PatoMacho na revista Tupigrafia #6 março 2005

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“Os provincianos estão grilados, como estariam os decadentes de outras épocas, assustados agarram-se ao que resta de cocoroquice. Embasbacados!

Do editorial não assinado por Veríssimo no Pato 1

O logotipo do jornal foi desenhado com régua e compasso pela equipe do Signovo e o pato, sua marca, à mão livre [não confundir com free hand] por Luis Fernando Veríssimo em 1971. Signovo, um escritório de desenho industrial, artes gráficas e comunicação visual–formado por Antonio Aiello, Pedro Mohr e Claudio Ferlauto–era responsável pelo projeto gráfico e finalização do jornal. Veríssimo, junto com Coi Lopes de Almeida e Claudio Ferlauto eram os editores do jornal que contava com um grande número de colaboradores jornalistas e não-jornalistas. O Pato Macho teve 15 edições de abril a julho de um jornal gaúcho em 1971 1971. Paradoxalmente não por Claudio Ferlauto pára de ser estudado pelas novas gerações: o Pato já deve ter mais de quinze monografias e teses de mestrado defendidas e publicadas nas universidades do Rio Grande do Sul. Um caso patológico.

Pato Macho

O Bondinho, revista-jornal paulistano editada por Hamilton Almeida Filho, no ve­rão de 1972 dedicou uma matéria so­bre os jornais do underground brasileiro es­cri­ta por Luis Carlos Maciel. O Pato Macho estava lá.

O Pato nasceu do cruzamento de duas gerações e de dois tipos de profissionais: os jornalistas é claro, e os programadores visuais, chamados na época de diagramadores e secretários gráficos. Esses, na maioria, oriundos da Faculdade de Arquitetura da UFRGS, entre os quais se incluem os sócios do Signovo acima citado. Mas não eram

apenas programadores visuais que nasciam naquela faculdade, Nasceram também cartunistas de mão cheia. Alguns deles participaram dessa aventura: Levitã, Nilus, Beto Prado, Gerson Scherer, Teo Busch [nada a ver com os Georges], Catito. Sem falar no trabalho de Luis Fernando Veríssimo e de Joaquim Fonseca. Os jornalistas da primeira hora: José Onofre, Carlos Nobre, Roberto Pimentel, Renato D’Arrigo, Rui Carlos Ostermann. E os colaboradores fanáticos: Moacir Scliar, Marcos Faerman, Roberto Manera Wanderlei Cunha , Zé Rodrix, Paulo Odone Ribeiro, Harry Sabugosa, Silvio Back, Marco Aurélio Barcellos, Goida [Hiran Goidanich], Vitor Vieira, Maria Duhá, Luis Coronel, Jefferson Barros, Luis A. Pinheiro Machado. E os fotógrafos Assis Hoffmann, Leonid Streliaev e Luis C. Felizardo.


“– A gente está falando muito em underground... O que é que isso quer dizer? – Bom, underground é uma palavra que tá [sic] se usando já há alguns anos para designer uma coisa que é um fenômeno social, que começou a acontecer nos países industrializados (...) uma característica desse movimento é a de ser uma consciência crítica, radical da sociedade...” Luis Carlos Maciel. Colaborador de O Bondinho

As contracapas do jornal seguiam o modelo dos jornais underground norteamericanos e ingleses.

“Another thing: eu queria que voces me mandassem o Pato Macho, que aliás não é TÃO macho assim–graças a deus–não sei se vocês já estão fazendo assinaturas ou se podem me mandar na base do amor-e-graça. Mais umas noticelhas de gaúchos por aqui que vocês podem aproveitar (falar nisso vocês não querem um correspondente aqui, não? paga uma cuba bem?)...” Caio Fernando Abreu, Guanabara, no Pato nº 6, maio 1971.


PREGÃO ao estilo Correio do Povo na ocasião de seu lançamento: Olha ai o PATO MACHO Marcando uma nova idade crítico, chibante, novo Linda flor para a cidade!

Título montado com letras desenhadas com normógrafo, instrumento usado por arquitetos para escrever nas suas plantas com tinta nanquim.

“Que sei eu de udigrudi? que é um movimento (é movimento?) avançado cujo papa (pelo menos musical) foi Jimmy Hendrix. (Não foi, não?) Sei que uma multidão desses caras que fazem o udigrudi se reune (quase sempre nus, né mesmo?) e aí se cantam, se curram e se mandam LSD. Depois fica todo mundo na rua protestando contra a guerra, tocando guitarra elétrica, instrumento que os norte-americanos inventaram para obrigar vietcong confessar.” Charles, o Nobre. Cronista do Pato Macho.


Outros cruzamentos Olhando com a perspectiva de três décadas a experiência do Pato Macho não deixou ne­nhuma qualidade visual ou gráfica. Mas como resultado do cruzamento de duas eras tecnológicas ele é um espelho fiel das mudancas que transformaram as arte gráficas em design gráfico. O Pato, graficamente, é o resultado da passagem do mundo das máquinas tipográficas e da composição a quente, para o mundo do offset e da fotocomposição, ainda muito longe [a não ser no plano das idéias e da teoria] das realidades do mundo digital. Mas não é só isso. Ele também reflete as re­voluções e a rebeldia dos anos 60 e 70 do século passado. Mostra uma convivência conflituosa entre o novo e o velho. Entre o pacato e o dinamismo do novo ambiente tecnológico. Entre o provincianismo e a visão de uma sociedade que precisa se modernizar. Era também um exercício entre o jornalismo formal e a ambicionada oportunidade de realizar idéias independentes. Era um modo de se opor ao sistema político da ditadura.

Censura prévia O Pato Macho teve, durante quase toda a sua vida, censura prévia, mas não pelos mesmos motivos de O Estado de S. Paulo ou do Jornal do Brasil. A razão foi mais prosaica e bem provinciana. Como um dos editores pegava no pé de uma dama da sociedade local, [por acaso casado com o cardiologista do general Médici] este para evitar os comentário impressos obteve o favor do seu paciente e general: eliminar em todas as edições o nome e as menções à senhora Aline Faracco. Recursos e falta de recursos O jornal era produzido no parque gráfico da Zero Hora, naquele momento já o maior e mais atualizado jornal da região sul. A empresa tinha há pouco tempo introduzido o sistema offset a cores no Brasil, mas em suas oficinas ainda conviviam tipos móveis –a Kabel era um dos tipos usados para títulos –compo­sição a quente com máquinas de l inotipo e a mo­derníssima [para a época] fotocomposição. Tudo de origem alemã.


No início, com tempo e planejamento montávamos o jornal nas pranchetas do Signovo, tínhamos tempo para mandar compor textos, tirar provas, revisar e fazer os past-ups. Mas um jornal semanal não dá folga para ninguém. Quando um sai da rotativa o outro deve estar quase pronto, pois tí­nha­mos os compromissos com os anunciantes e toda aquela coisa de sair no dia previsto por causa da confiabilidade etc. Nossa vida começou a ficar uma loucura: a redação era itinerante. Ora reuníamos na casa do Veríssimo, ora na casa do Nilo Soares, ora no apartamento do Scliar. O departamento gráfico era, literalmente, uma mala de couro que se­guia as reuniões de pauta e de edição do jornal. E a improvisação começou a rolar sol­ta: títulos em Letraset, chamadas caligráficas [me­lhor dizer manuscritas], muito de­senho, muito xerox. Tudo de acordo com os tempos do underground. Aliás nossos mo­delos eram jornais alternativos inglêses e norteamericanos que nosso “correspondente” Fernando Fumaça Nardi enviava de Londres, semanalmente, pelo malote da Va­­rig. O Pasquim também contava, afinal o Coi era amigo e “irmão” do Tarso de Cas­tro que na época namorava uma amiga comum em Porto Alegre. Mas dizíamos que não: “O Pasquim já era. Achamos o Pasquim uma droga, um jornal que vende um stado de espírito. Ele foi importante, mas já era” afirmamos

numa entrevista ao Correio da Manhã em 13 de abril de 1971. Nosso projeto era outro: “O Pato Macho não pretende ser original. Louco sim, original não. Não pretendemos criar nada. Deus criou do nada e olha no que deu. Vamos copiar, adaptar, aproveitar, seguir a trilha de outros até o hipotético tesouro e só improvisar quando não houver preceLui: o nome Ah! íamos dente” disse o Lui no editorial não assiesquecendo de nado do primeiro número. Hoje tenho explicar o nome certeza de que ele [Veríssimo] foi a única do jornal. Na vervoz que pregou a sanidade na­que­le dade ele se chama grupo de malucos por mudar, pirar, pro- Pato Macho como vocar, experimentar. Dele também cito o poderia se chamar epitáfio: “Olha eu gostaria de dizer que Alfredo ou Ribamar ou algo ficou, mas por mais que me esforce Qualquer Coisa. só consigo sentor, como herança, um Pato Macho soou certo gosto amargo na boca. E as dívibem. Fácil de das, é claro”. lembrar e de Os editores eram o Lui [também diretor dizer. Não há responsável], Claudio Ferlauto e Coi outra explicação.” Lopes de Almeida. A administração ficava com Sergio A. Rosa e Renato Darrigo e a publicidade sob responsabilidade de Eloi Celente, um publicitário que de vez em quando aparecia nas reuniões com um terno cor de rosa. PS. Acho que foram dezesseis números, mas não encontro o nº 16. Claudio Ferlauto


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