ESTÓRIAS DO MÊS - PEDRAS GASTAS

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ESTÓRIAS DO MÊS

Já são, tão só, resquícios de uma outrora profusa, variada, práctica e interessante arquitectura. Referimo-nos a antigas calçadas e outros pavimentos da vila de Castelo de Vide. Funcionais e, por vezes, decorativas. Na verdade, em grande medida, trata-se de calçadas simples constituídas por blocos de pedra, irregulares, de variados tamanhos, formas e diferentes bases geológicas que assentam directamente sobre o solo. No entanto, há outras mais complexas na construção e desenho. Pisamo-las, sem olhar atentamente à sua configuração, ordenadas em base de um programa pré-definido para corresponder à topografia e especificidades do terreno, à durabilidade, ao eficaz escoamento de águas pluviais e à plena satisfação de quem encomendou a obra. Se nos reportamos unicamente ao designado espaço urbano medieval (civil e militar) do castelo de Castelo de Vide, identificamos um conjunto de pisos cobertos e descobertos que nos remetem para outras eras e outras formas de projectar e fazer calçadas e outros pavimentos. Do nosso conhecimento e experiência fazemos apontamento de vários locais onde - sobretudo em base de escavações arqueológicas - nos surgiram variados pisos os quais, necessariamente, foram identificados, registados e reportados em documentos oficiais obrigatoriamente constituídos para fazer o historial da(s) intervenção(ões) e da responsabilidade científica e técnica do(s)

arqueólogo(s) designado(s) para o efeito. Assim, no antigo espaço militar, damos informação de antigos pavimentos na Praça de Armas do castelo1, no Armazém de Armas2 (actual Casa da CidadaniaSalgueiro Maia), Edifício das Cavalariças3 e pátio sul do Armazém de Pólvora ou Paiol4 (actual Edifício Lateral, associado à Torre Redonda). Na parte civil, e pela importância da mesma, realçamos a calçada da Rua Direita do castelo, ou seja, a principal artéria ou eixo viário da vila medieval já calcada pelo passo de milhares de pessoas que desde o século XIII – e pelos mais diversos motivos – aí transitam. Ressalva para dizer que se desconhece a data de construção dessa calçada na certeza, porém, que já existe há algumas centenas de anos. Os calceteiros, para evitarem a degradação do piso estabeleceram um travamento estrelado (oito pontas) com pedra central de formato circular inseridas em espaços quadrangulares e rectangulares, estes definidos,

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Design: António Manso / fotos: Secção de Arqueologia de Castelo de Vide e colaboração de Patrícia Martins.

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também, por lajes de diferentes dimensões colocadas em cunha. Felizmente, ainda podemos observar trechos originais desse empedramento. Pensamos que após a abertura de valas para a rede pública de esgotos domésticos, em 19685, tem sido periodicamente destruída “a bem” do progresso. No postal ilustrado, monocromático6, que se anexa, datado de meados do século XX e da autoria de António Passaporte é possível, ainda, identificar a calçada original com um eixo central, irregular, com cota inferior às laterais o que pode significar uma melhor escorrência das águas. No largo de entrada para o burgo medieval (onde esteve o antigo pelourinho de gaiola7, ainda existente em 1509) são notórias as fiadas paralelas de lajes – tipo separadores – que, colocadas em cunha, garantiam a “estabilidade” da calçada. Este património parece ser de somenos importância a julgar pelas raras referências documentais ou informativas, exceptuando uma ou outra fotografia. Veja-se, por exemplo, que não consta do “Plano de Acção – 2000 - Castelo de Vide” ao abrigo do Projecto de Revitalização das Aldeias e Vilas Históricas o

qual obedeceu, sem dúvida, a estudo completo (no âmbito sócio-económico, demográfico, etc.), rigoroso e aturado e que projectava e apontava Castelo de Vide, para um futuro mais regulado e harmonioso. Importa, sobretudo, fazer o devido estudo destas calçadas dado que pela incúria, ignorância e desleixo de particulares e instituições (nos dias de hoje parece não haver vontades nem tempo para a eficaz articulação entre os agentes que procedem a obras e as organizações que superentendem as questões relacionadas com o Património Histórico mesmo existindo legislação para o efeito). “A assimilação dos valores do progresso versus tradição não deixa de suscitar profundas contradições no seio da população local e o crescimento exponencial da nossa capacidade transformadora e de (inadequadas) intervenções no construído faz prever o pior…”8 É responsabilidade de todos nós preservar estas evidências arquitectónicas para não serem só memórias do passado.

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OLIVEIRA, Jorge de - PRAÇA D’ARMAS DO CASTELO DE CASTELO DE VIDE - Relatório do Campo de Trabalho de 1986. Policopiado. OLIVEIRA, Jorge de - Trabalhos arqueológicos no castelo de Castelo de Vide. Relatório. 1987. Policopiado. OLIVEIRA, Jorge de - Trabalhos arqueológicos na Praça de Armas do castelo de Castelo de Vide. Relatório. 1988. Policopiado.

2

RICARDO, Sílvia et CUESTA-GÓMEZ, Fabián - Projecto de execução da Casa da Cidadania - Salgueiro Maia (castelo de Castelo de Vide). Acompanhamento arqueológico – Relatório Final. 2021.

3

OLIVEIRA, Jorge de - Trabalhos arqueológicos no castelo de Castelo de Vide. 1987. Relatório. Policopiado. SANTOS, Sandra - Escavações Arqueológicas no edificío das Cavalariças – castelo de Castelo de Vide. Campanha de 2003/04. ERA Arqueologia, S.A.. 2004. Relatório. Policopiado.

4

OLIVEIRA, Jorge de - PRAÇA D’ARMAS DO CASTELO DE CASTELO DE VIDE - Relatório do Campo de Trabalho de 1986. Policopiado.

5

Informação oral prestada pelo sr. Carolino Tapadejo, antigo Presidente do Município de Castelo de Vide.

6

Do acervo documental da Secção de Arqueologia da Câmara Municipal de Castelo de Vide. Inventário: “POSTAIS CMCV/625”.

7

DUARTE DE ARMAS. Livro das Fortalezas”. 1510.

8

BICHO, Susana - A Judiaria de Castelo de Vide - Contributos para o seu Estudo na óptica da Conservação do Património Urbano. 1999, p.323.

Nota: As fotografias quando não tenham indicados os créditos fotográficos é porque pertencem ao acervo documental da Secção de Arqueologia da Câmara Municipal de Castelo de Vide. Castelo de Vide, 13 de Janeiro de 2022. João F. A. Magusto (Secção de Arqueologia - Câmara Municipal de Castelo de Vide)

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Anta da Cabeçuda - Marvão

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