Tomada de Posição Trabalho Digno para Tod@s
Aprovada 68ª Assembleia Geral 28 de fevereiro de 2015 Lisboa
Assembleia Geral do CNJ Lisboa, Fevereiro de 2015
TOMADA DE POSIÇÃO A Campanha Trabalho Digno para Tod@s, promovida pelo CNJ em parceria com a Organização Internacional do Trabalho, a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, o Fórum Europeu de Juventude, e co-financiada pelo Instituto Português do Desporto e Juventude, I.P. e Erasmus +, teve início em 2014 e tem como principal objetivo fomentar a discussão entre os/as jovens, os decisores políticos e os empregadores sobre questões relacionadas com o trabalho digno, a precariedade laboral e o emprego de qualidade. Esta campanha decorre no âmbito do Processo de Diálogo Estruturado da União Europeia, englobado no quadro renovado de Cooperação Europeia no domínio da Juventude 2010-2018. Este quadro renovado de Cooperação Europeia define os princípios do “Diálogo Estruturado” (DE) com os jovens e organizações de juventude de modo a que seja fomentada a participação dos jovens na construção da Política de Juventude da União Europeia, e para que a opinião e a voz da juventude seja ouvida pelas instâncias europeias. Neste processo, podem ser ainda incluídos outros atores, como outras organizações da sociedade civil, experts e investigadores. A implementação do DE em cada Estado-Membro é coordenada pelos Grupos de Trabalho Nacionais (GTN), cuja coordenação em Portugal cabe ao CNJ, incluindo também decisores públicos e políticos, técnicos/as na área da juventude, especialistas/académicos e representantes das organizações de juventude. A Emancipação Jovem é uma área prioritária de intervenção do CNJ. Com efeito, este é um tema que assume toda a centralidade e relevância quando falamos em juventude, designadamente num contexto de crise financeira e de aumento do desemprego, particularmente o desemprego jovem, levando a que a autonomia dos/das jovens possa estar seriamente comprometida a curto e/ou médio prazo. Ademais, no que concerne a políticas de juventude, o tema da emancipação jovem é atualmente um dos tópicos centrais da agenda das instituições europeias, que procuram fomentar a plena autonomia, a capacitação e a participação dos jovens. Aliás, é desde a revisão parcial das metas de Lisboa (Crescimento e Emprego 2005-2009), através da adoção do Pacto Europeu da Juventude, que os Chefes de Estado e de Governo da União Europeia reconheceram formalmente a importância de um investimento estratégico em Capital Humano, com vista à prossecução de um desenvolvimento sustentado e sustentável, baseado numa economia do conhecimento, e na formação dos jovens europeus, como agentes promotores do empreendedorismo social e económico. O emprego jovem é, assim, um pilar estrutural na construção de um presente e futuro mais sustentáveis para as novas gerações, e deve, também por isso, ser considerado não apenas como uma ferramenta instrumental, mas como condição de realização pessoal e coletiva, completado por mecanismos que permitam o desenvolvimento de um projeto de vida, com partilha de risco, solidariedade, oportunidades e liberdade de escolha. O CNJ tem sido um agente ativo no diálogo social e no quadro da sua concertação, por entender que os jovens hoje – pelas dificuldades de acesso ao emprego, a prestações sociais e a garantias de segurança social – têm claros constrangimentos no acesso à habitação e à constituição de família, colocando-os à margem do sistema social.
legal de reforma, que terão um forte impacto nas condições de vida dos/das jovens. O fenómeno da crise está a agudizar a pobreza em alguns países da Europa, especialmente no Sul. Consequência disso é o elevado número de jovens desempregados no espaço europeu (23,7%), transformando-os, assim, na classe menos protegida, implicando um aumento de vínculos precários neste segmento da população. Assim, o CNJ desenvolveu a campanha “Trabalho Digno Para Tod@s” que pretende fomentar a discussão entre os/as jovens, empregadores, decisores políticos e a sociedade em geral sobre questões relacionadas com a necessidade da criação de trabalho digno e emprego de qualidade para os jovens em Portugal. Neste sentido, o CNJ assinalou o Dia Internacional do Trabalho Digno, através da realização de um seminário, no passado dia 7 de outubro de 2014, em Cascais, com o intuito de promover o debate, com especial enfoque na realidade nacional e europeia sobre o trabalho digno no contexto da juventude. Deste dia resultaram vários contributos sobre os temas em discussão e que são alvo de reflexão nesta tomada de posição. De forma a estimular o debate em torno do tema, o CNJ promoveu diferentes espaços inclusivos de discussão como reuniões internas de comissão na área do emprego e tomadas de posição. Para além disso, e dada a profunda complexidade do tema, foi criado um grupo de trabalho independente, constituído por três jovens investigadores de diferentes ciências sociais, que desenvolveram uma reflexão profunda sobre o tema, procurando apontar propostas concretas. Esta tomada de posição resulta de todo o conhecimento reunido e que teve como principal base o documento desenvolvido pelo grupo de investigadores que analisaram em maior profundidade o tema. A precariedade tem causado nos/nas jovens um sentimento de instabilidade, que leva à dependência em relação à família, à incerteza em relação ao futuro que não permite fazer planos, à falta de segurança no trabalho, a salários desiguais entre homens e mulheres, à dificuldade em conciliar a vida familiar e profissional. Segundo o Eurostat, em 2013, a taxa de desemprego jovem atingia um valor recorde de 28,5%, um aumento de 0,8 pontos percentuais face ao ano anterior, e de 15,2 pontos percentuais face ao ano inicial da atual crise, 2008. Em 2012, segundo a mesma fonte, 60% dos/das jovens portugueses/as entre os 25 e os 29 anos de idade ainda vivia com os pais, a sexta taxa mais elevada entre os 28 Estados-membro da União Europeia. Portugal está ainda entre aqueles onde há mais jovens a viver em situações de carência extrema. Dos/das jovens empregados/das, a média de remuneração ronda os 500 euros mensais. As desigualdades salariais e de vínculo contratual entre mulheres e homens persistem e tendem a agravar-se. A taxa de natalidade em Portugal é a segunda taxa mais baixa da União Europeia tendo Portugal perdido quase meio milhão de jovens na última década, devido à emigração. Muitos dos/das jovens que não estão desempregados/das encontram-se em situações de emprego menos protegidas, onde os vínculos precários são mais comuns quando comparados a outros segmentos da população.
Enquanto jovens residentes num país da União Europeia, acreditamos que não basta garantirmos mais postos de trabalho. É, também, necessário garantirmos postos de trabalho dignos e com qualidade, onde os/as jovens possam colocar à disposição os seus talentos e ajudar a desenvolver o país, na sua profissão mas, também, fora dela. Segundo a OIT, o conceito de Trabalho Digno tem vindo a ser encarado numa perspetiva holística, em que a dignidade humana e dos direitos das trabalhadoras e dos trabalhadores são tão necessários quanto o crescimento económico, e em torno dos seguintes elementos: 1) o trabalho enquanto oportunidade para realizar uma atividade produtiva com uma remuneração equitativa, 2) a segurança no local de trabalho e proteção social para as famílias, 3) melhores perspetivas de desenvolvimento pessoal e integração social, 4) espaço de liberdade para expressar preocupações; 5) organização e participação nas decisões que afetam as suas vidas; 6) igualdade de oportunidades e de tratamento para todas as mulheres e todos os homens. O CNJ acrescenta a estes pontos “o progresso na carreira dependente do mérito profissional”. No contexto atual, urge que os empregadores e decisores políticos tenham em consideração as propostas apresentadas pela sociedade civil. Assim, exortamos o Governo e demais parceiros sociais a ter em conta as propostas que as Organizações do CNJ apresentam nesta tomada de posição em prol do trabalho digno e do emprego de qualidade.
Desemprego Jovem em Portugal
20,9%
35,3% 15 aos 25 anos (2013)
26 aos 30 anos (2013)
Desempregados dos 15 aos 30 anos por nível de escolaridade
54% 32% Até ao básico - 3º ciclo
33%
38%
13%
Secundário e pós-secundário
30% Superior
NEET* dos 15 aos 34 anos *que não se encontram a estudar, empregados e/ou em estágio
2011 2012 2013
164 mil 198 mil 195 mil 216 mil 196 mil 216 mil
A natureza multissetorial e informada em conhecimento ou dados empíricos da política de juventude não deve: 1) Eliminar a necessidade de políticas especificamente direcionadas a um setor – como é o caso do mercado de trabalho, ainda que deva ajudar a contrariar as relações de poder que tendem a pautar as relações interministeriais, colocando o Ministério que tutela as questões da juventude com menos recursos objetivos e subjetivos para a ação. Este primeiro ponto está relacionado com a centralidade objetiva e subjetiva que o trabalho ocupa na vida dos jovens, ou com “o valor nuclear da autarcia financeira” (Chaves, 2010). De facto, nas dificuldades sentidas na chamada transição para a vida adulta, as financeiras e de autonomia económica são de primeira ordem, literal e simbolicamente. Sem a perspetiva plausível de sustentabilidade e autonomia financeira básica, todas as restantes transições para a vida adulta ou aquisição de novos papéis sociais ou uma mais intensa, total ou engajada, participação na sociedade, estão claramente comprometidas. É, neste sentido, que a autarcia financeira por via do trabalho deve ser vista como a mais importante mas, ainda assim, é apenas a ponta do iceberg da transição para a vida adulta. 2) Abolir a necessidade de adaptar essas mesmas políticas de juventude à heterogeneidade de condições sociais em que esse grupo etário se encontra. A relação entre ramos e tipos de qualificações e ritmos, padrões e interrupções no mercado de trabalho é muito forte, sendo necessário então tê-la em conta nas estratégias desenhadas para combater o desemprego, subemprego ou precariedade e, talvez até sobretudo, na diversidade das mesmas. Este segundo ponto está mais diretamente relacionado com a complexidade do processo de integração e inserção no mercado de trabalho, causada especialmente pela multiplicidade e heterogeneidade de canais pelos quais as mesmas podem ocorrer. Por exemplo, no relatório da OIT sobre tendências de emprego entre os jovens são identificadas várias medidas que pretendem abordar diferentes escalas e tipos de problemas e barreiras no acesso ao emprego, algumas mais no âmbito da prevenção, outras mais da resolução de nível estrutural ou alternativamente individual (o que por sua vez remete para escolhas inevitavelmente ideológicas e políticas): o combate às barreiras do crescimento do emprego; resolução de desencontros entre a oferta e a procura; promoção de jovens empreendedores e aumento da proteção social (OIT, 2012). Ora, em Portugal, nesta data, a única medida registada era apenas no âmbito da promoção do autoemprego, o que é uma medida claramente insuficiente, de nível mais individual do que estrutural, muito circunscrita a um determinado perfil de “jovem desempregado à procura do primeiro emprego” – qualificado formalmente, e integrado em determinados contextos económicos mais prósperos. O desemprego jovem tem várias causas e afeta jovens com diferentes perfis sociais e educacionais. As políticas para o emprego devem, portanto, ser plurais. Tal é ainda mais urgente se tivermos em conta o aumento da taxa de desemprego e o decréscimo da taxa de emprego sensivelmente na última década e meia, para as quais as respostas políticas têm sido desadequadas ou parciais. 3) Democratizar o acesso às ordens profissionais através de um conjunto de medidas que vise a: i) Eliminação as barreiras de acesso às profissões criadas pelas ordens profissionais, nomeadamente os exames de acesso ao estágio profissional e os exames de aferição intermédios, pois a qualidade da formação deve ser exclusivamente aferida aquando da frequência do Ensino Superior;
ii) limitação aos valores incomportáveis de emolumentos cobrados pelas ordens para inscrição e pertença; iii) elegibilidade dos estágios do IEFP como estágios profissionais necessários ao acesso à profissão e, nos casos em que o curso de Ensino Superior já inclua estágio curricular, eliminar o requisito de efetuar um segundo estágio, pós-obtenção do grau académico, para o exercício da profissão.
Neste sentido, e tendo como objetivo permitir uma transição vocacionada para uma inserção faseada mas plena no mercado de trabalho, destacam-se as seguintes propostas: 1) Criação de uma «Bolsa Jovem» para jovens à procura de emprego: a «Bolsa Jovem» consiste na atribuição de uma remuneração mensal aos jovens que estejam inscritos no centro de emprego e que estejam ativamente à procura de emprego. O objetivo desta medida visa facilitar a procura de trabalho proporcionando, simultaneamente, uma fonte de recursos alternativa à família, permitindo assim uma procura mais dinâmica e responsabilizadora para os jovens, ao mesmo tempo que promove a mobilidade e a criação de uma independência em relação ao núcleo familiar, tal como deve suceder, por norma, nas situações de transição. 2) Reformulação do funcionamento e organização dos centros de emprego: esta proposta assenta na necessidade de criar departamentos vocacionados para as necessidades dos jovens à procura de emprego e visa estabelecer uma relação de proximidade entre os centros de emprego e os jovens. O seu principal objetivo é permitir superar os períodos de espera e adequar as propostas de emprego ao perfil do jovem desempregado ou em situação ativa de procura de emprego. A medida indicada pressupõe, ainda, além dessa reformulação orgânica, uma formação específica dos funcionários desses departamentos de forma a suprir as carências atuais e orientar os jovens, de forma mais inovadora, dinâmica, célere e adequada às suas reais necessidades e perfil académico. 3) Centralização numa plataforma online gerida pelo IEFP da procura e oferta de emprego, bem como de estágios e voluntariado, do sector público ou privado, num único site, através da criação de uma interface acessível: esta centralização permitirá uma melhor e mais eficaz divulgação das ofertas e programas já existentes, seja a nível internacional, europeu ou nacional. 4) Criação e desenvolvimento de regras precisas e concretas para a realização de estágios: a) Propostas relativas a ambas as situações de estágio (curricular ou profissional): i) Criação de um estatuto do estagiário e reformulação da figura do Tutor/Orientador, com a delimitação clara e precisa das suas obrigações (nomeadamente, além de responsável pela avaliação e pelo controlo da qualidade do estágio, deve, também, ser a figura de referência para o estagiário, competindo-lhe dar ordens e instruções, no âmbito do desempenho das funções relativas à categoria profissional desempenhada pelo estagiário).
ii) Limite ao número de estagiários que cada empresa/entidade pode empregar proporcionalmente ao número de trabalhadores efetivos (de forma a impossibilitar que o recurso aos estágios se converta numa forma de suprir necessidades permanentes de determinada empresa e, ao mesmo tempo, incentivar a contratação sem termo). Nas situações de estágios de acesso à profissão d duração superior a três meses, dever-se-á fazer cumprir o Decreto-Lei n.º 66/2011 de 1 de Junho, no sentido designadamente, de garantir a efectiva remuneração dos estágios, sem que tal se faça depender da discricionariedade das ordens profissionais ou de quem orienta o estágio. b) Propostas específicas para os estágios curriculares: i)Implementação de estágios curriculares sempre que tal seja solicitado pelos estudantes. Implementação de medidas no sentido de estimular as instituições de ensino superior a aumentarem o número de estágios disponibilizados aos estudantes (de modo a permitir um contacto com a realidade do mercado de trabalho ainda no âmbito da formação), devendo para o efeito estabelecer protocolos com entidades empresariais públicas e privadas e ainda com serviços públicos da administração local e central. ii) A duração dos estágios deve ser definida pela instituição de educação, não devendo ser inferior a 60 dias nem superior a 6 meses (exceto nas situações em que essa duração já se encontra prevista e expressamente regulada). iii) Bolsa de estágio facultativa (contudo, se o estudante for bolseiro, a bolsa deve continuar a ser atribuída durante a duração do estágio). iv) A competência para a atribuição dos estágios curriculares ficará a cargo da Instituição de Ensino responsável pela formação. A frequência do estágio deverá ocorrer em áreas relacionadas com o plano de estudos e fomentada através de parcerias e/ou acordos com entidades públicas e/ou privadas. Acrescerá a possibilidade do aluno/estagiário propor o seu local de estágio, sendo que a decisão relativa a esta faculdade competirá à instituição de ensino nos termos das áreas lecionadas no âmbito do plano de estudos. 5) Autonomização e reformulação da figura do contrato a termo para jovens à procura de primeiro emprego, relativamente à legislação atual que prevê a contratação de trabalhadores à procura de primeiro emprego, independentemente da idade: esta medida visa criar um novo instrumento contratual para as empresas ao mesmo tempo que representa, para os jovens, um meio potencialmente eficaz para a sua inserção no mercado. A criação desta modalidade contratual, a termo resolutivo, exige, no entanto, a fixação de critérios objetivos e definidos de forma a prevenir abusos. Deste modo, poderiam ser contratados ao abrigo desta nova figura, por um período mínimo de 6 meses e máximo de 18 meses: • Jovens com idade entre os 18 e os 30 anos. • Inscritos nos centros de emprego. • Que nunca tenham prestado serviço sob a autoridade e direção de outrem, seja através de contratos a termo ou sem termo.
• Impossibilidade de proceder a esta contratação nas situações em que o jovem à procura de emprego já tenha prestado serviço, em concreto através dos denominados recibos verdes, para a empresa que o pretende contratar ao abrigo desta modalidade. • Aplicação das demais regras dos contratos a termo, com especial destaque para a proibição de sucessão entre estes tipos de contratos e os contratos de trabalho temporário ou de prestação de serviços.
6) Criação de um «Guia de Direitos e Deveres Laborais» vocacionado para os jovens: este deverá ser distribuído gratuitamente nos centros de emprego e disponibilizado numa plataforma digital. 7) Reforço da Inspeção Laboral nesta área: numa primeira fase através de fiscalizações preventivas e ações de sensibilização e, posteriormente, através de um controlo reforçado que vise combater as situações de manifesta ilegalidade, bem como de um aumento do montante das coimas por incumprimento da legislação vigente neste âmbito. 8) Acesso universal dos jovens ao subsídio de desemprego no final do estágio profissional. 9) Aumento do valor da bolsa atribuída nos Programas de Estágio (conforme tomada de posição aprovada em junho de 2014).
Trabalho Precário em Portugal
20,2%
da população empregada a tempo parcial são jovens dos 15 aos 30 anos
O subemprego do trabalhador a tempo parcial afeta 1 em cada 4 jovens (dos 15 aos 30 anos)
Jovens dos 15-30 anos com contrato a termo certo
HOMENS MULHERES HOMENS
39,1% 40,7% MULHERES
Rendimento salarial médio mensal líquido da atividade principal dos trabalhadores por conta de outrem dos 15 aos 30 anos
A precariedade não olha a qualificações. Ela faz-se sentir, em diferentes ocasiões, com diversos formatos e com intensidades distintas, entre os jovens com mais baixas qualificações e com qualificações superiores. Enquanto que no primeiro são mais frequentes os contratos de trabalho a termo, mas também mais recorrentes e longos os episódios de desemprego, entre os mais qualificados são mais frequentes as inserções não pagas no mercado de trabalho - os estágios não remunerados, por exemplo, as formas mais atípicas de vínculo contratual - bolsas de investigação, por exemplo, mas também os recibos verdes, os trabalhos por conta própria, combinados muito mais vezes em regimes de tempo parcial e de pluriatividade (Nico, 2011). A precariedade, de um ponto de vista laboral, contribui para a “segmentação do mercado de trabalho” e para a “debilitação da posição dos trabalhadores”, o que, por sua vez, resulta numa “distribuição desigual dos salários” e num “sentimento de insegurança”. De resto, os “trabalhadores contratados a termo auferem, em média, 73% do salário dos trabalhadores com um contrato sem termo”, o que é ilustrativo dessa desigualdade. Tendo presente esta situação, urge adotar um conjunto de medidas que visem combater esta segmentação, bem como a desigualdade criada em virtude da celebração deste tipo de contratos: 1. Aumentar a fiscalização ao trabalho, com especial incidência nas empresas que recorram à prestação de serviços, como forma de combater a utilização indevida de recibos-verdes (nos casos em que se deveria verificar a existência de um contrato de trabalho); 2. Aumentar as compensações devidas pelo empregador na cessação dos contratos de trabalho a termo e temporários por motivo não imputável ao trabalhador como forma de compensar a precariedade e insegurança; 3. Reforço da Inspeção Laboral nesta área: através de um controlo ativo por parte da Autoridade para as Condições do Trabalho, implementado a obrigatoriedade de registo/envio destes contratos para este organismo público, bem como de um aumento do montante das coimas por incumprimento da legislação vigente neste âmbito; 4. Implementação de medidas que fomentem a produção nacional, abrindo portas para a criação de emprego para os jovens; 5. Maior responsabilização das empresas na contratação com empresas de trabalho temporário, bem como na própria execução dos serviços contratados, nomeadamente: integração dos trabalhadores contratados pelas empresas de trabalho temporário nos quadros da empresa utilizadora quando estas contratem com empresas de trabalho temporário não titulares de licença para o exercício da atividade; maior responsabilização das empresas utilizadoras em caso de incumprimento do regime previsto para a prestação de trabalho temporário;
CONDIÇÕES DE TRABALHO
A precariedade – que atinge cerca de 40% dos jovens entre os 15 e os 30 – inibe o exercício dos direitos, tanto na sua vertente individual como coletiva. Efetivamente, tratando-se a precariedade de “uma vivência subjetiva, traduz-se na impotência e no medo. E a incorporação do medo, por sua vez, dá lugar à aceitação ou resignação, isto é, à auto-negação da luta pelos direitos”. Não raras vezes, esta franja de trabalhadores não exerce os direitos e garantias que decorrem do seu contrato individual de trabalho, dos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho aplicáveis, ou até da própria lei, porque, por um lado, desconhecem-nos ou porque, mesmo tendo conhecimento, a atipicidade da relação de trabalho estabelecida, ou melhor, a duração determinada do seu vínculo, impede-os de os usufruírem de uma forma plena, por receio de represálias, mormente a cessação do contrato de trabalho. A falta de definição de um local de trabalho identificável e real, o estabelecimento de um horário de trabalho ou a descrição das tarefas que integram a atividade contratada acabam por gerar uma espécie de precariedade das próprias condições de trabalho – e que já não diz respeito à natureza do vínculo – porque, não se encontrando definidas, acabam frequentemente por depender de um ato unilateral do empregador, ainda que a questão possa ser discutida judicialmente a posteriori. Nesse sentido, propõe-se um conjunto de medidas de modo a otimizar as condições de trabalho, evitando situações de dualização injustificada 1. Deverá existir uma maior valorização do trabalho, independentemente das qualificações; 2. Devem ser implementadas medidas que fomentem o aumento gradual do salário médio, tendo em conta o custo de vida; 3. A um trabalho permanente, tem que corresponder um vínculo de trabalho efetivo; 4. Ao nível das estruturas de representação coletiva: a) Dinamizar a sindicalização dos trabalhadores jovens, nomeadamente através de campanhas informativas; b) Impulsionar o papel das secções de juventude das confederações sindicais, nomeadamente através da criação e gestão de uma espécie de “passaporte sindical” para os trabalhadores jovens que lhes permita, quando transitam de um determinado setor de atividade para outro, manter a sua filiação sindical; 5. Ao nível do conteúdo dos instrumentos de regulamentação coletiva: a) Apoiar a inclusão de matérias em instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho que regulem, de forma mais favorável, condições de trabalho que normalmente afetam os trabalhadores jovens, nomeadamente a parentalidade e a formação;
6. Ao nível do conteúdo dos contratos individuais de trabalho: a) Limitar a existência de cláusulas relativas ao local de trabalho que não definam com precisão um local(ais), estabelecimento(s) ou área geográfica circunscrita, com o propósito de delimitar as situações de transferência. Essas cláusulas serão admitidas quando a impossibilidade de definição de um local seja impossível em virtude da atividade desempenhada; b) Limitar a existência de cláusulas relativas aos horários de trabalho que não definam com rigor o tempo de entrada e saída, bem como as respetivas pausas legalmente obrigatórias. Essas cláusulas serão admitidas quando se verifiquem situações de trabalho por turnos rotativos ou outras que, pela sua especificidade, não permitam que os horários possam ser definidos ab initio; c) Limitar a existência de cláusulas relativas às funções e categorias que não definam de forma detalhada e rigorosa o conteúdo funcional da atividade a exercer, seja por remissão para o conteúdo de uma categoria profissional existente em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou para a lista de categorias profissionais existente ou, na impossibilidade de ambas as situações, de forma expressa no texto do contrato; d) O tipo de cláusulas acima referidas poderão existir caso haja um instrumento de regulamentação coletiva que as regulamente; e) Atualização da lista de categorias profissionais de forma a incluir o máximo de atividades desempenhadas e descrição completa do seu conteúdo funcional; 7. Ao nível da Inspeção: a) Criação de uma Comissão especializada, à semelhança da CITE, de acompanhamento técnico, com competência para formular pareceres e sugestões no âmbito das relações de trabalho estabelecidas com jovens; b) Criação de uma provedoria com competência específica no âmbito das relações de trabalho dos jovens.
SOLUÇÕES ESPECÍFICAS PARA MELHORAR AS CONDIÇÕES DE TRABALHO DOS JOVENS As matérias relativas aos tempos de trabalho, à parentalidade e à formação, ainda que afetem a generalidade dos trabalhadores, repercutem-se de forma particularmente significativa nas condições de trabalho dos trabalhadores jovens. Desde logo, trata-se de domínios que contendem com a conciliação entre a vida profissional e a vida familiar. Nesse sentido é, aliás, sugerido pelo relatório “Working conditions of young entrants to the labour market” que “além de medidas especificamente destinadas a gerar oportunidades de emprego, é importante desenvolver medidas políticas que visem melhorar a qualidade desses empregos, por exemplo, em termos de contratos, níveis de salário, horários de trabalho, formação”. No que respeita à formação, em particular ao estatuto de trabalhador-estudante, mais do que enunciar um princípio geral de ajustamento do horário de trabalho à frequência de aulas e realização de provas, deve ser concretizado um conjunto de medidas objetivas que permitam o efetivo aproveitamento dessa condição, nomeadamente: 1. Proibição expressa de aplicação de regimes de adaptabilidade de horários a nível 1 individual (como o banco de horas individual e a adaptabilidade individual), condicionando a aplicação destas modalidades, mesmo quando sejam de cariz grupal ou coletivo, ao acordo dos trabalhadores-estudantes; 2. Redefinição do sistema de faltas aplicáveis ao trabalhador-estudante de modo a incluir, além das provas de avaliação, a realização e apresentação de trabalhos que tenham reflexo na avaliação final; 3. Possibilidade de o trabalhador-estudante poder usufruir de uma licença sem vencimento, por mútuo acordo, com a duração máxima de doze meses – caso o curso tenha a duração de 3 anos e calculada proporcionalmente quando essa duração for inferior – podendo, no entanto, essa duração ser interpolada por períodos mínimos de 1 mês durante os anos letivos, e desde que comunicada com a antecedência mínima de 2 meses; 4. Possibilidade de o trabalhador-estudante poder prestar a sua atividade em regime de teletrabalho, de mútuo acordo com o empregador, enquanto durar a formação, desde que este regime seja compatível com a atividade prestada pelo trabalhador. Caso o empregador recuse com base na incompatibilidade da prestação, deve justificá-lo por escrito e remeter essa recusa para o órgão com competência inspetiva na área laboral; 5. Criação do estatuto Estudante-trabalhador que permita ao estudante trabalhar a tempo parcial. Este estatuto possibilitaria ao aluno frequentar o seu horário de estudos e poder trabalhar X horas semanais e, deste modo obter financiamento que o ajudaria a promover a sua qualidade de vida enquanto estudante. Este estatuto deverá contemplar ainda mecanismos de cariz fiscal ou relativos às contribuições para a segurança social; 1
Previsto no art. 205.º do Código de Trabalho, consubstancia uma proposta do empregador à qual os trabalhadores podem aumentar o período normal de trabalho até duas horas e chegar às 50 horas semanais. Ou, pode verificar-se a redução até duas horas diárias, ou em dias, ou meios-dias, sem que o trabalhador seja prejudicado em sede de atribuição do subsídio de refeição. (Isto nas semanas em que a duração do trabalho semanal é inferior as 40 horas.
6. Criação do estatuto Estudante-empreendedor que estabeleça condições para a promoção do empreendedorismo entre os estudantes. Um dos elementos determinantes na compatibilização entre a vida profissional e a vida familiar é o regime legal da parentalidade. Também nesta matéria há um conjunto de soluções que devem ser melhoradas de modo a permitir a efetivação deste direito: 1. Apoiar e incentivar, através de mecanismos de cariz fiscal ou relativos às contribuições para a segurança social, as empresas que tenham infantários ou sistemas de baby-sitting; 2. Incentivar as empresas a estabelecer protocolos com infantários próximos dos seus estabelecimentos, com condições de pagamento favoráveis aos seus trabalhadores e prestadores de serviço; 3. Incentivar as empresas a proceder ao pagamento de um subsídio de infantário, aos trabalhadores e prestadores de serviço, quando nenhuma das alternativas anteriormente referidas seja possível; 4. Alargar o direito à dispensa de algumas formas de trabalho (adaptabilidade, banco de horas, ou horário concentrado) a trabalhadores com filhos menores de 12 anos, de forma a permitir a efetiva conciliação entre a vida profissional e a vida familiar; 5. Estabelecer um regime de compensação retributiva a cargo do empregador quando, por determinação deste, o trabalhador com filho menor de 6 anos, em virtude da prestação de trabalho suplementar, em regime de adaptabilidade ou de banco de horas, tiver de pagar um acréscimo à mensalidade do infantário em virtude de o menor ter ficado além da hora estipulada nesse estabelecimento; 6. Alargar o âmbito da proteção em caso de despedimento a trabalhadores que tenham usufruído de alguns dos direitos e garantias previstos no capítulo relativo à parentalidade do Código do Trabalho nos 12 meses anteriores a essa cessação, nomeadamente estabelecendo a presunção de despedimento sem justa causa; 7. Possibilidade de os trabalhadores com filhos menores de 12 anos poderem prestar a sua atividade em regime de teletrabalho, a seu pedido, sem que o empregador o possa recusar, desde que este regime seja compatível com a atividade prestada pelo trabalhador. Caso o empregador recuse com base na incompatibilidade da prestação, deve justificá-lo por escrito e remeter essa recusa para o órgão com competência inspetiva na área laboral; 8. Considerar a redução progressiva da jornada de trabalho, que promova a conciliação entre a vida profissional e familiar; 9. Valorizar a pluralidade das famílias.
A falta de políticas de juventude ou a falta de acesso a certos direitos associados ao termo da relação laboral, como o subsídio de desemprego, merecem, dentro da complexidade de áreas e questões associadas à Segurança Social, um maior relevo, no âmbito desta tomada de posição. Deste modo enunciamos algumas propostas gerais no sentido da resolução de problemas específicos da condição juvenil e da promoção da emancipação financeira e profissional dos jovens portugueses, tais como: 1. Incentivos às empresas que criem fundos de pensões complementares à reforma; 2. Incentivar os municípios a participarem, elaborarem e implementarem políticas de apoio aos jovens; 3. Inclusão do Conselho Nacional de Juventude no Conselho Económico e Social (CES) enquanto membros de pleno Direito; 4. Valorizar e proteger o papel dos idosos também na promoção da emancipação dos jovens; 5. Analisar o paradoxo do propósito original do sistema da Segurança Social e a sua atual perceção; 6. Analisar e rever a questão da sustentabilidade da Segurança Social e de outros sistemas contributivos; 7. Criação de um sistema fiscal especial como garantia de inserção do jovem no mercado de trabalho; 8. Aumentar a contribuição no quadro do regime de recibos verdes, para os beneficiários da prestação de serviços.
O CNJ reconhece a necessidade da implementação de medidas que garantam a flexibilidade de horários aos jovens trabalhadores que são dirigentes associativos e voluntários. Neste sentido, exortamos o Governo a introduzir alterações legislativas, indo de encontro ao que acontece em França, em que o Estado paga ao trabalhador 5 dias de trabalho voluntário por ano e a não comparência no trabalho é autorizada pela entidade patronal. O trabalho digno e o emprego de qualidade diz-nos respeito a todas e a todos: jovens, adultos, idosos, empregados, desempregados, empregadores, sindicalistas, funcionários públicos, deputados, governantes. É, também, por isso, e pela importância que as Organizações de Juventude têm vindo a assumir na mudança social de Portugal, que nos comprometemos a continuar a debater e a propor medidas que garantam um futuro mais digno para tod@s.
Assembleia Geral do CNJ 28 de fevereiro de 2015
Referências Bibliográficas CHAVES, MIGUEL (2010), Confrontos com o Trabalho entre jovens advogados. As novas da inserção profissional, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais. GIL, MANUEL; LAMELAS, FILIPE; NICO, MAGDA (2014), Propostas para o Trabalho Digno e o Emprego de Qualidade. OIT, «Global Employment Trends for Youth», Geneva, 2012. INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION (May 2012), “Global Employment Trends for Youth 2012”, International Labour Office, Genebra. NICO, MAGDA (2011), Transição Biográfica Inacabada. Transições para a vida adulta em Portugal e na Europa na Perspetiva do curso de vida, Tese de Doutoramento em Sociologia, Instituto Universitário de Lisboa. http://www.eurofound.europa.eu/ewco/studies/tn1306013s/index.htm