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COMMNatura

O CHUMBO

Longe no espaço e no calendário, teve lugar uma aventura parecida. Era tempo de Liceu e de vacas magras. Os grupos organizavam-se por idades, experiência, afinidades e, também, por liderança. A antiguidade era um posto e os fedelhos ambicionavam a fama e as facilidades dos mais espigadotes. Poder ir ao cinema, aos bailes, namorar, eram sentimentos e vontades telúricas dos mais novos, que se iniciavam junto dos seniores para tais aventuras. Dorindo Ingénuo e Castor Mata Cães, entre outros, estavam na primeira fila da iniciação ao desembaraço para a resolução de problemas ou situações prementes. Mas, nunca é demais lembrar o velho aforismo: é com dinheiro que se compram os melões. As matérias académicas variavam segundo a orientação do curso do aluno, em termos abrangentes, letras ou ciências. O grupo de alunos em questão “eram”, por mero acaso, da alínea –agrupamento, assim se chama agora –de ciências, pelo que obrigatoriamente teriam que dar a tabela periódica de elementos, da qual, como se sabe, faz parte um metal pesado: o chumbo, bem presente na mente de todos, por outras razões que não são aqui chamadas a capitulo. O convívio de Ingénuo e Mata Cães com os companheiros mais sabidolas, das conversas que respigavam pró-atividade, dos expedientes por eles concebidos; a ideia de que a necessidade aguça o engenho e que é preciso fazer pela vida, projectavam no imaginário de Dorindo e Castor um estimulo excitatório poderosíssimo que teria consequências, a curto prazo, nas cabeças férteis e ávidas de aventura destes dois noviços. Preto no branco: “não é com os bolsos cheios de cotão que compras o bilhete pró cinema, para mandares cantar um cego tens que fazer pela vida...!” Em teoria tudo era fácil, mas na prática a realidade é dura e crua. Era início do terceiro período, dias longos, a noite a marcar presença. Após jantar, sentados a uma mesa do café Comercial, reunia um grupo liderado por Almor, que Ingénuo acabava de engrossar. As conversas que se desfiavam à volta da mesa criavam um ambiente etéreo de aventura que se adensava com o correr das horas, fazendo a ponte entre o desejo e possibilidade real de compensar as dificuldades. Aí, tão inevitável quanto lógico, Dorindo Ingénuo sentiu-se compelido a perguntar se sobrava alguma tarefa que ele pudesse executar, tendo em conta a resolução de propósitos mais imediatos; ver algum western, entre outros. Almor sugeriu a Ingénuo: “amanhã, pela calada da noite, podes ir ao cemitério municipal resgatar um caixote com chumbo, de colheita recente, que depois será vendido num dos receptores dedicados a esse negócio”. Dorindo aceitou o repto de por à prova a sua intrepidez bem como, daí, esperar melhor entrosamento no grupo; passagem a um estádio mais idóneo e aplicabilidade material da sua gesta. Cerca das 23:00 horas, Dorindo dirigiu-se ao cemitério municipal, usou e abusou das habilidades circenses de que fora devoto praticante, e transpôs o gradeamento encimado por pontiagudas lanças ao estilo centúria romana, indo ao encontro do falado caixote, orientado por um desenho previamente feito no Comercial e uma apetência indomável de descoberta de tesouro perdido nas mãos de piratas piores que cascavéis enfurecidas. Encontrou o alvo no local previsto, inverteu o salto de dentro para fora do cemitério, nem consigo imaginar as artimanhas usadas para pôr fora de grades o encaixotado valor, e levou-o ao ombro até ao Café, qual troféu a entregar ao grupo que ai continuava reunido à espera do epílogo desta aventura: passava menos que uma volta de ponteiro da meia-noite. Aí chegado com a encomenda prometida, pô-la à disposição do grupo. Desceram à cave do Café, abriram o caixote e, de conteúdo, só pedras. O ambiente assumiu um comportamento de estupefacção teatral, tendo Almor feito apelo à sua árvore genealógica e jurado pela alma de antepassado de consanguinidade duvidosa, que não se tratava de um embuste à pessoa de Ingénuo, e que o valioso chumbo tinha lá sido colocado na véspera e, agora, a olhos vistos, objecto de roubo. A expressão facial de Ingénuo, corado que nem o “alegre bebedor” do pintor Frans Hals, era, também, de raiva e impotência, achincalhado até à ignomínia, em exaspero contido. “Dorindo Ingénuo”, disse Almor em tom reflexivo “o olfacto leva-me a presumir que isto é obra de algum abocanhado que deu com a língua nos dentes, ou de algum lobisomem que andará a espiarnos! Companheiro, não fiques aperreado com esta contrariedade, afinal levaste a carta a Garcia, e ainda a procissão vai no adro.”Grava em tatuagem: quando a sorte não penetra, três ameixas e edecetra.

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OS LEMES DOS NAVIOS NÃO SÃO TODOS IGUAIS?

PARTE 1

ANTÓNIO COSTA

INTRODUÇÃO

O leme é o principal dispositivo de direccionamento dos navios. O principal objectivo da sua utilização é o de gerar forças para manter o rumo do navio ou de o conseguir manobrar. Em casos excepcionais, os lemes também são utilizados para parar os navios mais rapidamente, em situação de emergência, ou para amortecer e estabilizar o rolamento. Como bem sabemos, os lemes afectam a eficiência da propulsão do hélice e a resistência total do navio ao avanço. É por isso que os lemes são tão importantes, tanto para a segurança da navegação, como para a eficiência do transporte, sendo que o seu desempenho depende de características hidrodinâmicas do seu desenho e construção. Desde os tempos dos navegadores egípcios que o conceito, projecto e desenho deste item, tão importante, de um navio tem sido alvo de estudo, tanto académico, como experimental. Existem muitos fragmentos do conhecimento sobre o leme na literatura, onde são discutidas a manobrabilidade e o consumo de combustível do navio, além da cavitação. Esses estudos debruçam-se,

CIMA Fig1: Os egípcios foram a primeira civilização a usar velas e lemes nos seus navios

BAIXO Fig2: Os critérios aos quais os navios devem obedecer estão inscritos em resolução IMO e devem ter

testados e confirmados em provas de mar, após a construção. de entre outros, nas condições de trabalho (velocidades e ângulos de ataque), perfis (formas seccionais), propriedades (área, espessura, altura, etensão, coeficiente de finura e proporções), tipos (posição do leme e do suporte estrutural e a conexão ao casco) e interacções (entre o casco, o hélice e o leme –tendo em conta a cavitação, a deriva e o avanço). Aliás, todo e qualquer navio apenas é entregue, após construção, depois de rigorosos testes de mar, realizados para avaliar o seu desempenho, tal como capacidade de viragem, quebra de guinada, manutenção do rumo e etc., manobras essas exigidas pelos padrões IMO –Resolution MSC.137(76) Standards for Ship Manoeuvrability. São as chamadas curvas de evolução.

CURVAS DE EVOLUÇÃO

Quando, em marcha a vante, se mete leme a um bordo, o centro de gravidade do navio descreve uma trajectória em forma de espiral, cuja curvatura se acentua até a proa ter guinado 90º; a partir daí, a trajectória aproxima-se do círculo perfeito. A isto se chama “curva de giração”. No entanto, o navio tende a rodar sobre um ponto fixo, que não o centro de gravidade. Esse ponto fixo sobre o qual o navio parece girar é chamado de ponto pivot (ou ponto giratório) e é de especial importância para o manobrador, pois é o ponto em que o ângulo de deriva é igual a zero (figura 2). De forma geral, o ponto pivot situa-se entre 1/3 e 1/6 do comprimento do navio, a partir da proa –com o movimento do navio a ré, este ponto recua francamente, chegando, por vezes, a 1/3 do comprimento do navio a partir da popa. O objectivo da realização deste teste é perceber a “Capacidade de Manobra” geral do navio, pois esta é uma manobra indispensável e à qual um navio tem de recorrer, muita vez, durante o seu período de operação.

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