ESTÓRIAS DO MÊS
Faz dez anos que o José Manuel Bica Penhasco nos deixou. Consequência de grave, violenta e fulminante doença que o nosso “aparelho” de saúde não soube detectar em devido tempo para obstar ao dramático desfecho acontecido em 2012. Há premonições difíceis de perceber quando as mesmas se tornam realidade. Dizia ele: “vocês não andem com coisas!!! porque o mundo acaba em 2012, conforme regista a profecia maia”.!! Personalidade forte e vincada tinha, como qualquer pessoa, Esboço a carvão do Bica Penhasco em 1988 por João Magusto. nuances de boa disposição e casmurrice. Inteligente mas deveras teimoso, defendia acerrimamente as suas opiniões recorrendo a argumentos que lhe pareciam válidos. Pensei várias vezes se devia escrever estas singelas palavras em reconhecimento ao Homem e à sua Obra. É-me, em absoluto, difícil redigir algo que respeite a alguém. Nunca conhecemos suficientemente a(s) pessoa(s) e não encontro as palavras certas para adjectivar eficazmente a personalidade e fazer juízos de valor. Lamento não corresponder com a redacção merecida mas outros o farão. Ainda assim, não pude ficar sem me manifestar, pois, profissionalmente, foram 31 anos a comungar dos mesmos espaços e dos mesmos objectivos. Muito fizemos em parceria. Muito ficou por fazer. O Zé Manel era, sobretudo, um operacional, um autodidata de uma polivalência extraordinária, em que pretendia sempre fazer bem. Assertivo nos projectos, tudo tinha princípio, meio e fim. Dispensava expor-se, exceptuando uma ou outra fotografia, dizendo não ter o à vontade necessário para entrevistas, reportagens, visitas guiadas, conferências… portanto, mais conhecido profissionalmente «pelo que fez e não por aquilo que disse». Também nunca quis cargos de direcção e/ou dirigismo. Daí se percebe que em 31 anos prestados ao serviço da arqueologia municipal nunca quis assumir a coordenação. Capacidade e conhecimento havia. Gostava assim. Respeitava-se.
Estória do Mês - ZÉ MANEL (30 ANOS DE ESCAVAÇÕES) - março de 2022 1
Design: António Manso / fotos: Secção de Arqueologia de Castelo de Vide e colaboração de Patrícia Martins e Paulo Jorge Penhasco.
ZÉ MANEL (30 ANOS DE ESCAVAÇÕES)
Trabalhos de gabinete do Grupo de Arqueologia de Castelo de Vide em 1987.
Trabalhos de restauro na antiga sede da Secção de Arqueologia da Câmara Municipal de Castelo de Vide - anos 90, séc.XX.
Veja-se que das 85 escavações realizadas sob administração directa do Grupo de Arqueologia/ Secção de Arqueologia - Câmara Municipal de Castelo de Vide ou dando apoio a trabalhos de investigação de vários arqueólogos até 2011, o Bica Penhasco esteve em 65 delas, o que diz bem da sua vontade, empenhamento e gosto por estas tarefas prácticas. A primeira, em 1981, na escavação da Anta do Pai Anes (coordenação científica do Prof. Diamantino S. Trindade) e a última, em 2011 na escavação da Anta dos Currais do Galhordas (direcção científica do Prof. Sérgio Rodrigues). Veja-se a coincidência de ambos os monumentos serem sepulturas megalíticas.
Recordemos um:
Sem nunca se ter preocupado em deixar um legado bibliográfico colaborou técnica e activamente para a publicação de vários trabalhos e artigos do Grupo de Arqueologia/SACMCV, assim como nos projectos de vários arqueólogos. Também na área da informática facilmente dominava as novas tecnologias e detinha um potencial enorme de conhecimento que correspondeu com vários e importantes trabalhos.
Trabalhos de restauro e valorização da Anta II dos Coureleiros - 1990.
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“A página oficial da Secção de Arqueologia do concelho de Castelo de Vide constitui um bom exemplo de como a Internet representa um óptimo meio de divulgação e promoção dos testemunhos passados da presença humana no concelho. Com efeito, neste concelho, o trabalho iniciado no verão de 1981, por um grupo de estudantes, tem hoje uma grande visibilidade, fruto de um aproveitamento máximo de todas as potencialidades que este novo meio de informação permite. Esta visibilidade parte de uma oferta de todo um conjunto de informações a um público ilimitado; no caso vertente a Secção de Arqueologia de Castelo de Vide publica todas as acções que leva a efeito em termos de escavações arqueológicas e tratamento patrimonial no concelho. Todas estas acções de divulgação e promoção do património concelhio só são possíveis com o auxilio de uma página online bem idealizada, estruturada e utilizada. (…), facilmente se conclui que escavar no Arqueossítio, que é a homepage da Secção de Arqueologia de Castelo de Vide (…) é fácil e constitui uma experiência enriquecedora. Na verdade, aliada a uma boa estruturação e equilíbrio, o sítio possui boa apresentação gráfica, o que permite uma rápida e eficiente navegação e pesquisa; característica esta, tida como um dos critérios fundamentais na apreciação global de qualquer site. Em suma, este site, dedicado ao património arqueológico concelhio, da responsabilidade directa de uma autarquia, constitui um verdadeiro exemplo de como se deve divulgar, defender e promover o património local de um concelho.”1
Ele desconhecia este artigo, publicado em 2004, mas o facto é que o mérito do mesmo corresponde quase por inteiro à sua pessoa, numa “fórmula” que lhe pareceu fácil porque os conteúdos estavam acessíveis e tratados digitalmente pela Secção. Para mim, foi uma honra e um privilégio poder conhecê-lo e ser seu camarada e amigo. Castelo de Vide perdeu um indivíduo carismático, popular e, por consequência, a Autarquia viu-se privada de um bom funcionário, polifacetado, dedicado, colaborativo e com obra feita nunca dispensando o seu cigarro, companheiro em todas as jornadas. O seu filho pode e deve orgulhar-se deste percurso profissional do pai. Que nunca o esqueçamos. FERREIRA, Manuel Luís Almeida et GOUVEIA, Luís Borges (2004) – PATRIMÓNIO LOCAL E TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO, UMA RELAÇÃO INEVITÁVEL. Revista da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais. Número 1. Edições Universidade Fernando Pessoa. Porto. pp. 191-20 1. 1
Castelo de Vide, 19 de Março de 2022. João F. A. Magusto (Secção de Arqueologia - Câmara Municipal de Castelo de Vide)
Restauro do Menir da Meada com o colega Arlindo em 1993.
Trabalhos arqueológicos na Praça de Armas do castelo de Castelo de Vide em 1988. Estória do Mês - ZÉ MANEL (30 ANOS DE ESCAVAÇÕES) - março de 2022 3
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Anta do Pai Anes - 1981. Primeira escavação do GACV onde participou o Bica Penhasco
Anta dos Currais do Galhordas - 2011. Última colaboração do Bica Penhasco numa escavação arqueológica
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Convívio na Barragem de Póvoa e Meadas dos participantes no Campo de Trabalho de Arqueologia - Mascarro - 1983
Campo de Trabalho de Arqueologia - Mascarro - 1984
Equipa do Grupo de Arqueologia de Castelo de Vide aquando dos trabalhos de limpeza na Praça de Armas do Castelo em setembro de 1986
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