Claro! Som

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EDITORIAL

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Uma conversa. O barulho da cidade. O grito dos que querem espaço. Aquilo que não ouvimos. O som é parte essencial da nossa vida e de nossa percepção do mundo. O Claro! desse mês busca tratar da sonoridade nos mais diversos âmbitos, desde o barulho que não percebemos até o que cura. O silêncio e a surdez também estão presentes, buscando nessa ausência um sentido para a existência.

GO I A Mais

traço música, mundos e nos rodeia

Diz o hinduismo que o universo emana uma vibração primordial. O sânscrito OM, que ilustra este editorial, seria o som essencial que constitui todos os ouO R tros. É nele que está presente todo o conhecimento. Ele T S representa a vigia, o sono e o sonho. Quando se vocaliza o OM, C Aacredita-se entrar em contato com o próprio princípio de tudo. do que simples vibrações sonoras, o som carrega esse mágico e divino. Quem nunca chorou com uma ou então foi transportado para centenas de possibilidades ao ouvir uma boa história? O som diariamente, nos transforma, nos faz sentir.

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O OM está em cada um de nós: seja o mantra hindu, seja aquela música tocando, seja o ruído mais sutil da natureza, não podemos fugir do som. Ele é a manifestação da vida. Então, caros leitores, respirem fundo, sintam a vibração do universo, conectem-se com o mais sublime da vida e venham conhecer mais do som nas páginas do Claro!

Claro USP http://www.usp.br/claro

DRO N A E

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E quando o som não está la, o silêncio, assim como as vibrações sonoras, também são formas de expressão e de descobrimento. O que seria de nós sem a possibilidade de entrarmos em contato com o nosso mais intimo, na ausência dos sons? E até aqueles que não têm audição conseguem transformar essa falta em possibilidade de interpretar o mundo de uma forma única.

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EXPEDIENTE ECA-USP Diretora Margarida Maria Krohling Kunsch Departamento de Jornalismo e Editoração Chefe Dennis Oliveira Redação Professora Responsável Eun Yung Park Editores de conteúdo: Leandro Bernardo e Thiago Castro Diretor online: Cesar Isoldi Equipe online: Beatriz Quesada e Giovanna Chencci Editora de fotografia: Lana Ohtani Capa e diretora de arte: Barbara Monfrinato Diagramadores: Bruno Vaiano, Carol Oliveira, Fernanda Guillen, Gabriel Morgato, Guilherme Fernandes e Vinícius Andrade Ilustradores: Letícia Paiva e Vitória Batistoti Repórteres: Dimítria Coutinho, Giovana Bellini, Guilherme Eler, Igor Truz, Juliana Fontoura, Leonardo Milano, Matheus Pimentel, Paula Lepinski, Paula Mesquita, Roberta Vassallo Vídeo: Isabela Augusto e Jessica Bernardo Making Of: Matheus Sacramento e Juliana Meres Endereço Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443, Bloco A. Cidade Universitária, São Paulo - SP CEP: 05508-900 - Telefone: (11) 3091-4211 O suplemento Claro! é produzido pelos alunos do 5º semestre de graduação de Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso - Claro Tiragem: 8000 exemplares


VOCÊ PODE PARAR COM ESSE DIMÍTRIA COUTINHO Ao que Fabiane se lembra, começou quando ela tinha seis anos. A irritação com os barulhinhos que o irmão fazia quando criança se intensificou ao longo da vida. Choro, desespero, falta de ar e taquicardia são alguns dos sintomas que ela sente ao ouvir alguém fazendo um pequeno barulho - mas que para ela não é tão pequeno assim. Agora com trinta anos, ela descobriu o nome do que sentia. A doença se chama misofonia e, antes de saber disso, Fabiane era só taxada de louca, estressada e mau humorada. De fato, são pouco os médicos que sabem do que se trata.

BARULHO?

relacionar a outros distúrbios, como a hiperacusia, a fonofobia ou o zumbido. A primeira se refere aos sons médios e altos; a segunda, ao medo do som; e a terceira, a sons que vem de dentro da pessoa. Pacientes com misofonia não têm problemas nos ouvidos, mas a via auditiva é mais sensível. Não é um defeito, mas sim uma característica; é como a relação dos olhos azuis com a luz forte.

Isso ocorre porque os misofônicos se incomodam com os sons baixos. A doença, porém, pode se

Fonte das informações técnicas: Tanit Ganz Sanchez, otorrinolaringologista e especialista em Misofonia. *Nome fictício

Foto: Lana Ohtani

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Forte como os efeitos da misofonia nas vida dos que a têm. Os sintomas fizeram com que Isabella, de 20 anos, tivesse que se afastar de uma amiga próxima, porque os barulhos produzidos pela colega com rinite a incomodavam muito. Ao contrário de Fabiane, Isabella nunca foi chamada de louca. Isso porque ela sempre reprimiu as sensações ruins, o que acabou deixando-a ansiosa e deprimida. A intensidade da misofonia de Isabella é tão grande que, atualmente, ela faz cursinho online por não suportar aulas presenciais. “Para mim, a doenA pesquisa em torno da doença é re- ça só vai crescendo, e parece que não volta pra trás”. cente: foi descrita pela primeira vez em 2001, por isso o desconhecimen- E é verdade. 90% dos casos de misofonia têm início na to. É uma reação extremamente infância ou adolescência e, a partir disso, a previsão é forte quando o paciente escuta de- estabilizar ou piorar. Reverter o quadro está fora de coterminados sons. Chiclete, clique de gitação, a não ser através de tratacaneta, som de teclado, respiração mentos. Estes, porém, ainda são alta, batuque na mesa: cada misofô- pouco comprovados como efinico tem sua seletividade. cazes, devido ao pouco estudo a respeito da síndrome. Silvana sente as mãos tremerem e suarem, o desespero é automático. O lado bom é que os Ouvir alguém mascando chiclete é misofônicos estão se quase uma tortura. Os barulhos da unindo - o grupo Misoúltima vizinhança a fizeram mudar fonia em Português, no de um apartamento para uma casa. Facebook, já tem mais de Não que ela tenha deixado de se in- dois mil membros. Como comodar: o chuveiro do vizinho é bem resumiu o misofôniouvido por Silvana a seis metros de co Lucas*, “sem dúvida aldistância. Mas os ensaios do filho guma, é muito bom saber que músico nunca a incomodaram. eu não sou o único ‘implicante’ no mundo”.


DUM! (O mestre dá a ordem). A “mordaça” é um dos símbolos mais significativos da repressão. A voz, em oposição, é o nosso meio de resistir. E o que é a voz senão um som? O som que orquestra a resistência. E a resistência, assim como a opressão, se dá diariamente. “Calar” é oprimir. “Dar voz” é libertar. É claro para todos que quando queremos nos expressar fazemos barulho. Os “panelaços” estão aí para provar que é verdade. DUM! (Os tambores respondem). E na história sempre foi assim. Dos tambores de guerra aos gritos de ordem. Do rap ao samba. Do berimbau as guitarras elétricas. O jogo da autoridade se dá e, sempre se deu, dessa maneira. O poder, fala. A obediência, escuta. No mundo da informação, a voz é privilégio dos que possuem canais para se expressar. E é aí que a rua e o som se encontram. A rua se torna o canal. O som, o meio. E dessa maneira, resistimos. DUM! (Todos em uníssono). Esse é o caso dos estudantes Vinícius de Almeida Marciano e Eduardo Marquioli. Ambos ingressaram no Coro

de Carcarás no segundo semestre de 2014, durante a greve dos trabalhadores e estudantes da USP. DUM! (O volume sobe). O Coro nasceu na FAU, de um projeto de TCC que propunha a ocupação do espaço urbano através de intervenções artísticas inspiradas, principalmente, pelo Maracatu pernambucano. Desde 2013, o grupo decidiu romper os muros da Cidade Universitária. Hoje, o Coro acompanha atos e manifestações de rua pela cidade, promove oficinas gratuitas e até intervenções urbanas, como o famoso Arrastão. DUM! (O som se massifica). Eduardo quer contribuir para a criação de “uma nova cultura” de ocupação do espaço público, que possa representar a juventude perante o status quo. Marciano argumenta que é na rua que você conhece e se aproxima da sociedade e que por isso, é tão importante sair de dentro da Universidade. Segundo os estudantes, foi na rua que o Coro se deparou com a violência policial, com a revolta da juventude e com trabalhadores em greve, ou seja, com o que está resistindo.

Foto: Lana Ohtani

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DUM! (Não há como não ouvir). Adriana Aragão é uma mulher negra, que encontrou no bloco Ilú Obá De Min, grupo composto exclusivamente por mulheres - a maioria delas negra - uma maneira de combater o patriarcado e as tradições machistas. Juntamente com Beth Beli, Adriana teve a ideia de fundar o “Obá De Min”, para proporcionar às mulheres um espaço no qual elas poderiam tocar os tambores, já que em muitas nações africanas apenas os homens o poderiam fazê-lo. O tambor dessa forma, é o grande instrumento de resistência dessas mulheres. Tocá-lo representa a pura indignação em relação tradições machistas. DUM! (O cimento treme). O movimento de resistência negro sempre esteve ligado as tradições e raízes africanas e muitas delas remetem à música. “Os tambores, em todos os sentidos, representam a resistência”, afirma Adriana. DUM! E o som, dessa forma, resiste. Nas alfaias dos Carcarás. Nos tambores do Obá De Min. No grito daqueles que se recusam ao silêncio.

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VACA

PAULA LEPINSKI

AMARELA

Quando se nasce, o grito. É essa a nossa primeira expressão como seres vivos, e daí não paramos mais. Afinal, o que é a vida senão puro ruído entre dois silêncios, o antes de nascer e o após a morte? E com ele partimos sozinhos, pois dos outros um minuto de silêncio é tudo que se pode esperar - nem um segundo a mais, talvez muitos a menos. Na sociedade movida pelo som, o silêncio é crime hediondo, pois a cidade não fecha os olhos. O silêncio amedronta, incomoda e escancara a solidão inerente a toda mulher e a todo homem. Desde o momento em que o despertador toca, a rua propõe uma trilha sonora. E quando ela está longe demais para ser ouvida, um fone de ouvido, um rádio ou até mesmo a voz preenchem o vácuo tortuoso que parece capaz de sugar o próprio ser. Sugar, eu disse? Talvez a palavra certa seja expor. Sim, expor a si mesmo para si mesmo. Numa sala, vinte vozes se confundem - é um debate, eles dizem -, mas ninguém parece capaz de se ouvir antes de falar. Questão de sobrevivência, alguns diriam. O que não é dito e ouvido não existe. E qualquer ruído é melhor do que ficar sozinho e ouvir a si mesmo. Porque calar-se é ouvir a si mesmo. E aí me pergunto: quanto tempo você é capaz de se ouvir?




EM CENA: Foto: Heloísa Bortz

Um quarto escuro. Silêncio absoluto. Poucos feixes de luz revelam uma inesperada silhueta em frente à porta. Na ponta dos pés, com passos cuidadosos, a sombra avança com cautela pelo local. O parágrafo acima retrata um suspense. O caminhar na ponta dos pés revela o mistério, a preocupação em não fazer ruído. Isso não tem sentido para os surdos. “Existem imagens relacionadas aos sons, como entrar de mansinho numa sala. Para eles [surdos], não tem sentido”, explica Fabiano Moreira, diretor da Companhia Alvo de Teatro, que desenvolve o ousado projeto Teatro para Surdos, um esforço conjunto para inclusão e aperfeiçoamento artístico. O plano é ambicioso. Esqueça o intérprete em Libras no canto do palco, concorrendo com as cenas pela atenção do público. Não se trata de traduzir, mas oferecer condições para que os surdos sintam a experiência de acompanhar plenamente o espetáculo. “A peça em Libras é a mesma coisa que em japonês. Você só vai falar a língua deles”, sentencia Fabiano, com um tom de voz baixo, calmo, mas gestos vigorosamente expressivos, que gritavam aos olhos. Já está no clima do projeto. Fazer barulho é o objetivo central da Alvo de Teatro. Após um ano de

RUÍDOS NO SILÊNCIO IGOR TRUZ

estudos, a intenção é conseguir, nas encenações, transformar sons, falas, música, tudo que se pode ouvir, em movimentos corporais. Os atores iniciarão, em breve, o primeiro ato do projeto na escola municipal Helen Keller, no centro de São Paulo, com apresentações de trechos de seus espetáculos adaptados para 200 alunos surdos. Os jovens não serão coadjuvantes. A atuação será ativa. A deficiência, neste caso, será qualidade indispensável para o trabalho de consultoria dos estudantes que, além de dizer o que entenderam das adaptações, apontarão os caminhos para melhorar as atuações. “O viés do trabalho é de aperfeiçoamento artístico dos profissionais”, lembra Fabiano, deixando claro que na relação com os alunos não existe hierarquia e sim a troca de conhecimentos e experiências. O líder da Companhia, que começou na dramaturgia organizando peças bíblicas, quer mergulhar no universo dos surdos para evoluir como ator. Explorar e aprender para ir além e tentar construir as bases metodológicas para produções teatrais mais inclusivas ao público com deficiência auditiva. Antes disso, no entanto, ele e seus companheiros precisarão se reinventar. Acostumados com as técnicas convencionais do teatro, os atores deverão encontrar maneiras criativas para se comunicar em silêncio com o público. Assim como em um mergulho real, Fabiano não espera vida fácil no universo sem sons: “é como tentar respirar debaixo d´água. Aquilo vai te fazer falta no meio da peça”.


CANÇÕES PARA O BEM-ESTAR GIOVANA BELLINI Uma melodia que acalma, um ruído que lembra a infância, uma música que faz esquecer da dor: os sons também podem ser uma terapia para quem busca conforto, alívio, bem-estar. Musicoterapia é o nome desse procedimento capaz de auxiliar tanto no tratamento de quadros psicológicos, quanto naqueles relacionados a sensações físicas. “É uma terapia que utiliza as experiências musicais para alcançar os objetivos traçados. É dividida em interativa - quando o foco é o fazer musical - e receptiva, na qual o foco é a audição”, explica a futura musicoterapeuta Tatiana Komi.

Não é necessário ter conhecimentos musicais técnicos ou saber tocar instrumentos para procurar a terapia pelo som. Na verdade, é o próprio repertório musical do paciente que irá compor a sessão de musicoterapia. É o que atesta Alessandra Sanchez, q ue utilizou a terapia com música paralelamente às sessões de q uimioterapia: “músicas q ue meu pai cantava para mim quando pequena ou outras

q ue traziam mensagens de esperança eram as que mais me agradavam ouvir”. Ela foi apresentada à musicoterapia por uma antiga amiga que sabia que, na época, ela enfrentava um câncer de mama.

forma, ela amenizava, mesmo q ue por pouco tempo, as angústias do tratamento”, relata a paciente. Não é só como tratamento, a musicoterapia também auxilia pacientes em estado terminal. Apesar das experiência positivas, há controvérsias em relação aos seus efeitos. Ainda assim, surgiram

Entretanto, consenso é a i mportância do som em nossas vidas. Vivemos, desde a infância, invadidos

pelos mais variados ritmos: cantigas de ninar, óperas e concertos clássicos, as serenatas, o batuque do samba, as músicas românticas, o hino do t ime, enfim, todo e q ualquer t ipo de ruído que acaba virando música. Vamos, pouco a pouco, construindo uma coletânea musical q ue nos acompanha pelo resto de nossas vidas e que, de algum modo, nos desperta alguma sensação. Seja harmonia, letra ou melodia, o som ocupa importância imensurável na constituição da nossa história.

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vários cursos de graduação no Brasil para formar profissionais musicoterapeutas.

claro!

“a música trazia companhia e palavras de conforto para o período de enfrentamento. De alguma

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As palavras de Alessandra mostram como a terapia pode ajudar pacientes com doenças g raves:


MIL TONS GENIAIS Arte: Letícia Paiva

MATHEUS PIMENTEL Quem vê Mário Del Nunzio empunhar sua guitarra pode se assustar com o que vem em seguida. Adepto da música experimental, ele conta como conheceu essa sonoridade e o que usa para tocar sua guitarra. Com dois discos e um diploma em Música pela Unicamp, Mário também é curador do FIME (Festival Internacional de Música Experimental), cuja primeira edição .invadiu São Paulo em 2015 e repetirá a dose em julho Confira o papo que ele bateu com o Claro! Claro! — Por que experimentalismo? Quando você sentiu que os sons “convencionais” não eram suficientes? Mário Del Nunzio — Acho que escutei música experimental pela primeira vez por acaso, com uns 15 anos. Eu tava mexendo no rádio, passei por uma estação e tava tocando uma coisa estranha, e aquilo, por algum motivo, me atraiu. Fiquei interessado em entender como funcionava, em saber mais. Eu já estudava música. Não sei dizer se os sons convencionais eram ou não suficientes, não sei se dá para fazer essa

distinção, atualmente tá tudo misturado. Toda música pop tem muito ruído, né? A sonoridade de aparelhos eletrônicos permeia seu trabalho. Você utiliza objetos corriqueiros? O que mais faço é tocar guitarra, que pode estar ligada a um processador, a um computador que influencia no som. Algo que gosto bastante é usar vários objetos, como lata, faquinha, canivete, lixa, escova, para tocar o instrumento. Se coloco uma lata sobre os captadores, vou ter um som que ainda tem identidade da guitarra, mas ao mesmo tempo não faz parte do universo usual. Isso me interessa. Existe uma peça chamada “Onomatopeia” que tem instruções em texto do que a pessoa deve fazer com o instrumento, tipo imitar o som de um carro numa corrida ou o de uma vaca mugindo. A guitarra é um suporte para, com outros objetos, obter esses sons. As estranhezas são maiores para quem compõe ou quem ouve? Para gente que faz é uma coisa normal, né? Para quem

ouve, é possível que no começo cause estranheza, mas ao mesmo tempo algo com que muitas vezes se identificam automaticamente, por diversos motivos. Às vezes tem elementos performáticos ou trabalham com audiovisual, com vídeo. Tem coisas que são muito ruidosas e isso tem um impacto corporal de fato, e as pessoas gostam desse tipo de impacto, ou coisas muito silenciosas. É um campo amplo, tem muito espaço para diferentes pessoas se identificarem com diferentes aspectos. Você também é um dos curadores do FIME. Como avaliam o Festival? A gente tem convidados e o resto da programação é feita via uma chamada. O ano passado foi muito positivo, foram umas 250 inscrições de mais de 20 países. O Festival também teve desdobramentos, do tipo músicos que estão vindo para o Brasil interagindo com músicos da cena local, tocando em outros contextos. Também teve um bom público, em vários dos concertos a sala estava lotada.


SOM ANIMAL Você sabia que para alguns animais a audição é mais importante que a visão? Escuta só algumas curiosidades sobre a capacidade auditiva e o uso e percepção do som no reino animal:

Por que as aves cantam? Se entre os humanos é comum cantar para expressar os sentimentos, não podemos dizer o mesmo das aves. Na verdade, esses animais cantam principalmente na época da reprodução. Isso significa que, quando você ouve um passarinho cantando por aí, ele não está demonstrando felicidade – mas pode ser que encontremos alguns ovinhos no ninho da próxima vez.

A frequência é uma das características do som. Ela corresponde à quantidade de ciclos completos da onda num período de um segundo. Cada ser vivo consegue ouvir uma determinada faixa de frequências: no caso do ser humano, esse valor fica entre 20Hz e 20.000Hz. Os valores mais baixos indicam sons mais graves e, os mais altos, os mais agudos.

Fonte: entrevista com o biólogo Felipe Viegas Rodrigues, especialista em Neurofisiologia.

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Fala que eu (não) te escuto Se animais de diferentes espécies tivessem uma linguagem em comum, ainda assim alguns deles não poderiam bater um papo. O elefante e o morcego são um bom exemplo disso. Enquanto o elefante emite frequências bem baixas (em torno de 10Hz) e capta até 10.000Hz, os morcegos escutam acima de 1.000Hz e emitem frequências altas, de mais de 10.000Hz até 120.000Hz. Essas diferenças fazem parte da adaptação dos animais ao ambiente – e é por isso que não podemos dizer que um animal “ouve” melhor que o outro.

claro!

Percepção da música Estudos já demonstraram que macacos são capazes de reconhecer notas musicais. Isso significa que eles conseguiram reconhecer, por exemplo, um “lá” mais grave e um “lá” mais agudo como o mesmo som, indicando uma percepção da música. Outras pesquisas também já mostraram que até peixinhos dourados conseguem diferenciar músicas. Depois de treinados para reagirem ao estímulo de peças de Bach e Stravinsky, eles demonstraram conseguir diferenciá-las, mostrando a capacidade de perceber sons complexos.

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Enxergando com os ouvidos Alguns animais são capazes de determinar a distância de objetos, assim como sua forma e dimensão, a partir da emissão de sons de alta frequência e a captação do seu eco – é a chamada ecolocalização. Esse recurso permite que os morcegos, por exemplo, “enxerguem” muito bem mesmo na escuridão da noite (e usando os ouvidos!).

Arte: Vitória Batistoti

JULIANA FONTOURA


Perguntou GUILHERME ELER No McDonald’s da Vital Brasil, como em tantas outras vezes. Culpo a fome por, somente após estar com o hambúrguer em mãos, ter prestado atenção na música, plano de fundo para a refeição rápida dos presentes. “Você precisa saber da piscina, da margarina...” Estranhei. Uma versão acústica de “Baby”, dos Mutantes. Depois, “Ventura Highway”, clássico dos anos 70, em violão e voz. Definitivamente não estava ouvindo a costumeira “Rádio McDonald’s”. Cadê o Bruno Mars? Aquela nova do One Direction, talvez? O pop tinha dado lugar à programação da paulistana Alpha FM, que destoava totalmente da proposta jovem do ambiente e da marca. O cara mexendo no celular, ela ali com fone de ouvido. Ninguém parecia se importar com a mudança. Perguntei a um ou outro funcionário. Não faziam ideia. “Até ontem tinha”. Insatisfeito, como se perseguisse uma grande história mal contada, senti a necessidade de verificar em outras unidades. Pedi um sorvete. Maurício estava bem sério. Sem tentar disfarçar, desatou a rir quando

questionei a ausência da rádio. “Cê gosta das músicas, é?”. A lanchonete próxima à Teodoro Sampaio contava apenas com o barulho do entra-e-sai das pessoas, comum de um início de noite. Caixas registradoras abrindo e fechando, atendentes repetindo em voz alta os pedidos dos clientes. Também sem o característico som ambiente. Mas pensa só, também, aquele mesmo clima o dia todo. Devia incomodar. Há cinco meses na rede de fast-food, ele garantia que não. “É melhor com música. Tem gente que tá aí tem mais de um ano e ainda não enjoou”. Mas não sabia explicar o silêncio. Engraçado. Tinha uma tese, e, com ela, a vontade de comprová-la. Acabara a vigência da programação atual? Uma pane mundial da rádio, nunca antes presenciada? Ou ainda um boicote dos gerentes, em protesto ao predomínio das divas pop? Muitas possibilidades. Não era um frequentador tão assíduo mas, sempre que fui, o repertório parecia ser o mesmo. Quanto tempo tem que foi lançada aquela da Katy Perry, uns oito anos? E seguia firme e forte na lista de reprodução. Aproveitei que já estava na Faria Lima para ir a mais

uma lanchonete. Esperei o intervalo da programação. “Você está ouvindo a Rádio McDonald’s. Amo muito tudo isso!”. Era a própria, de fato. Consolando-me com uma torta de maçã, fui cobrar da gerente possíveis motivos para a excepcional falta de música ambiente presenciada nas outras unidades. Viviane parou de analisar planilhas para me explicar, pacientemente. “É obrigatório. Nos mandam as músicas e repassam quando tem alguma atualização na playlist”. A chefe não conseguia esconder a surpresa com meu interesse pelo assunto, justificado como curiosidade jornalística. “Ninguém nunca veio cobrar que não tinha. Seria bom se acontecesse mais, sinal de que realmente estão ouvindo”. De saída, e por desencargo de consciência, resolvo abordar Pedro, que limpava uma poça de Coca-Cola derramada próxima a uma lixeira. Insisto. Era meio chato estar ali todo dia com as mesmas músicas, né? Em tom de segredo, o funcionário opina. “Não é chato. É muito chato.” Pausa reflexiva. “Cê é louco, mano”. E sai.

Foto: Maury Phillips/Getty Images Arte: Letícia Paiva


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