Revista Arquitetura & Construção 358 edição digital

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Em seu próprio tempo

No centro histórico de Paraty, RJ, muitas casas ainda guardam resquícios da época colonial, escondidos sob camadas e camadas de reboco e tinta. Esta reforma resgatou preciosidades da construção antiga, sem deixar de adaptá-la ao século 21 Por MARIANNE WENZEL (tExto) Projeto RENAto tAVoLARo Fotos CACÁ BRAtKE


À esq.: atrás da porta principal, há um lava-pés. Ali, o piso de granito moledo delimita o local para descalçar e limpar os sapatos, que chegam da rua sujos de areia e barro sempre que a maré sobe e toma conta das ruas. Nesta foto: o pórtico de madeira ficou visível com a retirada de uma parede. “Na configuração anterior, ele era um elemento estrutural. Hoje, não cumpre mais essa função, mas quisemos mantê-lo por sua beleza e história”, fala o arquiteto Renato Tavolaro.


A

efervescência atual pode até sugerir que Paraty superou o isolamento ao qual foi submetida no começo do século passado, quando o transporte de mercadorias trocou a via marítima pela estrada de ferro do Vale do Paraíba – o retiro involuntário só se romperia nos anos 70, com a inauguração da Rodovia Rio-Santos. Porém, olhares mais atentos ainda enxergam hábitos de épocas passadas no cotidiano da cidade. “O tempo, aqui, transcorre de outro jeito”, reflete a proprietária desta residência, uma administradora paulistana. Claro: compromissos muitas vezes dependem das marés, carros não chegam ao centro histórico, e reformas... Bem, essas exigem conhecimento não só da legislação como da cultura local para vingarem sem grandes transtornos. Foi por esse motivo que o casal de São Paulo encarregou o arquiteto Renato Tavolaro do imóvel recém-adquirido. “A gente frequentou muitas casas aqui antes de comprar uma. Sempre que eu gostava de um detalhe ou de uma solução e perguntava quem era o autor do projeto, o nome dele aparecia”, relembra ela. Atuante na região há cerca de 40 anos, o profissional entende todos

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os meandros burocráticos para aprovar as intervenções, já que o casario é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). E tem plena consciência da responsabilidade de mexer nessas construções sem descaracterizá-las. “Sempre tento expor e recuperar os elementos originais. Ao mesmo tempo, faço a adequação da morada ao uso atual”, explica ele. O trabalho implica uma verdadeira arqueologia prévia. “Como o lugar já havia passado por reforma antes, levantei fotos antigas para entender melhor os materiais existentes”, conta Renato. A prospecção encontrou sólidas paredes estruturais de pedra, reveladas após a remoção de reboco e tinta e depois restauradas. “Esse cuidado deve chegar até a fundação, onde tratamos de isolar a umidade. Mas a água sempre acaba subindo, por isso nunca impermeabilizo as paredes. Ela precisa conseguir sair”, explica. Daí a importância de uma boa ventilação cruzada, responsável por manter os ambientes arejados. E assim, no equilibrar entre os fatores naturais e os humanos, a obra aconteceu em seu ritmo, ditado pelo vaivém das charretes contratadas para retirar o entulho.

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1. Mesmo as janelas novas, como esta, de um dos quartos, seguem o desenho usual dos sobrados coloniais: folhas reticuladas do tipo guilhotina. 2. a porta de entrada preservou suas feições e a cor amarela. 3. a sequência de esquadrias que divide a cozinha do pátio é original, bem como a base de pedra sobre a qual elas estão instaladas.

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casario tombado

Reformas no centro histórico requerem aval do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) Em Paraty, o gracioso conjunto de casas branquinhas, com portas e janelas coloridas, cobertura de telhas de barro e sem recuo em relação à calçada abriga lojas, restaurantes, hotéis, ateliês e, ainda hoje, muitas residências. “Calculo já ter realizado intervenções em cerca de 50 delas”, diz o arquiteto Renato Tavolaro.

As fachadas discretas muitas vezes escondem um pátio interno com jardim, ao redor do qual se dispõem os ambientes – normalmente pequenos e até mesmo sem janelas, a exemplo das antigas alcovas (que se abrem apenas para o interior da casa). Como estrutura, empregam pedra, madeira e paredes de tijolo ou taipa.


Linhas puras Pensada para um casal com mais de 60 anos de idade, a casa no interior de São Paulo se ergue sobre o lote inclinado apoiada por um esqueleto metálico, moldura minimalista para um jogo gráfico de suaves níveis Por silvia gomez (texto) Projeto seRgio samPaio aRQUitetURa + PlaNeJameNto (ssaP) Fotos victoR affaRo

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Vigas e pilares de aço ficam evidentes no patamar inferior, onde garagem e cômodos de serviço se organizam ao redor do espelho-d’água. a rampa leva ao térreo, que concentra todos os outros ambientes, sociais e íntimos. o volume de concreto aparente, à esquerda, abarca o tanque da piscina, que invade a sala, no andar de cima, além das caixas-d’água e do elevador.

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N

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1. Pilares metálicos redondos e delgados sustentam o grande prisma, que parece flutuar sobre o terreno. apenas o talude frontal foi transformado neste acesso principal, uma escadaria de pedriscos e concreto. 2. esta lateral revela a face dos quartos. a laje-painel de concreto do piso fica solta a 80 cm do solo, projetando-se 2 m à frente do pilar metálico. 3. Com piso de placas de microconcreto de alto desempenho (Concresteel), o pátio central articula os ambientes internos e traz luz natural, filtrada pelos brises de madeira laminada colada. “São 250 peças colocadas uma a uma, a cada 50 cm”, conta Sergio. 38

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ão é todo dia que um arquiteto pode materializar a casa onde vão morar os próprios pais. “Eles me surpreenderam quando disseram que queriam se mudar e compraram o terreno num condomínio fechado”, conta o autor e filho, Sergio Sampaio. Se, por um lado, os clientes e seus gostos eram velhos conhecidos, por outro, impunham uma condição básica. “A idade dos dois pedia uma construção térrea e acessível, sem obstáculos ao deslocamento.” O lote de 3 200 m2 em Itu, no entanto, não aceitaria tão obviamente essa sugestão: com 60 m de frente, apresentava um desnível de 8 m de uma lateral à outra. A solução foi concentrar o extenso programa – cinco quartos, salas, cozinha, área de lazer e piscina – num único pavilhão, totalmente integrado e adaptado às normas de acessibilidade. Embaixo desse bloco, ficam a garagem e as áreas de serviço, medida que permitiu acomodar a residência na inclinação do lote sem exigir grande movimentação de terra. Para isso, contribuiu também a estrutura escolhida, mais leve, de vigas e pilares delgados de aço, estes apoiados em sapatas simples de concreto. Como fechamento, não há sequer um tijolo. “Usamos placas especiais de madeira laminada colada para compor os painéis, às vezes fixos, às vezes deslizantes. Eles apresentam custo similar ao da construção convencional, mas com a vantagem de ser um método mais racional e rápido, capaz de gerar menos entulho e evitar desperdícios.” São essas peças as próprias paredes, finalizadas com gesso e pintura nos ambientes internos. No restante, apenas portas de vidro separam os espaços sociais, conectados inclusive com o exterior. “O projeto tem o pátio como elemento articulador. Por isso, apesar de exibir uma fachada de certa forma introspectiva, a casa revela-se surpreendentemente aberta e clara em seu interior”, define Sergio.

“ApesAr de térreA, A cAsA exibe A monumentAlidAde desejAdA pelos morAdores” sergio sampaio, arquiteto


cEntRo dE luz

ilustrações: campoy estúdio

Em nome da acessibilidade, os ambientes de maior uso ficam todos próximos e no mesmo nível, no térreo. Elemento articulador da planta, o pátio central separa a área social da ala reservada aos quartos

lAvAnd.

3,25 x 6,95 m

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gARAgEm

19,75 x 14,05 m

PAvimEnto infERioR: 570 m2

vARAndA/ ÁREA dE lAzER

suítE

8,55 x 8,35 m

13,25 x 7,95 m

suítE

4,75 x 8,35 m

obRA sEcA o projeto não conta sequer com uma parede de tijolo: toda a fachada e os brises (1), além das divisórias internas, como as dos quartos (2), são constituídos de placas que suportam grandes cargas, o chamado cross Laminated timber (cLt) ou laminado de madeira cruzada. alternativa à alvenaria e ao concreto, o sistema fornecido pela cG sistemas construtivos sobrepõe camadas de pínus maciço em sentidos opostos e alternados, entremeadas com adesivo estrutural. a execução coube à carpintaria trajano e a estrutura levou 60 dias para ser montada. “o pínus é desidratado e colado sob alta pressão. a manutenção é feita a cada cinco anos, com impregnante”, afirma sergio.

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suítE

PÁtio

sAlAs dE EstAR E dE jAntAR

14,55 x 8,25 m

4,75 x 8,35 m

22 x 11,15 m

suítE

4,75 x 8,35 m

suítE

4,75 x 8,35 m

téRREo: 780 m2

N

ÁREA: 1 350 M2; ARquitEtos colAboRAdoREs: Patricia ZePPini (coordenação), renata HirayaMa, LuiZa cesario, Mariana Vaccari, Pedro de aLMeida Lofrano e GraZieLa Godoy; EstRutuRA E fundAçõEs: arquiMedes costa enGenHaria estruturaL e cG sisteMas construtiVos; EstRutuRA mEtÁlicA: carLos auGusto stefani (tatão); mARcEnARiA: aG MoVeLaria e desiGn e fasiMe; PAisAgismo E intERioREs: Patricia ZePPini; instAlAçõEs: enGenHaria H. nakaMura; luminotécnicA: coMPanHia de iLuMinação


Vitrine

Questão de foco

Pendente joga com múltiplas composições na hora de iluminar Simples, elegante e funcional, o pendente Zig Zag inclui spots móveis que giram 180 graus e permitem diversas possibilidades de uso. A peça pode ter os feixes orientados para uma mesma zona do ambiente, a fim de oferecer uma claridade mais uniforme, ou direcionados a pontos específicos de interesse. Feita de alumínio e pin-

tada a pó apenas na cor cobre, a luminária com seis refletores, haste de 1,50 m de comprimento e 5 cm de diâmetro é vendida por R$ 1 951 pela Labluz. A marca também disponibiliza a versão menor, com 1,20 m e quatro projetores direcionáveis. Em ambos os casos, os cones medem 11 cm de diâmetro e usam lâmpadas de led E27.

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com motivos orientais, as peças têm função decorativa.

Trame-se

Enfeite a casa com placas ornamentais de metal vazado

Grãos de brilho

Agora, eles se misturam ao cimento em placas para o piso A linha Celestia, desenvolvida pelas marcas Vidrotil (fabricante de mosaicos de vidro) e Concresteel (especialista em cimentícios), mistura concreto de alto desempenho e grânulos transparentes ou translúcidos. O resultado é um revestimento indicado para áreas externas e internas, em 43 tons. Vendido em peças de 1 x 1 m e 60 x 60 cm, com 2 cm de espessura, varia de R$ 230 a R$ 275 o m². 14

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além das cores prontas, é possível personalizar. aqui, o material da borda inclui partículas na cor das pastilhas da piscina.

Criação do designer canadense Jordan Murphy, chama-se Cobogó este conjunto de nove quadrinhos metálicos de 16,5 x 16,5 cm que podem ser dispostos sobre a parede como a imaginação mandar. Inspirado nos tradicionais elementos vazados da arquitetura brasileira – que por sua vez advêm dos muxarabis mouriscos, semelhantes a treliças –, o enfeite tem aplicação restrita a interiores. O preço do kit na cor branca, incluindo os parafusos para fixação, é de R$ 338, na Futon Company.


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