Texto Giovanna Lukesic e Marília Fuller Design Isabella Galante
Segura essa marimba! Tudo começa com uma boa ideia. Uma boa história origina um livro, uma boa rima vira uma música, uma boa conversa instiga uma nova invenção. Como nasce um fenômeno? Num piscar de olhos, o que era completamente desconhecido ganha audiência, faz sucesso e se torna viral. A coisa estoura, vem a febre - mas e depois? Os fenômenos nos influenciam em várias situações e têm o poder de transformar nossa rotina. Alguns ditam como nos vestimos, nos alimentamos e até mesmo o que consumimos nas redes sociais. No século passado, a invenção da pílula anticoncepcional revolucionou a vida sexual de muitas mulheres. Hoje, a possibilidade de produzir milhares de objetos, de diferentes materiais e complexidades, em impressoras 3D impressiona. Uma personagem esquisita de uma série, um atleta excepcional com uma história recheada de superações, um vlogger que faz e fala tudo aquilo que você quer ver e ouvir. Fenômenos nos cercam de todos os lados, renovam-se o tempo todo e estão presentes na forma como agimos e nos comunicamos. Nesta edição, o Claro! te convida a ler, entender e explorar mais sobre alguns dos muitos que estão por aí, sejam eles passados ou atuais.
EXPEDIENTE ECA-USP Diretora Margarida Maria Krohling Kunsch Departamento de Jornalismo e Editoração Chefe Dennis Oliveira REDAÇÃO Professora Responsável Eun Yung Park Editoras de Conteúdo Giovanna Lukesic e Marília Fuller Capa e Diretor de Arte Jeferson Gonçalves Editora de Fotografia Jéssica Soler Diretora Online Gabriela Sarmento Redes Sociais Isabelle Almeida Equipe Online Guilherme Caetano e Júlio Viana Diagramadores Breno Leoni Ebeling, Isabella Galante, Júlia Moura, Luiza Magalhães, Marcos Vinícius Nona, Nairim Bernardo Ilustradoras Isabel Seta e Sofia Mendes Repórteres Amanda Oliveira, Ana Luísa Moraes, Daniel Quandt, Felipe de Barros Marquezini, Heloísa Iaconis, Isadora Vitti, Joana Darc Leal, Laura Himmelstein, Nyle Ferrari, Rafael Ihara Vídeo Daniel Tubone Simões e Vinícius Almeida Making of Paula Thiemy e Tiago Aguiar Endereço Av. Prof Lúcio Martins Rodrigues, 443, Bloco A. Cidade Universitária, São Paulo - SP. CEP: 05508-900 - Telefone (11) 3091-4211 O suplemento Claro! é produzido pelos alunos do 6o semestre de graduação de Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso - Suplemento. Tiragem: 8000 exemplares
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Texto Heloísa Iaconis Design Isabella Galante Ilustração Isabel Seta
Uma mão na moda
No brejo do tempo, brava que nem, a fim de bradar contra esse breve breque de vendas, brecha encontrei e criei a tal da não brega queima. Ó, sem dó nem pó, décadas irão dividir este brechó. Simples, explico, meu bem: cá comigo, costurei botões meus e alinhavei ideia. Você me ajuda? Sozinha dou conta não - sou oitentinha. Desfilar no já desfilado com novos calçados de olhos. Você me ajuda? Ainda bem, meu bem! Vamos? Toda moda roda, roda e volta. Vovó Gabrielle estreou o amor vestuditário - adoração pelas roupas que fia o fio das gerações de minha família. Vovó passou pela Belle Époque, repleta de tons pastéis ao lado de renda, chamalote, musselina, tafetá, chiffon e outros, outros, outros tecidos. Ela viveu a eliminação dos espartilhos por Paul Poiret - ufa! - e o advento do decote “V”. Mamãe Jeanne, minimalista no ser e no vestir, acompanhou, por um lado, a escalada de Chanel; mas, por outro: bang!, Primeira Guerra; crack!, quebra da Bolsa; boom!, Segunda Guerra. Fugidas do redemoinho, viemos para terra do samba. Toda moda roda, roda e volta - e eu, do danado desse samba, nunca mais me separei, meu bem. Firulas no bolso, sim? Mão na moda! Pegue a mala de couro, por favor. Obrigada, meu bem. Aqui estão os itens que irão decorar a vitrine: tendências das épocas abarcadas pelo saldão. Desenganche, gancho! Pronto: mar de lembranças aberto. Jaqueta de couro, ah!, não pode faltar: vai que surge um jovem rebelde e bonito, estilo James Dean, querendo comprá-la? Bota no mostruário! E por falar em jaqueta: uma justa que acentua a cintura, saia longa e plissada, chapéu e saltos. This is a new look!, como disse Dior. Toda moda roda, roda e volta. Década de 60: este vestido tubinho, engenho de Yves Saint Laurent, entra; a minissaia de Mary Quant, também. Brincadeira entre amigas: eu era Brigitte Bardot; Sabrina, Audrey Hepburn. Risadas garantidas, meu bem, você mal imagina. No canto esquerdo, mix mil: punk, hippie, glam rock - eis os anos 70. Coloque aí: a calça boca-de-sino e as batas com estampas étnicas. Zuzu, o meu anjinho de filha, nasceu nesses meandros de revolução sexual e ditadura. Nessa fase, ostentava o corte “pigmaleão” como o de Tônia Carrero, acredita? Toda moda roda, roda e volta. Mudou o período e continuei sendo noveleira, meu bem: 1985 e eu lá, cheia de turbantes, lenços e acessórios grandes à la Viúva Porcina. Cores muitas e vibrantes! Aliás, o colar pink está no manequim! Achei collants, polainas e uma sandália Melissa (plástico dói-que-dói). Vitrine adentro! Fim do século: agrupe a calça jeans cintura alta e o tênis All Star (todo vermelho como um astro, por hora, não gasto). A minha neta, Stella, ainda hoje, anda desse jeitinho e, palhaça que é, diz ser Rachel Green. A colega dela, gargalham as duas, prefere o papel de Carrie Bradshaw. Fenômeno que é fenômeno, das roupas à farra, é bem assim: roda, roda e volta. (Engraçado: já falei isso?).
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Guia (quase) definitivo para escrever um best-seller “Okay? Okay”. O pequeno diálogo do best-seller “A culpa é das estrelas”, de John Green, estampou colares, camisetas e capas de facebook de centenas de adolescentes por aí. O livro tinha todos os elementos para virar um best-seller. O primeiro deles era, isso mesmo, a palavra “OK”. Segundo um programa criado por dois pesquisadores da Universidade de Stanford e Nebraska, essa palavrinha triplica as chances de um livro se tornar um best-seller. A pesquisa dos norte-americanos Jodie Archer e Matthew L. Jockers analisou 20 mil livros aleatoriamente, a partir de listas dos mais vendidos do The New York Times dos últimos 30 anos. O programa tem um algoritmo capaz de identificar os elementos que se repetem entre eles. Na pesquisa, eles também perceberam que os livros que usam muitas vezes os verbos “precisar”, “querer” e “fazer” têm o dobro de chance de se tornarem um sucesso de vendas. Segundo elemento: ele é protagonizado por uma mulher forte. O consumo entre os jovens de livros com personagens femininas independentes em papéis principais foi um fenômeno que estourou com Harry Potter. Hermione, a mais esperta do grupo, virou uma inspiração. Mais tarde veio Katniss, protagonista de Jogos Vorazes. “Essa procura por livros protagonizados por mulheres sempre existiu, mas havia poucos com essa temática. Com esse aumento da discussão sobre o papel da mulher, mais autoras conseguiram colocar esses livros nas estantes”, explica Gabriela Tonelli, editora da Seguin-
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Texto Isadora Vitti Design Luiza Magalhães Fotografia Jéssica Soler
te, selo jovem da Cia das Letras. Outra coisa que não pode faltar é um romance para os fãs “shipparem”. E se for um romance proibido à la Shakespeare então? Aí é sucesso! Segundo o pesquisador e consultor de comunicação José Antônio Rosa, existem conteúdos que são arquetípicos, que estão dentro de nós e vão sendo passados de geração a geração. Em “A culpa é das estrelas”, o autor recria o amor shakespeariano usando câncer como empecilho para os dois jovens amantes. Mas então quer dizer que é só colocar uma mulher protagonista, um arquétipo e exagerar em verbos específicos que é garantia de sucesso? Pois é, infelizmente não. Um livro pode ter todos os elementos de sucesso e mesmo assim não se transformar em um best-seller ou pode não ter nenhum deles e causar frenesi internacional. Paula Pimenta, escritora da série “Fazendo Meu Filme”, que rendeu mais de 500 mil cópias, afirma que ela é sempre seu maior filtro: “Eu tenho que ser a primeira a gostar das minhas próprias histórias. Pensar em elementos que vendam é função das editoras”. O autor dos best-sellers “Eu me chamo Antônio” e “Segundo”, Pedro Gabriel, ratifica: “Se existisse uma fórmula de todo livro ser um sucesso comercial, o mundo só precisaria de um autor. E, ainda bem, isso nunca vai acontecer”. Para Tales Gubes, escritor e criador do projeto Ninho de Escritores, que ajuda pessoas a melhorarem sua escrita, “há dois fatores essenciais para um best-seller: uma história bem contada e sorte”.
Quando acaba , a gente quer de novo Texto Felipe Marquezini Design Luiza Magalhães
Depois de um sono bom, a gente levanta. Se for fim de semana, depois pode comer um lanche... talvez dois hambúrgueres, alface, queijo, molho... às vezes só pipoca e guaraná já é um programa legal. Se é dia de semana, olha a hora! Portas de aço levantam, todos parecem correr... se ligar o rádio do carro em tempos de campanha eleitoral, talvez ouça que brilha uma estrela, ou seja apresentado a um democrata cristão. Pois é, o tempo passa, o tempo voa, e algumas músicas não saem da nossa cabeça. Mas o que faz com que gerações que jamais viram o comercial em preto e branco saibam a melodia de “Não adianta bater, eu não deixo você entrar”? De acordo com o compositor, maestro e professor Kleber Mazziero de Souza, estudioso do tema, o jingle não é muito diferente da música popular no que diz respeito à sua estrutura e ao modo como o memorizamos. Para Souza, o jingle como discurso deve atingir em primeiro lugar o emocional do público; só num segundo momento o ouvinte faz uma análise racional. Por isso as associações feitas com a família (“não espere a mamãe mandar...”) ou com momentos de
festa (como o natalino “quero ver você não chorar”). O bom jingle é aquele que consegue utilizar os recursos de linguagem, música e letra no caso, para compor um discurso de qualidade. Uma melodia memorável, simples mas com traços de requinte, sobre um fundo instrumental que a sustente em uma progressão coerente; e uma letra que não caia na vulgaridade e apresente a sofisticação da linguagem indireta, com metáforas (como o “varre, varre, vassourinha” ou “a cidade não desperta, apenas acerta a sua posição”). Além da grande exposição, o que faz com que os bons jingles permaneçam na memória das pessoas é essa qualidade de estruturação, de composição dos elementos da linguagem para melhor transmitir sua mensagem. Esse conhecimento técnico e a experiência levam a alguns formatos que são utilizados para persistirem na memória do público. Exemplo é o formato da canção popular americana, o “AABA” em que “A” é a estrofe e “B” o refrão. Canções que continuam fazendo sucesso depois de décadas seguem essa estrutura. Ou alguém se esquece de “Over the Rainbow” e “Garota de Ipanema”?
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Texto Daniel Quandt e Nyle Ferrari Design Marcos Nona Fotografia Daniel Quandt 6
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DESIGN: O processo de imprimir um objeto começa antes de ligar a máquina. Para o resultado ficar bom, é preciso fazer um design que considere as especificações e limitações da tecnologia. Depois, por meio de um software de modelagem 3D, o projeto é transmitido à impressora. Para fazer um boneco colorido e flexível a partir das peças rígidas e monocromáticas que saem de suas máquinas, a 3dfactory reúne as partes por meio de encaixes, cola, e até mesmo imãs. O produto final acaba sendo algo bem mais sofisticado do que seria possível com uma única impressão. E ainda: quanto maior e mais complexo o objeto, mais demorada e custosa fica a impressão, e mais chance de algo dar errado. Por isso, dividi-la em várias partes pode ser bastante prudente.
Desvendando as camadas da impressão 3D
MATERIAIS: Existem diversos tipos de materiais, que podem r nas mais variadas cores, mas a aioria das impressoras só é capaz sar uma por vez. Na 3dfactory, são os os polímeros ABS e PLA. O primeiro aca por ser um material rígido e leve, ando um bom equilíbrio entre resistênbilidade. Já o PLA é biodegradável e mais e o ABS em determinadas moldagens, pois ormar menos após a impressão. Para seos nas máquinas, ambos se encontram a de bobinas de filamento, que será derdentro da máquina e depois resfriado, que endureça. Em certas aplicações, dfactory usa também um polímero xível, de borracha. Todos são fabricados no Brasil, evitando burocracia e custos adicionais.
IMPRESSÃO: Há muitas categorias de impressora 3D, com finalidades, processos e custos variados. A mais comum e barata delas, conhecida como impressão por extrusão, derrete o material e aplica-o em camadas, de forma que ele solidifique antes da aplicação da próxima. O processo é lento, podendo demorar horas para objetos maiores e, dependendo da máquina utilizada, as restrições de tamanho mudam. As impressoras da 3dfactory, fabricadas pela empresa brasileira 3DMachine, possuem volume máximo de impressão que varia entre 8 e 27 litros, e custam uma média de R$5 mil cada. “Mas a maior parte da nossa produção pode ser feita com impressoras que começam por volta de R$1900”, explica Tiago Soncini, sócio-fundador da 3dfactory.
A impressão 3D é daquelas tecnologias que já eram comuns nas páginas da ficção científica muito antes de existirem de verdade, como a teleconferência ou a realidade virtual. Em séries dos anos 60 como Star Trek e Os Jetsons, já era possível ver um sonho que estamos começando a realizar: dar forma física à informação digital. Ainda não conseguimos imprimir um bife com fritas, mas a tecnologia disponível ao consumidor está cada vez mais sofisticada e acessível. Mas vamos voltar um pouco. O que é, exatamente, a impressão 3D? Em uma definição bastante sucinta, podemos dizer que é o processo de criação de um objeto físico a partir de um modelo digital tridimensional. Existem formas diversas de realizar esse processo, mas a maioria delas se resume à aplicação em finíssimas camadas de um ou mais materiais, sucessivamente, até o objeto desejado estar completo. As possibilidades de uso para essa tecnologia são praticamente ilimitadas. Na indústria, por exemplo, torna-se possível a produção rápida e fácil de protótipos, acelerando o desenvolvimento de produtos. No setor médico, a personalização de próteses passou a ser muito mais viável por meio da impressão 3D, que já é usada em implantes auditivos e dentários. Mesmo hoje, já existe uma parcela da população que imprime designs de objetos de uso doméstico, baixados da internet, em suas próprias casas. Para apresentar detalhadamente como esse processo funciona, visitamos o escritório da 3dfactory, em São Paulo, uma empresa que usa impressoras de baixo custo para imprimir desde bonecos articulados das mais variadas franquias, como Pokémon, até peças automotivas.
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As gírias que estão lacrando nas redes Texto Amanda Oliveira Design Júlia Moura Ilustrações Júlia Moura O Crush está digitando, te diz o whats! Ai meu Deus meu coração, tô morta! Vish tá demorando. Poxa faz 1 minuto! Chegouuu: Ah é só um Oi! Quem nunca passou por essa situação? Quem nunca! E quando você curte todas a fotos do crush e chega aquela msg sutil: Miga, seje menas! O universo digital está bombando no meio da comunicação e influenciando na nossa forma de expressar a linguagem. Neste mundo, o dicionário é mais amplo e abrange as chamadas gírias da internet. Será que estamos mudando a língua? Calma aí. Não é bem assim. A língua passa por mudanças ao longo do tempo, mas às vezes certas expressões estão apenas de passagem, são os famosos modismos. Então o que está acontecendo com a nossa língua? Para descobrir, recorremos a professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Tania Salies. Especialista em linguagem, ela diz que o que estamos presenciando nos meios digitais não é uma mudança drástica gramatical, mas uma adaptação estilística para certos contextos comunicativos. WHAT? Por exemplo, você não vai para a balada com seu terninho preto do trabalho, não é mesmo? O uso da língua funciona mais ou menos assim. Imaginemos que você frequente um fórum acadêmico. Provavelmente, você irá se expressar formalmente. Mas é só abrir a janela do Facebook que você muda e as gírias rolam sol-
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tas. A professora menciona que a língua está se adaptando aos chamados gêneros digitais como Facebook, Fóruns e Twitter. Eles têm um propósito comunicativo com marcas linguísticas distintas. No mundo digital, as gírias já ganharam até status de verbo e as pessoas passaram a conjugá-las. Eu twitto, você twitta, nós twittamos. Pode ter até o seu migo gaúcho que diz tu twitta. Para a professora, muitas expressões são formadas a partir da primeira conjugação dos verbos no português , Twitt(ar). Além disso, elas também são empréstimos do inglês. Sua tia comentou sua foto no Facebook! OMG (abreviação de “Oh my God”). Essas expressões serão dicionarizadas? Poderemos abrir o dicionário e encontrar a palavra “vc” como pronome pessoal. E a expressão “falsiane” como adjetivo para caracterizar uma pessoa traidora. A inclusão só ocorre se todo mundo começar a usar essas palavras correntemente. Isso já aconteceu? Sim! O substantivo e-book e verbo blogar são vocábulos que surgiram no meio digital e foram incorporados pelo Aurélio “A gente vive uma cultura eletrônica e os nossos dicionários estão respondendo a isso”. Então, se você receber uma msg daquele migo fiscalizador da gramática reclamando do seu #xatiado, é só dizer: Querido, apenas melhore, vc que quis entrar na balada errada com seu terninho preto do trabalho!
Quer se reconhecido na rua, ter uma legião de fãs e admiradores, e distribuir autógrafos pra tudo quanto é lado? É só pegar uma câmera (pode até ser a de um celular), gravar um vídeo, e hospedá-lo num canal no YouTube que você mesmo pode criar. Engana-se quem acha que é preciso fazer coisas mirabolantes no vídeo. Quando é dado o play, naturalidade é a palavra de ordem. Quer exemplos? A dona do canal Viih Tube é uma moça de 16 anos. Ela tem três milhões de seguidores, e se considera “formadora de opinião e influenciadora da grande massa” que a segue. Em um de seus vídeos, ela se juntou ao primo e eles propuseram desafios um ao outro, como comer um pacote de biscoito, quebrar um ovo de galinha com uma mão, beber um litro d’água... Detalhe: cada tarefa devia ser cumprida em sete segundos. Tem também o Pedro Afonso -- um jovem de
20 anos que tem um canal chamado RezendeEvil. Além de produzir vídeos de jogos, também faz sucesso com gravações dele sendo encoberto por 40 amebas coloridas, ou passando com um carro, um Audi, por cima de um iPhone 6 com a tela quebrada. Um novo custa hoje cerca de 2.500 reais. Essas brincadeiras já renderam mais de três bilhões de visualizações de seus vídeos. O canal Bel para meninas é protagonizado por uma criança de apenas oito anos, mas tem 2,6 milhões de pessoas inscritas. Nos vídeos, Bel mostra sua mochila e estojo da escola, faz teatrinhos simulando situações cotidianas, e participa de desafios culinários estrelados por ela e sua mãe, que se diverte tanto quanto a filha nas gravações. Em pelo menos dois vídeos elas aparecem vomitando depois de tomar bebidas que prepararam. O que os três (e muitos outros youtubers) têm
em comum é a naturalidade. Eles arrotam, gritam, erram, gaguejam e até vomitam na frente das câmeras. Apesar de contarem com editores de vídeos que poderiam retirar essas partes com as gafes, elas são mantidas justamente pra gerar identificação com o público. Os internautas pensam: “nossa, eu também faço essas coisas”. A professora do Instituto de Psicologia da USP Leila Tardivo crê que a popularidade dos youtubers também se apoia no avanço da tecnologia. Como as pessoas ficam mais em casa pela falta de segurança, e passam a maior parte do tempo sozinhas, acabam assistindo a esses vídeos pela falta que sentem de ter contato direto, ao vivo, olho no olho. “Os youtubers acabam se transformando em amigos desse pessoal super conectado que passa a maior parte do tempo sozinho, no celular, no computador”, justifica.
AAAAAAAAAAAAAAAATCHIM! Texto Rafael Ihara Design Júlia Moura
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a rede e nossa cômoda miopia Texto Laura Capelhuchnik Design Breno Leoni Ebeling Já parou para pensar que o seu mundo virtual pode ser completamente diferente daquele das pessoas com quem você se relaciona? Mas, infelizmente, isso não se deve apenas à poética singularidade com que interpretamos a vida, e sim ao que o mundo tem interpretado por nós. À primeira vista, o Google e o Facebook se parecem mais ou menos com a sua mãe. Isto é, por meio de técnicas avançadas de monitoramento, sabem bem o que você fala, o que mais gosta, o que mais detesta, por onde anda e com quem. Mas, diferentemente dela – que tem ótimas intenções – e cujas técnicas de rastreamento já foram, a essa altura, desvendadas e burladas por você, as empresas da internet que utilizam algoritmos mantêm parte de seus mecanismos em sigilo. Isso quer dizer que não sabemos com precisão até onde vai e como funciona o monitoramento. Já se sabe, porém, que a partir dos dados que o usuário fornece, o sistema algorítmico cria uma espécie de filtragem no conteúdo exibido, para que você só veja o que quer ver, ou o que o Google acha que você quer ver. Ironicamente, estar conectado hoje significa, em certo aspecto, isolar-se. Para que Mark Zuckerberg apresente no feed de notícias apenas o que cada um supostamente considera relevante, ele precisa esconder todo o resto. Não é à toa, portanto, que o feed parece concordar sempre com suas postagens, e que aquele tio, de quem você discorda ve-
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ementemente e com quem brigou no último Natal, é presença cada vez mais rara nas suas redes sociais. A internet vira uma espécie de repetição personalizada da maneira como cada um se comporta. Em escala global, é possível ter uma dimensão do fenômeno algorítmico: a rede social filtra e personaliza o conteúdo recebido por mais de 1,5 bilhão de pessoas. Mais de um quinto do mundo está sujeito a essa “curadoria” de dados da empresa. Isso sem pensar em todas as pesquisas feitas no Google, nos usuários das demais redes sociais, enfim, em todos os que acessam a internet e que sob algum aspecto também são ‘ilhados’ pela filtragem de informação. Vamos, aos poucos, nos tornando mais intolerantes com o diferente, perdendo a capacidade de argumentar, debater, ser desafiados por uma informação. E como, por enquanto, os termos de uso das redes sociais não são negociáveis, nossa sina provisória é aceitar filtragem feita pelos donos da internet. O que se pode fazer é pensar criticamente o uso dessas ferramentas, os dados que fornecemos, e, sobretudo, realizar um esforço para apreender cada vez mais informações que nos provoquem, desloquem, nos façam pensar. Então aí vai uma dica para refletir na próxima festa em família: será que o tal tio, de quem você diverge veementemente, é tão insuportável assim? Ou será que o seu problema com ele tem a ver com a sua (e a dele) dificuldade em calçar os sapatos – ou usar os algoritmos – de outra pessoa?
detox suco de laranja
dieta de likes Trimmm. Trimmm. Trimmm. O despertador não para de tocar. “Droga! Atrasada de novo”. Você dá um pulo da cama, veste a primeira roupa que vê pela frente e saí correndo para o trabalho. Na sua cabeça, apenas o arrependimento por ter passado metade da madrugada assistindo a vídeos no Youtube. O resto do dia transcorre como esperado: um desastre total, nada vai muito bem. À noite, em casa, as notícias no Facebook até ajudam a relaxar, mas o estresse e cansaço estão ali presentes. Você decide que precisa levar uma vida mais saudável e recorre ao seu conselheiro supremo, o Google. Após uma busca simples, ele mostra a técnica que parece perfeita: dieta detox. Sem perda de tempo, você prepara tudo para começar no dia seguinte.
Texto Joana Darc Leal Design Breno Leoni Ebeling Ilustração Isabel Seta
Antes das 7 horas você e seu liquidificador já estão a todo vapor. Para iniciar bem, bebe um grande copo de suco com couve, abacaxi e gengibre e, como não poderia deixar de fazer, inicia a #vidasaudavel nas redes sociais. O cardápio do dia já está todo montado: no meio da manhã, água de coco para hidratar e foto para o Facebook; no almoço, frango grelhado, salada e post motivacional no Twitter; final de tarde, corrida no parque e vídeo para o Snapchat; no jantar, sopa de legumes e foto para o Instagram. Os likes e comentários positivos mostram que deu tudo certo e você segue a empreitada. Refrigerante e fritura? Nem pensar, isso não dá visualização. Você aproveita o momento e, logo no primeiro mês, faz um live
no Facebook explicando a nova rotina e ensinando a preparar sucos e sopas detox. Tudo natural e ótimo para a audiência. Agora, sua nova melhor amiga é a nutricionista, indicada em um fórum sobre suplementação. Você a visita duas vezes por mês e não cansa de perguntar sobre os detox mais atuais. O encontro certo é com o dono do Hortifruti, que já reserva as melhores frutas para você. O cenário real é uma geladeira cheia de garrafas com rótulos detox, joelho dolorido pela última corrida, série mais ou menos na TV e uma fome que não encontra querer. O alento que dá forças é a certeza que vai tudo bem quando chega uma notificação no celular e lá está mais uma curtida no foto que postou do almoço.
suco Verde
curtir
Um remédio, dois fenômenos Logo depois do sexo, uma mulher sacode vigorosamente uma garrafa de coca-cola e a insere na entrada da vagina. O líquido chega até a entrada do útero - na saída, promete levar com ele todos os espermatozóides depositados ali há pouco. Coca, vinagre, desinfetante: antes dos anos 60, grande parte das mulheres só tinham acesso a esses métodos se não quisessem engravidar. O diafragma, uma “tampa” que cobre o colo do útero, e a camisinha já existiam - o primeiro, era de difícil colocação e caro. Já o segundo dependia da boa vontade dos homens, e, surpresa, eles quase nunca topavam usar. Tudo isso mudou radicalmente no começo dos anos 60, quando a pílula anticoncepcional chegou ao mercado. Discreta e eficiente, ela permitiu, pela primeira vez, que as mulheres fossem as únicas responsáveis pela decisão de quantos filhos teriam e quando eles nasceriam: mesmo que o marido se opusesse, a mulher podia tomar o remédio sem que ninguém soubesse. Já naquela época, muitas usuárias reclamavam dos efeitos colaterais: “Dores, inchaço, náusea, coágulos no sangue, secura vaginal. Elas tentavam mudar, usar camisinha, tabelinha, mas não eram tão eficientes”, explica a professora de história Joana Prado. Atualmente, o anticoncepcional possui 85% menos hormônios que nos anos 60 - mesmo assim, um movimento crescente contra o seu uso vem ganhando força. No Facebook, a página “Vítimas de anticoncepcionais. Unidas a favor da Vida” reúne mais de 130.000 curtidas. Lá, e em grupos
Texto Ana Luísa Moraes Design Nairim Bernardo Ilustração Sofia Mendes
fechados, há relatos de casos de trombose, enxaquecas, baixa na libido e outros problemas que estariam ligados ao uso da pílula. No Brasil, 27% das mulheres em idade fértil usam o anticoncepcional. O número é alto, mas algumas iniciativas recentes apontam para uma direção contrária ao uso de métodos hormonais. O diafragma, por exemplo, foi redesenhado em 2014 pela primeira vez em 50 anos, des-
sa vez, mais seguro. O DIU de cobre dos anos 60 causava diversas infecções. Agora, ele é considerado mais seguro do que a própria pílula, e, entre 2010 e 2013, as vendas do dispositivo no mundo aumentaram em 33%. Além disso, algumas mulheres utilizam métodos de percepção da fertilidade 100% naturais, encorajadas principalmente por livros e grupos no Facebook. A médica de família e comunidade, Luiza
Magalhães Cadioli, diz que muitas mulheres querem permitir que o corpo, antes silenciado pelo anticoncepcional, se expresse: “Elas estão começando a se questionar o porquê de o corpo delas ter que receber hormônio e o dos homens não”. Mesmo assim, ressalta: “Para muitas, a pílula ainda é uma boa opção. Por isso, dizer que elas têm que parar ou têm que tomar é errado. A mulher não ‘tem que’ nada”.