ESTÓRIAS DO MÊS
Tão só por uma questão de oportunidade entendi republicar - com algumas actualizações - um pequeno artigo que respeita à Alminha do Pontão da Baía (Fig. 1) e à casa demolida (Fig. 2), fronteira à Estrada Nacional 246-1, que existia a deslado desta pequena estrutura religiosa. Um ponto estratégico de cruzamento de caminhos para Castelo de Vide (se nos reportarmos aos séculos XVIII e XIX, quem subia a ladeira de S. João entrava na fortaleza pela porta do mesmo nome ou seguindo, subia e entrava pela Porta da Aramenha situada no flanco este da povoação), para o Pouso, para Alpalhão, Marvão, Portalegre e Espanha. O actual painel de azulejos representado na alminha corresponde a meados dos anos 50 do séc. XX, segundo o ©NCV (artigo publicado on-line a 14-02-2022), e da autoria do pintor castelovidense João de Alegria Massena Barata (1918-1984). Manufatura em Lisboa, na fábrica Sant’Anna - a mais antiga da capital e de Portugal (fundada em 1741) ainda em funcionamento. Este painel veio substituir, no oratório, outro elemento de índole religiosa cristã, que pode remontar a finais do séc. XVIII (?!!) Acresce que: “Portugal é o único país do mundo que possui no seu património cultural, localizadas habitualmente à beira de caminhos rurais e em encruzilhadas, as alminhas, representações populares das almas do Purgatório que suplicam rezas e esmolas e que frequentemente surgem em microcapelinhas, padrões, nichos independentes ou incrustados em muros ou nos cantos das igrejas, painéis de azulejo ou noutras estruturas independentes”1. Daqui se percebe o local estratégico desta alminha.
Fig.2 - Alminha e edifício anexo (2007)
Design: António Manso / fotos: Secção de Arqueologia de Castelo de Vide e colaboração de Patrícia Martins.
INGERÊNCIAS
Fig.1 - Alminha antes da recuperação
Pelo facto de toda a população de Castelo de Vide conhecer esse edifício, dado a sua localização é, este, um singelo apontamento para “denunciar” algo do seu historial. Como se sabe, em Abril de 2020, iniciaram-se os trabalhos de desmantelamento (Fig. 3) dessa estrutura habitacional, assim como da alminha, tendo culminado neste mês a finalização das obras de prolongamento do muro de pedra (Fig. 4) - em que a referida alminha veio a ser integrada
Fig.2a - Alminha edifício anexo antes da demolição (2020) Estória do Mês - INGERÊNCIAS - fevereiro de 2022 1
Fig.3 - Desmantelamento das estruturas
Fig.4 - Obras de prolongamento do muro
- até à Rua da Ladeirinha. Desta forma ficou garantida a segurança do local e a modernização e valorização desta área. Palavra de apreço e consideração pelo trabalho desenvolvido pelos sr.s João Tiago Conchinha Matela, Nuno Miguel C. do Carmo e José Mateus C. Alexandre. Aquando da demolição do imóvel não parece ter havido elementos construtivos interessantes aplicados neste modesto imóvel. À semelhança de outras casas na zona, com idêntico historial, percebeu-se na sua arquitectura (Fig. 5) um desenho de planta rectangular, com diversas divisões em dois pisos, escadaria central e acesso, também, por porta existente no alçado posterior que, dada a pendente, só permitia entrada para o piso superior onde se situava a cozinha. Telhado de uma só água em telha mourisca. Revestimentos interior e exterior a cal. Os materiais utilizados baseavam-se em aparelho de pedra (do local), tijolo burro e argamassas de ligação. Facilmente se percebe a modéstia da casa dado que, também, não possuía ombreiras nem lintel graníticos nas portas e janelas o que era comum em quase todas as habitações da época.
onde se representa igualmente o “Pontão da Bahia” e o “Pouzo”. Ou seja, esse edifício terá sido dos primeiros dez a ser construído no Pouso conforme desenho da “Planta da Praça de Castello de Vide e seus arredores”, e a indicação «(…) e cazas do pouzo» (Fig. 9), assim como o registado fotograficamente (Fig. 10), anterior a 1889, na qual é perfeitamente visível a alminha.
Por mais humilde que seja uma habitação haverá, contudo, sempre histórias para contar. Numa breve pesquisa documental foi fácil observar que a dita casa terá sido construída nas últimas décadas do séc. XVIII ou nos primeiros anos do séc. XIX. A “Planta da Praça de Castº. de Vide”, datada de 1755, ainda não a representa mas sim a de 18182, (Fig. 8),
1 Vicente, Manuel Fernandes, in Público, 02.11.2009.
Fig.8 Planta (1818) de Castelo de Vide
Fig.9 Planta (1818) de pormenor da zona do Pouzo
2 Estória do Mês - INGERÊNCIAS - fevereiro de 2022
Os últimos habitantes deste imóvel foram o ti Henrique Roque e a ti Celeste, familiares chegados dado serem tios da minha esposa. Apesar do infausto acontecimento que foi a morte do ti Henrique não deixo, todavia, de guardar boas recordações sempre que íamos ao local. Humildemente e simpaticamente sabiam receber e havia sempre um mimo para saborearmos à sombra da latada e, sempre, rodeados de lindas tulipas que eles, apaixonadamente, tratavam como ninguém. Castelo de Vide, 25 de Fevereiro de 2022. João F. A. Magusto (Secção de Arqueologia - Câmara Municipal de Castelo de Vide)
--2
Planta da praça de Castello de Vide/ levantada em 1818 por ordem do Comandante do Real Corpo d’Engenheiros, pelo Coronel do Real Corpo d’Engenheiros Pedro Folque. Gabinete de Estudos Arqueológicos da Engenharia Militar (GEAEM) Código: 3641_II-3-36-49.
Fig. 10 (fotografia anterior a 1886 de autor desconhecido). Inventário: 359 CMCV
Fig. 5 (Desmantelamento do edifício em 05/05/2020)
Fig.11 Finalização do prolongamento do muro com a aplicação da Alminha
Fig.12 Pormenor da Alminha
Estória do Mês - INGERÊNCIAS - fevereiro de 2022 3