ESTÓRIAS DO MÊS - NOVEMBRO 2020 "AS COVAS DE PÃO NA RUA DA COSTA"

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ESTÓRIAS DO MÊS

Faz 25 anos este mês que este Serviço Municipal iniciou uma intervenção arqueológica de emergência no Prédio 47/49 da Rua da CostaCastelo de Vide. Na altura este imóvel tinha sido adquirido pela família do saudoso e amigo José Alberto Tapadejo e procedia-se, então, à sua recuperação e valorização para habitação permanente. Após contactos estabelecidos e numa conjectura favorável, desenvolveu-se então um conjunto de medidas que tinham por intuito fazer uma escavação e procurar conhecer algo da história do local. A intervenção ocorreu em três

silos encontrados na cave do edifício. No referente à localização do imóvel importa fazer um conjunto de reflexões julgadas pertinentes: em primeiro lugar, as características da zona onde se procedeu à intervenção e referir que nos designados lugares e bairros da zona histórica, o edificado de Santiago Maior (como seja a Parada, o Pé da Torre, assim como o peculiar bairro da Aldeia) assume especial relevo. Estamos aqui em presença de um dos primeiros locais escolhidos no Período Baixo Medieval para espaços de habitação permanente, quando a vila extravasa as muralhas do castelo e se desenvolve pelo seu arrabalde. Assume particular destaque o escalonamento das ruas paralelas que acompanham as linhas de cota e a transversalidade de diversas travessas de ingremes degraus que rompem pela vertente.

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Design: António Manso / fotos: Secção de Arqueologia de Castelo de Vide e colaboração de Patrícia Martins

AS COVAS DE PÃO NA RUA DA COSTA


à humidade. Designados por silos, outrora eram também conhecidos por covas de pão e, porventura, por outras designações de que não nos chegou memória. Quase sempre, logo após serem abandonados, serviram como vazadouro de lixos, desperdícios domésticos e de obras, entulhos esses que eram recolhidos do local ou nas proximidades. É no conhecimento desses lixos que sem nos permitir conhecer a antiguidade concreta do edificado, se identificam alguns usos e costumes que a “leitura” dos objectos nos proporciona. O trabalho desenvolveu-se por duas fases: entre 8 a 10 de Novembro de 1995 e depois entre 28 de Outubro e 4 de Novembro de 1996, sendo que nesta última fase a responsabilidade científica foi do Dr. Joaquim Carvalho, na altura arqueólogo avençado da Câmara Municipal de Castelo de Vide.

Por outro lado, no que respeita às estruturas encontradas e registadas, as mesmas seguem o habitual padrão das outras conhecidas na zona histórica da vila. Estruturas negativas, abertas no solo, de planta circular e perfil periforme ou de garrafa bojuda de base plana, com gargalo estreito, assim como a abertura ou boca, também circular e que seria fechada por laje espessa de contorno arredondado. Estas covas tinham como função sobretudo serem contentores/depósitos de cereais e de outros alimentos secos em épocas excedentárias ou pelo facto de numa determinada altura o preço desses produtos ser economicamente atractivo e justificar mais investimento. Teriam, assim, as paredes forradas a lâminas de cortiça para criar um ambiente mais estanque em relação

Inúmeras dificuldades surgem quando, por motivos óbvios, se deseja apontar cronologias para a construção destes silos, conhecer a data do seu abandono e saber quando foram entulhados (que é o caso). Ainda não nos é possível dar respostas concretas. O espólio recolhido e analisado caracterizase por ser muito diversificado como sejam restos de cozinha (conchas, escamas e espinhas de peixe, ossos de animais), calhaus rolados, porções de sílex, botões, anéis, candeias, brinco, fivelas, alfinetes, cerâmicas

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Porção de azulejo hispano-mourisco

Candeia

André e Zé, filhos de José Alberto e Maria Antónia que acompanharam os trabalhos

comuns e fina, numismas - que com duas excepções correspondem ao período compreendido entre os reinados de D. João I (finais do séc. XIV, início do XV e D. Sebastião (segunda metade do séc. XVI), porções de objectos de vidro, fornalha de cachimbo, espada, porções de azulejos hispano-mouriscos, chocalho, martelo, malhas de jogo, bola de canhão… Os resultados desta intervenção arqueológica, em termos estruturais e materiais, são deveras interessantes e animadores para futuros trabalhos, identificando-se pela primeira vez silos nesta zona da vila, e todo um conjunto de objectos (consumo e vida doméstica, indumentária, ofícios, armas, lazer, de construção e outros) que já fizemos referência anteriormente e que nos “dizem” algo sobre as populações que habitaram este lugar entre os sécs. XV e XVIII. Em jeito de remate, dizer que de alguma forma tem sido descurado o conhecimento arqueológico da área urbana pertencente à zona administrativa da Freguesia de Santiago Maior. Será assertivo pensar que há todo um potencial de valor histórico e arqueológico “escondido” nos edifícios, quintais, ruelas e becos, que importa conhecer e compreender. A todos cabe providenciar para tornarmos mais rica a história desta Notável Vila. Castelo de Vide, 27 de Novembro de 2020. J. Magusto (CMCV)

Anel

Passador em T

Real Branco D. João I

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EDIFÍCIO Nº. 49 da RUA DA COSTA - CASTELO DE VIDE

ALÇADO PRINCIPAL 0

5m

PLANTA CAVE DESENHOS DE J. MAGUSTO ADAPTADOS DO LEVANTAMENTO EFECTUADO EM 1994

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EDIFÍCIO Nº. 49 da RUA DA COSTA - CASTELO DE VIDE SILOS

RUA DA COSTA TIJOLO BLOCOS LÍTICOS TIJOLO BURRO PEDRA DE ESCADARIA? GRANITO DIVERSOS ENTULHOS

PISO ROCHA (XISTOS)

CORTE 0

1

2m

SILO 1

SILO 2

PLANTA (CAVE) DO COMPARTIMENTO ONDE SE ENCONTRAM OS SILOS (3). SILO 3

DESENHOS DE J. MAGUSTO ADAPTADOS DO LEVANTAMENTO EFECTUADO EM 1994 Estória do Mês - AS COVAS DE PÃO NA RUA DA COSTA - novembro de 2020 5


EDIFÍCIO Nº. 49 da RUA DA COSTA - CASTELO

DE VIDE

CORTE

0

5m

PLANTA DA CAVE

DESENHOS DE J. MAGUSTO ADAPTADOS DO LEVANTAMENTO EFECTUADO EM 1994

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