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Mostra no CCBB e Sesc traz a filmografia completa do mestre do suspense
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Barriga proeminente, cabeça calva, gestos vagorosos, jeito levemente parvo – Alfred Hitchcock (1899-1980) não apresentava nenhum vestígio aterrorizante, nenhum sinal daquele homem que, no cinema, provocou arrepios na plateiadurante meioséculo. Basta lembrar da cena do chuveiro, em Psicose; ou da angustiante espera pelo tocar dos címbalos da orquestra em O Homem Que Sabia Demais; ou ainda da aproximação do assassino em Janela Indiscreta. Ele foio cineasta que sabia comoninguém envolvero público em uma atmosfera de expectativa e medo. Se ainda resta alguma dúvida sobre tal capacidade, basta iniciar uma peregrinação diária ao CCBB que, a partir de quarta-feira, vai apresentar boa parte da obra de Hitchcock durante seis semanas. Nesseperíodo,serãoapresentados 54 longas e 127 episódios de sua série para a televisão, além de três curtas. Melhor: a apresentação será em película de 35 mm, ou seja, sem aquele aspecto de imagem de TV se fosse em DVD. “Considere essa mostra um privilégio e uma bênção, em
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meio a tanta porcaria exibida noscinemashojeemdia”,disse o cineasta Peter Bogdanovich ao Estado, em entrevista por telefone. “Observada a obra emsequência,épossíveldetectaraincrívelorganicidadedocinemadeHitchcock.”Bogdanovich é autor de filmes respeitáveis, como A Última Sessão de Cinema,massuacontribuiçãoà sétimaarteéreforçadacomentrevistas que fez com célebres cineastas, no momento (anos 1960 e 70) em que os grandes estúdiosestavamsedesmobilizando – foi assim com John Ford e, claro, Hitchcock. “Eu o conheci pessoalmenteem1961,logodepoisdefinalizado Psicose”, continua Bogdanovich.“Lembro deterdito queaquelefilmenãoestavaentre meus favoritos e Hitchcock respondeu que talvez eu nãotivesse entendidoa intenção humorística da trama. Na verdade,olongaétãoaterrorizante que ainda hoje é difícil
perceber esse aspecto.” Hitchcockespecializouse em revelar o segredo das pessoas – cineasta do voyeurismo, do olho e da dúvida, da ambiguidade, ele tornou-se célebre por mostrar o verso e o reverso do mundo. “Ele foi perfeito ao usar todos os recursos do cinema que dispunha para chocar,cativareatémesmoseduzir o público”, observa Adrian Wootton, chefe executivo do Film London e especialista na obra de Hitchcock, em entrevista realizada por e-mail. “Também foi inigualável sua habilidadeem escolher colaboradoresde alto calibre, como o compositor Bernard Herman, o desenhista Saul Bass e diversos roteiristas.” Filhodeumafamíliainglesacatólica – o que, diria ele mais tarde,“naInglaterrajá éumaexcentricidade” –, a formação de Hitchcock começou cedo, espe-
cialmente por conta da imposição religiosa. Em diversas entrevistas, ele relembrou um fato marcante: aos cinco anos, depois de cometer uma travessura, o pequeno Hitch foi enviado pelo pai para um delegado amigo seu, com uma carta. Depois de lê-la, o policial o deixou trancafiado durante cinco minutos e, ao libertá-lo, disse: “Veja o que pode acontecer se não for um bom menino”. “Isso explica seu temor pela polícia que, na maioria de seus filmes, não faz o papel do mocinho”, comenta Bogdanovich. “De fato, sua obra no cinema claramente reflete um debate moral entre ações boas e más”, completa Wootton. Ter estudado em um colégio de jesuítas, que contemplavam os autores de pequenas indisciplinas com alentados castigos corporais, também solidificou sua formação. Ou seja, o rígido catolicismo inglês mostrava que a inocência não existe e que o corpo servia apenas para atravancaroscaminhosdoespírito. Bogdanovich observa que Hitchcock sempre foi um homem extremamente organizado e cumpridor das leis em sua rotina, mas, no cinema, buscava a redenção – daí a decisão de aparecer em praticamente todos seus filmes, para deleite da plateia, sempre de maneira cômica ou desastrosa: servia para mostrar como seu corpo era
um objeto estranho em meio à beleza de suas heroínas. A relação com as atrizes, aliás, sempre foi tumultuada. “Tippi Hedren, por exemplo, com quem filmou Os Pássaros e Marnie – Confissões de uma Ladra, me contou que Hitchcock era obcecado em controlar sua carreira”, conta Wooton. “Para completar, as feministas o atacavam, dizendo ser misógino e sádico. Para mim, a realidade é outra, pois suaobrasempreexibiuuma mistura de sedução, erotismo e violência, assim, há prazer e dor na interpretação das heroínas.” Já Bogdanovich vê a relação como ambígua. “Mas, na maioria das vezes, é positiva, pois o ponto de vista feminino quase sempre impera nas suas tramas.” Ele cita como exemplo Interlúdio: “Trata-se de uma história de amor dark entre Ingrid Bergman e Cary Grant. E foi Grant quem me fez notar isso”. Ofilme,aliás,estáentreospreferidos de Bogdanovich, ao lado de Janela Indiscreta (“Um estudo sobre o uso da câmera”) e Intriga Internacional (“Diversão em estado puro”). Já Wootton prefere a profunda e estilística complexidade de Um Corpo que Cai. Agora,o público tem a chance de fazer sua escolha. MOSTRA HITCHCOCK CCBB. R. Álvares Penteado 112, tel. 3113-3651. R$ 4. Até 24/7 Cinsesc. R. Augusta, 2.075, tel. 3087-0500. De 7 a 17/7
BASTIDORES ● Psicose mostrou pela primeira vez na história do cinema um vaso sanitário (até então proibido pela censura). ● A partir de
O Pensionista, de 1927, Hitchcock iniciou suas aparições nos filmes, tornandose uma de suas marcas. O Homem Errado é o único longa em que ele fala.
● Em Um Corpo Que Cai, ele usou a famosa combinação de avançar o zoom e retornar o foco para transmitir a sensação de vertigem para o público. ● Quando Fala o Coração foi
Mais informações sobre a obra do diretor inglês na Pág. D5
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um dos primeiros filmes americanos a tratar da psicanálise. / U.B.
Cinema. Mostra ● Exposição
Luiz Carlos Merten
cockfoium incansávelpesquisador de formas e imagens. Nascido em Londres, em 1899, morto em Los Angeles, 1980, ele estudou num colégio de jesuítas e foi marcado por uma experiência na infância, quando o pai o enviou com uma mensagem à delegacia e ele ficou preso por uma pequena infração que cometera. Hitchcock queria ser engenheiro. Virou profissional do cinema, primeiro na Inglaterra. Osanos1920/30esculpiramtemas e a preferência pelo suspense. Nos 40, em Hollywood, ele descobriu a psicanálise. Nos 50, atingiu a plena maturidade do seu estilo e realizou obras-primas no limite da perfeição. Nos 60, embora imperfeitos, realizou seus mais belos filmes – a implacável trilogia edipiana formada por Psicose, Os Pássaros e Marnie. Pode-se preferir Janela discreta, Um Corpo Que Cai e Intriga Internacional – o próprio Hitchcock gostava mais de À Sombra de Uma Dúvida –, mas o Édipo e a Electra revisitados na trilogia formam um bloco de admirável coerência, incorporando a quintessência dos temas do autor (falso culpado, transferência de culpa, loiras frias etc). Após o limite de Marnie, obraprima doente (segundo François Truffaut), inicia-se a decadência. Ainda surgem lampejos de gênio, aqui e ali, mas a grandeza de Hitchcock está nos filmes passados. Sua obra celebra a montagem, como a de Eisenstein. A fama é de formalista, que queria controlar a imagem. O melhor de Hitchcock é o seu denso humanismo.
Na Faap, continua aberta a mostra Grace Kelly, com objetos de uma das musas de Alfred Hitchcock
Alguns críticos o chamam de formalista, mas grande marca de Hitchcock é o humanismo
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É possível que nem os cinéfilos de carteirinha possam dizer que conhecem a íntegra da obra de Alfred Hitchcock. Ela atravessa cinco décadas, dos anos 1920 aos 70, desenvolve-se em dois continentes (Europa e América) e percorre pelo menos duas mídias, cinema e televisão. Como dar conta disso tudo? A grande retrospectiva do Centro Cultural Banco do Brasil oferece a oportunidade rara para que não apenasos jovens, mas todos possamos (re)ver a totalidade do chamado mestre do suspense. Todo Hitchcock – 54 longas para cinema, três curtas e 127 episódios de TV, onde ele criou a série Alfred Hitchcock Presents. Só louco para negar depois disso a evidência que se imporá, soberana – Hitchcock foi e permanecesendo um dos mais influentes artistas do cinema. O mais? Você ouve sempre que a cena mais influente de todas é a da escadariadeOdessa,quedurasete minutos, no clássico O Encouraçado Potemkin, de Sergei M. Eisenstein, de 1925. Ela é fundamental, mas seu reinado ficou abalado, 35 anos mais tarde, quando Hitchcock criou o assassinato na ducha em Psicose. Bastaram 45 segundos de filme e 72 planos para instalar uma revolução estética que, desde então, não cessa de crescer. Dali saíram a linguagem da MTV, os clipes musicais (reinventados por Richard Lester com os Beatles), o gore (quando William Friedkin incorporou o sangue que Hitchcock se havia recusado a filmar).
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INCANSÁVEL BUSCA PELA
Uma cena não dá conta de uma obra inteira, mesmo que seja a escadaria de Odessa ou o assassinato de Marion Crane, mas vá dizer aos 1001 imitadores de Psicose, que incluem Brian De Palma, Mel Brooks, Woody AlleneSteno.Oqueaindalevamuita gente a implicar com Hitchcock é um conceito errado. Potemkin é um marco da revolução no cinema e Psicose baseia-se
CONSENSO CONSTRUÍDO POR TRABALHO CRÍTICO Tornou-se mestre por influência dos Cahiers du Cinéma Luiz Zanin Oricchio
Nos anos 1950, com sua carreira já bem desenvolvida, Alfred Hitchcock não era, nem de longe, considerado um grande mestre acima do bem e do mal, como hoje. Nada disso. Era visto apenas como bom diretor, um artesão, conhecedor das manhas do seu métier e empenhado em trabalhos menores, “filmes para provocar medo nas pessoas”. Em área tão sujeita ao julgamento subjetivo, como o cinema e as artes em geral, seu caso é exemplarpara se entender como seconstroemconsensos.Ou,para particularizar, como um artista daperiferia ganha ingressopara o panteão do cânone. No caso de Hitchcock, sua famaatualéfrutodeintenso,trabalhoso e aprofundado trabalho crítico. Quem o empreendeu foram os então jovens críticos da influente revista francesa Cahiers du Cinéma – Jean-Luc Godard, Eric Rohmer, Jacques Rivette,ClaudeChabrole,emespecial, François Truffaut. Admiradores de Hitchcock, os críticoslançaramintensacampanha por sua entronização. Texto após texto, procuraram mostrar que havia mais nas obras do cineasta do que deixava ver a superfície.Emsuashistóriasdemedo, Hitchcock discutiria temas tão profundos como aqueles debatidos, por exemplo, na obra de um Bergman. Bastava saber ver. Em outubro de 1954, os Cahiers publicam extenso dossiê Hitchcock, com ensaios assinados por seus principais articulistas. Quando em 1959 Hitchcock lança na França seu Um Corpo que Cai já recebe tratamento de
Um Corpo Que Cai. Quando estreou, diretor já era tido como gênio gênio inconteste. Aúltimafortalezaacair foijustamente os Estados Unidos, onde Hitchcock ainda era tratado com condescendência por parte da crítica e do público sofisticado. Truffaut decide então fazer um grande livro de entrevistas, em que o mestre exporia seu método, filme a filme. O livro (No Brasil, Truffaut/Hitchcock, Cia
das Letras) é lançado na França em 1966 e, nos EUA, um ano mais tarde. Torna-se sucesso e referência, com a fama de “o mais belo livro de cinema de todos os tempos” segundo uma resenha. Quando a última fronteira caiu, o lugar de Hitchcock na históriadocinemaestavaassegurado. Morreu em 1980, cercado de glória e admiração.
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num pulp (de Robert Bloch). Há aíuma diferençade mérito, principalmenteseocríticofor de“esquerda”. Mas se poderia avançar dizendo que o marco zero da revolução celebrada por Eisenstein, se mudou a história do homem, desembocou num Estado repressivoepolicial.Oassassinato na ducha, em Hitchcock, é tragédia pura. Subverte o mais hollywoodiano dos temas, a se-
gunda chance (com a volta ao lar). O banho seria a purificação de Marion para voltar para casa, e ela nunca vai conseguir. Nem Eisenstein nem Hitchcock são responsáveis pelo uso que foi feito depois de suas cenas emblemáticas (nem do que se transformou a revolução russa de 1917). O importante é que, numa mídia popular como o cinema, nascida na feira, Hitch-