Psicose- O matrícidio nas obras de Robert Loch e Alfred Hitchcock

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Universidade Estadual de Maringá – UEM Maringá-PR, 9, 10 e 11 de junho de 2010 – ANAIS - ISSN 2177-6350 _________________________________________________________________________________________________________

PSICOSE: O MATRICÍDIO NAS OBRAS DE ROBERT BLOCH E ALFRED HITCHCOCK

Paula Starke (G - UEPG) Fábio Augusto Steyer (UEPG) Introdução Lançado em 1959, Psicose (Psycho), de Robert Bloch, não chega a ser tão conhecido quanto sua versão cinematográfica de mesmo nome, de 1960, dirigida por Alfred Hitchcock. O livro do escritor americano, de terror e ficção científica, não havia sido grandemente repercutido até então. Conta-se, inclusive, que quando Hitchcock teve acesso ao livro, acabou comprando todos os exemplares que encontrou, para que o fim não fosse revelado. Nada surpreendente quando se trata do cineasta inglês. Outro fato que mostra o empenho do diretor em transmitir a ideia da obra, foi o de o expectador somente poder assistir ao filme se estivesse na exibição desde o começo, ou seja, sem perder um só segundo. Tudo isso para relatar a história do psicopata Norman Bates, dono do legendário Motel Bates, sua relação doentia com a mãe, o aparecimento de Marion Crane e os fatos que se sucedem a partir daí.

1. Bloch e a Inspiração Robert Bloch nasceu em 5 de abril de 1917; encorajado por Howard Phillips Lovecraft, conhecido escritor de horror, Bloch passou a escrever no gênero também. Mesmo com várias obras publicadas, Psicose ainda é a de maior destaque. Em 1957, Bloch vivia no estado de Wisconsin, nos Estados Unidos. Neste mesmo estado viveu o conhecido assassino Ed Gein, que foi preso neste ano. Bloch escreveu, então, uma obra inspirada na ideia de ter uma pessoa próxima que, inesperadamente, pode se revelar um monstro.


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Como relata Ilana Casoy em Serial Killer: Louco ou Cruel?, Edward Theodore Gein, conhecido como Ed Gein, nasceu em 27 de agosto de 1906 em La Crosse, Wisconsin. Gein ficou famoso por seus assassinatos, mas principalmente por costumes bizarros. A verdade é que esses dois psicopatas, o fictício e o real, tinham muito mais em comum do que os crimes cometidos. Ed Gein era filho de uma mulher tradicional, religiosa, exigente. A mãe comandava sua vida. Depois da morte do pai e do irmão, Ed finalmente acabou sozinho com a morte da mãe. Não a matou, mas sua obsessão era ainda maior. Aos 39 anos, estava sozinho. Atormentado pelas lembranças, manteve o quarto da mãe intacto, como ela havia deixado. Adquiriu então um estranho interesse pela anatomia feminina. Gein passou a desenterrar corpos dos cemitérios de Wisconsin e os levar para casa. Lá os dissecava e guardava algumas partes. A obsessão pela mãe se comprovava com o fato de ele sempre procurar por corpos de mulheres com idades aproximadas a que sua mãe havia morrido. Acredita-se que Ed Gein retirava a pele dos corpos que roubava e fazia “roupas”, então as vestia numa espécie de cerimônia. Suas vítimas confirmadas foram Mary Hogan, de 54 anos, e Bernice Worden, de 59 anos. Gein não é, portanto, considerado um serial killer, mas acredita-se que muitos outros crimes foram cometidos por ele. Com o assassinato de Bernice Worden, descobriu-se uma série de atrocidades cometidas. Inúmeros souvenirs feitos de pele humana foram encontrados, como máscaras mortuárias, uma poltrona, um par de calças, além de crânios e vários outros órgãos. Estima-se que havia partes de 15 corpos diferentes. Gein foi considerado criminalmente insano, passou o resto de sua vida em hospitais psiquiátricos, se comportando bem e de forma discreta, até sua morte em 1984, aos 77 anos. Depois de analisar os relatos de Ed Gein, os feitos de Norman não parecem tão macabros; mas ainda há muito em comum para ser destacado.


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2. Bates: Literário X Cinematográfico É impossível pensar em Norman Bates sem associar imediatamente a imagem de um homem alto, moreno, com olhos marcantes. Coincidentemente, ou não, como Anthony Perkins, que executou seu papel em 1960, sob direção de Alfred Hitchcock. Na verdade, Perkins ainda deu vida a Norman em três sequências: Psicose 2, de 1983; Psicose 3, de 1986; e Psicose 4 – A Revelação, de 1990; este último produzido para a televisão e posteriormente lançado em VHS e DVD. Obviamente, não se pretende aqui levar em conta alguma dessas obras posteriores, uma vez que Alfred Hitchcock, o grande iniciador da primeira versão cinematográfica do livro, já havia falecido quando estas foram feitas. Além disso, nenhuma das obras corresponde à original. A tal sequência que se estende nos três longas-metragens consegue piorar sucessivamente, tornando-se praticamente insignificante no fim. Nem mesmo a direção do próprio Anthony Perkins em Psicose 3 conseguiu dar um tom favorável à obra. Curiosamente, Robert Bloch também deu continuidade a Psicose, com Psycho II e Psycho House, mas estas não têm relação com os filmes sequenciais. Outro longa que trouxe Norman Bates de volta às telas foi o remake de mesmo nome Psicose, de 1998, com a direção de Gus Van Sant. Não é surpresa alguma que este também não seja comparável ao original. A proposta do diretor de seguir a obra de Hitchcock com extrema fidelidade, simplesmente não funcionou. Acaba tornando-se uma versão colorida, porém de menos valor. A sequência do chuveiro imita a de Hitchcock, entrecortada, porém não causa o mesmo efeito. Pode até ser que Gus Van Sant seja um diretor de qualidade, tendo em vista o premiado Milk – A voz da Igualdade, de 2008, mas de forma nenhuma isso se manifestou em Psicose. É um esforço perdido, para ser breve. A verdade é que nenhuma destas obras posteriores consegue transpassar o sentimento da original. É, portanto, inevitável considerar somente a versão de Hitchcock a cinematográfica da obra de Bloch.


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Fazendo jus a essa linha de pensamento, a primeira descrição de Psicose, de Robert Bloch, por si só já é arrebatadora. O Norman que se tinha em mente até então, cinematográfico, é parcialmente desconstruído: “Ao baixar a cabeça para reiniciar a leitura, a luz brilhou em seu rosto redondo, pôs reflexos nos óculos sem aro, banhou-lhe o róseo couro cabeludo e os cabelos ralos, amarelados.” (BLOCH, 1964, p. 1). Como se vê, Norman não é moreno, não é magro, não possui nem um pouco de charme. Além disso, o Norman original de Bloch tinha por volta de quarenta anos; tudo o que acontecera com a mãe tinha ocorrido há vinte anos, e não há dez, como no longa. Mas nem todas as diversidades do Norman literário são desinteressantes. O Norman de Bloch é extremamente culto; lê consideravelmente, de História à Filosofia, cita Shakespeare e até Aleister Crowley, uma vez que é conhecedor do ocultismo. Naturalmente, o tempo é relativo. Isso disse Einstein, e Einstein não fora o primeiro a descobrir. Os antigos também sabiam, e o mesmo acontecia com alguns místicos modernos, tais como Aleister Crowley e Ouspensky. Tinha lido todos eles, tinha até alguns livros deles. A mãe não aprovava: dizia que essas coisas eram contrárias à religião (...) (BLOCH, 1964).

Segue-se, não muito adiante, no mesmo capítulo, o primeiro diálogo entre Norman e sua mãe. Como já se pode imaginar, a mãe é provocadora, desagradável, dominadora, além de possuir um grande fanatismo religioso. Neste mesmo diálogo Norman relata que tentou, inutilmente, explicar à mãe o Complexo de Édipo, – criado por Freud e baseado na tragédia grega de Sófocles – o qual se caracteriza por um amor incomum à mãe e o desejo de livrar-se do pai. No caso de Norman, o pai já havia o abandonado; o ódio era pelo possível padrasto – o qual se descobre no decorrer do livro. -Ah! Pensava que eu não sabia nada, heim? Escondeu-a no quarto, assim como escondeu as outras, assim como esconde todas as coisas imundas que costuma ler... -A psicologia nada tem de imunda, mãe! -E chama isso de psicologia! E conhece a fundo a psicologia! Nunca me esqueci daquela vez em que me disse coisas tão indecentes – nunca. E pensar que um filho pode abordar sua própria mãe com esses assuntos! -Mas eu só queria explicar à sra. o complexo de Édipo... Julguei que se nós ambos pudéssemos examinar juntos o problema e


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tentássemos compreendê-lo, talvez as coisas mudassem para melhor... -Mudar, menino? Nada vai mudar. Pode ler todos os livros do mundo, que será sempre o mesmo. (BLOCH, 1964).

Ignorado, Norman é ofendido, chamado de “maricas” e “filhinho da mamãe”, o que lhe desperta fortes sentimentos. Surpreendentemente, a mãe parece ser dotada de uma onisciência, sabe o que se passa na mente do filho e satiriza tais ideias – fato explicado posteriormente. O repúdio à dominação da mãe torna-se visível desde o começo. No capítulo seguinte surge Mary Crane (no longa, Marion Crane, vivida por Janet Leigh) que perdida acaba às portas do Motel Bates. Descrita como uma mulher doce, mas que passou por dificuldades, – perdeu os pais e teve de sustentar sozinha a irmã – é apaixonada por Sam Loomis, dono de um armazém de ferragens, homem tranquilo e sem muitas ambições. Mary havia cedido ao desejo de uma vida melhor. Cansada dos impedimentos, com pressa de ser feliz, acreditava que não poderia perder tal oportunidade. Furtou quarenta mil dólares; não iriam fazer falta, nem a seu chefe, nem ao cliente Tommy Cassidy. Estava exausta de conviver com pessoas ricas, a quem dívidas como as de Sam jamais seriam um problema. É interessante que nesta passagem, no longa-metragem, Marion é abordada por um policial, enquanto está na estrada, que acaba a seguindo. Tudo sob a inconfundível e perturbante trilha sonora, dando maior suspense à trama. No livro isso não é registrado. Sem muita demora, Mary conhece Norman Bates; tímido, mostra um total constrangimento diante da moça, como que envergonhado com cada ato seu. Outro fator diferenciador nas obras é que quando chega ao Motel Bates, Mary assina como Jane Wilson, um nome qualquer; Marion adota Mary Samuels, como referência a Sam. A ceia, que no filme ocorre no escritório do Motel, no livro se dá na cozinha da casa de Bates. É nessa conversa que Norman revela sua personalidade


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problemática e a relação com a mãe, incomum aos olhos de Mary e Marion como seria a qualquer outro. -Ela não está louca! – A voz já não era macia nem justificatória: era áspera e fina. E aquele homem gordo ergueu-se e varreu com um tapa uma xícara de cima da mesa (...) -Não importa o que digam nos livros ou os médicos do hospício. (...) Eles não sabem que ela cuidou de mim todo esse tempo, quando ninguém mais se importava comigo (...) Inútil falar em ciúme, em sentimento de posse... Eu era pior do que ela é agora. Dez vezes mais louco, se essa é a palavra que a sra. deseja... Trancar-me-iam no hospício se soubessem o que eu disse e o que fiz, a maneira porque o fiz.(...) Não há quem não seja um pouco louco de vez em quando. (BLOCH, 1964).

No filme homônimo, o diálogo tem o mesmo significado. -As pessoas sempre chamam hospícios de “algum lugar”, não chamam? “Coloque-a em algum lugar”. (...) Já viu algum desses lugares por dentro? As risadas e as lágrimas... (...) Minha mãe lá dentro?! Mas ela é inofensiva! Ela é tão inofensiva quanto um desses pássaros empalhados. (...) Claro, eu mesmo pensei nisso. Mas eu odeio até pensar nisso. Ela precisa de mim. Não é como se ela fosse uma maníaca (...) Ela só fica um pouco louca às vezes. Nós todos ficamos um pouco loucos às vezes. (PSICOSE, 1960, tradução nossa). 1

São essas falas finais de Norman que fazem Mary e Marion tomarem consciência do ato cometido. Afinal, tudo não passara de uma loucura momentânea. Vale destacar que na obra de Hitchcock, Norman apenas empalhava pássaros, enquanto no livro não há esse tipo de especificação em parte alguma. É, de fato, um dos gostos característicos do diretor impressos no filme. Enfim, a famosíssima cena do banheiro se dá quando as personagens, já conscientes da falha, decidem tomar um banho para continuar com os planos no dia seguinte. O que se sucede a partir daí diferencia muito nas duas obras. 1

“People always call mad houses “some place”, don’t they? “Put her in some place.” (…) Have you ever seen the inside of one of those places? The laughing and the tears… (…) My mother there?! But she’s armless! She is as armless as one of these stuffed birds! (…) Of course, I’ve suggest it myself. But I hate to even think about it. She needs me. It’s not as if she were a maniac (…) She just goes a little mad sometimes. We all go a little mad sometimes.” (PSYCHO, 1960)


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Mary, em um ato de vaidade, passa algum tempo olhando-se no espelho, nua, - sem ter ideia de que Norman a espiava por um buraco na parede. Atira um beijo à própria imagem refletida e entra no box. Já Marion não faz grande cerimônia. Em nenhum, dos casos, no entanto, a vítima percebe a presença da pessoa que repentinamente abre a cortina e exibe a faca de açougueiro. Quanto a Norman, os personagens, do livro e o do longa-metragem, tornamse praticamente pessoas distintas. Enquanto o Norman de Hitchcock desperta pena, como se fosse alheio e inocente a tudo que se passa, com até certo charme, o de Bloch causa nojo e repúdio: “Afastou-se. Norman chegou quase a gritar “Venha aqui, sua cadela!”, mas se conteve a tempo, vendo-a desabotoar o soutien em frente do espelho.” (BLOCH, 1964, p. 30) O grande diferencial das duas cenas, inexplicavelmente, está em que na obra de Robert Bloch, Mary tem a cabeça decepada. Realmente, se a cena hitchcockiana já é de causar horror, se fosse reproduzida com fidelidade seria digna dos filmes trash. É, portanto, imprescindível o toque do cineasta; o terror é sutil, o suspense predomina. O fato de o longa ser preto e branco certamente influenciou neste fato. Afinal, na época, grandes filmes do cineasta como Janela Indiscreta (Rear Window), de 1954, e Um Corpo que Cai (Vertigo), de 1958, já haviam sido produzidos em cores; o efeito era proposital. Com leves divergências, Norman descobre, tanto no livro quando no longa, o corpo da moça; só se chega a uma conclusão, a mãe tinha o feito. Também nos dois casos, Norman rejeita o ato da mãe; sente-se mal, uma grande repugnância toma conta de si. No entanto, não parece se surpreender muito, como se o ato materno fosse esperado. Enfim, era necessário que as evidências fossem exterminadas; cuida disso em seguida. A saída para se livrar do corpo acaba sendo jogá-lo, dentro do carro da moça, no pântano próximo, até que tudo afunde. Com o desaparecimento de Mary, surgem à cena Lila e Sam. O namorado da então vítima é procurado por sua irmã, mesmo não a tendo visto há tempos. Diferentemente, no longa Sam aparece logo na primeira cena, ao encontrar Mary em um hotel.


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Quem se apresenta também em seguida é o investigador Milton Arbogast, encarregado de solucionar o desaparecimento de Mary, logicamente, por causa dos quarenta mil dólares. Arbogast, apesar de ter o que era necessário para estar contra Sam e Lila, parece mostrar certa comoção com a ocorrência. Quando finalmente encontra uma pista para o caso, o detetive entra em contato com os dois; Mary, ou Marion, havia estado no Motel Bates. Mas a investigação tinha de continuar, Norman dera respostas dúbias, se contradisse, mas uma coisa era certa: a mãe ajudaria a resolver o caso. Arbogast falaria com ela de qualquer forma. O que ocorre em seguida é quase esperado pelo espectador. A mãe comete o assassinato de Milton Arbogast; no livro, com uma navalha, no longa, com a faca de açougueiro. O fim do corpo é o mesmo: pântano. Logicamente, as coisas não demorariam a complicar. A mãe não podia continuar assim, eliminando cada impedimento que surgisse. Tampouco Lila e Sam descansariam até saber o que havia ocorrido. Os dois procuram pelo Xerife da cidade, a fim de obter alguma ajuda, mas este não é lá muito solícito. Porém, é este mesmo personagem quem dá a informação mais relevante de toda a obra. (...) -Norman Bates não tem mãe. -Não tem? -Não. Faz vinte anos que não tem. Ela morreu. (...) Foi até um escândalo por estas bandas. (...) Ela construiu o motel em companhia de um sujeito chamado Considine, Joe Considine. Era viúva, compreende? E dizia-se que ela e Considine eram... (BLOCH, 1964).

Era impossível deixar tal informação de lado. Teria a mãe de Norman realmente morrido? E se sim, quem era a mulher que aparecia na janela da casa? Fazendo valer a máxima de fazer justiça com as próprias mãos, o casal vai à busca de Bates no motel. Não demora pra que Norman perceba a real intenção da visita. Na obra literária podemos ver que Norman presume quase que imediatamente que Lila é irmã de Mary, devido à grande semelhança. “Quando se é psicopata, sensitivo, as vibrações se sentem.” (BLOCH, 1964, p. 100) No longa, há uma cena


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memorável, onde a câmera focaliza o queixo de Norman, mastigando ininterruptamente em um claro sinal de nervosismo. Enfim, encontra-se finalmente uma prova da estada de Mary/Marion no motel. No livro de Bloch, Lila encontra um brinco da moça; no longa, um pedacinho de papel com números das contas que Marion fazia antes da fatídica cena. Acaba que Lila vai à casa dos Bates à procura de algum vestígio do que possa ter se passado enquanto Sam distrai Norman. Que se sobressaia aqui que nenhuma destas cenas no longa-metragem transmite tantos conhecimentos quanto a obra literária. O que se passa é que Lila encontra uma infinidade de objetos que, no mínimo, chamam a atenção. A casa toda parecia ter parado no tempo. Além disso, o quarto de Norman era uma combinação de elementos infantis e macabros. “(...) observou a composição incongruente da biblioteca de Bates. Novo Modelo do Universo, A Extensão da Consciência, O Culto da Bruxaria na Europa Ocidental, Dimensão e ser...” (BLOCH, 1964, p. 115) Encontram-se, inclusive, volumes que se descrevem apenas como patologicamente pornográficos. Neste momento, Sam interrogava Bates, até que uma irritação fatal se deu. No longa, de Norman; no livro, de Sam. Mas, finalmente a cena chocante se dá; Lila encontra a Senhora Bates. Não exatamente como esperava. A velha, desfigurada, estava morta há tempos. Logo em seguida surge a figura excêntrica. Um homem enorme, porém vestido de mulher, com uma peruca e, é claro, com a faca de açougueiro. Logo a seguir, se dá no livro uma explicação final dignamente hitchcockiana. Sam conta a Lila todo o caso. No longa, quem relata é um psiquiatra. Com efeito, o que ocorreu começou antes da morte da mãe. Norman tinha desde a infância uma relação doentia com a mãe, inteiramente dependente. Com o desaparecimento do pai e a presença de Joe Considine na vida dos dois, essa relação mudou. Fora Norman quem realmente matara o casal. Mas este não foi o único motivo pelo qual o crime ocorreu.


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3. O Matricídio Exatamente como Ed Gein, Norman foi criado sob um cuidado exagerado, extremo. A mãe era religiosa em demasia, cega pelo fanatismo não percebia como tratava o filho. Essa relação de dominação se estendeu, mas, com o passar do tempo, Norman não se importava mais. Precisava daquilo, havia se tornado dependente; desejava ser como ela. Enquanto Gein ia mais a fundo na obsessão e vestia-se com a pele dos corpos das mulheres que encontrava, parecidas com a mãe, Norman usava as roupas maternas. Para ele, tinha o mesmo efeito: parecerse com a mãe. O fato de Norman sempre ser tratado como criança, mesmo quando já era um jovem adulto, decorria do ódio que a mãe possuía dos homens. Depois de ser abandonada pelo pai de Norman, Norma Bates não confiava mais no gênero masculino. Não queria que Norman se tornasse um homem. Não queria que ele se parecesse com o pai e pudesse um dia abandoná-la também. Na obra de Robert Bloch descreve-se que foi provavelmente nesta época que Norman começou a interessar-se pelo ocultismo. O que ocorreu consequentemente na vida dos Bates foi o aparecimento de Joe Considine. O tal homem se aproximou da Senhora Bates, não se sabe se com reais intenções ou somente tendo em vista as propriedades deixadas pelo marido. O fato é que começou a cortejá-la e, obviamente, isso não fazia bem a Norman. Quando este finalmente a convenceu a se casar com ele, também a persuadiu a construir o motel. O problema maior não foi este, foi como Norman descobriu estas intenções. O então rapaz flagrou a mãe e Considine no quarto. O efeito que isto causou na mente de Norman foi certamente destruidor. E decisivo. Norman matou Joe Considine e, mais chocantemente, sua própria mãe. Em seguida escreveu um bilhete suicida, como se fosse a mãe, e ele próprio telefonou ao xerife. O matricídio sempre está envolvido com um sentimento profundo e irreversível de raiva em relação à própria mãe. É, afinal, o crime mais sórdido que um filho poderia praticar. Pode-se referenciar aqui a tragédia grega Electra, de


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Sófocles. Electra alimentava pela mãe um ódio extremo, obsessivo. Clitemnestra havia matado seu pai, Agamenon, em conspiração com Egisto, seu amante. O ódio de Electra era completamente esperado, visto que Agamenon tinha passado por batalhas imensuráveis, como a Guerra de Tróia, e mesmo assim sobrevivido. Era inaceitável que viesse a morrer pelas mãos da esposa. Além disso, com a morte do pai, Electra era maltratada em sua própria casa, nunca pode se casar; era humilhada constantemente e privada de tudo. Quando seu irmão Orestes retorna, é a salvação que a protagonista precisava. Clitemnestra precisava morrer, merecia morrer; assim como o amante que ousara roubar o lugar de seu pai. Persuade o irmão a cometer o assassinato do casal e, de fato, assim acontece. A morte da mãe tem, por fim, um tom de vingança cumprida. Destaca-se aqui que o Complexo de Electra, definido Carl Gustav Jung, é considerado a versão feminina do Complexo de Édipo, o qual o próprio Norman acreditava sofrer, como aqui já foi citado. Há, enfim, muitos pontos em comum ligando estes sentimentos de ódio que terminaram em matricídio. Com Norman, o crime se deu por envenenamento; colocou estricnina no café que lhes serviu. A cena deve ter o transtornado para sempre, uma vez que o veneno não mata repentinamente, mas causa convulsões até a asfixia total. O problema estava na perda repentina da mãe. Norman precisava dela, dependia dela. Transformou-se nela. Em um ato que remete totalmente a Ed Gein, pois este fez o mesmo, desenterrou o corpo da mãe. Conservar a casa, o quarto, seus pertences, tudo era insuficiente. Ele precisava da presença da mãe. Precisava conservá-la também. Mas, como narra o psiquiatra do longa-metragem que, a propósito, tem um tom quase cômico de apresentador dos anos 1950, manter o corpo da mãe ainda não era suficiente. Ele começou a pensar por ela, a falar por ela. Desenvolveu sua personalidade completa. A questão é que Norman já possuía outras duas personalidades: a infantil, dependente da mãe, e a adulta, ainda mal formada, acanhada. Em alguns


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momentos tinha adoração pela mãe, a respeitava, sabia que precisava dela. Em outros, a odiava. Culpava-a por ser como era; incapaz de sequer conversar com uma mulher. Nestes momentos de raiva, a julgava como uma mulher qualquer. Já em outras ocasiões, que se tornavam cada vez mais frequentes, assumia a identidade da mãe por inteiro. Vivenciava as três personalidades numa só existência. Logicamente, só a mãe cometia os assassinatos. Era ela a verdadeira culpada. Todo este comportamento, a loucura, as personalidades múltiplas, a possessão, os crimes, tudo resultara da dominação da mãe. Norman tornou necessária a submissão. Era obcecado pela mãe, tinha um ciúme anormal e desejava que a mãe o correspondesse. Assim, quando a personalidade da mãe matou Mary, ou Marion, era puramente por ciúme. O ciúme materno que ele tanto cobiçava. A cena final, seja de Bloch ou Hitchcock, é protagonizada somente por ela. Pela mãe. A personalidade dominante, que se julgava verdadeira e, acima de tudo, inocente. “Incapaz de fazer mal a uma mosca!” (BLOCH, 1964, p. 128).

Conclusão Intencionou-se, com base em Psicose, do autor Robert Bloch, originalmente publicado em 1959, e no longa-metragem de mesmo nome do diretor Alfred Hitchcock, de 1960, examinar o personagem Norman Bates e o matricídio, por ele cometido, nas obras citadas. Buscou-se analisar o crime, que se originou da mórbida relação entre Norman e sua mãe, através da inspiração real de Norman Bates, o assassino Ed Gein. Uma vez que, da mesma forma, Gein foi sugestão de origem de Leatherface (O Massacre da Serra Elétrica - The Texas Chain Saw Massacre) e Bufallo Bill (O Silêncio dos Inocentes – The Silence of the Lambs). Era, portanto, imprescindível contar um pouco da história desse bizarro personagem histórico. Igualmente necessário era citar a tragédia sofocliana Electra e as características que unem os matricídios cometidos em ambas as histórias. O


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Complexo de Electra, como uma versão do Complexo de Édipo, é de grande relevância quando se trata da mente perturbada de Norman Bates. Enfim, tentou-se investigar brevemente alguns aspectos destas obras do suspense, literária e cinematográfica, como evidência de seus valores no gênero e sua permanência no tempo e na memória.

Referências Bibliográficas: BLOCH, Robert. Psicose. Trad. KRÄHENBÜHL ,Olívia. São Paulo: Best-Seller Importadora de Livros, 1964.

CASOY, Ilana. Serial Killer: Louco ou Cruel? São Paulo: Madras Editora, 2004.

HITCHCOCK, Alfred. Psycho. Estados Unidos da América: Paramount Pictures, 1960. DVD, 107 min.

SÓFOCLES. Electra. Trad. KURY, Mário da Gama. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1958.


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