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Filmes na escola: introdução Raymundo de Lima*

interesse comercial podem melhor contribuir com a formação do sujeito integral de nossa época, visto que forjam elementos que provocam o pensamento reflexivo e crítico do telespectador. Neste sentido, o “cinema pensa”, título do livro do professor Julio Cabrera, da Universidade de Brasília. Nesta interessante obra, o autor aponta alguns filmes influenciados por concepções filosóficas, sociológicas, psicológicas, entre outras.

O cinema é lazer, informação, cultura, e também um modo de pensar a vida. Por ser ficção um filme bem escolhido pode jogar luz sobre a realidade do mundo e a complexa subjetividade humana. O docente contemporâneo, principalmente o apaixonado pela cinematografia, deve investir no desenvolvimento da cultura filmica de seus alunos. Assim, professor, alunos, funcionários, pais de alunos, todos os envolvidos com o ensino e a aprendizagem devem aprender ir para além de só assistir um filme como mero entretenimento. Até mesmo filmes da chamada “indústria cultural” podem ser analisados no seu enredo, linguagem, ideologia etc. Mas, sem dúvida, os filmes elaborados fora do mero

Desde sua invenção, a mais de cem anos, o cinema contribui reelaborando a literatura de um Jorge Amado à Shakespeare, ou atualizando as preocupações filosóficas de Platão, Aristóteles, Bacon, Galileu, Albert Camus, Wittgenstein, entre outros. Um dos grandes diretores do cinema, Pasolini, diz que o “cinema não evoca a realidade como a língua da literatura; não copia a realidade como a pintura; não mina a realidade como o teatro. O cinema reproduz a realidade de nossa época: imagem e som!” Demandas datadas Na década de 1970, os intelectuais gostavam de cinema, mas não de televisão, que era estigmatizada e demonizada como veículo da “indústria cultural”. Neste período não se imaginava que a televisão pudesse vir a

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ser também veiculo para a público ter acesso aos filmes, documentários científicos, reportagens complexas, e até um espaço de exercício da crítica dirigida à própria TV e ao cinema.

que os lacanianos desenvolveriam outro estilo analítico, pautado pela “construção” de sentidos made in inconsciente.

Naquela década, alguns filmes eram assistidos em comunhão de luta contra a ditadura militar presente na América Latina. Cineclubes eram improvisados, às vezes clandestinos. Assistir um filme soviético, O Encouraçado Potenkin, por exemplo, tinha um ar de conspiração, anti-alienação e cultura elevada. Nesta época a esquerda, no Brasil, estava unida contra a ditadura militar de direita. Após o filme algum convidado fazia um comentário geralmente carregado de slogans e palavras de ordens, obviamente num estilo pequeno-burguês querendo se passar como porta-voz do proletariado esclarecido. O debate seguia o estilo monológico cruzado, mas com pouca disposição para o diálogo analítico e/ou serenidade necessária para uma reflexão racional ou pesquisa sistemática sobre os assuntos abordados na tela.

Com a queda do muro de Berlin e do desalento sobre o socialismo real, as análises dos filmes focados num historicismo ou economicismo marxista (ou marxiano) hoje pouco convencem. Também a psicanálise, depois do modismo interpretativo dos anos 70, parece restrita a analisar com humildade apenas aqueles filmes que deixam o expectador se perguntando “afinal, que é ser humano?” Ou como sugere um filme francês: “Qual é a questão fundamental do ser humano, psiquicamente dividido?” Ou seja, os comentários psicanalíticos de nossa época - pós Freud e pós Lacan – são apenas uma das muitas hipóteses interpretativas que jamais explicam “todo” o inconsciente. Portanto, no lugar das interpretações totalitáriassociológicas e oraculares-analíticas hoje existe um vale-tudo de análises e comentários sobre as diversas dimensões inesgotáveis dos filmes comerciais e filme cults. (Esse “valetudo” tem o sentido de Paul Feyrabend).

Por outro lado, a psicanálise abria outra tendência de filmes chamados “filmescabeça”. No Rio de Janeiro, por exemplo, participei de inúmeras exibições de filmes em cineclubes; eu e meus colegas, estudantes dos cursos de psicologia e analisandos de psicanálise, éramos fascinados com a trama do inconsciente. As ‘sacações’ sobre as cenas aparentemente sem sentido de filmes como “Ecqus”, “Teorema” ou dos cults dos consagrados diretores Ingmar Bergman ou Woody Allen, causavam certo êxtase nos presentes que saiam do lugar espichando o assunto até um bar ou reunião na casa de fulano. Na década de 1970 a psicanálise estava no auge na Zona Sul carioca, e predominava um estilo de interpretação oracular. Nos anos 1980 é

O muro caiu também nas telas

Ao contrário dos pessimistas e niilistas de plantão, penso que estamos superando nossa ‘menoridade intelectual’, como queria Kant. No lugar da pretensão de uma interpretação única e totalizante, é tempo de procuramos ser mais modestos nas nossas observações, comentários ou análises. Em lugar do monólogo oracular, talvez poderemos adotar uma atitude dialógica e aberta ao pluralismo teórico-metodológico para entender um filme, peça de teatro, literatura etc. Claro, a pretensão à leitura “certa”, “dogmática” ou “totalitarista” dessas expressões humanas ainda vigora em alguns

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professores e experts, que, lamentavelmente, ainda obrigam os alunos verem as coisas numa única direção, isto é, para aquela que eles acreditam como se fosse uma fé ou dogma. Atitude assim arrogante e pretensiosa se situa na contramão da atitude da ciência, que como sabemos deve primar pela dúvida cartesiana, discussão aberta e livre. A pretensão a única interpretação de um filme termina empobrecendo os diversos sentidos velados numa obra ficcional. Cinema: ensino e aprendizagem A escola e a universidade contemporâneas devem usar filmes para educar o olhar das crianças e jovens, porque eles nem sempre sabem pensar sobre a sétima arte. Infelizmente a nova geração raramente se interessa assistir filmes considerados “clássicos”, no sentido proposto por Ítalo Calvino quando trata da literatura. Para que os jovens não fiquem acorrentados às imagens e entregues ao gozo de certas cenas de violência e sexo, é preciso que a escola saiba proporcionar um diálogo com o cinema. Mas não recomendo que o professor use filmes e vídeos no horário da aula. Qualquer aluno irá suspeitar do professor que assim age, isto é, “tapando buraco” da aula, ou substituindo sua falta de motivação de dar aula por um filme. Várias pseudojustificativas foram levantadas por Moran (1995) sobre o uso inadequado do filme e vídeo em sala de aula. Outra forma de a escola e universidade estabelecerem um diálogo com os filmes e vídeos é através de filmes sobre a escola. Ou seja, filmes ambientados no espaço escolar, que ora problematizam a relação professor e alunos resistentes ao ensino republicano

(Entre os muros da escola), filme que questiona o fundamento fascista da formação dos alunos em gangs na escola (Escritores da Liberdade), que revelam a reação racista dos alunos para com um professor negro (Ao mestre com carinho), ou apologética para com a atitude autoritária do diretor que reverte uma escola em barbárie para uma escola que verdadeiramente cumpre seu papel social (Meu mestre, minha vida), ou um filme que discute a violência tipo bullying na escola (Bang bang você morreu), entre outros. São mais de sessenta filmes ambientados na escola, produzidos nos quatro cantos do mundo. Os filmes hollywoodianos, embora tecnicamente bem feitos, tem o defeito de apresentar o professor como voluntarista, individualista, romântico, enfim, um herói (FABRIS, 2010). Mas, sem dúvida, tanto o jovem precisa ser educado para ver filmes para além da sensibilidade ingênua ou senso comum; ele precisa desenvolver a sensibilidade esclarecida e emancipada ao relacionar o filme como ficção e o filme como realidade. Antes do aluno, cabe ao professor desenvolver sua própria cultura filmatográfica para contribuir na qualidade de suas aulas. Nas referências, abaixo, alguns livros e artigos são imprescindíveis para uma introdução à formação do professor que pretende trabalhar com filmes e vídeos. Referências e sugestões CABRERA,J. O cinema pensa: introdução à filosofia através dos filmes. SP:Rocco, 2006. FABRIS, E.T.H. A pedagogia do herói nos filmes hollywoodianos. Disponível em: <http://www.curriculosemfronteiras.org/vol10is s1articles/fabris.pdf> Acesso em: 30/11/2010. KHEL, M.R.; BUCCI, E. Videologias. São Paulo: Boitempo, 2004 LUREIRO, R.; ZUIN (orgs). A teoria crítica vai ao cinema. Vitória: Edufes, 2010.

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MARTINS, L. R. A atividade do espectador. In: Olhar. São Paulo: 1988.

NAPOLITANO, M. Como usar a televisão na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2003.

MASCARELLO, F. Introdução à teoria do cinema. Campinas: Papirus, 2003.

NAPOLITANO, M. Como usar o cinema na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2004.

MORAN, J.M. O vídeo na sala de aula. Rev. Comunicação & Educação. São Paulo, ECAEd. Moderna, [2]: 27 a 35, jan./abr. de 1995. Disponível na Internet.

XAVIER, I. Cinema: revelação e engano. In: Olhar. São Paulo: 1988.

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RAYMUNDO DE LIMA é Coordenador do projeto Cinema, História e Educação, na Universidade Estadual de Maringá/UEM, em 2008, 2009 e 2010.

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