mesmo. —Tanto lugar para cair, esse cara tinha que cair aqui. Ela o olhou, depois abaixou a cabeça então começou a falar: —Provavelmente ele deveria estar indo para Austin, ele tem negócios por lá, e com o mal tempo, como estamos próximos a Houston, o piloto pode ter confundido o platô com alguma pista particular. —Quem é ele? —Um empresário muito importante de San Antonio. Nessas alturas as autoridades já devem estar procurando por ele. —Vou falar com o xerife. —Ótimo, só que quero discrição quanto a isso, não quero que ele saiba que eu estou aqui, e assim que ele tiver em condições providencie para que ele seja transferido imediatamente daqui. Falou e se preparou para sair. Então 196


olhou para trás dirigiu seu olhar para cama e concluiu. —Não meça esforços para salva-lo. E qualquer coisa me avise. Estarei em casa. —Não se preocupe farei tudo o que estiver ao meu alcance, mas no momento, é inviável transferi-lo para Houston, vamos esperar. —Ok.

Mais tarde todos estavam no pátio, Jack já havia preparado a fogueira, e a maioria dos peões estavam se acomodando, para jogar conversa fora, mas o tema principal era o acidente. Jack repetiu inúmeras vezes como encontrou os destroços, para agonia de Kamilah, cada vez que ele contava uma imagem desastrosa se formava em sua mente. Ela alimentou o pequeno Ethan, depois o colocou na cama foi para seu quarto, mas não conseguia parar de pensar em Adonai, e num impulso, resolveu ir até ao ambulatório, precisava ficar com ele, pelo menos até ele acordar. 197


Chegou à sala e deu de cara com a criada. —Cuida do bebê pra mim? —Sim. —Vou até lá para ver como ele está. Ela quis justificar, porém Isabel lhe falou algo que a fez refletir: —Minha querida, você é como uma irmã para mim pense no que realmente é importante pra você, mas não se esqueça, agora existe outra pessoa que precisa também daquele homem, talvez seu orgulho e mágoa venha prejudicar a pessoa que você mais ama neste mundo, às vezes é preciso se sacrificar para que as coisas voltem a se equilibrar. —Eu sei Isabel, não quero tirar de Ethan o direito de ter pai, mas será que Adonai me concederá o direito de ser mãe? —Eu tenho certeza que sim, nenhum homem em seu juízo perfeito fará uma maldade assim com uma mulher. —Nenhum homem ocidental talvez, mas este tem a alma tuaregue, e os costumes deles é bem diferente dos nossos. 198


—Talvez, mas as coisas podem ser diferentes se você der uma chance a você, sem medo, sem culpa, acredite no sentimento que fez brotar a vida. —Vou pensar nisso, mais tarde a gente se vê. Kamilah abriu a porta do ambulatório e encontrou com o xerife e o médico. —Vocês estão aqui? Perguntou meio sem jeito. O xerife sorriu pra ela e respondeu. —Sim, estamos esperando ele acordar. —Se vocês não se incomodarem ficarei por aqui um pouco. —Fique a vontade senhora Thompson. O médico lhe falou abrindolhe a porta da pequena sala, então ela se dirigiu até onde Adonai adormecia. —Como ele está? Ela perguntou. —Está respondendo bem aos estímulos. —Ele ainda não acordou? —Não. Mas isso é natural, vamos ver como vai ser à noite, essas primeiras vinte quatro horas é crucial. 199


—Ainda não consegui compreender por que você não o transferiu para uma unidade maior. —Porque às vezes é preciso ouvir a intuição minha cara, este homem estava congelando ao chegar em nossas mãos, no momento não tínhamos como fazer contato com Houston, amanhã poderemos fazer isso com mais segurança, e de mais a mais, apesar de modesto, nosso ambulatório tem como atender alguns casos graves. Doutor John respondeu com orgulho para ela, ela abaixou a cabeça, e ficou em silêncio. —Consegui falar com o assessor dele, senhor Nicholas, amanhã ele virá pra cá. Ela ouviu a voz do xerife, carregada de sotaque sulista, então se lembrou do piloto. —E o piloto? —Então, o senhor Nicholas virá para fazer o translado do corpo do piloto e também levará o patrão até ao hospital de Houston, ou quem sabe Austin. Foi o que ele me disse. —Então já que está tudo resolvido. Vou vê-lo, depois vou pra casa. Respondeu Kamilah, e em seguida ela se 200


dirigiu a pequena sala, onde ele dormia. Ela se aproximou da cama, e verificou a temperatura dele, arrumou o cobertor, verificou as ataduras, viu o ferimento na cabeça, Dr. John havia usado uma técnica que ficava o mínimo de cicatriz, olhou para a perna que estava com uma tala e não pode deixar de observar o corpo nu do seu amado, sentiu uma onda de desejo, uma vontade de toca-lo, que acabou por transformar em remorsos. Puxou uma poltrona e se sentou ali, do lado dele e ficou quietinha, só ouvindo a respiração dele compassada, suave, fechou os olhos e se lembrou do ritmo do coração dele depois do amor. De repente Adonai se via correndo pelo deserto, ao longe a miragem de uma mulher lhe estendia as mãos, era Kamilah lhe pedindo para seguir, mas ele já estava cansado, sentia dores nas pernas, estava com sede, mas aquele perfume o embriagava, ele tinha que alcançá-la, era preciso caminhar, mas a dor o fazia ficar impotente diante daquela massa de areia escaldante, era calor, o deserto estava lhe pregando mais uma peça, aquela moça 201


era uma miragem, como tantas vezes ele vira, “Kamilah”! Ele chamou, “Kamilah venha para mim” “me salve, não me abandone no deserto, me tire daqui...” Adonai não compreendia por que estava só, o vento soprava em seus ouvidos e lhe trazia a fragrância marcante de sua amada, de alguma forma o deserto lhe trazia o perfume de Kamilah. “Kamilah”

CAPÍTULO OITO Kamilah acordou com Adonai lhe chamando, se levantou as pressas e verificou que ele queimava, estava com febre, então ela chamou pelo médico, e a luta deles foi até ao amanhecer, quando a febre já não estava mais, ela foi para casa dormir. No final da tarde Adonai abriu os olhos, percebeu com ansiedade que estava em um lugar diferente, olhou para os lados e viu Nicholas conversando com um homem fardado e um homem de branco, o que estava acontecendo, tentou se 202


levantar, mas não conseguiu, sentiu muitas dores, então aguardou em silêncio, enquanto ouvia a conversa, começou a pensar nos últimos acontecimentos, lembrou-se de estar dentro do avião, e também da forte chuva, devia ter ouvido Moussa, agora que estavam mais claras suas lembranças, lembrou-se do acidente, do frio que sentiu e da chuva que caía sem parar, ainda confuso, lembrou-se de ouvir a voz de Kamilah pedindo-lhe para não morrer, será que sonhou? Foi muito nítido. Ele se agitou um pouco na cama, chamando a atenção dos homens que estavam no corredor, então eles se aproximaram, o médico veio primeiro, examinou as pupilas de Adonai, então confirmou que ele já estava consciente. Nicholas sorriu para o amigo, ele não manifestou nenhuma reação, então o médico começou a conversar com ele. —Como se sente? —Com muita dor. Minha cabeça parece que vai explodir. —Sim, ainda vai doer mais alguns dias, você está todo contundido e cheio de hematomas, além de uma fratura na tíbia. 203


Posso dizer que seu estado geral poderia ser bem pior. Você tem ideia de que dia é hoje? —Não. Não sei onde estou, estou confuso e minha cabeça dói. O médico olhou para Adonai e virou se para Nicholas. —Apesar da gravidade amanhã poderemos transferir seu amigo para Austin. Você pode fazer lhe companhia. —Enquanto vocês estão por aqui, vou dizer a senhora Thompson que ele está bem. O xerife falou para o medico. —Senhora Thompson? Nicholas perguntou. Os dois amigos se entreolharam. O xerife olhou para eles e respondeu: —Sim. Você a conhece? Ela é dona do rancho, uma mulher boníssima. Ela permaneceu aqui a noite inteira, enquanto seu amigo ardia em febre, acho que ela vai querer saber que ele está bem, não é mesmo doutor? —Bom acho que ela vai gostar da notícia, mas pode ser dita a ela pela manhã. O médico justificou, preocupado com as ordens que havia recebido dela, “só quero discrição, não quero que ele 204


saiba que eu estou aqui, e assim que ele estiver em condições, providencie para que ele seja transferido imediatamente daqui.”. Nicholas e Adonai sabiam muito bem que aquele nome só podia pertencer a Kamilah Thompson. Adonai precisava pensar rápido, não podia deixar aqueles homens sair dali e avisa-la, não! Ele não a perderia de novo. Nicholas percebeu a agonia do amigo, então olhou para o médico e falou: —Doutor? Adonai até agora pareceu não me conhecer, ele não me parece muito bem. Adonai sacou a ideia de Nicholas no momento em que ouviu o amigo falar. O médico se aproximou o examinou novamente, e lhe fez outras perguntas: —Você me conhece? —Não. —Sabe o seu nome? Adonai olhou para Nicholas e depois para o xerife. —Não. Está tudo vazio. É como se nunca tivesse tido passado. Não sei por que estou aqui e tão pouco quem são vocês. 205


—Adonai? Sou eu, Nicholas, sou seu amigo, trabalho com você. Nicholas falou com ele, mas ele fingiu, e fingiu muito bem. —Sinto muito, não lhe conheço, nem sei por que está me chamando assim. —Por que este é seu nome. Você se chama Adonai Karin al-Karin. Nicholas deu de braços e olhou para o médico. —Não vamos nos precipitar. O médico falou calmamente, ele levou uma pancada na cabeça, pode ficar por uns dias confuso, ou como era de esperar uma pequena amnésia. Vou administrar um relaxante muscular e um analgésico, ele vai dormir um pouco, mais tarde você volta a conversar com ele, e veremos o que vamos fazer. O médico saiu da sala e deixou Nicholas com ele, o xerife foi atrás do médico, então depois que Nicholas verificou onde os homens estavam voltou para o quarto. —Qual é o plano? Perguntou —Confesso que não sei. Adonai respondeu. —Ela não pode me ver, preciso pensar em algo rápido. Nicholas pensava 206


depressa. —Já sei, vou dizer ao médico que vou buscar um especialista em Austin. —E se não for ela? Adonai perguntou quase dormindo. —Você volta ao normal e peça para me chamarem. —Leila? Ela sabe o que houve? —Ainda não. Não se preocupe, vou cuidar dela. Quanto a você, tente resgatar seu amor, ou o que sobrou dele, o destino não lhe dará uma segunda chance. Você está me ouvindo? Nicholas perguntou. —Ainda te ouço. Respondeu com os olhos fechados. —Ficaremos assim, vou partir e você tenta reconquista-la. —Vou tentar... Então Adonai adormeceu. Já passava das dez da manhã quando o médico entrou no pequeno quarto, Adonai estava acordado, não sabia quanto tempo conseguiria enganar o médico, mas precisava tentar. —Bom dia Adonai?

207


—Se você disse que é um bom dia quem sou eu para duvidar. Falou com um pouco de dificuldade. O médico já estava ao lado dele medindo a pressão e a temperatura, enquanto a enfermeira trocava as bandagens dos ferimentos. John puxou uma cadeira e sentou-se em frente à cama de Adonai. —Você ainda continua sem lembrar nada? —Realmente doutor estou preocupado, por quanto tempo ficarei assim? Vazio, oco? —Confesso que não sei te dizer. Seu amigo foi a capital para buscar um especialista, apesar de que para mim essa sua condição é temporária, você não sofreu um trauma tão significativo, a ponto de ficar assim para sempre. —Entendo o que me diz, mas não compreendo porque aconteceu comigo. Respondeu Adonai, sem olhar diretamente para o médico. —Mas não se preocupe o mais importante agora é cuidar dos ferimentos. Gostaria de lhe dizer que fizemos uma transfusão em você. 208


—Transfusão? —Sim, você perdeu muito sangue, eu não tinha tempo para fazer uma coleta, então Thompson lhe doou, o sangue dela é compatível com o seu. Mas sossegue, ela é saudável, foi um dos motivos para ter lhe pedido que me ajudasse, caso contrário, você e eu talvez não estivesse conversando. —Tudo bem. Mas essa Thompson vou poder conhecê-la? O médico olhou para ele confuso, ainda não havia conversado com Kamilah sobre ele, aliás, nem sabia como abordar a ela, que deveria levá-lo para a casa dela onde era mais confortável, até o amigo dele voltar. —Ela deve estar trabalhando agora, mas vou pedir para que eles digam a ela para lhe visitar. Respondeu meio sem jeito, mas não sabia o que dizer.

Já passava da meia noite quando Kamilah chegou ao ambulatório, John já havia conversado com ela sobre a condição de amnésia de Adonai, apesar da apreensão, concordou em levá-lo para 209


a casa, lá ele teria mais conforto, e os rapazes poderiam lhe ajudar bem mais que ali. Ela entrou em silêncio, a enfermeira cochilava sentada atrás da mesa, e o doutor John estava no outro cômodo, também cochilava, Kamilah percebeu que todos já estavam estafados, ela iria pedir para que levassem Adonai, assim que amanhecesse o dia. Entrou silenciosamente na sala onde Adonai dormia, ela se aproximou da cama e viu que a aparência dele já estava melhorando. Abaixou e lhe deu um suave beijo nos lábios. —Que bom que você sobreviveu. Ela sussurrou. Ele percebeu o perfume, ela estava ali próxima a ele, ou era um sonho? Ela tremia apreensiva, morta de medo de acordá-lo, ela afagava os cabelos dele, o rosto, ele estava ficando louco, precisava abrir os olhos, mas isso poderia afugenta-la como uma ave assustada, era preciso controle. Ela pegou-lhe a mão e beijou-a, ele sentiu o calor dos lábios dela. E novamente ele a ouviu sussurrar: — que bom que você sobreviveu, meu amor. Era tanto o carinho que ele ficou quieto curtindo aquele momento, doce 210


momento. Com os olhos semifechados ele passou a observa-la, ela se movia com delicadeza, ele viu que ela estava bem mais magra, os seios estavam maiores, os quadris também estavam mais largos e o rosto estava mais iluminado, apesar das olheiras e do cansaço no rosto, ela estava magnifica. Ele jamais imaginara assim tão segura de si. Então ela se aproximou, ajeitou o travesseiro, esticou o cobertor, e verificou se ele estava bem. Depois parou novamente ao lado dele e sorriu, parecia feliz, ou ele estava sonhando, então ela o beijou novamente e saiu, ele abriu os olhos quando ela já não estava mais presente. Amanheceu e rotina começou a voltar ao normal, Kamilah fez uma cesta de café e foi para o ambulatório conversar com John, ela trouxe Isabel e o bebê com ela, então entrou de repente, Adonai a viu, ele ficou perplexo com a beleza dela, mas precisava se controlar, o médico olhou para ele e depois para ela, com a mão pediu para ela se aproximar, ela veio com um sorriso desenhado na face. —Vejo que o nosso visitante já acordou. Ela falou olhando para John. 211


—Bom dia. Ele falou a ela, ela respondeu suavemente. —Bom dia. Então olhou para Adonai, ele, porém pensou que ela estava realmente tirando a prova dos nove, estava tentando provoca-lo. —Bom Adonai, você queria saber quem era a Thompson, aqui está ela. —Olá Adonai, eu sou a Kamilah, espero que você esteja bem, hoje você irá para minha casa, lá será mais confortável para você se recuperar. Ela falou olhando nos olhos dele, ele a olhou, contou até mil, para se controlar então respondeu: —Imaginei que a senhora fosse mais velha. Ela sorriu. —Não diga. Sério? Mas não. Sou eu mesma Kamilah Thompson. —Obrigado por ajudar a salvar minha vida. Ele falou. —Faria isso por qualquer pessoa. —É eu já imaginava. Ele respondeu sem gostar da resposta dela. —Que lugar é este? Ele perguntou tentando se localizar geograficamente. —Você está ao sul de Austin, o rancho se localiza entre Houston e Beaumont. Kamilah lhe respondeu, ciente 212


do risco que corria caso ele se lembrasse dela. —Espero poder retribuir o bem que me fez Kamilah. Ela arrepiou-se ao ouvir seu nome. —Você já me retribuiu, está vivo. Isso é o que importa. Ela falou olhando para ele. —Por que me olha? —Estou vendo os ferimentos, esse corte em sua testa foi profundo, espero que não fique cicatriz, seu rosto é muito bonito para ficar marcado. Falou com tristeza. Ele sorriu e complementou. —A pior cicatriz é aquela que fica no coração, essa ninguém vê, mas é de uma dor insuportável. —Eu sei. Todos nós temos uma guardada. Mas eu não chamaria de cicatriz, mas sim de ferida, cicatriz não dói, ela incomoda por um tempo, mas depois ela deixa de existir, por que ela passa a compor algo na vida da gente. Então se levantou e foi saindo. —Aonde vai? Perguntou ele —Tenho compromissos, mais tarde nos veremos. Tudo bem? 213


—Tudo bem. Não vou poder fugir mesmo. Aquela resposta lhe acendeu algumas dúvidas, ele percebeu, mas fingiu que estava distraído com a enfermeira. Então ela saiu e foi pensando sobre o assunto. “será que ele está realmente com amnésia?”

CAPÍTULO NOVE Os dias foram passando e a recuperação de Adonai se mostrava cada vez mais rápida, em poucos dias ele já havia se tornado amigo de quase todos no rancho, constantemente estava acompanhado do médico ou de uma das enfermeiras, e de vez em quando o xerife também aparecia menos Nicholas, aquilo deixou Kamilah muito desconfiada, mas John lhe garantiu que ele sempre estava em contato que não havia por que ela ficar preocupada. Muitas vezes Kamilah pegou no telefone para falar com Leila, 214


mas sempre desistia no fundo ela estava gostando daquela condição de Adonai, sem memória, ela poderia ficar próxima a ele sem medo, sem culpa. O sol estava quente e Kamilah estava caminhando por entre a plantação de trigo pensando em como seria no momento em que Adonai fosse para sua casa, ela ainda não sabia o que fazer, mesmo sem memória, ela ainda tinha uma certa reserva com ele por causa de Ethan, até aquele momento, ainda não havia dito a ele que possuía um filho, e naquela tarde, esse segredo deixaria de existir, por que ele iria para sua casa, iria para perto do filho. O calor estava insuportável, por um momento pensou em se banhar no lago, mas deixaria para outro dia, enquanto saia da plantação, um índio da comunidade surgiu no meio da vegetação, ela se assustou, mas se conteve, ele sorriu para ela, então ela relaxou novamente, ele trazia nas mãos algumas ramas do trigo e do capim, ela o olhou curiosa, antes de perguntar-lhe o que estava fazendo, ele lhe falou:

215


— É com essas ramas que fabricamos os balaios para vender no comércio. — Eu sei, Mamymacaia me mostrou o trabalho de vocês. —Mamymacaia gosta muito de você. O índio declarou e logo foi caminhando sentido à comunidade, Kamilah por sua vez passou a mão na rédea de sua égua e veio caminhando, ao lado dela a égua dava sinal de que queria cavalgar, ela sabia que todos os dias naquele horário ambas se entregavam ao vento da planície, mas aquela tarde seria diferente, Kamilah iria enfrentar algo que não tinha certeza de como ficaria depois. Passou pelo barracão onde algumas máquinas estavam sendo preparadas para a colheita do trigo, conversou com o responsável, arquitetaram alguns planos de venda, então ela seguiu para a casa. Subiu na sela de seu animal e bateu nos flancos da égua, e a égua saiu em disparada até o rancho. Ao passar pela pequena porteira a égua entendeu que estava indo para a casa, logo elas já estavam no estábulo, Kamilah retirou a sela e a pendurou na cerca de madeira, então pegou uma 216


mangueira e jogou água no animal, o calor estava imenso, era preciso refrescala, mas na verdade, Kamilah estava era tentando desacelerar o coração, pelo horário, já deveriam ter levado Adonai para sua casa, ele já deveria estar acomodado no quarto em que ela arrumou para ele, provavelmente ele deveria estar deitado, pois ainda estava debilitado por causa da fratura na perna. Já tinha molhado a égua o suficiente, então pegou uma escova e foi alisar o pelo negro da égua, não queria pensar, mas não tinha jeito, quanto mais escovava, mais seu coração apertava. Deixou de fazer aquilo e foi buscar um balde de feno e de trato para colocar no cocho, verificou a água e depois se sentou em um tronco caído perto da coxia, olhou para frente e viu o velho Thomas vindo em sua direção, ela o aguardou silenciosa, ele veio e sentou-se ao lado dela, ela o olhou esperando o que ele tinha pra falar. —Cigarro? Ele ofereceu. —Thomas já lhe disse que isso ainda vai te matar. —Eu sei, mas se fosse você eu fumaria um. 217


Ela sorriu para ele enquanto ele acendia o cigarro, ela acabou pegando um também, ficaram assim enquanto o sol se encobria atrás da colina. —O moço já está acomodado. Thomas falou a Kamilah. —Isabel levou o menino lá pra casa, pedi a ela pra esperar você chegar. —Thomas, você é um amor, obrigada por ter se preocupado comigo, mas vou ter que enfrentar isso sozinha. —Eu sei, mas estamos aqui. —Obrigada meu amigo. —Eu não faria diferente, minha filha, te conheço desde quando ainda estava na barriga de sua mãe. —Você conheceu minha mãe? —Ela e seu pai. Ele era um árabe como o pai de Ethan. Kamilah levou um susto quando ouviu aquilo, meu pai um árabe? Pensou. —Meu pai um árabe? Minha tia nunca me falou sobre isso, me conte isso direito. —Não conheço muito bem a história, mas sei que logo que sua mãe deu a luz a você, ela lhe trouxe para ficar com Sabina enquanto viajavam para o 218


Oriente médio junto de seu pai, eles nunca mais voltaram o avião em que estavam caiu, e ambos morreram no acidente. —Mas por que minha tia nunca me falou sobre isso? —Por que era desejo de sua mãe que você fosse criada aqui, não no meio das areias do deserto. —Não entendo. Mas meu nome não é árabe. —Não. Sabina tratou de despistar os parentes que queriam lhe levar daqui. Logo eles desistiram, e tudo voltou ao normal. —E agora a história volta novamente as nossas portas, é por isso que ela está tão preocupada? —Acho que sim, mas não acredito que esse moço venha lhe tirar o menino. —Espero que você tenha razão. Adonai já estava na casa de Kamilah, porém ela não estava lá para recebê-lo, ficou um pouco decepcionado, mas teria que se conter, ou seus planos iriam por água abaixo, ao entrar na moradia percebeu que apesar da 219


simplicidade da decoração havia um certo requinte, os cômodos eram espaçosos, as portas de vidro da sala ampliava o ambiente, as janelas eram molduras para a colina que se estendia ao sul, viu também que ela possuía um excelente escritório, além dos diversos livros na estante, havia um computador e também uma televisão, na sua frente havia uma escada, que com certeza levaria para os aposentos dela, observou algumas fotografias na parede que acompanhava os degraus, viu várias fotos de um bebê, então olhou para o lado e visualizou um pequeno cercado, onde havia algumas almofadas e alguns brinquedos, além de Kamilah, ali naquela casa havia uma criança e provavelmente poderia ser o filho dele, a constatação daquela hipótese trouxe uma ansiedade enorme para Adonai, o jogo ficaria ainda pior, ele pensou como ignorar esse fato? Jack se aproximou dele e chamou-lhe a atenção: —Adonai? Você está bem? -Adonai olhou para o rapaz, por um mísero instante, respirou fundo e então respondeu. —Sim. 220


—Por um instante achei que você estava passando mal, você quer ajuda para ir para seu quarto? —Acho que não. Vou precisar usar as escadas? —Não. A senhora Thompson lhe reservou um quarto aqui em baixo, venha, vou lhe mostrar. Ainda se adaptando as muletas e com algumas dificuldades Adonai seguiu Jack, entrou atrás do rapaz e viu com uma enorme surpresa um quarto muito bonito, as paredes eram revestidas de madeira, e os móveis eram rústicos, a cama de casal, parecia muito confortável, havia um armário e uma cômoda com um grande espelho sobre ela, no canto havia uma mesa, onde além de alguns livros e revistas havia também um laptop. Ele viu também que o quarto possuía um closet e um banheiro. Uma grande janela levava para uma varanda, onde ele podia ver uma enorme plantação dourada, ele ficou maravilhado com aquela beleza natural. —O que é aquilo? —Plantação de trigo. —É lindo. 221


—Sim. Também gosto de ver a cor. Jack olhou para ele e viu a semelhança de Ethan estampada na cara do sujeito. — Espero que fique confortável, qualquer coisa, me chame pelo interfone, você deve ter visto o laptop, a senhora Thompson mandou lhe dizer que temos internet no rancho, e os canais da tv é por assinatura, acho que você vai conseguir se distrair. —Não sou muito acostumado com essa tecnologia. Jack teve vontade de rir, mas se segurou. —Afinal, onde está sua patroa? Adonai finalmente perguntou. —Deve estar voltando dos campos. Disse isso e saiu dando-lhe um pequeno sinal com os dedos na testa. Adonai ficou olhando ele sair, então colocou as muletas no canto da cama e sentou-se para aliviar um pouco a dor, ajeitou o travesseiro e deitou-se, ficou ouvindo o barulho externo, lembrou-se por um momento de seus dias no deserto, às vezes depois de levar as cabras para pastar, costumava se esconder entre as almofadas das tendas e ficava lá deitado ouvindo o barulho externo, mais tarde aprendeu com algumas servas a 222


aproveitar melhor seu descanso nas almofadas, até o dia em que seu preceptor o encontrou entre duas raparigas e o repreendeu por isso, nunca soube o que aconteceu com as pobres servas. Mas com ele sim, ele foi mandado para a Europa estudar, seu tempo de acampamento havia terminado, seu pai viera lhe buscar e algumas semanas depois seu dishdasha16 índigo e seu Tagelmust17 azul de costume foi substituído pelo terno, e nunca mais soube o que era ser livre, desde que saíra do deserto, ele só vivera em função do seu trabalho, nunca soube o que era dor até conhecer Kamilah, e agora ele estava ali para confrontar novamente com o destino e de vez, escrever uma nova história para ele. As vozes pareciam que estavam próximas da casa, mas preferiu ficar ali, curtindo aquele momento, se preparando para enfrentar uma tempestade tão forte quanto a que enfrentou há poucos dias. De repente, o barulho de uma porta se abrindo, o colocou em alerta, será que era 16

É uma túnica características dos beduínos. Turbante usado pelos tuaregues cobre todo o rosto exceto os olhos. 17

223


ela chegando? Ficou sem respirar por um momento, então ouviu passos no corredor e depois no degrau da escada, alguém havia subido. Decidiu se levantar e lentamente caminhou até a sala, havia algumas poltronas, sentou-se em uma que dava visão até na cozinha e consequentemente via também o enorme pátio do lado de fora, onde uma fogueira estava sendo preparada, alguns homens já estavam se reunindo envolta dela. E Paul começou a cantarolar uma canção típica deles, “escuta-me preciso de uma chance para dizer a ela o quanto ainda a amo, ela é tudo, espero que quando essas poucas palavras chegar até ela, ela possa me perdoar”, de olhos fechados e com a cabeça inclinada para trás, ele pensava na profundidade daquela canção, da porta Kamilah o observava, ele percebeu a presença dela no ambiente, então abriu os olhos e a viu, ela vestia um vestido de algodão rosa estampado com pequenas flores de alças finas sobre o ombros, ele cobria os contornos suaves do corpo dela, fazendo-a parecer leve, os cabelos negros estavam soltos, estava linda, Adonai se 224


sentiu desconfortável ao vê-la, tamanho era o desejo que crescia dentro de si. —Vejo que você está descansando, como foi seu dia? Ela perguntou com suavidade. Ele sorriu para ela desmontando toda as estratégias que ela havia planejado. —Sim, eu realmente estou bem confortável, sua casa é linda. Respondeu. —É mesmo, gosto muito daqui. Então, vamos comer alguma coisa? Você prefere comer na sala de jantar ou na cozinha junto do pessoal? —Claro que é na cozinha. Não gosto de formalidades. Ela ouviu atenta aquela afirmação. —Então venha. Precisa de ajuda para se locomover? —Estou conseguindo dar meus pulos. Falou sorrindo, ela também sorriu e o esperou para irem juntos até a cozinha. — Sua casa é espaçosa, quantos vivem por aqui? —Com você? Inteirou dois e meio. —Não entendi. —Calma, já que lhe esclareço.

225


Entraram na cozinha onde meia dúzia de gente já estava sentada, bebendo e comendo, todos viraram para eles. —Patroinha! E seu convidado nos honra à mesa? Um dos peões falou erguendo uma caneca. —George, você já bebeu demais por hoje. Jack falou da extremidade esquerda da mesa. —Vamos se ajeitem. O velho Thomas foi ajudar Adonai a se sentar, enquanto Kamilah preparava um prato com folhas verdes, tomates, salada de batatas e pãezinhos. Colocou sobre a mesa diante de Adonai, depois foi até a carne assada e cortou alguns pedaços, deixou o molho adocicado à parte, pois não sabia a preferência dele. —Sirva-se. Disse a ele. —Espero que goste, eu prefiro comer sem o molho. —Obrigado. Ele respondeu. — Está muito apetitoso. Ele continuou, Então ele observou que ela estava preocupada com a porta da outra casa, a todo o momento olhava em direção da casa. Então ele lhe perguntou: 226


—Algo lhe preocupa? Ela olhou para ele, seu olhar estava carregado, estava começando a sofrer por alguma coisa, apertava as pontas dos dedos, parecia que estava nervosa. —O que está lhe incomodando? Ele perguntou novamente. Ela sorriu timidamente e respondeu: —Por enquanto nada. Então o choro de uma criança chegou até eles, agora era o momento da verdade, os dois se entre olharam, pálida ela se levantou da mesa e foi encontrar Isabel e o bebê. —Me perdoa Kamilah, você ficou fora o dia todo, ele sentiu sua falta... A criada lhe explicou, ela sorriu para Isabel e falou: —Eu compreendo Isabel, não se preocupe. Adonai quase enfartou ao ver o menino no colo de Kamilah, de onde ele estava não dava pra ver direito, mas ele viu... Rezou internamente para se controlar. Jack observou bem a expressão dele e pensou: “pra quem está com amnésia à reação ao ver o bebê foi um tanto suspeita”. Kamilah pediu licença a 227


todos e entrou para cuidar do esfomeado bebê. Ela foi para o escritório e sentou-se em uma poltrona de frente para a janela, alimentava Ethan dando-lhe o seio materno, o menino sugava-lhe o leite olhando-a nos olhos, suas mãozinhas gordinhas davam pequenos tapinhas no peito da mãe, ela conversava com ele em sussurros, ora ele parava para ouvi-la, ora ele sugava-lhe o peito, ficou assim por meia hora, enquanto isso Adonai estava parado de chofre na porta observando aquele espetáculo silencioso, aquele bebê era tão lindo quanto à mãe que o amamentava, ele ficou encantado com aquela criança, seu coração encheu-se de alegria, ele sentiu uma emoção tão forte que quase desmaiou o que era aquilo? Perguntou a si mesmo, que emoção forte era aquela que invadia sua alma? Aquela visão seria única, de repente ela virou-se e o viu na porta, seu coração quase parou, ele estava pálido, ela sentiu um medo, mas controlou-se. —Por favor! Sente-se aqui, já estou terminando. Ele entrou meio desajeitado e conseguiu sentar-se a frente dos dois, o 228


bebê se distraiu, parou de sugar e olhou para ele, sorriu e voltou novamente para sua fonte de alimento. Lágrimas silenciosas desciam dos olhos de Adonai, seu filho era a cópia perfeita de si próprio. Ela esperou ele falar, ela esperou ele explodir, mas nada disso aconteceu. Ele permaneceu em silêncio até que o bebê deu por vencido e parou de sugar o leite da mãe. —Seu filho é lindo. —Obrigada. —Qual a idade dele? —Oito meses. O silêncio pairou novamente naquela sala. —Vou colocar ele para dormir, você se importa? Perguntou meio sem graça, ele levantou a cabeça, então ela viu o sofrimento nos olhos dele, aquilo lhe cortou o coração. —Aposto que o quarto dele é lá em cima? —Sim. —Posso subir com vocês? —Você acha que consegue são dois lances de escada com cinco degraus cada um. 229


—Não me prive deste prazer. Ele respondeu de repente. Ela o olhou em silêncio, como se tivesse analisando o sofrimento dele, então disse: —Venha vou lhe ajudar a subir. Ele apoiou em uma das muletas e devagar subiram as escadas, o corredor que tinha na parte de cima era largo, então ele pode se locomover melhor, a vista lá de cima era magnífica, ele viu uma sala com uma lareira e também três quartos, um deles era o do bebê, ela entrou na frente, enquanto trocava a fralda do menino, Adonai olhava o ambiente, viu algumas fotos mãe e filho, o filho sozinho, viu um álbum em cima de uma mesinha, ficou curioso para ver, mas se conteve, então ao lado do berço viu sua foto em um porta-retratos, ele ficou emocionado, então ele foi para a sala para que ela não vesse o turbilhão de emoções que lhe rasgavam o peito. Kamilah colocou o bebê no berço, e ao olhar para o lado viu a foto de Adonai, ela retirou o porta-retrato e o colocou na gaveta. Não seria bom ter que explicar a ele aquela foto. Saiu do quarto do menino e foi para o seu se recompor, Adonai foi ao quarto 230


do bebê e entrou; o menino já estava deitado, ele se aproximou e estendeu-lhe a mão, o menino lhe segurou um dos dedos e olhou diretamente para os olhos do pai. —Olá filhão! Você sabe quem sou? Não sabe? Eu sou seu papai. O menino segurava o indicador de Adonai como se soubesse quem era ele. Aquela sensação era boa demais. Adonai estava seguro que não ficaria longe do filho jamais, “eu te prometo que ficaremos todos juntos, você, a mamãe e o papai” pensou olhando para o filho. Ele escutou os passos de Kamilah no corredor, deixou o menino e a contragosto saiu do quarto, ela o viu saindo do quarto do menino. Antes que tirasse alguma conclusão, Adonai lhe falou: —Pensei que você estivesse aqui, por isso entrei. —Tudo bem, não tem nenhum problema. Venha para a sala, eu trouxe um café. Ele veio, devagar então colocou as muletas perto de uma parede e se sentou ela também já estava acomodada. Então lhe serviu uma xícara de café, havia uns 231


biscoitinhos na bandeja, mas naquele momento quem queria comer? —Você deve estar se perguntando sobre o bebê? Ela arriscou. —Não. —Não? Ela repetiu. —O que posso lhe dizer seu filho é lindo, o pai dele deve ter muito orgulho por ter dado a vida a uma criatura tão especial quanto este menino. —Não era disso que eu lhe falava. Mas agradeço por ter falado. —Sinto muito, às vezes me perco nas palavras. Ele desabafou. Ela ficou em silêncio, de repente ela voltou no dia em que Rick faleceu, fechou os olhos e deixou fluir, ele se exasperou com aquele silêncio, e levantou-se antes de colocar tudo a perder, ela olhou para ele, —Aonde vai? —Vou dormir. —Espere, vou lhe ajudar. Ele fechou os olhos, para apagar aquele sentimento de revolta contra ela e contra ele, respirou fundo. Então ela lhe segurou pelo braço. Era uma tortura sentir as mãos dela em seu braço, o toque 232


dela queimava, ele estava ficando sem ar. Desceram as escadas e seguiram para o quarto em silêncio. Ele entrou e se soltou dela, ela pegou as muletas e colocou perto da cama. Ele se sentou, e abaixou a cabeça, ficou esperando ela sair, mas ela permaneceu ali parada olhando para ele. —Precisa de ajuda? Ela perguntou —Não. Preciso ficar só. —Tudo bem. Amanhã um dos rapazes virá te dar uma ajuda no banho. Ele riu, e respondeu a ela: —Eu preferiria que fosse você, não me agrada ser ajudado por nenhum homem. —Então vejo que você vai ficar sem banho, por que eu não vou fazer isso. Respondeu séria para ele. —Eu já sei, por isso vou me virar. Espero que você fique com remorsos por negar um banho a um necessitado. —Vou pensar. Saiu rindo, já no corredor ela gritou boa noite. O dia amanheceu e Kamilah já estava na cozinha, Isabel a olhou de esguelha e ficou se perguntando até 233


quando ela ficaria com aquelas olheiras. Pelo menos hoje estava com os óculos escuros. —Isabel não me espere para o almoço. Hoje começa a colheita, vou supervisionar e depois mais tarde estarei na comunidade, espero você e o meu bebê por lá. —Estou vendo que você dormiu com os escorpiões essa noite. —Não dormi com os escorpiões. Eu não dormi, perdi meu sono em alguma pradaria. Saiu batendo a porta. Pegou a caminhonete e foi para a plantação, à colheita duraria umas três semanas, caso não chovesse, chegou aos campos de trigais e viu as colheitadeiras se aquecendo, um dos funcionários veio encontrar-se com ela. —Bom dia. —Bom dia Robert, então qual será a expectativa para este ano? —Não são as melhores, o tempo não ajudou muito, essa seca que assola o estado pode ter nos prejudicados. —É estou acompanhando os noticiários, o preço da saca também não 234


está ajudando muito. Mas vamos torcer pelo melhor, espero resultados positivos. Vou para o barracão, e depois vou verificar os silos. —Ok. Daqui a pouco te encontro lá. Kamilah foi até o barracão e verificou as planilhas de custos para a manutenção das colheitadeiras, eram bem altas, mas o sistema de cooperativa entre os outros produtores aliviaria um pouco os gastos. Concentrou-se nos papéis que estavam sobre a mesa, por pouco tempo, logo Adonai já estava assombrando-a novamente. Largou tudo e saiu para ir até os silos, estava tudo em ordem, sentou-se em uma das plataformas construídas para facilitar o trabalho de armazenagem e ficou olhando as maquinas indo e vindo, aguardava as notícias. —Você está ai? Jack chegou junto com Robert, ela estava deitada e se levantou rapidamente. —Me digam, o trigo é de péssima qualidade? —Não, acho que nós fomos abençoados, mesmo com o preço baixo, podemos armazenar e esperar o melhor momento de vender. Jack lhe respondeu. 235


—Que bom isso significa que teremos comemoração. Kamilah pulou de alegria nos braços do amigo, ele a girou e concordou com a festa. — Jack agora isso aqui vai ficar por sua conta, preciso ir ver meus indiozinhos, depois ir pra casa. —vai tranquila. Eu cuido de tudo. O silêncio era imperativo na casa, Adonai acabara de acordar, não tinha noção das horas, mas provavelmente deveria ser bem tarde, levantou-se devagar e arriscou ir ao banheiro sem as detestáveis muletas, precisava de um banho, e outras necessidades, e elas não estavam ajudando-o em nada nesse sentido. Um tempo depois ele já circulava pela casa, foi até ao quarto do menino e viu que ele também não estava lá, lembrou-se de alguém lhe dizendo que Kamilah costumava ir a uma aldeia de índios e levava o bebê com ela, então desceu e foi direto para o escritório, viu que Kamilah estava bem servida de tecnologia, logo ele estava fazendo contato com seus representantes, conversou com Nicholas e soube do andamento das empresas, depois de alguns outros pormenores pediu para Nicholas colocar 236


sua irmã a frente das empresas até ele retornar, ela tinha experiência empresarial, com certeza daria conta do recado. Depois de conversar com Nicholas, falou com Leila, foi um custo convencê-la, há não aparecer ali, mas depois de lhe explicar o que pretendia fazer, ela concordou e resolveu ficar a frente das empresas até ele retornar. Ele se sentiu satisfeito, agora podia começar a agir com Kamilah, a noite não tinha sido fácil, custou a dormir, mas o cansaço e o esgotamento físico cederam aos efeitos da medicação que ainda tomava. Caminhou até uma bonita sala, havia algumas almofadas espalhadas pelo tapete e um belo sofá que contrastava com a madeira da parede formando um belo conjunto, as obras de artes pelas paredes mostravam um pouco da personalidade marcante de Kamilah. Ele abriu a grande porta que dava para a varanda, olhou para longe e observou a pequena colina que se estendia, era uma visão bonita, viu um pequeno banco ao lado da grade que circulava a varanda então se sentou, observando a vida 237


naquele lugar. Era paradisíaco. Pouco depois de se sentar Isabel apareceu. —Boa tarde senhor Adonai. Descansou um pouco? —Sim. E a sua patroa? Onde ela está? —Neste horário? Já está na comunidade indígena, o bebê está com ela, mais tarde vou buscá-lo, ela costuma sair de lá e ir cavalgar com Chayenne até o platô do outro lado. —Ela faz isso todos os dias? —Em se tratando de Kamilah tudo é possível. —Como assim? Ele perguntou olhando para aquela jovem mulher de corpo roliço, porém muito bonita, seus cabelos claros eram um contraste aos olhos castanhos, a pele era bem clara também, formando um belo conjunto. Estava vestida com um velho jeans, e calçava uma bota, no pescoço ela trazia um lenço azul. Seu estereótipo mostrava que ela pertencia ao campo. Seu sotaque arrastado demonstrava que tinha pouco estudo.

238


—Depois da depressão que teve, ela sempre está inventando alguma coisa para ocupar o tempo. —Ela ficou doente? —Doente? Nós achamos que ela nunca mais fosse se recuperar, mas com o nascimento do menino a vida dela começou a ganhar brilho, logo o chefe da comunidade indígena a chamou para ajudar na pequena escola, aos poucos ela foi resgatando sua autoestima. —Ela nunca falou sobre o pai da criança? —Nem precisava moço, se ela estava sozinha, boa coisa não deve ter de acontecido. O pai do moleque a fez sofrer demais, ela se arrastou por meses durante a gravidez. Quando o menino nasceu, trouxe alegria para todos nós. Enquanto Isabel falava, Adonai ficou refletindo, quando ela sumiu da vida dele, ele também vegetou por meses, se ela sofreu, ele sofreu muito mais por causa do remorso. Principalmente depois de descobrir que ela estava grávida, ele não se conformava de ter sido tão estúpido, agora o destino havia os colocados juntos novamente, ele precisava 239


reconquistá-la, era preciso se redimir das culpas. Isabel olhou para ele e viu o quanto ele também estava sofrendo. —Sabe que essa barba lhe deixa muito velho, você deveria tira-la. —Hoje ao levantar pensei nisso também, acho que você tem razão, já está na hora de tirar isso. Isabel concordou depois se levantou e foi até a cozinha e arrumou um lanche para ele, então trouxe a bandeja e lhe entregou. —Coma um pouco, eu vou buscar Ethan. Meu pai virá aqui para lhe ajudar em alguma coisa que precise. Adonai pensou no nome do menino, um nome hebraico, muito bonito, significa ser forte, firme, seu primogênito recebeu um nome a altura, aquilo lhe deixou feliz. Kamilah chegou um pouco antes do escurecer, ao subir as escadas deparou com pai e filho brincando, a cor fugiu do rosto dela, o medo de Adonai levar seu filho invadiu seu pensamento como um raio em noite de tempestade, ela ficou apreensiva, cumprimentou a todos com dificuldade. Tanto ele quanto os demais 240


que estavam na varanda viu a transformação que ocorreu na face dela, ele conhecia bem aquela expressão, ela estava com medo, “medo? Medo de que? ” Ele pensou, “será que ela pensa que vou levar o menino comigo? ” “Que tolinha, acreditar nisso. ” Ele ria intimamente ao constatar essa possibilidade. A imagem dos dois era muito bonita, Ethan sorria para o pai como se o conhecesse desde o princípio, Adonai estava radiante, era como se soubesse que aquele menino é parte dele também, pensou Kamilah. O menino ao ver a mãe manifestou alegria e do colo do pai estendeu os bracinhos exigindo o colo da mãe. Todos riram do beicinho que ele ameaçou ao ver que poderia ser contrariado. Ela sorriu e o pegou. —Oh! Meu coração não precisa chorar a mãezinha já está aqui com você. De esguelha observou Adonai, ele a observava de uma maneira tão terna, tão amorosa, que a esperança brotou em seu coração. Ela sorriu para ele. —Tudo bem com você? Perguntou a ele. 241


—Sim. E você? —Cansada, mas estou bem. Preciso de um banho. —Precisa é de se alimentar. Isabel se aproximou e pegou o bebê. — Vá se cuidar. Nós ficaremos com ele por enquanto. Concluiu. Kamilah olhou para ela e concordou, entregou-lhe o menino e entrou para tomar um banho. Mais tarde ela encontrou Adonai no escritório lendo alguns jornais que o xerife havia trago para ele, ela se aproximou da mesa, então ele abaixou os jornais e deparou com a imensidão daqueles olhos verdes, que o intrigou. —Vejo que você já está sem o gesso. Ela começou —O doutor John retirou hoje. Agora no lugar das muletas usarei por um tempo uma bengala. Ele fez uma careta de desagrado. Ela achou o maior charme. —Veja pelo lado bom, a bengala lhe dará um ar britânico. —Eu? Britânico? Você está brincando, não gosto muito da frieza dos britânicos. 242


—E agora que você já está recuperado, pretende partir quando? Ela lhe perguntou. Ele desviou o olhar do rosto dela e respondeu casualmente. —Ainda não sei o que fazer. Ainda estou sem passado, preciso recuperar minhas lembranças. Olhou dentro dos olhos dela e continuou. —Pelo menos as boas lembranças. Aquilo realmente mexeu com a libido dela, ela se viu derretendo nas mãos dele novamente, sentiu o rosto queimar. E ele viu que ela corou. —Bom pelo menos em Austin, você terá ajuda de outros especialistas, sem contar que seus amigos e sua família estarão com você. Falou complacente, mexendo em uma caneta que estava em cima da mesa. —Você quer que eu parta? —Não! Não é isso. Apenas estou preocupada com você, e também estou pensando que as pessoas que lhe querem bem devem estar preocupadas. —Eu prefiro esperar. Eu prefiro ficar aqui por enquanto se você não se importar. 243


—Se é seu desejo. Eu não me oporei a ele. Sorriu e virou para sair daquela sala. —Vou fazer um lanche, quer me acompanhar? —Pode ir, daqui a pouco chego lá.

CAPÍTULO DEZ

Um forte choro acordou a casa inteira, Kamilah correu para o quarto do dono daquele berro estridente, chegou à porta e encontrou Adonai com o menino no colo, tentando acalmá-lo, mas de nada adiantava. Kamilah se aproximou do menino irritado e o pegou, em alguns instantes ele já estava se ajeitando no colo da mãe, como um bezerro já estava se alimentando do leite materno. Kamilah olhou para Adonai e lhe indicou a poltrona do lado oposto de onde estava sentada. De repente ela deu um grito de dor. 244


—Ai! Seu danadinho, você acabou de me morder, ela falou olhando para o menino, que a olhava com um ar de sapeca. —Ele te mordeu? —Sim. Então ela o tirou do seio e com o dedo indicador ela foi massageando a gengiva do menino, que surpresa, havia dois dentinhos apontando na parte inferior da boquinha. Tanto ela, quanto Adonai ficaram felizes com aquela descoberta, riam-se mutuamente, —Então esse era o motivo de tanta irritação nos últimos dias. Adonai falou fazendo um afago na pequena bochecha do menino. Já estava amanhecendo, o céu já se pintava de vermelho com laranja, o dia prometia ser bem quente. O filho de Kamilah adormeceu novamente, ela o colocou no berço e saiu do quarto junto com Adonai. —Vou me arrumar, preciso ir até a lavoura, estamos finalizando a colheita, acredito que teremos bons resultados, apesar das perspectivas serem pessimistas, nós teremos retorno. 245


Adonai achou um encanto ela comentar sobre o que estava fazendo, ele nunca a imaginou assim, proprietária, ainda mais de um rancho. —Não entendo muito de agronegócio, minha área é totalmente oposta. Ao falar aquilo ele gelou, havia cometido um engano. —Adonai, você já está começando a se lembrar de coisas da sua vida, você percebeu o que acabou de me dizer? —Como assim? Ele quis fazer-se de bobo. —Como assim? Você acabou de me dizer que seu trabalho é o oposto do meu, ou seja, você está se lembrando do que faz. —Eu falei sem perceber. —Só mais um esforço e sua memória volta, e então você poderá retornar para sua vida. —É isso que você quer? Que eu volte para minha vida? —Não sei. Ela respondeu abaixando a cabeça. —Eu preciso ir. O dia estava demorando passar, Adonai já estava ficando impaciente, era preciso avançar, mesmo que isso 246


significasse perder Kamilah, aquele joguinho que ele começara, não estava levando ele a lugar algum, a cada aproximação, ambos temiam um ao outro, tanta mágoa, que era necessária outra vida para pedir perdão. Mas aquela noite tinha que decidir o que fazer, estava ali há quase dois meses e meio, e não tinha feito nada para se aproximar agora ele já não tinha desculpas para ficar, a não ser que dissesse a verdade. Pensar em voltar para sua vida sem Kamilah e o filho deu-lhe um gosto amargo na boca. Levantou-se da frente do computador e foi até a janela, olhou a paisagem, quantas vezes na solidão dos dias ela deve ter feito a mesma coisa, agora ele estava ali, se torturando, pesando entre o que seria mais importante para a vida deles, por que não podia mais pensar apenas nele, mas no que ele queria ao lado da mulher que ele escolhera para amar e o filho que haviam gerado. O dia finalmente já estava chegando ao fim, daqui a pouco ela estaria atravessando aquela porteira e indo em direção ao estábulo, sempre que podia ele observava ela ao longe, imaginando o que estaria povoando 247


aquele coração. E agora era a hora de atravessar aquela barreira e arriscar. Como sempre fazia no seu mundo de negócios. Ela vinha a passos lentos para casa, naquela tarde não foi cavalgar ao se aproximar observou que ele estava sentado nas escadas, vestia uma camisa de algodão e uma calça jeans cedida por Paul, estava muito atraente, mesmo com aquela barba, ele era muito bonito, os olhos dele tinham um brilho diferente, alguma coisa estava acontecendo, ela percebeu que ele estava lutando com algo, intimamente, será que ele havia recobrado a memória? E a esperava para fazer novas acusações. O coração de Kamilah começou a bater descompassadamente, ela não aguentaria, e o que é pior ela não poderia nunca permitir que ele lhe tirasse o filho. À medida que se aproximava, sua boca começava a secar, seu estomago dava voltas como se tivessem dando nós. Ela o amava tanto, mas não poderia permitir que ele a deixasse aos cacos novamente. Ele a olhou tão profundamente que ela teve a impressão de ser beijada por ele, foi possível sentir a 248


posse do beijo nos mínimos detalhes, um calor percorreu lhe toda a espinha, ele por sua vez se sentiu rijo, seu sexo parecia uma pedra dentro da calça, se ele não tivesse bom senso poderia possuía-la ali mesmo. Que tortura! Antes de ele manifestar qualquer coisa, ela falou sem rodeios: —A colheita terminou. Os rapazes decidiram comemorar no barracão, estão preparando um churrasco, vai ter bebida e muita dança. Quer me acompanhar? —Será um prazer. Porém acho que dançar vai estar fora de questão. Respondeu sorrindo. Apesar da resposta Kamilah viu claramente que algo realmente estava acontecendo, ele estava preocupado. Preferiu não perguntar, só de imaginar que ele havia recobrado a memória, ela engoliu o bolo que se formava em sua garganta. —Ótimo você vai gostar de conhecer o pessoal, tenho certeza que essa noite vai ser especial para todos nós, hoje é um dia místico para os índios Patiris. —Índios Patiris? —Sim, eles são meus vizinhos. Eles acreditam que a lua tem o poder de 249


modificar o destino do homem conforme sua força; no dia de hoje eles fazem um ritual no topo da colina, eles pegam um círculo feito de madeira e tece uma rede de fios de crina de cavalo, ali naquele momento sagrado um espírito de nome Iktomi vem e inspira o velho xamã lhe contando sobre as boas e más forças que atuam sobre nós em cada uma dessas fases. Os índios se preparam para receber as boas influências para serem felizes durante o ano. Ele estava diante dela próximo a milímetros de sua boca, a voz sedutora dele a fez esquecer o que estava falando, um furacão estava começando a se formar novamente. —Tenho certeza que será algo mist... Ele a beijou. Foi tão terno, tão quente, ela se entregou aquele beijo arrebatador. Lembranças e desejos afloraram naquele instante, ela segurou lhe pela cintura para não cair, ele sentiu a maciez daqueles lábios, ele se viu tão perdido quanto ela, mas um lampejo de consciência fez com ela se afastasse, ele a olhou perdido, desajeitado pediu desculpas, mas ela correu para o interior 250


da casa, ninguém estava lá, estava sozinha... Ele a seguiu, —Kamilah, eu sinto muito... eu não deveria..., mas... Ela se desesperou, virou-se para ele com as mãos nos lábios, balançou a cabeça e viu que novamente estava perdida, aproximou-se dele e tocou-lhe o rosto. —Não diga nada... Então se entregaram. De repente os dois estavam se atracando de novo, não como a primeira vez, mas como dois amantes apaixonados sedentos e ávidos de prazer. Ele a prendeu entre si e a parede, os joelhos estavam cedendo, ele a ergueu e a levou para o quarto, fechou a porta atrás de si e beijando-a ele a colocou na cama, só o desejo gritava entre aquelas paredes, ele estava sem chão, já não raciocinava, estava novamente inconsequente, o barulho dos beijos sufocavam o som das roupas sendo retiradas do corpo, ambos tinham urgência, era como se tudo fosse acabar em segundos. Apenas uma remetida, ele a penetrou, apenas um gemido que foi 251


abafado por sua boca, e então a cadência do amor tomou conta daquela cama, logo o êxtase chegou e exaustos explodiram juntos, foi muito rápido, muito intenso. Ele estava sobre ela silencioso, ela mais ainda. Ambos não sabiam o que dizer. Ficaram imóveis como se fossem eternizar aquele momento, ele saiu para o lado, e olhou para ela. —Me perdoe, mas não me contive, eu... Ela colocou a mãos nos lábios dele e disse: —Não me peça perdão. Não diga nada Adonai, eu também queria esse momento. —Mas, preciso... —Por favor! Não estrague o que acabamos de viver. Mais tarde quem sabe falaremos sobre isso, ou qualquer coisa que você quiser, mas não agora... Então voltaram a se beijar. Naquela noite eles não disseram mais nada, por que só o desejo que sentiam se fez de rei naquele quarto. Ao amanhecer Kamilah acordou e não viu Adonai na cama, levantou-se e foi tomar um banho, debaixo do chuveiro pensou no que fizera agora a sorte estava 252


lançada, se ele fosse deixá-la, pelo menos tinha tido o prazer de fazer amor novamente, apesar do medo, apesar das dúvidas, estava feliz, e isso ninguém poderia lhe roubar, eles haviam se amado até a exaustão, ela exorcizou todos os fantasmas da solidão nos braços do homem que amava. Estava vestindo um jeans quando alguém bateu na porta do quarto. —Pode entrar. A porta se abriu delicadamente e um rosto conhecido surgiu, ele havia retirado à barba, lágrimas rolaram. Ela se emocionou demais, ele entrou e sentou-se do lado dela, abraçaram-se e beijaram-se. Depois daquele dia, Kamilah se viu ainda mais envolvida com Adonai, não havia um dia se quer em que não em que não dormiam juntos e faziam amor, parecia um sonho, tudo estava perfeito no paraíso, mas a vida estava chamando Adonai de volta. Numa bela tarde Adonai estava com o filho no colo, mas o pensamento estava nas empresas, era preciso tirar a máscara e contar a verdade para Kamilah. Ele abraçou o filhinho, era preciso tomar uma 253


decisão. Lembrou-se do velho Moussa lhe dizendo uma vez que era preciso saber ler, as entrelinhas do destino, muitas vezes ela nos dá avisos que as coisas vão mudar, seja para o bem, ou seja, para o mal, contra o destino não adiantava ter cautela. Beijou o filho na testa e foi procurar Isabel para deixar o bebê com ela. Foi até o estábulo e o velho Thomas selou um cavalo para ele ir de encontro com Kamilah, pelo caminho ele foi observando a paisagem, a relva possuía um perfume natural. O cantar dos pássaros parecia sinfonia, o coração dele batia descompassado criando um conflito com o ambiente calmo que o cercava. Pensar em como seria a reação dela não lhe ajudava em nada, ele não podia dar esse luxo temer a reação dela. Não ele, quando já havia enfrentado tantas tempestades. Estava quase mudando de ideia quando ela surgiu, ela veio de encontro a ele com um lindo sorriso. —Que bom te ver, venha, vamos correr pelo platô, vou lhe mostra um lugar lindo. 254


Ele a seguiu deixando o cavalo apanhar velocidade e momentos mais tarde já estava no alto da colina. Ela diminuiu o trote do cavalo, até para-lo finalmente, então desceu, e procurou o lugar onde ficava por horas olhando todo o vale. Ele a imitou desceu do cavalo e em seguida sentou-se do lado dela. Um silêncio horrível pairava entre os dois. —Por que você fugiu? De repente ele perguntou a ela. Ela suspirou, era a hora de colocar as cartas na mesa, o jogo havia acabado. —Você nunca perdeu a memória, não é? Falou suavemente. —Não. —E agora você quer saber por que fugi? É meia tarde para isso, você não acha? Continuou olhando para o vale, depois colheu um pequeno mato e começou a trança-lo entre os dedos. Como ele não respondeu ela continuou: — Nossa história começou toda errada, naquele dia qualquer coisa que eu dissesse ou fizesse lhe mostraria que eu estava errada, você estava enfurecido. Não poderia ficar. Fugi de você. Fugi por que 255


sabia que se você soubesse sobre a gravidez, você iria fazer qualquer coisa para tirar meu filho. Eu não me esqueço do seu olhar, não me esqueço da revolta e da dor que estava estampada em seu rosto. —Aquele momento foi crucial para mim, sinto muito ter te ferido, fui impulsivo, torpe, me comportei como um animal. Ele confessou. —Eu só queria que você soubesse de uma coisa, nunca dormi com Rick, e quando fui para cama com você na primeira vez, foi por impulso, eu me deixei levar pela sedução do seu olhar. —Você tem ideia do quanto sofri, quando cheguei aquela clinica e não te encontrei. Minha vida parou, naquele momento fui sepultado vivo junto com Rick. Falou com amargura. —Também morri naquele dia. E agora como vai ser? —Não sei. Respondeu ele. —Tenho que partir, mas não quero te deixar e tão pouco quero ficar longe do meu filho. —Por que você mentiu pra mim? Amnésia. Eu bem que desconfiei. 256


—Quando ouvimos seu sobrenome, eu quase ensurtei, Nicholas criou a situação, agarrei a única oportunidade que surgiu para chegar até você. —Agora compreendo por que ninguém veio te procurar, você tinha um cumplice. Ela olhou para ele muito séria, ele estava olhando a distancia. —Você precisa saber que eu não vou sair daqui, vou criar meu filho aqui neste lugar. —Nosso filho! —Tudo bem, mas você compreendeu o que eu lhe disse. Não vou com você e não vou permitir que você o tire de mim. —Jamais faria isso com você. Ele sussurrou. —Quando você parte? Ela perguntou com uma dor no coração, mas precisava se preparar. —Amanhã. Falou e olhou para o sol que se preparava para adormecer, na mente dela a palavra dava eco “amanhã”. — O por do sol no Texas é muito lindo. Ele falava para tentar diminuir o conflito que estava ali, pairando, cutucando. — Mas nada se compara ao deserto. —É mesmo? Fale-me do seu povo. 257


—Não tenho muito a dizer, sou apenas um descendente de Tuaregues, meu pai me fez viver com eles uma década. Talvez minha alma seja de um Tuaregue, mas tudo é muito diferente hoje. As gerações que estão vindo deixaram a tradição de lado, muitos deles vivem de maneira desonrada, criando uma ponte entre o crime e o terrorismo, a maioria atualmente vive no Níger, Argélia e no Mali, são pobres, os que possuem alguma coisa se convertem ao islamismo e se fazem sheiks, proprietários de pequenos oásis e algumas extrações de sal, com haréns e muitos filhos. Eu particularmente, não consigo me ver assim, me fiz da extração mineral, pedras preciosas e alguns barris de petróleo; estou seguindo meu pai, e provavelmente espero que meu filho faça o mesmo, se ele quiser. Fez uma pausa, olhou para o sul e continuou a falar. —Acho que uma tempestade está se formando ao sul, veja. Ele apontou em direção a ela. —Realmente, vamos descer. Ela falou já montando em seu cavalo, desceu 258


rápido, ele a seguiu, chegaram em casa rapidamente, ela entrou sem olhar para os lados, correu para seu quarto, tirou a roupa e entrou no chuveiro, onde chorou, chorou muito. Teria que aprender a viver sem ele novamente. Jantaram em silêncio, somente o menino fazia barulho, ele observava o pequeno, que ideia louca que Leila tivera, jamais levaria seu filho para o deserto, a realidade de seu pai era diferente da dele. Não poderia nunca separar o menino da mãe, ele mesmo não sabia como faria dali em diante. Ela mexia a comida de um lado para outro, de repente empurrou o prato e se levantou da mesa, uma batalha estava sendo travada internamente, ela estava ausente, ele havia falado com ela umas duas vezes, mas ela nem se mexeu, achou por bem deixa-la até que ela absorvesse a separação. Ethan adormeceu nos braços do pai. Ele segurava, acariciava os cabelos negros do menino, pegava sua mãozinha gorda e levava até os lábios, seria difícil ficar longe. Mais tarde, bem mais tarde, foi para o quarto, Kamilah estava sentada na cama, ele começou a se despir, 259


olhando para ela, sem se desviar, ela levantou-se e foi ao encontro dele, lentamente também começou a se despir, não tinham pressa, sentaram-se e frente a frente de joelhos sobre a cama, olhavamse profundamente, ele colocou as mãos na nuca de Kamilah e ela se inclinou para receber o beijo, começou a beijar seus olhos delicadamente, depois as faces, beijou a ponta do nariz e então se apossou de sua boca, devagar a deitou e continuou a beija-la, no pescoço, no colo, em seus seios, desceu por todo seu abdômen, e retornou novamente para sua boca, ela gemia, arqueava os quadris, mas ele não estava com pressa, ele se perdia nos caminhos obscuros do corpo dela, então num movimento rápido ela girou o corpo forçando-o a se deitar, então foi à vez dela, ela começou a beija-lo seguindo a mesma trilha que ele, até que chegou em seu sexo duro, ela beijou a ponta do desejo, com avidez, ele estava se desvanecendo, a cada lambida, a cada movimento da boca dela em suas partes intimas faziam com que sua alma fosse ficando ali em cima daquela cama, ela continuava a sugar-lhe, ora mordendo, 260


ora beijando, ele viu que poderia a qualquer momento encher lhe a boca de seu líquido viscoso, então a tirou por um momento, para se recompor, ele se conteve, então ele voltou a beija-la, e como ela, também perseguiu a trilha do desejo, com sua língua, ele fez ela se perder no labirinto que ambos estavam criando, ela emiti pequenos sons como se fosse uma gata no cio, ficaram nesse circulo até não poder mais, ondas de gozo invadia o sexo de Kamilah, então ele a penetrou, duro, majestoso, por um momento ele só queria sentir o calor que emanava do sexo dela, a impressão que se tinha era que o membro dele fosse derreter com aquele calor, ele sentiu todo o gozo dela no seu membro. Então ele começou devagar com seu entra e sai, ela mexia o quadril e ele aprofundava mais dentro dela, a cada investida, mais profundo ele queria então ele a girou, e ela ficou numa posição ainda mais sexy, a visão das nádegas dela aumentou ainda mais seu desejo, ele a pegou pelo quadril com uma mão e com a outra os cabelos e finalmente a encaixou em sua estaca, e voltou a penetra-la, os dois já estavam à 261


beira da exaustão, da tortura, ele só queria prolongar aquele momento. Então ela o ouviu sussurrando em árabe “ya’ hayet, albi ma-ii18” até que o clímax chegou, ele a inundou com seu líquido precioso, ele a preencheu com a vida. Caíram exaustos, ele acariciava seu ventre, e sob a ponta de seus dedos, era possível sentir os espasmos do prazer no corpo dela. Naquele momento ele precisava colher toda a emoção que emanava do ser que estava em seus braços. A pele dele queimava, os dois se encontravam em frenesi total. Ele jamais imaginou que poderia ter o que ele teve com ela naquela noite, de alguma forma ela o marcou com ferro e fogo, como se fazia com o gado e com os cavalos. —Fica comigo Adonai. Ele não respondeu, ficou em silêncio, então ela compreendeu, que por mais amor que tivessem, não seria o suficiente para se sacrificar. —Por onde eu for você estará comigo no meu coração.

18

Oh! Vida do meu coração.

262


Ele falou e a cobriu novamente com um beijo. Ela adormeceu nos braços dele, embalada pela chuva que caía torrencialmente. Adonai colheu algumas lágrimas com os lábios.

EPÍLOGO Mal o dia havia começado, e Adonai já estava em seu escritório, apesar da viagem ter sido rápida, para ele foi uma tortura, separar-se de Kamilah não tinha sido fácil. Parecia que estava compenetrado olhando os e-mails, mas seu pensamento estava em outro lugar. Sentia-se mais velho e cansado, precisava encontrar um meio termo naquela situação. Enquanto lia algumas planilhas, aguardava os diretores e os coordenadores para uma reunião, Nicholas havia planejado o encontro, era preciso uma avaliação frente aos destemperos do mercado interno, a cotação do dólar estava em baixa, e isso não estava refletindo bem para os negócios dele. Pouco mais de meia hora de solidão naquela sala fria, uma batida 263


de leve na porta o tirou dos seus pensamentos. Era sua secretária. —Lhe trouxe um café. Falou com cortesia. —Obrigado, Nicholas já chegou? —Sim, ele e Senhorita al-Ismail. Ele arqueou uma das sobrancelhas, meio curioso, falou com a secretária. —Porque eles ainda não entrarão? —Não me faça pergunta indiscreta. Respondeu sorrindo. —Não entendi. Ele respondeu —Eles estão na sala dele, ao que parece acho que estão meio ocupados. —Mas já cedo? Ele começou a rir, e se levantou para ir até a sala de Nicholas. Deu apenas dois tocks e entrou, ainda deu tempo de ver Nicholas sair de perto da mesa onde estava abraçado com Leila, ela olhou em direção a porta e viu com alegria o irmão entrar. —Minha nossa! Mas é você! Ahlan19 wa.

19

Seja benvindo.

264


— Salaam Aleikum20 meus caros. Adonai os cumprimentou na língua pátria. — Alaikum As-Salaam21·. Respondeu Leila já o abraçando. Ele sorriu para o amigo, e logo se sentou em uma das poltronas que havia na sala. Ele sentiu calor humano naquele ambiente. Leila observou a marca na testa do irmão, viu que ele ainda mancava. —O acidente deixou algumas marcas. —Sim. Algumas não serão para sempre, porém há outras que será difícil esquecer. Falou isso pensando em Kamilah. —Mas lembre-se que nada é para sempre. Nicholas lhe falou. —Depende. Leila respondeu. —Um filho é para sempre. Finalizou —É para sempre. Concordou. —Por que você não os trouxe? Nicholas perguntou.

20 21

Que a paz esteja sobre vós E sobre vós a paz

265


—Porque decidi não me impor, ela virá de livre e espontânea vontade. Adonai respondeu. —Ela não virá. Leila declarou —Já pensei nessa possibilidade. Retrucou —Então se muda para lá. Nicholas opinou. —Você tem meios de estar saindo de lá todos os dias. Afinal é apenas uma hora de viagem. Pela primeira vez na vida Adonai pensou na palavra ceder, até então, ele sempre dirigia sua vida de acordo com suas convicções e objetivos, não era preciso renunciar e nem tão pouco perder. Mas podia sim, conciliar sua vida com a dela, bastava apenas ceder. —Bom irei pensar nisso mais tarde, existem coisas que precisam ser resolvidas de imediato. Adonai acabou de falar e sua secretária entrou avisando que os membros já estavam na sala de reunião. Durante a reunião Leila ficou olhando para o semblante carregado do irmão, não poderia fazer nada por ele, nada, a não ser apoiar qualquer decisão que ele tomasse. A reunião durou toda 266


manhã, mas para Adonai parecia que tinha durado uma eternidade, não estava com fome, mas precisava comparecer a um almoço de negócios, pegou sua maleta e saiu acompanhado de batalhão pelo corredor, Nicholas já o aguardava na limusine negra na garagem. Ele entrou no veículo folgando um pouco a gravata, precisava trocar paletó, mas acabou por esquecer, os três meses e meio que ficou no rancho o fez desacostumar de vários hábitos. —Meu amigo melhore essa fisionomia, iremos encontrar com alguns árabes, lembre-se disto. — Estou bem, é apenas fadiga. —Também três meses de férias, achei que nem fosse voltar. — Quase fiz isso. —Nem brinque com isso no momento, a sua agenda está abarrotada, depois deste encontro, iremos até Mason County, encontraram uma jazida de topázio que merece nossa visita. —Mason County? —Os topázios azuis? —É o que estão dizendo. 267


—Os gregos antigos acreditavam que o topázio tinha o poder de expulsar os falsos amigos e afastar o mau olhado. Adonai falou de repente. —Minha vó também dizia isso, ela era louca para ter um topázio azul. —Aposto que era para aumentar o poder psíquico dela. Adonai falou rindo, lembrando-se das tuaregues anciãs que circulavam entre os acampamentos. —Minha vó não é tão diferente das anciãs das tribos do Oeste de Abalassa. —Isso foi no passado meu caro amigo, hoje o islamismo é uma corrente mais forte do que as crenças no deserto. —Mas e você? No que você acredita? —Você está me perguntando isso por causa de Leila? —Não. Minha curiosidade tem mais haver com Kamilah do que com minha Leila. —Kamilah? —Sim. O destino tem brincado com você, e te pregou uma peça, e agora vocês têm um filho, a minha curiosidade é o que o destino está querendo lhe provar? 268


—Honestamente ainda não refleti sobre isso. —Se você estivesse no deserto. Como seria? —As leis do deserto às vezes são injustas para os homens do ocidente, por isso prefiro não pensar como alguém do deserto. —Então meu amigo você está em um impasse, não se assume como um homem do deserto e tão pouco como um ocidental. Ele pensou naquela conversa por um instante, olhou o caminhou que passava diante dos olhos. E virou se para o amigo. —O que você faria? —Primeiro não é o que eu faria, sou bem resolvido em certas questões, desde quando você encontrou com essa moça, você ficou maravilhado, primeiro foi à excitação, mas depois vi que era mais que isso, quando houve o problema em Austin, vi o quanto você sofreu, você a ama, e você pode estar presente na vida

269


dela sem deixar de ser o Amenokal22 de seu povo. —Decidi abdicar-me deste posto quando estávamos no festival, apesar ainda de prestar ajuda a algumas tribos, politicamente falando não estou mais ligado aos Tuaregues. Respondeu sem emoção. — Você não me disse isso. Aconteceu naquela reunião fechada? —Sim. Não gosto de ser obrigado a nada. —Já que você se desprendeu de seus compromissos tribais, o que está esperando para se casar com essa mulher? Eles entreolharam e nada mais foi dito depois daquilo. A noite se fazia alta, o vento tocava as nuvens para a lua, Adonai estava sem sono, da janela ficou olhando as estrelas e pensou no quanto estava sendo tolo, ele não havia pedido Kamilah em casamento, porque ele tinha certeza que ela diria não. Ele não queria que ela pensasse que o 22

Tuaregue eleito chefe dos sábios das tribos para governar a união flexível de grupos intimamente relacionados.

270


casamento seria por causa do filho. “Que tolice a minha, deveria ter dito como me sinto para ela”. Pensou arrependido. ♥♥♥ —Existe um velho ditado tuaregue que diz o seguinte “o primeiro chá tem de ser forte como a guerra, o segundo doce como o amor e o terceiro brando como o espírito” desde que sai daqui, fiquei pensando em nossa história, e fiz uma comparação a esse velho ditado. Adonai entrou no estábulo já escuro, Kamilah estava pendurando o arreio e a sela na cerca como de costume, ela não acreditou ao ouvir a voz grave nas suas costas, então se virou numa felicidade total. —Você voltou? —Sim. E para ficar, preciso de apenas uma palavra sua. —Como assim, terei que conceder algum desejo? Falou maliciosa. —Digamos que sim. —Estou ouvindo. —Casa-se comigo? —Por que deveria me casar com você? 271


—Eu disse que preciso de apenas uma palavra, e não de uma pergunta. Respondeu suavemente. —Tudo bem, mas você não me disse o por quê. —Se isso lhe tão importante vou lhe dizer inúmeros por quês... respondeu aproximando —Estou pronta para ouvir. —Por quê desde que você entrou na minha vida, não sei fazer outra coisa que não seja pensar em você. —Isso é um motivo muito fraco. Falou como se tivesse desdenhando dele, ele já estava bem próximo dela, e continuou. —Por que desde que você possuiu minha alma e meu corpo não sei mais respirar outro ar. Já estava com ela nos braços e prosseguiu. Ela foi se perdendo naqueles olhos verdes. — Por que depois de tudo que passamos, eu desejo ficar com a mulher que escolhi desde o início para ser minha amada companheira e mãe dos meus filhos. 272


—Parece que seus motivos estão melhorando, meu querido tuaregue. Já estava próxima aos lábios dele. —Por que eu te amo do fundo do meu coração minha querida... Então, já não havia mais nada para se dizer, por que o beijo selou mais uma história de amor, com a promessa de que todos os dias seria um dia bom para ser feliz.

FIM.

Até o nosso próximo encontro em “Para sempre comigo”, que irá narrar o romance quente de Nicholas e Leila. Você encontrará ele no site do Clube de Autores. www.clubedeautores.com.br . Beijos no coração. Cacilda Tanagino

273


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.