Newsletter CIPA 3ª Edição

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3ª Edição da newsletter do CIPA |Mensal | Janeiro 2014

Afurada | Âncora de Identidades Centro Interpretativo do Património da Afurada

Nesta 3º edição da newsletter do CIPA, consolida-se o projeto de uma publicação mensal que verte para um documento arquivável, ancorada nas histórias que vamos investigando e discutindo neste centro interpretativo. Muitas histórias estarão ainda para contar e registar, e o CIPA, conta com a colaboração de todos os interessados por estas temáticas e em especial os naturais desta freguesia para enriquecer este legado em vias de esquecimento. A Afurada em todas as suas vertentes é um tema riquíssimo para o desenvolvimento de estudos nas mais variadas especialidades. O crescente interesse por esta comunidade piscatória confirma-se pelos contactos de diversas instituições de ensino com vista à nossa colaboração. Dai resultam e resultarão diversos trabalhos entre as mais variadas áreas, de acordo com as temáticas dinamizadas pelo centro interpretativo. Estes trabalhos integrarão posteriormente uma base de dados disponível a todos nas nossas instalações. A existência e disponibilização a investigadores e interessados desta base de dados será fundamental para preservar para a posteridade os momentos de festa, as angustias e o dia a dia desta peculiar comunidade.

«Meu pai foi toda a vida pescador, Joaquim Juca, morreu dia 19 de Maio de 2014. Aqui ca a minha homenagem a todos os que dedicam a sua vida ao mar.» Testemunho de Adriana Neves | livro de honra do CIPA, acessível a todos

Património(s) 2

Retratos da história 3

Divulgação 4


Património(s) Reservamos esta página a algumas considerações cientícas sobre a temática que dá o mote à edição.

Da formação à musealização Homens e mulheres têm atividades e espaços denidos. Se um atua no porto de pesca, no arranjo das redes, o setor feminino enreda-se em historias na rua, encarada como extensão da casa, e no lavadouro. Além desta cultura muito enraizada “nos seus e para os seus”, a vida das pessoas afetas à faina, funciona muito em função da religião. Com um quotidiano marcado pelo perigo, pela incerteza e pela angustia, tanto os pescadores como as suas famílias viam na fé o único meio de ancorar a sua esperança. Em todas as povoações com ligação ao mar detetamos vários símbolos que nos remetem para a fervorosa devoção ao cristianismo: devoções características como a Estrela do Mar, o Senhor dos Aitos, a devoção ao Espírito Santo e a S. Pedro, patrono de mais de 100 igrejas em todo o país. Esta fé e esta estreita ligação com o sagrado está visível nos símbolos que marcam as embarcações, os aprestos e inclusive a pele dos pescadores. Muitas destas representações remetem para um vasto património, quer material como imaterial, associado a tantos outros que nos últimos anos têm vindo a ser valorizados por várias entidades, com a criação de museus e centros interpretativos com temática marítima. Muitos destes núcleos não pretendem a p e n a s a c o l h e r a s m at e r i a l i d a d e s associadas a esta atividade, mas acima de tudo preservar, divulgar e dinamizar a memória coletiva destas comunidades, não deixando que toda a sua cultura e saberfazer se perca no tempo, muito por culpa das diculdades que assolam o setor ligado às pescas.

O mote “Gente com estória” permite-nos uma abordagem ao aparecimento de comunidades piscatórias no litoral português. Baseados em outros autores como Teresa Soeiro, Inês Amorim, entre outros, para os quais remetemos para uma leitura mais detalhada sobre a temática. De facto, se há gentes com história, de certo se encontram nas comunidades piscatórias, onde todo o contexto é marcado pela sua identidade. O fenómeno dos aglomerados populacionais, tendo em vista a atividade piscatória no litoral é um caso transversal a toda a costa. Provenientes de outros locais, sem que num primeiro momento xem residência, estes homens partiam para a faina, enfrentando o mar com a esperança de garantir sustento ao seu agregado familiar. Quando a situação permitia, e se a safra o justic asse, construíam habitações para poder albergar a família. Com a agregação de vários indivíduos e sua família, com o mesmo m, começa a poder falar-se em comunidade. A viragem do século XIX para o século XX, serviu de alavancagem para o setor das pescas, com a introdução das novas tecnologias, o que acabou por conduzir à armação destas comunidades. Nestes casos, muito por força das mentalidades, a socialização no seio destas populações era de certa forma fechada, devido às características endogâmicas, privilegiando as relações entre indivíduos do mesmo meio, sendo inclusive o caso oposto mal encarado. na verdade, entre estas populações as fronteiras estão bem denidas entre classe e mesmo entre género.

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Retratos da História Contando com a colaboração de várias pessoas, destinamos este espaço a uma opinião ou trabalho cientico a título pessoal.

Antigoni Geronta "Ninguém pode explicar o que é único. Podemos apenas descrever, louvar e adorar." Henry Miller, 1941 Com uma edição dedicada às gentes e às suas histórias, a participação de Antigoni Geronta enreda-nos numa história de encanto pela Afurada. De nacionalidade grega, Antigoni deixou-se cativar por esta comunidade quando, «numa tarde do Novembro de 2011, desde o outro lado da margem, na “Tasca dos fados da Piedade”, olhava com curiosidade a Afurada. Casas pequenas e coloridas, barcos a balançar sobre as ondas do rio e apenas um a atravessar, A Flor do Gás. "É o bairro de pescadores mais autêntico", disseram-me». Três anos passados, reside actualmente no bairro da Afurada de Baixo, com o propósito de realizar uma investigação “in situ”. «Trata-se de um estudo que f o r m a pa r t e d a m i n h a t e s e d e doutoramento numa abordagem arquitetónica e antropológica. O estudo centra-se no bairro da Afurada de Baixo, devido às suas características tão especíc as e únic as. Uma destas características é a própria organização e utilização do espaço comum. O espaço público está inter-relacionado com os usos, que se destinam "principalmente" ao espaço privado da casa. O umbral da casa, a calçada e, por vezes, a mesma rua constroem o cenário onde os afuradenses cozinham, comem, lavam e estendem a roupa, hábitos que dão forma a um panorama singular, preservado por décadas. A vida privada e doméstica tornase num acto coletivo. De facto, o espaço público constitui a mera extensão da casa. Pergunto-me se este fenómeno é baseado maioritariamente na necessidade ou no hábito. E como se relacionam as antigas exigências e condições de vida com as actuais?

Sendo este o primeiro lugar onde se instalaram os pescadores, é ainda hoje habitado por uma comunidade profundamente enraizada no território e com laços familiares estreitos. É aqui também que se celebram as Festas de São Pedro, o evento mais signicativo para o povo. Esta sólida relação dos pescadores com a religião revela-se em vários aspectos da vida quotidiana, desde os símbolos pintados e os nomes dados aos barcos às representações religiosas nas fachadas das casas, até à própria decoração do corpo com tatuagens religiosas – uma manifestação de culto e de luto. Hoje em dia, o bairro vê-se diretamente afectado pelos novos planos urbanísticos, embora continue a resistir, de uma forma ou de outra, às práticas de homogeneização e modernização que se desdobram à sua volta e que poderiam idealmente ser mais coerentes no que diz respeito aos hábitos locais e à vida quotidiana da comunidade. Naquele dia de Novembro, ainda sentada na tasca da Piedade a contemplar o pequeno bairro de pescadores à minha frente, pensei na expressão popular segundo a qual "O Porto tem a beleza, a Gaia tem as vistas". Aquele recanto de Gaia onde o rio Douro encontra o mar iria provar exactamente o contrário. Bela e tranquila, conictuosa e vibrante, aí estava a Afurada. E, no nal de c o n ta s , a í c o n t i n u a c o m a s s u a s contradições, tal como cada bairro e a sua gente que, ao tecer constantemente a sua história, cria a sua própria narrativa do lugar, motivo mais que justo para o adorar e lutar por ele».

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Divulgação Objeto do mês | Baú Nesta edição destacamos o Baú. O C I PA t e m n o s e u e s p ó l i o 3 exemplares, sendo que o que apresentamos em imagem foi doado por Amélia Azevedo. Ao longo das várias comunidades piscatórias encontramos materialidades que são transversais a todas elas, mas todos os objetos têm na sua decoração motivos simbólicos que os tornam únicos. A iconograa simbólica que procura invocar proteção, a família ou a fé é uma constante entre esta classe, dadas as vicissitudes a que estão expostos. É o caso deste objeto. Inicialmente era utilizado o foquim, um recipiente de forma redonda em madeira, acabando por evoluir para o baú de metal, um material mais resistente.

Com a utilidade prática de transportar alimentos para a faina e inclusive para guardar o quinhão de safra da pesca, surgia um espaço livre para representações. Nas peças em exposição no CIPA, p o d e m o s o bs e rva r m o t i v o s marítimos, entre eles as embarcações onde o dono do baú laborava, motivos religiosos como a referência a Nª Sª Estrela do Mar e S. Pedro do Mar ou motivos pessoais, como os nomes dos familiares, fazendo com que estes estivessem sempre por perto. Na visita ao CIPA, deixe que este e outros objetos lhe contem histórias.

Tertúlia de Poesia | Ser e sentir das Gentes da Afurada

Tema da próxima edição: Uma parte de todos para todos [ Doações ] CIPA | 4


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