ESTÓRIAS DO MÊS - ESCAVAÇÕES NA RELVA

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O que significa e qual o real valor que damos a uma ocorrência profissional de há 40 anos? Parte das vezes é uma ténue memória de um acontecimento banal. Mas outras há que perduram e, digamos, mais presentes do que por vezes as recordações de ontem. Terá simplesmente a ver com a importância que lhe damos e/ou da forma como nos marcou positiva ou negativamente?

Estória do Mês - ESCAVAÇÕES NA RELVA - julho de 2022 1 ESTÓRIAS DO MÊS ESCAVAÇÕES NA RELVA ViddeCastelodeArqueologiadeSecçãofotos:/MansoAntónioDesign:eecolaboraçãodePatríciaMartins,NunoFélixePauloMorais

Desta intervenção - uma das 13!! realizadas em 1982 (o ano mais profícuo do historial do ex-GACV/SACMCV) - só as viagens eram uma aventura digna de registo: para se chegar ao Tapadão da Relva/Cabeço da Gestosa era necessário percorrer, diariamente, 12 Km (só de ida), em que só metade do percurso era em estrada alcatroada. Por entre barrocas e merendas aos tombos, a camioneta Hanomag e o Land-Rover lá iam cumprindo o dever (palavra de apreço e gratidão para com os motoristas da Câmara Municipal, em especial ao Sr. Francisco Busca, que nunca nos deixou apeados e sempre soube reconhecer e respeitar o nosso trabalho). Optava-se, propositadamente, por estes locais recônditos na ânsia e satisfação de conhecer e explorar sem

A pretensão deste singelo artigo é pouco mais do que recordar uma das várias “aventuras arqueológicas” no início do verão de 1982. E, aqui, os resultados não ficaram somente guardados na memória de cada um dos participantes, mas assinalam-se em documentos físicos – ainda que escassos - registados na ocasião. Referimo-nos, sobretudo, à aquisição de conjunto artefactual de inegável valor, que advém dos rituais de enterramento praticados pelos nossos antepassados que construíram as antas e aí davam sepultura aos seus familiares e, provavelmente, a outros indivíduos de elevado estatuto social. Agora, surgiu a oportunidade de se publicarem alguns documentos inéditos sobre a (es) cavação ocorrida na Anta do Tapadão da Relva cuja responsabilidade foi do exGrupo de Arqueologia de Castelo de Vide Penitenciamo-nos pela forma “grosseira” na abordagem e desenvolvimento das tarefas, sem, contudo, nunca esconder as insuficiências teóricas e prácticas que naquela altura possuíamos. Felizmente, este Serviço Municipal soube preservar estes testemunhos que, até ao momento e por circunstâncias diversas, não foram totalmente divulgados.

2 Estória do Mês - ESCAVAÇÕES NA RELVA - julho de 2022 receios de qualquer espécie e sem olhar a contactos, autorizações e outros preceitos administrativos tidos por convenientes. A malta chegava e cavava: poucos registos, mas muita vontade. No presente, reconhecemos os muitos erros cometidos, o desconhecimento dos métodos teóricos e prácticos de escavação e análise, e a inexperiência, o que resultou, infelizmente, na perda e destruição de informação arqueológica. Mas, contudo, também nos possibilitou conhecer melhor a arquitectura do monumento e recolher um espólio importantíssimo e valioso que equivale a uma das maiores e melhores colecções de artefactos do período megalítico no concelho. Lembro que esta escavação ocorreu a menos de um ano (!) da primeira realizada pelo exGrupo de Arqueologia na Anta do Pai Anes. Como nota de curiosidade, dizer que por esses anos os programas de rádio eram variáveis, ainda que a sintonização de parte dos mesmos era difícil, senão impossível, nalguns locais. Obstinadamente, a música alegrava a alma e abafava o ruído constante das pás e picaretas.

Ganda Recordo,máquina.também, que a malta com 20 anos precisava sempre de um suplemento alimentar à hora do almoço e daí os famosos e energéticos leites achocolatados e as papas Nestum, passe a publicidade. Ao fim da tarde e à noite optavam-se por outros líquidos mais refrescantes. Às vezes, despreocupados, não refletíamos sobre os encargos financeiros associados a trabalhos arqueológicos (independentemente das tarefas, forma e circunstâncias em que decorrem), mas interiorizamos que, no Serviço Público, essas despesas saem dos bolsos dos contribuintes, sendo de elementar justiça a divulgação dos resultados para a comunidade, manifestada em diversas formas técnicas e científicas de comunicar e apresentar a informação. Neste caso, em concreto, reconheço os constrangimentos, mas era importante tornar públicos alguns apontamentos.

Companheiro de muitas jornadas, o Silvano, pertença do António Pita (no presente, distinto Presidente da Edilidade Castelo-Vidense), já mutilado da tampa e com o gira-discos e cassetes inoperantes, em pouco tempo foi “nacionalizado” e era peça imprescindível nessas labutas. Em 1982, além dos êxitos internacionais, era, entre muitos outros, o tempo dos Roquivários, com “Cristina”, e “Demagogia”, de Lena d`Água (esta artista veio no ano seguinte a Castelo de Vide realizar um espetáculo para os finalistas da Escola). Quando a música não agradava de todo, o aparelho era literalmente apedrejado!... mas resistia.

Do “histórico” do monumento não há muito a dizer, porquanto ele só é conhecido da comunidade científica em 1975, aquando da publicação da Carta Arqueológica do Concelho de Castelo de Vide. Atente-se no que escreve a autora desse trabalho: “Este monumento foi localizado com a ajuda do Sr. Tomé, homem de 70 anos que tinha sido pastor nesta região. Tinha uma vaga ideia de o ter visto várias vezes. Depois de algumas buscas por cerrado matagal, o septuagenário descobriu o que pretendíamos.” Claro está que para algumas pessoas, em que os caçadores se incluem, esta estrutura arqueológica não passava despercebida.

Daí incluirmos neste trabalho uma fotografia, de colecção particular, onde se visualiza, em pose, o Sr. Eleutério Transmontano, constando num segundo plano outras duas pessoas. Esta imagem pode corresponder à primeira fotografia realizada no monumento, muito provavelmente revelada nos primeiros anos da década de 70 do século passado. Muito sucintamente diremos que estamos em presença de uma sepultura megalítica construída em granito, com câmara poligonal formada por sete esteios e corredor longo e estreito. Da cobertura subsiste uma pequena parte da mesa ainda no seu local original. A mamoa - algo evidenciada – é constituída essencialmente por blocos graníticos que se adensam junto à câmara. Este monumento tem como particularidade o facto de, aparentemente, metade da câmara ter desaparecido. Não encontramos restos osteológicos.

CNS (Código Nacional de Sítio): 477 Estado de conservação: Mau Participantes na escavação realizada em 1982: . Amadeu Jorge Mourato Miranda . António Manuel das Neves Nobre Pita

A esta distância temporal recordo, com agrado, a não ocorrência de qualquer acidente na intervenção, pois a segurança era algo por nós descurado. Como sói dizer-se: «bons tempos». ANTA DO TAPADÃO CABEÇO DA GESTOSA Natureza dos vestígios: Anta ou Dolmen Período cronológico/cultural: Neolítico Final/ Bronze Localização:Administrativa: Tapadão da Relva (Freguesia de S. João Baptista, concelho de Castelo de Vide. Coordenadas Geográficas: WGS84 N 39º23`35.0” W -7º33`17.4”. Protecção legal/ classificação: Imóvel de Interesse Público (Decreto nº. 67/97 de 31 de Dezembro).

DA RELVA/

Designação:

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Pelo sobredito e atendendo a que a metodologia utilizada baseava-se, sobretudo, na “caça à peça” é, todavia, importante realçar que todas as terras foram crivadas – permitindo o achado de minúsculas contas – e a escavação quase integral da câmara do monumento, praticamente até aos alvéolos de fixação dos esteios e a identificação do corredor com registo de algumas oferendas associadas. Neste caso, houve uma dificuldade acrescida dado que todos os esteios se encontravam inclinados para o interior mas, mesmo assim, ainda foi possível esquematizar o processo construtivo, naquilo que é uma achega importante para o fenómeno tumular megalítico. Os materiais, em grande parte estudados e publicados, repartem-se pelas pontas de seta, contas, recipientes cerâmicos, lâminas de machados e enxós de pedra polida, porções de lâminas, placas gravadas ou placas/ídolo, geométricos, raspador e outros elementos líticos.

. Cláudio José Coelho Pedrico . João Francisco de Alegria Magusto

. Joaquim Henrique dos Santos Costa

. José Luís Carapeto Custódio

. José Manuel Bica Penhasco

. Rui Manuel Mourato Miranda Castelo de Vide, 28 de Julho de 2022. João F. A. Magusto (Secção de Arqueologia - Câmara Municipal de Castelo de Vide)

Anta do Tapadão da Relva (1970?) Arquivo: Colecção Particular Anta do Tapadão da Relva (1985) Arquivo: SA CMCV Anta do Tapadão da Relva (1973?) Fonte: Carta Arqueológica do concelho de Castelo de Vide Anta do Tapadão da Relva (2003) Arquivo: SA CMCV

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Planta da Anta do Tapadão da Relva após a escavação de 1982. Grafismo de J. Magusto (GACV) Alçados da Anta do Tapadão da Relva.

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Esboço de corte efectuado após o final da escavação de1982. Grafismo de J. Magusto (GACV)

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Vista N do monumento Vista E com o corredor parcialmente escavado Outros dois recipientes cerâmicos registados no corredor.

Fotografias inéditas respeitantes à escavação realizada em 1982 na Anta do Tapadão da Relva. Arquivo: Secção de Arqueologia da Câmara Municipal de Castelo de Vide

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Câmara do monumento e parte do corredor após escavação.

Estado de conservação de uma taça cerâmica aquando da sua descoberta no corredor.

Corredor (após escavação) visto desde a entrada para a câmara Pormenor de duas oferendas (taça cerâmica e lâmina de machado de pedra polida registados no corredor.

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Representação fotográfica e em desenho de algumas das contas encontradas no monumento em 1982 Documentos inéditos. Arquivo: SA CMCV Representação de vaso cerâmico (TR6) e lâmina de machado de pedra polida (TR35) após limpeza, restauro e estudo. Fotografia efectuada em 1982, aquando desses achados no corredor do monumento.

Estória do Mês - ESCAVAÇÕES NA RELVA - julho de 2022 9 Fotografias inéditas de recipientes cerâmicos encontrados aquando da escavação de 1982. Todas apresentam o primitivo registo. Efetuadas por J. Magusto (GACV) em 1987. Arquivo: SA CMCV

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