Família

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TEXTO GUILHERME ELER E JESSICA BERNARDO

PAPAI,

A casa, a escola, o clube. A macarronada de domingo, o churrasco na laje, o feijão de todos os dias. O dedo em riste, a voz exaltada, a testa franzida. A briga, o perdão. O nascimento, o casamento, a morte e a separação. Os costumes, as festas, a tradição. O nome, o sobrenome, o codinome, o apelido. A proteção, o apoio, o abandono. Quero sair de casa. Estou grávida. Não vou escovar os dentes. Vocês não me entendem. Odeio vocês. Amo vocês. Por que você não veio me buscar? Venha, o almoço já está na mesa. Abaixa o volume da tevê. Saudades, tia! Você não é todo mundo. Quem manda nessa casa sou eu. Bença, vô. Não, não temos filhos. Vai mais para o lado, assim não enxergo. Na volta a gente compra. Amanhã te levo. Depois.

TITIA?

http://www.usp.br/claro

Claro USP @ClaroUSP @ClaroUSP Claro USP

MAMÃE, Já bem disse o poeta que “é impossível ser feliz sozinho”. Vivemos em sociedade, ora! Assim, associações entre pessoas são mais que inevitáveis, são imprescindíveis. Seja no sangue que perpetua o DNA de várias gerações, no grito de guerra que se exalta nas multidões ou sob o teto que abriga quatro, dez ou cem pessoas, a união acontece. E é desse fenômeno que se aflora e traz à tona o sentimento de identificação e de segregação, de tudo e de nada, de que vamos falar.

Nas páginas desta edição do Claro! há comunhão, unidade, memória, mentalidades em consonância. Há busca e ausência. Há amor que acalma e que desespera. E pertencimento. O que é família? O que pode ser família? O que você entende por família? O Claro! entende como tudo isso. E mais um pouco. Como pluralidade, necessidade, complexidade. Como o que você quiser que seja.

Claro! USP

EXPEDIENTE ECA-USP Diretora Margarida Maria Krohling Kunsch Departamento de Jornalismo e Editoração Chefe Dennis Oliveira Redação Professora Responsável Eun Yung Park Editores de conteúdo: Guilherme Eler e Jessica Bernardo Diretora online: Paula Lepinski Redes Sociais: Gabriel Marques Equipe online: Guilherme Fernandes e Leonardo Milano Editora de fotografia: Giovanna Chencci Capa e diretor de arte: Bruno Vaiano Diagramadores: Cesar Isoldi, Dimítria Coutinho, Fernanda Guillen, Giovana Bellini, Leonardo Dáglio e Matheus Sacramento Ilustradores: Leandro Bernardo e Thiago Castro Repórteres: Barbara Monfrinato, Beatriz Quesada, Carol Oliveira, Igor Truz, Juliana Meres, Letícia Paiva, Matheus Pimentel, Roberta Vassallo, Vinícius Andrade e Vitória Batistoti Vídeo: Lana Ohtani e Paula Mesquita Making Of: Isabela Augusto e Juliana Fontoura Endereço: Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443, Bloco A. Cidade Universitária, São Paulo - SP CEP: 05508-900 - Telefone: (11) 3091-4211 O suplemento Claro! é produzido pelos alunos do 5º semestre de graduação de Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso - Suplemento Tiragem: 8000 exemplares


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CH FOTO GIOVANNA

ENCCI

ILUSTRAÇÃO LEANDRO BERNARDO

MAS AS PESSOAS NA SALA DE JANTAR texto matheus pimentel design dimítria coutinho

Cheguei no horário costumeiro, mais cedo que os demais. Embora a casa da minha vó, de pintura amarela, não se destacasse na rua, no primeiro domingo de cada mês não tinha como passar despercebida. Nos tempos áureos, o movimento e o número de carros estacionados denunciavam um baita almoço em família. Logo me dirigi à cozinha, sentindo o aroma cada vez mais intenso. Lá estava a dona da casa em uma cena que eu já havia visto centenas de vezes, temperando a carne moída, que chiava na panela. Chegou na hora certa, me passe o saleiro. Passei. Vou colocar pouco, seu pai não pode comer muito, coitado, tem pressão alta. Como se eu não soubesse. Ela recusou minha ajuda, como sempre, e me sentei a observá-la. As mãos, já não tão ligeiras, ainda davam forma à lasanha. Célia vai trazer as crianças? Não sei, vó. Eu sempre disse pro seu tio arranjar outra mulher, depois que ele se separou mal vi os meninos. Ela tem raiva da gente desde que soube da traição. Era pra ter arranjado outra, eu disse a ele. Meio-dia, vi nos ponteiros. Ah, ponha a mesa, por favor. Quantos pratos? Ela abriu o forno e depositou a enorme lasanha.

Coloque uns vinte. Tá certo. Aproveite e ligue a TV, odeio esse silêncio. Lá da sala, ouvi um chamado. Venha cá, olhe para mim a data de validade desse queijo, que estou sem meus óculos. Vinte pratos e vinte minutos depois, comecei a estranhar. Tia Flávia e tio Raul disseram alguma coisa? Eles sempre chegam cedo. Não sei de nada. Mas eles vêm? Claro que sim, até fiz o bolo que ela gosta pra sobremesa. E tem mousse de maracujá? Tem, tá no congelador. Minha vó limpava a cozinha, ainda rejeitando minha participação. Quando você vai trazer sua namorada? Ainda tá muito no começo. E o que é que tem? Ah, vó, é estranho. Tem uma foto dela aí? Tô sem bateria. Consultei o celular, já meio nervoso, e não havia nenhuma notificação. Até o grupo da família estava quieto. Minha vó, serena, checava a lasanha com ajuda da luz interna, mas nem precisava, sabia muito bem o ponto só com o nariz. Tá quase boa. Eu já estava faminto, podia ouvir o queijo borbulhar. Quando ela abriu o forno para jogar a última porção de parmesão, começaram a telefonar para a casa. Estamos viajando e esquecemos de avisar, alguém foi pro hospital, um cano de casa furou, não vou porque soube que fulano vai, aniversário de casamento, estamos indo para a manifestação. Uma parte não deu o ar da graça. Ninguém mencionou o inventário do meu avô. Vamos comer, já são três da tarde. Esquentamos a lasanha e nos sentamos. Com os próprios botões, falava mal da neta mais velha. Se quiser, tem Coca-Cola na geladeira. O cachorro latia alto no quintal. Ela saiu pela porta de trás segurando um prato com uma porção generosa da massa, mas o bicho não se aquietou. Voltou com uma mão escorando as costas. Aumente o volume, não dá pra ouvir.


I. Em tempos de discursos antagônicos, exacerbação dos contrastes e intolerância ao diferente, é difícil pensar, por exemplo, no que une os dois candidatos que lideram as mais recentes pesquisas eleitorais. O que teriam em comum o maior lutador brasileiro da história do UFC e o apresentador do programa televisivo mais assistido nas tardes de domingo no Brasil? Antes de serem, respectivamente, Marina, Lula, Anderson “Spider” e Faustão, todos os quatro são Silva. A história do sobrenome - um dos mais encontrados no país e trazido ao Brasil por meio da colonização portuguesa – começou em uma modesta torre, localizada em uma cidade de pouco mais de 14 mil habitantes.

QUE

O SILVA NOS

a trajetória de um dos sobrenomes mais comuns do

Brasil

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IV. No livro “Os sobrenomes mais comuns do Brasil”, o pesquisador Claudio Campacci constata outro fator que colaborou para o sobrenome ter se tornado um dos mais populares no país: a divisão entre os portugueses que chegavam ao Brasil, recebendo acréscimos ao sobrenome original. Quem ficava no litoral incorporava o “Costa”, enquanto quem se destinava ao interior do país ganhava o “Silva”, devido à selva que encontraria pela frente.

texto vinícius andrade

arte leandro bernardo e thiago castro design matheus sacramento

II. O sobrenome “Silva” é de origem toponímica: vem do latim silva, que significa “selva, floresta ou bosque”. De acordo com Karen Hägele, diretora do site MyHeritage.com.br no Brasil, sua origem está relacionada à Torre da Silva, que fica na cidade de Valença, no norte de Portugal. “É um sobrenome bastante popular em Portugal, e não podemos nos esquecer de que mais de 35% da população brasileira é descendente de portugueses”, afirma Hägele. O primeiro Silva a chegar no Brasil foi o alfaiate Pedro da Silva, no ano de 1612.

III. Contudo, não há nenhuma razão para se acreditar que todos os Silvas tenham a mesma origem, segundo Marcelo Meira Amaral Bogaciovas, 1º Secretário da Abrasp (Associação Brasileira de Pesquisadores de História e Genealogia). Muitos teriam adotado o sobrenome por razões diversas, após se converterem à religião católica (se judeus ou muçulmanos) ou por ex-escravos que se registraram com o sobrenome de seus antigos donos, além de índios que se tornaram cristãos.

V. Baseado nos números fornecidos pelo site MyHeritage.com.br, dá para afirmar que “Silva” é o sobrenome mais comum no Brasil. No entanto, ressalva Hägele, não é possível calcular o número exato de quantos “Silvas” existem no país, pois não há nenhum órgão governamental que elabore uma estatística oficial sobre o assunto. O cálculo, pelo jeito, ficará para alguma outra pessoa. Provavelmente, um Silva.


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MEMÓRIAS COMPARTILHADAS hora de passar adiante a herança da família texto beatriz quesada fotos giovanna chencci e magali quesada design matheus sacramento

Sua parte favorita da herança são as seis xícaras listradas de amarelo e acompanhadas dos pires, o único conjunto completo de sua coleção. Ficavam na prateleira à altura dos olhos, quando ainda era uma criança admirando a cristaleira que a avó ganhou de presente de casamento, na década de 30. Minha mãe arruma cuidadosamente as xícaras antigas, primeiro envolvendo em jornais e depois colocando numa caixa de papelão. Tudo bem conservado até que a restauração do móvel da família fique pronta para receber as peças que acompanham a cristaleira há três gerações familiares. É bom estar cuidando do que sua avó e sua bisa cuidaram. Olhei aquela pilha de louças amontoadas e perguntei se ela já havia pensado em se desfazer de alguma coisa. Claro que não. Preferia que se mantivesse na família, que eu e a minha irmã tomássemos gosto pela coisa e herdássemos o sentimento

junto com as louças. Eu, que nunca tinha pensado em cuidar da cristaleira, propus que procurássemos outro destino para os objetos, só para ver a reação. Primeiro um não, depois um riso desconfiado. Cê tá louca, filha? Disse que ia dar só uma olhada, como quem não quer nada. O primeiro passo foram os antiquários e afins. Na feira de antiguidades do MASP, que acontece todo domingo, encontrou uma xícara rosa igual a da bisa. Quanto custa? Ela não queria saber de vender, mas perguntava o preço. Depois percebi que só por curiosidade, já que também não queria comprar. Nada daquilo tinha o mesmo valor para ela, eram coisas estranhas à sua memória. Quem sabe um museu? Uma instituição que se dedica à preservação e apresentação de objetos antigos parece um bom local para que as relíquias passem a eternidade. Minha mãe aprovaria. Sempre gostou de observar essas peças, pensar nas pessoas que as teriam usado. Claro, nem todas as peças são aceitas pelas instituições. Se passar pelas etapas de seleção, a relíquia da minha mãe deve ficar na reserva do museu, entre suas iguais, sendo zelada por funcionários e exposta de quando em quando.

Mesmo se os museu e lojas estiverem prontos para receber a cristaleira, minha mãe não está pronta. Filha, não sei se estarei um dia. E eu nunca havia percebido o quanto aquele objeto significava até pedir que ela fizesse isso. Cada um tem um tempo próprio para decidir que está na hora de se deixar aquele objeto – que tanto significa para sua vida e para sua família – ser conhecido e até usado por outras pessoas. Às vezes esse tempo nunca chega. Perguntei se não queria contar a história da família em um projeto de registro, compartilhar o valor afetivo, como havia acabado de fazer comigo. Pra quê, filha? Ninguém vai querer escutar isso. Encontrei uma iniciativa que ela achou interessante. Não por poder contar a sua história, mas por ouvir a dos outros. O projeto de voluntários do Museu da Pessoa funciona à distância, e conta com transcrição de relatos de vidas comuns. Para minha mãe, seguem juntos o medo e o entusiasmo de tentar algo novo, ou nem tão novo assim. Afinal, cuidar da cristaleira durante anos já não é manter viva a história de alguém?




Quem passa pelo km 19 da Rodovia Raposo Tavares não imagina que a construção de paredes cinzentas identificada como “Vila Olímpica Mário Covas“ reserva muito mais do que as quadras esportivas destinadas ao público. Em cada quarto das duas casas alojadas no complexo, três crianças dormem todas as noites, separadas por idade e sexo. Foi lá que Joicy, hoje com 23 anos, viveu entre seus 14 e 18 anos. Joicy conta, sem especificar o episódio, que “perdeu” os pais aos 14 anos. Foi levada, então, com suas duas irmãs para a Associação dos Amigos da Criança pelo Esporte Maior, conhecida por Amem. O abrigo recebe jovens do SOS criança – programa público de assistência a crianças e adolescentes carentes – e sobrevive principalmente de doações de grandes empresas e trabalho voluntário organizado por seus funcionários. Lá conta que encontrou amparo após o trauma. “Quando eu cheguei lá, como toda criança eu só chorava, era uma crise depressiva. Os funcionários lá procuravam me dar carinho, atenção, então depois eu fui acostumando. Aquela necessidade que eu tinha, aquela falta de ter a mãe ali foi ficando de lado. Como ali tá todo mundo sem pai e mãe, sem ninguém, todo mundo procura te abrigar, cuidar do outro”, lembra ela. A adoção em orfanatos e abrigos chega quase exclusivamente para crianças

FAMÍLIA QUE NÃO VEM viver longe da família de sangue, a vida em um orfanato e o futuro texto roberta vassallo arte fernanda guillen fotos giovanna chencci

nos primeiros anos de vida. As que não são acolhidas por uma família crescem por lá mesmo, criados uns pelos outros e pelos ajudantes e funcionários do abrigo. “A gente sente falta de casa né, mas tinha uma estrutura, procuravam dar todo o suporte quando a gente tava triste. Eu tenho contato até hoje com alguns dos funcionários, eles acompanharam a gente desde nova, foi uma parte da minha vida que eu nunca vou esquecer”, comenta. São 46 mil crianças e adolescentes abrigadas atualmente em quase quatro mil instituições de acolhimento no Brasil. O número de jovens registrados segundo o Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas (CNCA), órgão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que se dedica a reunir informações sobre órgãos e entidades de proteção e acolhimento, cresce conforme a idade aumenta. A quantidade de jovens com 16 anos de idade no país em 2013 era 13% maior do que o de crianças com 2 anos, enquanto entre jovens que residem em abrigos, essa diferença era de 86%, de acordo com dados demográficos do IBGE. Os jovens abrigados que não são adotados têm o

limite de 18 anos de idade para permanecer nas instituições. Depois disso, têm que sair, construir sua vida do zero. Joicy foi uma das jovens que passou pelo processo. Como a associação em que morou foi fundada pelo dono de uma empresa de turismo, teve a sorte de conseguir um emprego ao sair. Quando chegou à maioridade foi morar com sua tia. Hoje faz faculdade de Relações Públicas e conta orgulhosamente dos anos que sucederam sua saída. Trabalhava desde os 16 anos. Morou até os 20 na casa de sua tia e hoje tem sua família, casa própria e carteira assinada. Agora é independente. Ao final da conversa, a moça relembra de seus antigos colegas com um leve sorriso. “Com muitas das pessoas nós perdemos o contato, mas com várias a gente procura manter porque cresceu junto. São amigos, irmãos, moramos junto por muitos anos”. Apesar de cada um já ter sua própria vida, Joicy conta que eles sempre marcam de se encontrar para matar a saudade.


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FILHO QUE NÃO CHEGA à espera de filhos desaparecidos , mães vivem luto inacabado texto vitória batistoti arte fernanda guillen fotos giovanna chencci

Até o dia 23 de dezembro de 1995, Ivanise Esperidião da Silva, hoje com 54 anos, se considerava uma mulher feliz: tinha uma família completa, com marido e duas meninas bonitas e inteligentes, como ela mesma descreve. Naquela véspera da noite de Natal, sua filha mais nova, Fabiana Esperidião da Silva, de 13 anos, acompanhada de uma colega que morava em sua vizinhança, saiu para visitar outra amiga da escola que fazia aniversário, a 120 metros de distância de sua casa. Juntas, foram cumprimentar a aniversariante rapidamente e juntas também voltaram, até se separarem e cada uma seguir o destino para sua casa. Desde então, Fabiana nunca mais voltou. “Foi neste trajeto que ela desapareceu e minha vida se transformou em um pesadelo”, relembra. À sua porta, bateu o desespero e o desamparo. Uma mãe nunca está preparada para perder seu filho e dizer adeus. Uma fatalidade que distorce a ordem natural da vida e leva os pais a enterrarem um filho dói, o

falecimento é acompanhado por um período de luto. Entretanto, quando o filho desaparece é muito pior. “Eu vivo a dor da incerteza, um luto inacabado”, revela Ivanise. Em sua busca por respostas, atestou a indiferença dada ao assunto pelo Estado e pelos veículos de comunicação – ela própria nunca havia ouvido falar em desaparecimento na TV. Quando foi à delegacia registrar o boletim de ocorrência, ouviu do delegado: “Volte para casa, isso é coisa de adolescente. Até o amanhecer ela volta”. À altura da dor no peito e da ferida recém aberta, ela retrucou: “Doutor, se fosse seu filho, você esperaria?” Na manhã do dia 24, saiu novamente em busca do delegado e aguardou 3h30 para ser dirigida a outra delegacia que, à tarde, estava fechada, assim como no dia 25. “No dia 26, eu já tinha procurado minha filha em praticamente todos os Institutos Médico Legais (IMLs) e hospitais da capital”. Cada minuto importava e trazia a dúvida: o que fizeram com ela? De sua dor e das incertezas, ela fez luta e ajudou a fundar a ONG que atualmente preside, a Mães da Sé, onde ajuda outras mães desamparadas que vivem a mesma situação.

Em 2011, no Brasil, uma pessoa desapareceu, em média, a cada 11 minutos*. Esse e outros dados, no entanto, são incertos e possivelmente menores do que os números reais, pois até os dias de hoje não há um cadastro nacional unificado. Ainda que órgãos governamentais criem ferramentas, estas fracassam, principalmente pela falta de comunicação entre os estados e de um sistema que integre todos os casos, além da demora no início das investigações. Desamparadas pelo governo, as mães encontram força umas nas outras e em iniciativas sociais. Esse é o caso de Sandra Moreno, mãe de Ana Paula Moreno, desaparecida em 3 de outubro de 2009. “Incapaz, impotente, às vezes inútil”, como revela se sentir por não ter conseguido proteger sua filha, Sandra divulga o projeto de lei nº 463/2011 que propõe mudar a negligência do Estado perante a causa. No entanto, para ser apresentado ao Congresso Nacional, o projeto precisa de 1 milhão de assinaturas, número que a princípio pode parecer elevado, mas é ínfimo se comparado a 20, quantidade de anos que Ivanise tem esperado por Fabiana. “Tem dias que a saudade parece maior, que eu acordo sentindo o cheiro dela, como se ela estivesse comigo”. Hoje, hipertensa, diabética e já tendo sofrido três infartos e duas paradas cardíacas, o que a motiva a continuar a lutar é a esperança de encontrar sua filha. “O dia em que eu perder a esperança eu morro”.

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MOÇA DE FAMÍLIA BELA, RECATADA E DO LAR texto letícia paiva design cesar isoldi arte thiago castro

Foi o novo penteado de Laura que deu início a tudo: a mãe não aprovou os dreads e resolveu cortar sua mesada. Morando sozinha em Viçosa (MG) para estudar Letras e infeliz com sua vida, a moça de 23 anos decidiu largar a faculdade, vir para São Paulo e se manter sem depender dos pais. “Não quis mais mendigar dinheiro pra minha família; não quis mendigar amor”. Seis meses depois, já sem os dreads e com os cabelos tingidos de ruivo, ela não se arrepende da mudança. Junto aos braços coloridos por tatuagens, repousam os cigarros e o celular com 87 mensagens não visualizadas – as quais nem todas ela pretende responder. Aluga um apartamento no Jardim Paulista, onde mora, além de um flat a poucos quarteirões de distância: por lá, recebe os clientes de seus programas. Laura se mudou para o atual endereço em março. Pretende permanecer em São Paulo pelo menos até o fim do contrato de um ano do aluguel. “Ainda não sei se continuarei fazendo programa depois. Tenho meus filhos”, diz, com a fala calma de mineira. Ela é mãe de um menino de seis anos e de uma menina de três, distantes dela cerca de 800 km, morando na cidade de Dionísio (MG) com a avó materna. Todos os meses, ela os visita. A família de Laura não demorou a ter notícia de sua profissão: “Pensei em mentir, mas acabei assumindo. Foi uma merda, meu tio arrombou a porta do meu banheiro, ameaçaram sumir com meus filhos de mim”. Seu pai, que é dono de uma transportadora, foi o único a não recriminá-la.

Os clientes descobrem Laura por meio de um site que divulga garotas de programa autônomas, contatando-as pelo celular. Na chegada à cidade, Laura trabalhou na agência de prostituição de uma conhecida, mas preferiu gerir a própria rotina – que inclui visitas ao homeopata e dedicação à escrita. Para manter seu padrão de vida, afirma não ter visto outra opção que não a prostituição. “Sexo por dinheiro ou com alguém que sinto vontade de transar é indistinto. Vender sexo ou um pote de margarina é a mesma coisa; estou oferecendo algo que pode fazer bem a alguém. Eu não entendo como a minha uma hora de trabalho anula os compromissos que tenho com a minha família, anula minha dignidade”. Por enquanto, os planos que têm para o futuro são a conclusão do curso de Letras, para, quem sabe, dar aulas: “Sempre gostei muito de criança”.


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UNIDOS POR UM GRITO

texto carol oliveira design cesar isoldi arte leandro bernardo

Domingo, duas da tarde. Uma massa verde e branca colore as ruas de Perdizes, rumo a mais um jogo do Palmeiras. Fonte: Corpore Brasil Da porta do estádio, dá para ver a sede da Rasta Alviverde, torcida organizada do Verdão fundada há três anos. A loja na rua Diana vende artigos como camisetas e bandeiras. Mas mais do que isso, o endereço é o ponto de encontro dos que fazem a Rasta acontecer. Morador do Jardim Santa Terezinha, na zona leste, o presidente David Bazarello tem na sede, no outro lado da cidade, sua segunda casa. “A gente até dorme aqui às vezes”, conta. “Eu vejo mais esses moleques do que a minha família de sangue”. Tudo ali é verde: o Bob Marley desenhado na parede, a erva tão apreciada, e, é claro, os símbolos do time. Com cerca de 50 sócios, a Rasta ainda é pequena. As obrigações, no entanto, são grandes. Para tudo isso acontecer, não existe uma relação de cargos e funções definidas. Quem pode, ajuda um pouco, e ajuda como pode. Mas em dia de jogo, a família aumenta. Os meninos da zona leste se juntam aos barões de Perdizes e a outros milhares de palmeirenses que, juntos, fazem estremecer as arquibancadas do novíssimo Allianz Parque. Já na Independente, maior organizada do São Paulo, o número de sócios passa de 70 mil. A loja fica numa galeria

próxima à praça da República e tem funcionários contratados. O presidente, Henrique Gomes, 37, senta-se numa mesa, ao estilo “Poderoso Chefão”. Naquele dia, a Independente vendia ingressos para o jogo contra o River Plate pela Libertadores. Mesmo sem que se conhecessem, os milhares de sócios da torcida se juntariam aos mais de 50 mil presentes no Morumbi. Em comum? O amor pelo clube. No entanto, a vida das organizadas não anda fácil. Desde a briga entre torcedores de Corinthians e Palmeiras no último dia 2 de abril, antes do clássico pelo Paulistão, símbolos das torcidas não são mais permitidos nos estádios. “Falam mal das organizadas, mas é a gente que faz as músicas que todo mundo vai cantar. Quando vai vender pay-per-view, é a nossa festa que aparece”, diz o presidente, membro da Independente desde os 17 anos. Para ele, essa é justamente a riqueza de uma torcida organizada: fazer essa família tão diversa se unir num único grito. Porque na hora de apoiar o time, a voz vira uma só. Na hora de vaiar o árbitro em algum lance duvidoso, também. Durante aqueles segundos, não existe distinção de classe ou de cor. Só existe o time, e tudo o que ele representa para todos. David resume: “O que a gente sente não dá para explicar”.


ATENÇÃO ISTO PODE SER UM

joão do rio era em verdade da rua / e falava: rua vive / arruaceiros: uni-vos ou ruímos / arruemos / e nisso em fuzuê embecaram-se avenidaram-se asfaltaram-se r / ruas algumas tais que importantes / nos fabulários itinerários crediários / u diz-se que / das artérias diabéticas / veias insones / nasce ifigênia e acredita: í conserto seu amor / uma santa / deixa dEu s p ra d e p o i s / luiz antônio m ainda usa suspensórios / coleciona netos chaves teatros ritos rotinas / do céu de o brigadeiro ao céu da boca / consolação, poema inconsolável / cresceu com o tio ~ ~~ lhe anasalando as beiradas / augusta seria bem um augusto / augustx / nasceu s ~ berrando as maternidades e morre as sete vidas na semana a / panfletar / pan- f l r e r / quem diria: faria-se uma dona europa / dos diferenciados quadros carrões u t a r p herméticos: despovoada / povoaria-se de muros, luzes de freio e monitoramento í o palavra dora maré a d o t remoto / seu filho faria lima feito dinheiro / de dinheiro falará / falecerá / * * caça-palavra giovana bellini narnaldo, doutor, tentei de tudo / e arnaldo é arguto / floresce florzinhas obituárias * em r * f / arnaldo, doutor, deus lhe pague / dona pinheiros apinharia-se toda até ficar / e faltosa do fôlego / uma mãe que leva a tudo e / de tanto tudo / intransita-se / s sobre margens dum tempo quando nadava / à espera desse tempo, resta às águas t / a d e rr a transbordar / a t m a r r todas / a n o rio de sangue dos séculos / cartografia de família / parteira / derradeira / que p d nos faz e sabe tão pouco: rio foi feito para sangrar-se noutros / sangues / vencer a oo retratos / cartões de visita / calendários / epitáfios / e a cada segundo des / fazernn o se / bastardo: não / sou filha da mãe / não / sou filha do pai f d s vi puta s vizinho u e i i m a d t s m r a t s e n fx diabo a h w n e o r r n n r a fx i a h d f r o sa n fx o r cl n a h a d r sa df fx fx f a d a a d f f np ia isaclfx n i siac a s s c c lfxnpaxfn npaxfn clf ax lfxn lf xn fn apa e x pa w x f n n xfn a d a p adf df adfisac x paxfn f sa ad isaclfx a i lf n sa f i xf npaxfn s i dfi a ac clf adfi sa fx d a n f x a c s l c f i x fn x f l npax saclfxnpaxfn np w lfx n np np axfnad fxn adf adfad a x a ifsaclfx fn isac x a f f n d a d a f s clfxnpaxfn lfxnpaxfn adfisac x paxfn sia npaxfn sia adf f fnx adf aidsaclfxnpaxfn f n clf clf isaclfx l f sia isaclfx x f xn xn npaxfn clf n i npaxfn sac pa pa xn ad d a f x x isaclfxnpaxfnlfx pa fn fn adf f np fxn xfn ad isac sia fnx a ad a clf df fnx lfxnpaxfn ad xfn f a i a x d f df sa fisa f np adf sia sia clf clfxnpa sia ia isaclfx s axfn l clf i ac s c x a f p clf axfn np lfx npaxfn d xn clf xn np xn axfn pa pa axfn df xfn pa a xfn d ad xfn a a f d d a a d f ac f df isaclfxnpaxfn ad f sia sia ifa lfx sia f c i s s clf i l np fxn ac sa clf fdclfxa xn axfn c x i p l dfa f a s x lfx np pa axfnad xflc npa adf n n a p n a f i x n d p xfn axfn s ad x da a i xfnad p a a ad sa f f f x c a fn cl ad lfxnpaxfn df ia ia xfn ad fi nf fi d a s s f f f n dfasi a x f i x a pa f x d c d s a f n s s c c l fisaclfxnpaxfn f n ac ac sia isac sia i l l i f p f f x x s a s clf lfxnpaxfn ac clf -a ad lfx lfx np np afxd sia clf xn xn a n n l c x a a f d f xn pa pa xfn xfn nif pa lfx i n pa f s p x x s a pa ia np ac fn fn x axfn xfnad s c x lfx axfn fn l c f x f x l n f ad xn np pa sia ax f p xf c

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