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O MAPA DA
TRIBUTAÇÃO H
á anos, o setor farmacêutico trava uma árdua luta a favor da redução da carga tributária sobre os medicamentos no Brasil, considerada uma das mais altas do mundo. De acordo com o presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), João Eloi Olenike, ela é de 33,87%, embutidos no preço final pago pelos consumidores. Ainda que em maio, deste ano, tenha havido a redução da alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre os genéricos, por meio da lei nº 16.005/2016, que diminui a tributação de 18% para 12% no estado de São Paulo, a trajetória parece ainda ser longa. Dados da Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos (PróGenéricos), apontam que o estado é responsável por 26,1% do faturamento do setor farmacêutico no país, que movimentou no mesmo período R$ 72 bilhões. O fato é que apesar de grandes avanços no setor farmacêutico brasileiro, especialmente com a introdução dos
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Como a cade cadeia eia de impostos tos imp impacta pacta os negócios gócios das indústrias dústria as farmacêuticas cêutica as e de HPC pelo o Brasil
Por Tatiana Ferrador
medicamentos genéricos no final da década de 90, o ambiente competitivo no Brasil ainda é muito prejudicado, dentre outros, pela insegurança jurídica que permeia o setor em função de frequentes e abruptas alterações na legislação tributária e regulatória, pela dependência da matéria-prima importada e ainda pelo alto custo da mão de obra, devido aos encargos sociais. Especificamente em relação aos tributos que compõem diretamente o preço dos medicamentos, os estados deveriam seguir o princípio da essencialidade previsto na Constituição Federal para determinação da carga tributária de ICMS sobre esse tipo de mercadoria. Seguindo esse princípio, quanto mais essencial para a vida humana, menor deverá ser a carga tributária de ICMS incidente. Porém, não é o que acontece na prática, tendo em vista que, em muitos casos, os medicamentos são tributados de forma idêntica às demais
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mercadorias, cadorias, encarecendo muito o seu valor final. Um estudo realizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) indicou que o ICMS é um dos principais responsáveis pelo preço final dos medicamentos no Brasil e chega a representar 23,45% do preço final produto. Para o advogado tributarista e sócio da A&L Consultoria Empresarial, Rodrigo Lara, entre as medidas indispensáveis para o fortalecimento da indústria farmacêutica brasileira e, por consequência, o barateamento dos medicamentos, seria a criação de um cenário jurídico mais estável e previsível, e o estímulo ao desenvolvimento da indústria química no Brasil. “Isso se daria por meio da concessão de benefícios fiscais setoriais e a desoneração previdenciária”, diz. O regime tributário brasileiro é danoso à cadeia farmacêutica, uma vez que a complexidade tributária e a dife-
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rença de tributos entre estado estados criam situações anômamercado e ainda dificultam o las que prejudicam o livre mer acesso de pacientes. No entanto, uma redução da carga tributária sobre os medicamentos no Brasil significaria a consequente diminuição da arrecadação de impostos – o que o governo não quer perder. Em contrapartida, é preciso ponderar que os custos com internação e tratamento de doenças são maiores que os da prevenção. Para o advogado Emilio Ayuso Neto, para tornar o país mais competitivo e, consequentemente, reduzir a alta carga de tributo, é preciso conceder imunidade tributária para os medicamentos, inserindo-os no rol do artigo 150 da Constituição Federal, em que os medicamentos teriam a mesma imunidade tributária prevista para livros e periódicos. “Além da alta carga tributária existente sobre
SEMPRE TIVEMOS MUITOS PROBLEMAS RELATIVOS À FAMOSA “GUERRA FISCAL ESTADUAL”, SENDO
repassados no preço final do produto, no volume acumulado, a perda pode ser sentida também no bolso do empresário, que acaba vendendo menos, uma vez que seu produto torna-se economicamente inacessível para parte da população. “Nesse sentido, é possível observamos um grande movimento de mudança ou instalação de grandes farmacêuticas em polos industriais que concedem incentivos fiscais atrativos, como é o caso do DAIA em Anápolis (GO)”, exemplifica Lara. Para o associado da Abradilan Total Comércio, que atua no estado do Ceará, a alta carga tributária impacta diretamente nos custos de todos os segmentos que elevam o valor das vendas, consequentemente, dificultando a competitividade. “As perspectivas não são nada favoráveis em razão da alta carga tributária, causando um grande desafio se manter no mercado, com possibilidade de se agravarem no futuro, se novas medidas não forem adotadas”, explica a assistente em escrita fiscal da empresa, Ingrid Sales. No estado do Ceará existem
A TRIBUTAÇÃO DO ESTADO, MUITAS VEZES, O FATOR DETERMINANTE PARA O EMPRESÁRIO ESCOLHER ONDE IRÁ CONCENTRAR SUAS ATIVIDADES EMILIO AYUSO NETO, ADVOGADO
os medicamentos, há ainda uma grande complexidade para se apurar os tributos e cumprir a legislação vigente”, ressalta. “O Brasil tem a maior carga tributária do mundo para medicamentos, sendo que os países com os maiores níveis de desenvolvimento humano (IDH) já possuem essa imunidade tributária sobre os medicamentos ou ainda recebem uma carga tributária mais branda, que não chega a um terço da carga suportada no Brasil.”
IMPACTOS VARIADOS A tributação impacta de forma direta a competitividade do produto no cenário dos estados. Isso porque, embora não afete diretamente a margem de lucro das indústrias farmacêuticas, tendo em vista que os tributos são
TRIBUTOS QUE INCIDEM SOBRE MEDICAMENTOS NO BRASIL • IPI, ICMS, PIS e Cofins, tributos incidentes sobre circulação e faturamento; • ISS, sobre a prestação de serviços; • Imposto Sobre Importação (II), incidente sobre a compra do exterior de componentes para a fabricação de medicamentos; • Contribuição Previdenciária, FGTS e Terceiros (Sistema S), sobre a folha de pagamento; • IOF, sobre operações financeiras; • IRPJ e CSLL, sobre o lucro obtido; • IPVA, sobre a frota própria de veículos; • IPTU, sobre o imóvel urbano próprio; • Sindicais e Entidades de Classes, que são os valores pagos às instituições representativas da classe; • Contribuições de Melhorias, sobre eventuais melhorias na urbanização do local da sede da empresa; • Taxas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que são os pagamentos à entidade de fiscalização do setor; • CIDE – Royalties, pela utilização de patentes e licenças internacionais. Fonte: João Eloi Olenike, do IBPT
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alguns incentivos financeiros e fiscais relacionados ao ICMS, que resultam na redução ou devolução parcial do imposto a recolher, mas ela acredita que é preciso mais: uma reforma tributária diminuindo a quantidade de impostos e contribuições e a redução de suas alíquotas. Já Neto argumenta que sempre tivemos muitos problemas relativos à famosa “guerra fiscal estadual”, sendo a tributação do estado, muitas vezes, o fator determinante para o empresário escolher onde irá concentrar suas atividades. “Acontece que, até hoje, muitos estados não reconhecem os créditos tributários de ICMS de estados diversos, pois a adoção do regime de substituição tributária em operações interestaduais depende de acordo específico celebrado pelos estados interessados. Sendo que esse fator é levado em consideração na negociação comercial omercial entre as empresas de medicamento”, pondera. “O grande problema da substituição tributária para frente,
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é que Fisco, órgão do governo responsável pela cobrança de impostos, é estabelecer o recolhimento do tributo antes mesmo da ocorrência do fato gerador, ou seja, o primeiro da cadeia de comercialização recolhe os tributos dos demais, sobre uma presunção arbitrada de maneira discricionária pela autoridade fazendária”, lembra. Entidades do setor estão pouco otimistas acerca de mudanças neste cenário em virtude da grande crise política e financeira, e são unânimes em dizer que dificilmente o governo irá tomar alguma medida para reduzir a carga tributária. É o caso do Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêutico no estado de São Paulo (Sincofarma/ SP), que acredita que a alta tributação impacta de forma muito injusta o segmento farmacêutico, e de uma forma devastadora. Para o presidente da entidade, Natanael Aguiar Costa, as perspectivas no ambiente de negócios nos estados lutar em stados são desfavoráveis. des a o á e s “Precisamos e
prol de uma nova consciência política, onde ocorra uma maior eficiência do estado e leis mais justas com tributos que não impactem na sustentabilidade da cadeia, com um sistema mais simples e menos oneroso, até mesmo menos perverso”, defende. A preocupação do presidente tem fundamento, visto que muitas empresas não estão conseguindo pagar em dia seus tributos, sendo que o governo poderia interceder, acreditam entidades do setor, editando novas leis e incentivando os parcelamentos dos tributos que estão com os pagamentos em atraso. Além disso, a alta da carga tributária pode implicar aumento dos índices de sonegação e crescimento das atividades realizadas na informalidade. “Outro ponto que deveria ser reavaliado pelo governo é a complexidade do sistema tributário, pois, atualmente, toda empresa necessita de uma consultoria tributária especializada bastante atuante, já que
a mudança na legislação acontece com muita frequência e sempre gera muitas dúvidas aos contribuintes, causando uma enorme insegurança”, afirma Neto.
PREÇO MÁXIMO AO CONSUMIDOR Os produtos de Higiene, Perfumaria e Cosméticos costumam ter uma carga tributária mais elevada se comparada com a dos medicamentos, porém, a forma de cálculo é muito menos complexa. Para se ter uma ideia da complexidade que envolve a substituição tributária nos medicamentos, apenas para definir a base de cálculo, temos que verificar diversas classificações do produto, sendo elas: se o medicamento é similar, genérico ou de referência, se o medicamento se enquadra na chamada “Lista Negativa”, “Positiva” ou “Neutra” de acordo com artigo 127, § 5º do RICMS/SP, se o medicamento encontra-se ou não na lista de preços da CMED (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos) e ainda se o medicamento enquadra-se no Programa de Farmácia Popular do Brasil, ou seja, uma complexidade excessiva, gerando um elevado custo administrativo. Basicamente, as diferenças em relação aos medicamentos concentram-se na carga tributária e na modalidade de substituição tributária de ICMS adotada. Quanto à carga tributária, alguns estados concedem benefícios específicos para medicamentos genéricos (SP e MG, por exemplo). Há também diferenças nas alíquotas aplicáveis, variando de 17% a 20%, a depender do estado. Quanto à modalidade de substituição tributária, alguns estados adotam o Preço Máximo ao Consumidor (PMC) com desconto para definição da base de cálculo, enquanto outros preferem somente o PMC, e ainda há aqueles que aplicam percentuais fixos, sem ffazer qualquer distinção entre as diversas categorias de medicamentos. meedicamentos. Já no que q diz respeito aos produtos de Higiene, Higien ne, Perfumaria e Cosméticos (HPC), a diferença mais
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PORTANTO, É FUNDAMENTAL
QUE OS ESTADOS SE UNAM COM O OBJETIVO DE SIMPLIFICAR E PADRONIZAR A LEGISLAÇÃO DO ICMS, O QUE, COM CERTEZA, CONTRIBUIRÁ PARA UMA MELHORA SIGNIFICATIVA DO AMBIENTE DE NEGÓCIOS
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RODRIGO LARA, ADVOGADO TRIBUTARISTA E SÓCIO DA A&L CONSULTORIA EMPRESARIAL
significativa está na aplicação de alíquotas majoradas para produtos de perfumaria e cosméticos (SP e RS, por exemplo), que podem chegar até a 27%. Alguns estados, como São Paulo e Rio de Janeiro, aplicam o PMC como critério para definição da base de cálculo do ICMS na modalidade de substituição tributária. Porém, esses valores não correspondem à prática de mercado, uma vez que o PMC é aplicado com um percentual de desconto, que varia em função da natureza do medicamento (genérico, referência, similar e outros) e da carga tributária de PIS e COFINS incidente em sua comercialização (Lista Positiva, Negativa ou Neutra). “Trata-se de um critério mais justo do que apenas a aplicação de um percentual fixo para todos os medicamentos ou da aplicação do PMC sem desconto. No entanto, muitos estados ainda insistem em aplicar um percentual fixo para
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definição da base de cálculo do ICMS-ST em relação a todos os medicamentos (também chamada de margem de valor agregado ou MVA) ou apenas o PMC, desconsiderando, portanto, a prática do mercado e tornando a carga tributária muito mais onerosa do que ela deveria ser”, explica Lara. “As principais diferenças de tributação são em relação ao ICMS, que, em São Paulo é de 18%, com exceção dos genéricos que é de 12%. Mas há estados com outras alíquotas de ICMS, que podem ser de 20%, 17% e 12%”, pontua o presidente do Sincofarma. “Assim, a principal diferença está neste imposto, além do fato de vários estados terem adotado a substituição tributária para medicamentos, com critérios diferentes, causando ainda mais distorções nos tributos estaduais”, considera. Para Lara, padronização e simplificação são as palavras-chave, sob o ponto de vista tributário, para aprimorar o ambiente de negócios no âmbito dos estados. “Atualmente, as indústrias farmacêuticas precisam acompanhar a legislação de 27 estados, verificando eventuais mudanças no regime tributário para uma infinidade de produtos que não se restringem somente a medicamentos, tendo em vista que muitos fabricantes hoje produzem mercadorias enquadradas como alimentos, produtos para a saúde, cosméticos e outros”, ressalta. “Portanto, é fundamental que os estados se unam com o objetivo de simplificar e padronizar a legislação do ICMS, o que, com certeza, contribuirá para uma melhora significativa do ambiente de negócios. É preciso, por fim, que a carga tributária dos medicamentos seja sensivelmente reduzida, aplicando-se incentivos fiscais hoje restritos a medicamentos específicos – como é o caso dos medicamentos de combate ao câncer e AIDS – para todos os medicamentos considerados imprescindíveis à manutenção da saúde”, conclui.