claro! Transgressão

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TRANSGRESSAO

claro!


2 novembro 2018

claro!

d transgre

Não reclame não se arrisque ande na linha na moda siga o padrão a maioria viva conectado engula suas vontades esconda sua maneira de agir falar e pensar escute apenas o que toca nas rádios consuma tudo o que é anunciado na TV e em outras telas consuma consuma consuma. Assim mesmo. Sem respiro. Com tantas normas, costumes e consensos pré-estabelecidos, romper verdades tidas como absolutas não é das tarefas mais simples. Te Existem os julgamentos, o sentimento de não-pertencimento, o x conflito por se sentir inadequado. No entanto, transgredir faz fo to: to la parte do desenvolvimento de cada indivíduo, da formação de e D ris identidade. E para alguns, tampouco é uma alternativa, mas a iag sa única forma de existir em plenitude - ou ao menos tentar. ra fe ma rn Os atos transgressores podem ser extremos como queimar çã an dinheiro. Mas também sutis e cotidianos. Esta edição do o: de s claro! é dedicada a estes últimos, às histórias dos que An aH em rompem dia após dia, à sua maneira, com aquilo que é el arc esperado e aceito pela maioria. en el a C la Não pretendemos condenar ou mesmo menosprezar or af quem está a favor da corrente - não se precipite! -, ra fo apenas compartilhar as narrativas daqueles que din ns o i nadam contra ela. A transgressão é um caminho de luta, muitas vezes, solitária. Não é fácil, sabemos. Ainda assim, aqui, segue um lembrete: em tempos cada vez mais tenebrosos, se sentir que quer ou precisa, não hesite, transgrida!

ir pel a pr ópria e xistência

Expediente: Diretor da ECA-USP: Eduardo Henrique Soares Monteiro. Chefe do Departamento de Jornalismo e Editoração: Dennis de Oliveira. Professora responsável: Eun Yung Park. Editoras de conteúdo: Larissa Fernandes e Marcella Affonso. Editora de arte: Bárbara Reis. Editor online: Lucas Almeida. Diagramadores: Ana Helena Corradini, Bruna Nobrega, Lázaro Campos Junior, Raphael Concli e Vitor Garcia. Repórteres: Artur Zalewska, Caio Nascimento, Diego Andrade, Igor Soares, Laura Castanho, Mayara Paixão, Mirella Cordeiro, Rafael Paiva e Rodrigo Brucoli. Repórter online: Mabi Barros. Repórteres de vídeo: Juliana Lima e Matheus Morgado. Endereço: Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443, prédio 2 — Cidade Universitária, São Paulo, SP. CEP: 0558-900. Telefone: (11) 3091 4211. O Claro! é produzido pelos alunos do 6o semestre do curso de Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso - Suplemento. Tiragem: 8000 exemplares.


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Texto: Rafael Paiva Diagramação: Ana Helena Corradini

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Os padrões marcam presença no cotidiano e no imaginário de quaisquer indivíduos inseridos em sociedade. Como não vivo em uma dimensão paralela, obviamente não estou isento dessa situação. Fato é que, embora os padrões estejam presentes nas mais variadas situações e formas, há uma dificuldade geral em defini-los de modo absoluto. Seja do ponto de vista psicológico, sociológico ou de outras áreas do conhecimento, as explanações, a valer, seguem caminhos sinuosos. Há quem os classifique como normas estabelecidas para a promoção de um modelo comportamental único. Outros enxergam os padrões sociais como valores coletivos que norteiam cada pessoa, sem que seja necessária a escolha de apenas um. Assim como existem aqueles que procuram abordá-los como saberes que auxiliam na produção e reprodução de uma dada sociedade e de sua base material. O que penso a respeito deles? Confesso que, na maioria das situações, os enxergo como limitantes da evolução humana. Inimigos da heterogeneidade. Barreiras que, se não ultrapassadas, favorecem a opressão e a estagnação. Abordagens teóricas e digressões à parte, há um consenso do papel exercido pela mídia na disseminação de determinados parâmetros. Apesar da diversidade existente na sociedade, nota-se, por meio das produções audiovisuais e impressas desenvolvidas pelos veículos, que padrões hegemônicos ocupam praticamente todos os espaços. Não importa se de cunho estético, linguístico ou comportamental. A busca pelo enquadramento em padrões pré-estabelecidos pode levar a um caminho sem fim para aqueles que os procuram a qualquer custo, vide a impossibilidade de se encaixar em todos. Quem aproveita e surfa nessa onda, com a promessa de fórmulas mágicas e o apoio midiático, é o mercado. Nesse contexto, o triunfo ocorre nos ramos do entretenimento, do mundo fitness, de alimentos, da indústria farmacêutica, entre outros, com influências no corpo e na mente. Por outro lado, existem as pessoas que pouco ou nada se importam com as visões padronizadas. Essas, em muitos casos, reforçam suas identidades buscando as rupturas. Transgridem em prol da liberdade. Colaboraram: Flávia Novais, doutoranda em Psicologia Social e Institucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Regiani Zornetta, doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) e professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP)


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não sou amiga da maternidade TEXT0: mayara paixao ARTE: Bárbara Reis e marcella affonso DIAGRAMAÇÃO: Vitor Garcia Começou na primeira gravidez. Eu queria ter um parto normal e já me deparava com a resistência. — Para quê? Você vai estragar o seu corpo. Depois veio a violência médica, um corte desnecessário no períneo para ajudar na saída do bebê que, durante muito tempo, me causou dores. Veio o assédio moral no emprego e o pedido de demissão. Vieram as noites sem dormir, acordando de uma em uma hora, com as cólicas e a amamentação. Até que você começa a se questionar: será que eu devia mesmo ter tido filho? Esse pacote que vem com a maternidade é um peso que ainda recai sobre a mulher — mesmo tendo um marido que divide quase que igualmente as tarefas. Isso não me faz bem. Reclamar? Não pode. Afinal, mãe tem que, necessariamente, estar feliz. Só que eu reclamei. Encontrei um lugar onde pensei que poderia desabafar: fóruns de mulheres na internet. Imaginei que elas me entenderiam. Ledo engano. Percebi que enquanto você reclamava apenas do marido, ou falava que estava cansada, tudo bem. Mas, falar dos questionamentos e das dúvidas psicológicas de uma mulher que é mãe? Isso não. A gente coloca as coisas de um jeito muito realista, e as pessoas não querem ouvir. O dia em que falei que, às vezes, tinha vontade de jogar o bebê porque estava me perguntando o que tinha feito, foi uma chuva de julgamentos. — Você não ama o seu filho? Nunca disse que não amo meu filho, mas estou esgotada. Por vezes, me pego pensando em que momento me disseram pela primeira vez que a maternidade era algo somente bonito, e quando foi que acreditei nisso.

— É o sonho de toda mulher, aquele bebê limpinho, só seu. O que ninguém dizia é o quanto eu teria que abrir mão. Eu, que desde muito tempo queria ser mãe, me deparei com a frustração — sonhei com uma coisa que não era bem assim. Hoje, tenho três filhos, três maternidades que foram desejadas. Mas tive muito da minha autonomia roubada, e desafios diferentes com cada filho. Isso, porém, é história para outra hora. Brinco que o meu mais velho veio me mostrar o que era maternidade. O do meio veio me fazer ficar de mal com ela e o mais novo veio me fazer as pazes com esse processo. Hoje entendo a maternidade como um processo que para mim foi positivo. Mas é muito dolorido e solitário, isso sim. * Este texto foi construído com base no relato de Thiely Soengas Manias, paulista de 34 anos e mãe de três meninos de nove, seis e três anos.


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Moralismo no poliamor

Triângulo

Formato em V

Formato em t

Interconectados

O vendedor de mel Fernando de Jesus nunca teve um relacionamento monogâmico na vida. Desde que se entende por gente, deu passe livre aos seus parceiros para transar com outras pessoas. Ele chegou a utilizar a palavra “poliamor” para definir suas relações, mas não se vê mais nela. Na sua experiência, o moralismo pode existir mesmo entre os praticantes da não-monogamia — supostamente, uma prática transgressora do modelo vigente de relacionamentos, vistos como possessivos. “Os caras são uns caretão. Eles ficam nessa ideinha, ‘Não, poliamor não é putaria’. Mas gente, e se for? Qual é o problema?”, diz. “Eles são moralistas apesar de estarem situados num terreno que não tem nada a ver com moralismo. É um negócio meio panfIetário.” Fernando cita como exemplo os grupos de Facebook que reúnem entusiastas do poliamor e outras formas de relação livre. Na sua visão, eles utilizariam argumentos “hipócritas” para isolar pessoas que vão lá atrás de parceiros sexuais. Para Antonio Pilão, antropólogo da UFRJ que pesquisou esses grupos para seu mestrado e doutorado, essa rejeição ao sexo acontece com mais frequência em grupos de homossexuais masculinos e travestis — possivelmente em função do estigma de hipersexualização que esses grupos já sofrem. “Tem um certo combate ao imaginário da promiscuidade que leva a um desconforto com a associação [desses grupos] com o poliamor”, afirma. Pilão nota ainda um “monitoramento permanente” com o comportamento sexual dos homens nas comunidades de poliamoristas. Muitas feministas, segundo ele, veem nessas relações uma continuidade do machismo — os homens coagiriam suas parceiras a abrir a relação, ou só estariam preocupados com sexo. “Os homens são vistos como opressores a priori.” Fernando de Jesus vai além em sua crítica a esses espaços. Ao contrário do que prega o discurso oficial do poliamor, baseado em “honestidade, liberdade, igualdade e amor”, ele não acredita que dê para amar várias pessoas igualmente e ao mesmo tempo. “É só no discurso, isso. Não existe equidade.”

TEXT0: Laura Castanho ARTE e DIAGRAMAÇÃO: Vitor Garcia

Quadra em N

Quarteto

Quadrado

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Duda saiu da cadeia há 4 meses, após ser presa por tráfico em 2013, e tentou recomeçar a vida ao lado do então marido num albergue de Sorocaba. Mas isso não a tirou da marginalidade: quando as pernoites no abrigo venceram, o casal acabou indo para a rua e foi apedrejado por homofóbicos. No dia 20 de outubro, Duda largou o rapaz e veio para a capital paulista, onde está morando num centro de acolhimento para transsexuais. “Pretendo cursar enfermagem e arranjar um emprego. Não quero o mundo das drogas e nem o da prostituição”, diz. Duda Valentina, 40

Fomos feitos para brilhar Uma facada no braço marcou a vida de Laura. A agressão partiu de um homem que tentou matá-la. Ainda adolescente, o preconceito que sofria quase a levou ao suicídio. Hoje, Laura trabalha com o projeto Transcidadania, da Prefeitura de São Paulo e sonha em cursar Gestão de Pessoas ou Serviço Social para ajudar pessoas em vulnerabilidade. “[Nós, mulheres e homens trans] fomos feitos para brilhar”, aponta. Laura Fidelis, 31


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“Estou vivendo os dias mais lindos da minha vida”, disse Stéfano com um sorriso no rosto ao falar da cirurgia de retirada dos seios, que realizou em setembro. Com o sonho de cursar Direito, o rapaz ambiciona ser um jurista em defesa dos direitos LGBTs e se orgulha de ter arranjado, recentemente, um emprego registrado com carteira assinada com o seu nome social. “Eu dependia de um papel de gênero para mostrar que sou capaz de trabalhar. Gostavam de mim, mas me rejeitavam por saberem que eu era trans. Espero que eu não sofra preconceito nesse novo emprego”, afirma. Stéfano Araújo, 21

Quatro pessoas transsexuais contaram ao claro! o olhar do outro sobre elas. Rejeição dos pais, acolhimento no mundo das drogas, agressão física e falta de empregos são alguns traços da falta de empatia por essas pessoas no Brasil - país que lidera o ranking mundial de assassinatos transfóbicos, com 868 mortes entre 2008 e 2016, segundo a ONG Transgender Europe. Na luta contra isso, essa população tem se empoderado na busca por direitos e pela superação pessoal.

TEXT0 e fotos: caio nascimento DIAGRAMAÇÃO: bruna nobrega

Margot foi expulsa de casa em outubro por não ser aceita pelos pais. Filha adotiva, foi escolhida num orfanato aos 2 anos de idade, mas alega que nunca soube o que é ter o amor familiar, já que fora rejeitada. Única negra da família e incisiva com as palavras, ela avisou ainda pequena aos pais que gosta de meninos. Aos 13, começou a se envolver com as drogas e a prostituição. “Eu buscava na rua o que não encontrava dentro de casa, o amor”, relembra. Margot sonha em estudar Antropologia quando terminar o terceiro ano do ensino médio no final deste ano. Margot Ventura, 20


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TEXTO: DIEGO ANDRADE ARTE: BÁRBARA REIS DIAGRAMAÇÃO: LÁZARO CAMPOS

Em um país com tantas variedades linguísticas como o Brasil, quem utiliza a palavra como meio de produção cultural pode encontrar nisso um modo de resistir aos padrões impostos e lutar pelo direito de falar à própria maneira. Embora seja apenas um exemplo entre diversas possibilidades, o rap é a primeira manifestação artística que vem à cabeça quando o assunto é preconceito linguístico. Conhecido por denunciar a realidade periférica e a desigualdade social no Brasil, o gênero musical também pode servir como um meio de afirmação da identidade de quem o produz. É um ato de celebração da própria cultura, como afirma o rapper independente Wladinir Gomes, que utiliza o nome artístico ONNI: “o Hip Hop carrega nas suas raízes a responsa de criar um espaço para que possamos ser livres sendo quem somos.” E essa liberdade se materializa também na expressão oral que enfrenta preconceitos que, segundo ele, funcionam como um dos escudos da elite burguesa e são tidos como uma forma de deslegitimação do povo. Essa afirmação é reforçada pelo sociolinguista Marcos Bagno, professor no Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução da Universidade de Brasília (UnB) e autor de diversos livros sobre preconceito linguístico. Para ele, o preconceito contra variedades linguísticas menos prestigiadas decorre do preconceito social já existente contra as pessoas que as utilizam. “Essas variedades são menos prestigiadas porque não são faladas pela reduzida minoria branca urbana de classe média. O que não pertence a essa minoria é visto sempre como errado, feio, ridículo, etc.” E se “falar errado” for o problema, ONNI deixa o recado: “antes falar errado do que pensar errado, que é um dos sintomas do preconceito.”

errado é´ o preconceito


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DESCOLÔNIzando a historia

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Hoje o MASP está mais cheio, é a última semana da exposição Histórias Afro-Atlânticas. A exuberância das cores, das formas das obras dos mais diversos países são como uma hipnose aos olhos. TEXTO: RODRIGO BRUCOLI Impossível não pensar no quanto ARTE: BÁRBARA REIS a harmonia das cores sóbrias, das formas clássicas que aprendemos DIAGRAMAÇÃO: LÁZARO CAMPOS nos livros didáticos é tão diferente de tudo isso o que vejo. Sento-me no café do primeiro andar para encontrar Amanda Carneiro. Para se tornar uma cientista social formada em Estudos Africanos, transitou por diferentes cursos da USP que ofereciam disciplinas de temática africana. Na graduação, fez intercâmbio em Moçambique, onde pôde se aprofundar em pensamento político africano e mergulhar na refIexão sobre como o processo de libertação questionava os paradigmas ocidentais. Esse se tornou o seu tema de mestrado. A sua escolha pela trajetória multidisciplinar lhe abriu novas possibilidades de conhecimento, como o pensamento decolonial. Amanda explica que o Brasil ainda vive sob influência de seu passado colonial. Essa influência se vê na versão oficial da história em que o fim da escravidão, por exemplo, é tido como uma benevolência da Princesa Isabel, e não como resultado das lutas e resistências dos povos negros. A versão oficial da história é sempre simplista, porque não contém a contradição. E sem a contradição, se desconsidera a multiplicidade de vozes, de narrativas que constroem a história. Na última semana de outubro os totens de madeira, miçangas, trançados, bordados, tecidos, o ferro fundido, todos esses materiais tão incomuns em um museu e que ficaram por quatro meses na Histórias Afro-Atlânticas, se despedem de São Paulo. Mas não nos despedimos do nosso passado colonial que, como um fantasma, permanece vivendo na cultura e nas instituições.


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É´ possível ser vegano sem gastar muito Texto: Artur Zalewska Fotos e DIAGRAMAÇAO: Raphael Concli

Há muitos produtos industrializados com preço salgado à venda para o público vegano. Porém, alimentos baratos do dia a dia são suficientes para se alimentar bem sem comer carne, leite, ovos, mel e outros itens derivados de animais, como prega essa filosofia. Essa é uma das mensagens difundidas nas redes sociais para levar informação sobre veganismo à periferia. São páginas mantidas por ativistas que moram em comunidades de baixa renda e mostram que refeições simples e baratas podem satisfazer os critérios de uma dieta vegana. Arroz e feijão é a combinação mais comum encontrada nos posts. Uma dica das páginas para economizar nas frutas é comprá-las na feira, e só se estiverem na estação. A tapioca é muito presente, pois além de ser barata, é versátil na cozinha. Uma dessa páginas é a "Vegano na Quebrada", no Instagram, criada por Igor Oliveira, de Campo Grande, na periferia de Campinas. Igor diz que iniciativas como a dele são necessárias porque na TV as pessoas são constantemente induzidas a ter uma dieta com carne, e

a possibilidade de uma alternativa não chega à periferia: "O veganismo é elitista demais. Na quebrada as pessoas não têm idéia de que existe a palavra vegano, muito menos sua filosofia". A página protesta contra a exportação de animais para abate no exterior, explica que os peixes também sentem dor e mostra que é possível fazer um bolo sem leite nem ovos. Com mais de 30.000 seguidores, a página "Vegano Periférico", no Instagram e no Facebook, evita estrangeirismos para tornar as informações mais acessíveis. Em um dos posts, a dica para temperar uma salada é usar uma maionese de abacate -- também conhecida como guacamole. "Criamos a página para mostrar a nossa realidade sendo veganos e periféricos e como é simples ter uma vida sem causar dor e sofrimento", diz Leonardo Santos, que criou a página com seu irmão Eduardo Santos. Os dois, que moram no Parque Itajaí, também na periferia de Campinas, contam na página que foram recentemente a um evento sobre veganismo em São Paulo. O preço para assistir às palestras era de R$ 420,00. Havia produtos caros à venda e uma das reuniões era chamada "Plant-Based Conference", em inglês mesmo. "Poderia ser um evento muito mais abrangente. Pobres e periféricos só estão ali para servir. Tem as exceções, mas são raras", comentaram os irmãos no Instagram.


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Beleza sem vergonha Texto: Igor Soares Foto:Kica de castro DIAGRAMACAO: Raphael Concli

O sorriso radiante e a leveza no olhar de Diolice Barbosa, 29, conseguem ir além do preto e branco da imagem e mostrar um pouco a força e a alegria de uma mulher determinada que transcende as barreiras impostas pela vida. Assim como muitas garotas, na infância, Diolice adorava brincar de modelo, desfilando e fazendo pose para fotos. Mas tudo mudou quando, aos 12 anos, ela ficou tetraplégica após um erro médico durante uma cirurgia, tendo que deixar de lado o sonho de infância. Porém, o que, por muito tempo pareceu impossível, aos poucos, passou a tornar-se realidade. Foi quando conheceu a publicitária e fotógrafa Kica de Castro. No ano 2000, Castro trocou a rotina caótica da vida publicitária por um cargo de chefia no setor fotográfico de um centro de reabilitação para deficientes. Após anos de estudo observando o impacto da fotografia na auto estima dos pacientes, Kica largou o emprego fixo e, em 2007, abriu uma agência de modelos só para pessoas com deficiência.

Atualmente com 89 profissionais, a agência funciona nos mesmos moldes das tradicionais. Entretanto, a fotógrafa faz questão de ressaltar que não usa nenhum tipo de retoque nas imagens das modelos. "Beleza e deficiência não são palavras opostas." Diolice foi uma das cinco modelos que iniciaram o projeto ao lado da publicitária. Ela conheceu Kica através de suas sessões no centro de reabilitação. "Me sinto mais bonita cada vez que vejo uma foto minha sendo utilizada para mostrar nosso talento. Não tenho vergonha do meu corpo, gosto de mostrar como sou", conta Diolice, que já foi capa de duas revistas e teve suas fotos exibidas na mostra "Além das Convenções", realizada em 2015, na cidade de São Paulo, em comemoração ao Dia Internacional das Pessoas com Deficiência. Para o futuro, pensa grande: "quero ser destaque de várias campanhas publicitárias", diz a modelo, que quer dividir as passarelas também com profissionais sem deficiência: "quero a verdadeira inclusão em ação."


claro!claro! novembro 2018 12 2018 agosto

Transgrida

. Conecte-

Tirei um tempo para me desconectar Deixei todo o ruído para trás: Facebook, Twitter, Youtube e Whatsapp Usei as pernas como meio de transporte Barthes diria que andar é o gesto mais humano “Me levem. Quero viver” No caminho, as árvores estavam verdes Havia fIores lilases e amarelas Eu sequer tinha visto os botões Deve ser porque passo aqui de ônibus E, do banco, o olhar é preto e branco

se

Texto: Mirella Cordeiro Foto e dviagramação: Raphael Concli

Lembro que, na infância, passeava em parques Hoje, vago e gasto em shoppings Lá, qualquer moeda tem poder Pensei em entrar na galeria do bairro Mas as pernas seguiram resistindo Por que os olhares são vazios? Alguns assistem ao cabelo da moça Como se o julgamento estivesse pronto para ser emitido Antes mesmo que a informação pudesse ser processada Será que também sou assim? E a refIexão toma conta de mim A sensação de que nunca andei sozinha é descabida Vou e volto, dia e noite, com e sem medo Mas agora vejo em cores Não só ouço, mas escuto Me escuto O medo de errar te modifica e te transforma em outro alguém Abandona o receio aqui nessa esquina Vai e vive sua vida É muito cedo para ceder e só sobreviver Deixei todo o ruído em casa Resisti ao mundo e respondi aos meus estímulos Pedi para ser desconectada e falhei Me conectei a mim

Este poema foi escrito com base nos textos Elogio del Caminar, de David Le Breton, Caminhar na Cidade. Experiência e representação nos caminhares de Richard Long e Francis Alys; depoimentos de uma pesquisa poética, de Beatriz Falleiros Rodrigues Carvalho, em entrevista de David Le Breton para Diario de Sevilla e em relatos de caminhantes por São Paulo.

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