ESTÓRIAS DO MÊS
Invariavelmente, os animais estão sempre presentes na arqueologia de campo. Podem ser selvagens ou domésticos, vertebrados ou invertebrados, mamíferos ou insetos, de variáveis dimensões e, por vezes, com perigos associados. Nós somos sempre os intrusos porquanto invadimos o seu território, assustamo-los, deslocamo-los dos seus habitats e até, consciente ou inconscientemente, destruímo-los e/ou arrasamos os seus esconderijos. Obviamente, não vamos aqui apresentar estudos da fauna local. Seria absurdo e sem significado. Trata-se sim de indicar os “nossos parceiros” com apetência por estruturas antigas e recordar algumas histórias passadas com eles (animais) ao longo destes decénios, parte delas surgidas por mero acaso e outras com a particularidade de terem sido causadas por nós.
A primeira passou-se no Verão de 1982 aquando da escavação da Anta Vale da Estrada/Zé Godinho: ainda imberbes, alguns distraídos e dados à paródia, vários elementos do Grupo de Arqueologia trouxeram para a vila, num balde, várias víboras apanhadas de um poço localizado próximo desse monumento onde, diariamente, nos abastecíamos de água. Chegados à Câmara Municipal de Castelo de Vide, e na hora de saída dos funcionários, “alguém” deu um pontapé no balde ocasionando, claro está, a repartição das ditas cobras pelo piso granítico do átrio dos Paços do Concelho. Não houve mal ao mundo, embora os sustos fossem muitos e os gritos e risos fizeram-se ouvir na Carreira de Cima. Falando de cobras indico que aquando de trabalhos de limpeza na Necrópole Medieval da Boa Morte um camarada teve a infeliz ideia de rechear um pão
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Design: António Manso / fotos: Secção de Arqueologia de Castelo de Vide e colaboração de Patrícia Martins.
SÃO OS BICHOS
com o dito animal, servindo de conduto!! Mais recentemente, no Mascarro, tivemos que explicar a uma arqueóloga que nem sempre as vacas pretas eram sinónimo de marradas. Uma outra amiga e colega arqueóloga teve o dom de indrominar uma ovelha que, irracionalmente, a teria acompanhado até casa, não fosse a “coragem” dos parceiros de grupo para pôr fim a essa adoção. As lagartixas, os fura-pastos, as minhocas, as formigas, os sapos e os ratos são os omnipresentes nas escavações estes últimos causando, sempre!!, grande susto e alarido entre a população feminina e não só. As populações de animais manifestam-se e apresentam-se de diversas formas e tamanhos, alguns quase invisíveis: desde os astutos javalis (quantas vezes no meio do mato percorremos os seus trilhos e percebemos que se conseguem camuflar, extraordinariamente, podendo nós passar a poucos metros de distância sem os notar e eles aguardando sem fazerem o mínimo de ruído), os ágeis veados, as espertas raposas até às minúsculas, trabalhadoras e perigosas abelhas que parecem estar sempre com atenção aqueles(as) que são alérgicos(as) ao seu ferrão. Lembramo-nos dos morcegos no Chafurdão do Curral do Major até às bem visíveis
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e permanentes vacadas em todo o território. Estas últimas, pela curiosidade, são das mais atrevidas no contacto com os humanos e a “inspecionarem” os locais de escavação. Claro está que quando metem a pata… Durante largos anos tivemos no Serviço um conjunto de frascos que continham vários animais preservados numa solução aquosa designada de formol. Outros tempos em que tudo valia para ser apresentado, admirado, valorizado e apreciado. Pelo sobredito percebe-se que a não referência a um animal (entre outros) que dado a sua especificidade é, também, para os trabalhadores de arqueologia aquele que todos querem evitar: trata-se do escorpião ou lacrau, que surge nos locais mais inesperados e que, em abono da verdade, só defendem o seu território. Os estranhos somos nós. Felizmente nunca aconteceu que alguém do nosso Serviço fosse picado, ainda que inúmeras vezes tenham havido alguns encontros fortuitos aquando de escavações, prospecções, limpezas e visitas a sítios e monumentos.
Desde já as nossas desculpas pela fraca qualidade técnica e pouco sortido das imagens, mas, compreensivelmente, o foco de um Serviço de Arqueologia visa sobretudo o registo, estudo, conhecimento e divulgação de materiais e estruturas de valor histórico/arqueológico e não propriamente fazer safari fotográfico de espécies animais autóctones. Termino dizendo: “precisamos dos bichos”. Castelo de Vide, 2 de Maio de 2022. João F. A. Magusto (Secção de Arqueologia - Câmara Municipal de Castelo de Vide)
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