ESTÓRIAS DO MÊS
Vestígios arqueológicos islâmicos em Castelo de Vide? Porventura é pouco crível, contudo há existências materiais que apontam para resposta positiva a esta questão. Entre muitas centenas de objectos recuperados nas intervenções arqueológicas realizadas no castelo desta vila, entre 1985-1990 e 2003-2005, pudemos agora apurar que alguns deles remetem para o período medievalista, num contexto militar que importa investigar para melhor conhecer o passado desse local, e que será um decisivo contributo para a História em geral de Castelo de Vide. Registe-se que os objectos apresentados foram recuperados no espaço que outrora foi a parte militar do castelo e fortaleza, mais concretamente no sítio conhecido por “cavalariças”. Aqui, o potencial de entulhos compreende sensivelmente 352m3 (só parte escavada) para uma área de 100m2. Assim, com alguma surpresa, reconhecemos quatro peças metálicas, esmaltadas, denominadas pontas de correia e passador de correia. Duas dessas peças têm paralelo com outras em depósito no Museu Nacional de Arqueologia – Lisboa, sendo que uma tem origem em Évora e a outra indeterminada, talvez proveniente do Algarve. É particularmente interessante a peça da Ficha nº. 800 (EU 18 da campanha de 2003 – figuras n.º 1 e 2 dado a natureza da decoração apresentada, a sua cronologia (séc. XII?!) e os elementos epigráficos que formam a palavra “allah”. Acresce dizer que, documentalmente, há indicação de um hisn (castelo) baseado na crónica de Ibn Hwqal do séc. XII (Cid,2005:131) e registo no trabalho de Ruy Ventura que indica: “Na vila de Castelo de Vide e nos seus arredores mais próximos há vários topónimos aparentemente derivados de termos árabes (…), apropriados pelos autóctones e por estes introduzidos no seu dialecto moçárabe. Entre eles, destaco Arçário, Arrochela, Aloáca, Aldeia e Mascarro. Não me custa, por isso, ver o designado Vide integrado numa pequena construção surgida na Alta Idade Média, entre os séculos VIII e XII.” (Ventura, 2016:35).
Figura 1
Design: António Manso / fotos: Secção de Arqueologia de Castelo de Vide e colaboração: Patrícia Martins
MOURAMA
Com base nos registos efectuados aquando das escavações, as cronologias apontadas (entre os séc.s XII e XV) requerem uma leitura com a devida cautela, porquanto os revolvimentos de solos e consequentes estratigrafias invertidas e alterações estruturais do espaço foram de grande monta. Justifica-seestudarconvenientementeecomodevido rigor, todos os materiais em depósito na SACMCV e, consequentemente, verificar os devidos registos documentais (por exemplo Relatórios de Escavações), gráficos e fotográficos, dado que apontamentos como este não dão resposta às muitas questões que estão em aberto para, com rigor, se apurar quem?, quando?, como viviam? ou que meios dispunham e utilizavam as pessoas nas suas vivências no decorrer desses séculos de antanho? Não se estranhe, pois, que só a arqueologia possa dar essas respostas, a menos que apareçam alguns pergaminhos perdidos, dado que os diversos historiadores ao longo do séc. XX, e também no presente século, não o conseguiram de todo. Não se conhecendo outros indícios materiais resultantes da permanência muçulmana no interior do espaço muralhado, fica, no presente, este breve apontamento que pode aliciar algum investigador a perscrutar documentos e materiais arqueológicos em depósito.
Dos vários e agradáveis momentos que retemos na memória, há um protagonizado pelo Ti Paixão – o de boa memória -, artesão e guarda do castelo. Ele posicionava-se logo ao final do túnel de entrada do castelo apresentando as suas obras (lembramonos do pássaro articulado…), na possibilidade de venda desses artigos e, ao mesmo tempo, servir de guia/informador. Um grupo de turistas chega e ele diz: “Bom dia, senhores. À direita, grupo de arqueologia e à esquerda, escavações arqueológicas”. Foram, assim, feitas as devidas apresentações, num intervalo dos participantes nos trabalhos de escavação para se comer a bucha. Ele apreciava estar com gente nova e aquele bulício próprio das escavações encantava-o. Chamava-nos de “rapaziada”. Este pequeno texto pretende, também, lembrar as 207 pessoas (alguns repetentes e outros que já não se encontram entre nós), que em diferentes datas e de diversas formas colaboraram nas escavações arqueológicas realizadas na Praça de Armas e Cavalariças do castelo. Castelo de Vide, 10 de Julho de 2019. J. Magusto CMCV
Desenho adaptado de “ As Fortificações Medievais de Castelo de Vide” - Pedro Cid 2005
Início de escavações arqueológicas nas “cavalariças” - 1985
Composição gráfica do local das intervenções onde se encontraram as pontas de correia e passador de correia
ANTES DE INTERVENÇÃO
Figura 2
PÓS RESTAURO
Figura 2
Ficha 1
Ficha 2
Ficha 3
Ficha 4
Ficha 5