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O Projeto Participativo

Metodologia CoCriança: os blocos de uma construção coletiva de espaços e de cidadania

Projeto participativo

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Projeto participativo é um termo usado para denominar metodologias que incluem o envolvimento de todas as pessoas que serão afetadas pelo projeto, com ênfase naquelas que são historicamente excluídas de seus processos decisórios. A metodologia reconhece que cada pessoa envolvida pode possuir importantes contribuições ao projeto, para além do olhar técnico de profissionais de design ou arquitetura e urbanismo. Dessa forma é um processo de criação conjunta, onde pessoas com diferentes atribuições, talentos e vivências trabalham juntas para a busca de uma solução.

A produção a partir de um projeto participativo é lenta e prioriza o fazer com cuidado, em contraposição ao produtivismo, e se preocupa principalmente com o cuidado às pessoas que serão beneficiárias do projeto. O fazer com cuidado e com diversidade de olhares é também uma forma de corresponsabilidade sobre as soluções que impactam, em pequena ou grande escala, o mundo, e uma forma efetiva de encontrar soluções criativas para os desafios emergentes.

Ezio Manzine em Design, When Everybody Designs: An Introduction to Design for Social Innovation diz que “Em um mundo em rápida e profunda transformação, todos fazem projeto” (MANZINI, 2015, P.15) considerando que nesse cenário todos são chamados para se posicionar enquanto indivíduos, para projetar transformações em suas realidades.

“Isso significa colocar suas habilidades de projeto em ação: uma capacidade de pensar e realizar coisas que envolve reflexão e senso estratégico, que nos conclama a olhar para nós mesmos e para o nosso contexto e decidir quando e como agir para melhorar o estado das coisas”. (MANZINI, 2015, P.15)

Nesse contexto, Manzini coloca projetistas como profissionais que devem se capacitar para facilitar processos de criação. Mais importante do que criarem eles mesmo enquanto profissionais, está a capacidade de extrair do outro as reais necessidades do momento, considerando que elas estão em constante transformação.

Essa nova forma de pensar e projetar tem como pano de fundo a transição que estamos vivendo para uma humanidade que cuida do planeta e das pessoas, e que portanto busca novos sentidos e soluções mais afetivas e efetivas para os desafios que se apresentam.

Manzini discorre sobre o projeto participativo destacando duas funções primordiais do design: a resolução de problemas e a produção de sentido. Ele usa essas duas atribuições como peças chaves para a inovação social, que a partir de um processo coletivo de resolução de problemas passa a atingir uma dimensão cultural e se transforma em uma inovação cultural.

“Se é verdade que as habilidades de projeto são expressas tanto na resolução de problemas quanto na produção de sentido, há muito a ser feito nesses dois lados diante da perspectiva dessa nova civilização”. (MANZINI, 2015, P.17)

Assim, um processo participativo não resulta apenas em um resultado pontual, como o projeto de uma praça, mas cria novas funções e novos sentidos para uma praça pública, transformando a forma com que os agentes se apropriam dela e se relacionam com a cidade. Sendo a inovação cultural uma reverberação do design que integra todos os beneficiários do projeto em seu processo.

“Definimos inovações sociais como novas ideias (produtos, serviços e modelos) que atendem a necessidades sociais e, ao mesmo tempo, criam novas relações ou colaborações sociais. Em outras palavras, são inovações que são boas para a sociedade e também ampliam a sua capacidade de ação” (MURRAY, CAULIER-GRICE, MULGAN, 2010, P.3)

As colaborações sociais são colocadas em práticas em encontros colaborativos, onde os participantes trocam e se beneficiam do encontro. O papel do profissional de projeto é dispor da sensibilidade para captar as novas contribuições e dar suporte para que os envolvidos possam imaginá-las. Dessa forma, o designer desenvolve o processo colocando suas habilidades e competências a serviço de guiar a expansão da capacidade das pessoas envolvidas de “encontrarem e porem em prática maneiras de viver e atuar às quais eles próprios, os protagonistas, atribuem valor” (MANZINI, 2015, P.112)

A leitura de Ezio Manzini trouxe esse entendimento do projeto participativo. Vale dizer que Ezio discorre sobre o termo sem defini-lo ou diferenciá-lo de outros termos que também são usados na literatura. Para trazer um melhor entendimento sobre os termos e diferenciá-los ao longo dessa monografia, a fim de ser mais certeira em suas colocações, usarei as definições do artigo User involvement in building design – a state-of-the-art review de Michele Caroline Bueno Ferrari Caixeta, Patrícia Tzortzopoulos e Márcio Minto Fabricio, publicado em 2019. Os autores, a partir de uma revisão bibliográfica, exploram as definições dos termos empregados dentro do projeto e a partir dessa análise organizam os termos em três níveis de participação:

Maior nível de par�cipação do usuário

Informa�vo

Usuários informam proje�stas sobre seus requisitos, necessidades e preferências. Consul�vo

Usuários podem escolher entre opções pré definidas de projeto. Projeto Par�cipa�vo

Amplo movimento iniciado na Escandinávia, no qual os usuários podem estar a�vamente envolvidos em todo o processo de projeto.

Codesign

Usuários atuam como membros da equipe de projeto e desenvolvem soluções de codesign junto a outros membros, como arquitetos e engenheiros. FOCO: promoção da democracia

FOCO: desenvolvimento de soluções

Menor nível de par�cipação do usuário

TABELA 1. CAIXETA, 2019, P. 61 Entendendo que cada nível pode satisfazer necessidades diferentes em contextos diversos, e podem ser aplicados em momentos distintos de um mesmo processo, os utilizarei de acordo com o nível de participação que estarei me referindo.

Focando principalmente nos termos de maior envolvimento do usuário, uma vez que esse é o principal objetivo do CoCriança e da exploração dessa monografia: entender como aumentar a participação das crianças no processo de projeto de seus espaços. Por tanto focarei no entendimento dos termos de Projeto Participativo e Codesign, que segundo os autores podem ser aplicados no mesmo nível de envolvimento, dizendo principalmente sobre o tipo de participação exigida. Dessa forma entendo, a partir dessa leitura, que o Projeto Participativo se concentra em tomada de decisão participativa em todo o processo de projeto, e o utilizo de forma mais ampla ao me referir ao método que pretende promover a democracia no processo de projeto. Enquanto que o Codesign foca no operacional do desenho, num sentido mais concreto do projeto daquilo a ser construído, como por exemplo, onde será colocado mobiliário e que mobiliário será.

A Participação da criança

Para além de um estudo sobre Projeto Participativo e Codesign o objetivo deste trabalho é explorar a participação da criança na criação de um projeto. Para isso, ultrapassando a motivação pessoal de trazer para o produto final o olhar criativo da criança é preciso entender de que forma esse processo pode ser importante para o desenvolvimento da criança em si.

Hoje existem variadas bibliografias sobre a importância da escuta da criança e da construção da autonomia desde a infância. Explorarei alguns desses autores para embasar a participação infantil desde um lugar educacional, que abre portas para frutos futuros para além do processo participativo de um projeto.

Metodologia CoCriança: os blocos de uma construção coletiva de espaços e de cidadania

No Brasil a infância é o período compreendido entre 0 a 12 anos de idade. Idade onde somos livres para ser e desenvolver nosso eu, absorvendo e exteriorizando aprendizados de maneira muito rápida, antes de atingirmos as próximas fases de desenvolvimento: adolescência, juventude, idade adulta, e assim por diante.

A infância no território brasileiro é muito diversa e segue fases de desenvolvimento muito distintas pela influência do meio. Trabalhando no Jd. Elisa Maria (zona norte) e na Vila Anglo (zona oeste) junto ao coletivo CoCriança, pudemos ser testemunhas de como o desenvolvimento dessas crianças se apresentava de forma muito distinta. Mas uma coisa nos foi clara: que dar voz e escuta às crianças as impactava desde um lugar de pertencimento, de ser parte importante da realidade em que vivem.

Abrir um canal de diálogo com elas, para tornar possível a cocriação de espaços públicos, nos levou a adentrar um espaço pouco explorado pela sociedade: a conversa legítima e profunda com a criança. Nesse ponto olhamos para a criança como um indivíduo, que desde que nasce, tem a capacidade de ser. Dessa forma nos opomos a um olhar comum que a sociedade dá à criança, o de que ela virá a ser quando adulta. Olhar que Tonucci, em La ciudad de los niños, expõe e questiona:

“A criança é sempre mais jovem, por definição. Isso significa que não se reconhece a ela um direito fundamental, o direito ao presente, ao hoje. A criança vale pelo que será, pelo que virá a ser, não pelo que é, só tem direito ao futuro. É um futuro cidadão, não um cidadão.” (TONUCCI, 1996, P.50).

Partindo dessa discordância, nos abrimos para um diálogo verdadeiro com a criança, que de seu ponto de desenvolvimento não é visto a falta, mas sim as potencialidades, principalmente criativas e sensíveis que ela pode acrescentar na construção conjunta. “A primeira e mais importante ação a ser tomada é dar às crianças o papel de protagonistas, dar a elas a palavra, permitir que elas expressem suas opiniões; enquanto os adultos se colocam em uma posição de ouvi-las, de desejar compreendê-las e com vontade de levar em conta o que elas dizem.” (TONUCCI, 1996, P.59).

Tonucci também destaca o apagamento da infância nas cidades, que foram sendo ocupadas e construídas para a vida adulta, delegando às crianças o espaço privado, sendo o espaço público não seguro ou estimulante para a ocupação das crianças. Em 1973, brincavam na rua 75% das crianças, em 2006 esse número já havia caído para 15% (SKENAZY, 2009). Com a construção das cidades ignorando a presença das crianças, elas passaram a perder a sua autonomia nas ruas e seus direitos enquanto cidadãs.

A criança nesse contexto é colocada na sociedade como agente passivo que só recebe, são os adultos que tomam as decisões por elas e são eles que determinam os lugares pertencentes a elas ou não. Assim, além de desconsiderada enquanto cidadã é passível de ser explorada, uma vez que suas necessidades não são questionadas nem mesmo consideradas, a elas é imposto o que a sociedade demanda para dividir as suas responsabilidades diante da infância.

Nessa lógica tradicional de educação a criança tem como objetivo aprender a ler e escrever, de forma que possa se encaixar na sociedade e atender a demandas de produção e consumo. Colocar a criança como agente ativa de participação da cocriação do seu mundo, é dar a ela a oportunidade de verdadeiramente se comunicar, construindo uma educação libertadora, onde a criança passa de reprodutora de palavras para criadora de seu discurso.

“alfabetizar-se não é aprender a repetir palavras, mas a dizer a sua palavra, criadora de cultura” (FREIRE, 1974, P.25).

A proposta pedagógica de Paulo Freire nos cabe com muita força nessa discussão. O professor brasileiro trabalhou por uma pedagogia que resgatasse a força de todas as camadas sociais. A começar pelo diálogo e a construção conjunta, de forma a possibilitar o desenvolvimento de uma consciência crítica da realidade em que se está inserido. Dessa forma ele propõe uma educação libertadora, que quebra com os moldes educacionais usados para todos independente do contexto, mas que fortalece os grupos sociais dentro de suas demandas específicas.

Na construção do espaço público com as crianças, as colocamos para entender sua realidade. Se é na periferia abandonada pelo poder público elas se fortalecem enquanto agentes de transformação dessa realidade, se colocando como voz ativa na cobrança por um espaço digno a elas. Dessa forma sua educação passa a libertá-las de uma realidade imposta, que a elas não dá o direito de transformar, para uma nova realidade, que as dá acesso ao conhecimento da realidade que as envolve e a ferramentas para descobrirem e expressarem suas necessidades e direitos. Dessa forma podemos verdadeiramente situar as crianças enquanto cidadãs.

“O que faz um sujeito cidadão é o fato de ele ser capaz de criar ou modificar, em cooperação com outros, a ordem social na qual quer viver, cujas leis vai cumprir e proteger para dignidade de todos” (TORO, 2005, p. 52).

O que o processo participativo propõe é a construção de um espaço democrático onde as crianças possam não só se expressar, mas serem ouvidas sem condicionamentos vindos de adultos. Um processo desenhado para dar total abertura para o sonho emergir, as colocando como protagonistas no desenvolvimento dos espaços a elas destinados. E cabe ao desenho da metodologia em si pensar em como se adequar em linguagem e processos para acessar a criança e ser acessado por ela.

O discurso da liberdade e expressão só é real quando conseguimos desenhar processos que sejam acessíveis às crianças. E quando criamos um ascendente de desenvolvimento da expressão, acessível a todas as crianças que compõem o grupo a ser trabalhado. Sendo assim a linguagem e as capacidades comunicativas das crianças consideradas, valorizadas e trabalhadas.

“Ninguém é sujeito da autonomia de ninguém. (...) A autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser. (...) É neste sentido que uma pedagogia da autonomia tem de estar centrada em experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas de liberdade (FREIRE, 2019, P.105)

Na inclusão da criança como agente transformador da cidade ela é inserida na equipe de projeto como outro indivíduo, assim como os facilitadores, arquitetos, técnicos e outros. Ela participa do processo e do desenvolvimento da pesquisa como parte fundamental para atingir os resultados, que vem acrescentar o que só ela é capaz. A criança aqui é parte da comunidade, que vivencia seu território, que frequenta a praça, que brinca no espaço, e só ela pode trazer para a equipe formada o que é essencial ao desenho final. O que é de fato demandado para que o espaço seja usufruído pelos verdadeiros usuários. Assim é o processo participativo, e assim é o processo participativo com a participação infantil, com um adendo: o reconhecimento da criança enquanto cidadã, enquanto indivíduo que possui necessidades e pode expressá-las. Dessa forma cortamos o intermediário e vamos direto a fonte especialista do brincar: de onde emerge a criatividade e o olhar imagético para o espaço,

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dado sem filtros para o projetista traduzir em termos técnicos para ser materializado.

Qvortrup, em Nove teses sobre a infância como um fenômeno social expõe e questiona o porquê das crianças não serem levadas em consideração, desde uma análise sociológica que as excluem enquanto grupo social, e que as limitam ao âmbito familiar e escolar, não as enxergando enquanto sujeitos individuais ou autônomas o suficiente para participarem de decisões.

‘‘‘se as crianças aprendem somente aquilo que é ensinado... as espécies deveriam ter acabado há longo tempo – talvez depois de uma só geração!’ (Wartofski, 1981, p. 202). Wartofski argumenta que as crianças são criadoras, inventivas, porque se envolvem em ações propositivas. Não acredito que essa afirmação seja difícil de substanciar; o problema talvez seja seu conhecimento para e pela sociedade, porque a tese das crianças como participantes na construção do mundo é radical o suficiente para tornar-se uma ameaça à ordem social, a qual talvez deva esforçar-se para tratar as crianças como máquinas triviais, a despeito da falsidade desse conceito.” (QVORTRUP, 2011, P.206-207)

Qvortrup sustentando a importância de ouvir o que elas têm a dizer sobre os rumos de decisões que as influenciam diretamente. Assim, para além da importância de incluir as crianças para seu próprio desenvolvimento, também podemos refletir sobre essa importância para o desenvolvimento do mundo, que pode encontrar na imaginação da criança novos caminhos para se seguir.

“Faz falta estarmos convencidos de que as crianças têm coisas para nos dizer e dar, e são diferentes das que sabemos e somos capazes de fazer e que, portanto, vale a pena deixá-los expressar o que pensam de verdade. Para fazer isso, tem de se ajudar as crianças a libertar-se dos estereótipos, das respostas óbvias e triviais [...]. Tem-se que estimular às crianças a atrever-se, a desejar, a inventar e, então, surgirão suas ideias, suas propostas, suas contribuições. Finalmente, tem que se compreender as crianças indo para além da aparente simplicidade de suas propostas. Então estas ideias nos permitirão não somente ter em conta as exigências das crianças, senão fazer que seja melhor a cidade de todos” (TONUCCI, 2015, P. 59-60).

Atuação do CoCriança

O Cocriança trabalha a partir da realização de oficinas, desenvolvidas metodologicamente pelo grupo. Elas envolvem a cocriação e são lúdicas, com a finalidade de fazer as crianças sentirem-se à vontade para se expressar e auxiliá-las a desenvolver e organizar uma opinião crítica a respeito do espaço em que vivem, nos permitindo entender sua visão sobre esses espaços e sua percepção enquanto cidadãs.

As oficinas, realizadas com as crianças, se deram por meio de diferentes estratégias. Foram utilizados jogos lúdicos para entender suas percepções espaciais e a realidade dos bairros; percursos pelo entorno, passando por possíveis áreas de intervenção com maiores potencialidades e deficiências, ouvindo suas opiniões e desejos; desenhos que expressassem sonhos e desejos para o local; e atividades de retorno à comunidade, através das quais as crianças sentissem-se protagonistas e pertencentes àquele espaço, conscientizando também outras pessoas. As oficinas partem da intenção de exploração do universo infantil quanto aos conhecimentos e saberes adquiridos e construídos por elas em suas vivências e experiências nos espaços públicos cotidianos.

As oficinas colocam em evidência seis valores que o grupo CoCriança considera importante: Diálogo, Coopera-

ção, Educação Cidadã, Autonomia, Liberdade e Escuta Ativa para tornar-se um projeto colaborativo que possa devolver o protagonismo às crianças enquanto agentes, usuárias e transformadoras do espaço. A partir desses princípios, seja na escola, nas praças, nos parques, nas ruas, no campo ou na cidade, a criança é escutada e olhada de forma igualitária, respeitosa e consciente.

A escolha em trabalhar, inicialmente, as questões da cidade a partir dos elementos existentes nos bairros fez-se por acreditar ser esta a principal escala urbana vivenciada pelas crianças, onde se estabelecem seus contatos mais familiares e diários. A partir dessa leitura, foi possível ampliar as discussões, buscando uma aproximação com a cidade e trazendo novos temas a serem investigados pelas crianças.

As oficinas costumam ser estruturadas da seguinte maneira: 1. Aquecimento, 2. Atividade principal e 3. Reflexão. Assim, conseguimos fazer com que os encontros sejam aproveitados ao máximo. Isso porque, para além de um único objetivo, através dos outros dois momentos - o inicial e o final -, costumamos introduzir outros elementos que possam contribuir para o maior aprendizado do grupo de crianças como um todo.

Tanto o primeiro quanto o segundo momento da oficina costumam ter abordagem lúdica, nos permitindo desenvolver nossos objetivos principais através de jogos, dinâmicas e da cocriação. Há vezes em que o último momento também se insere numa dinâmica de movimentos, por exemplo, quando fazemos uma roda de ciranda ou uma brincadeira cultural. Entretanto, a última atividade da oficina, a reflexão, costuma acontecer em formato de conversa ou escrita, na qual o grupo faz uma breve avaliação crítica sobre a prática do dia.

As nossas oficinas são separadas, dentro da metodologia, em cinco etapas, subdividindo a solução para o problema em objetivos menores. Focando processualmente em cada um desses objetivos, conseguimos, dentro de cada uma das etapas, alcançar, através das oficinas e atividades com as pessoas envolvidas no processo, uma mudança mais efetiva e assertiva.

Apesar das crianças serem as protagonistas, elas não são as únicas envolvidas no processo. Entendemos que precisamos envolver todos que influenciam de forma direta e indireta nossa construção, como os educadores e os moradores do bairro. Além de oficinas com as crianças e ações com os atores da comunidade, incluímos na metodologia etapas que dizem respeito à nossa equipe e aos nossos processos, necessários para a avaliação da nossa atuação e o retorno para os interessados.

Etapa I Investigação e percepção dos espaços

Esta etapa foi pensada e elaborada devido às necessidades que identificamos ao longo do processo feito no Jd. Elisa Maria e na Vila Anglo. Dessa forma ela ainda não foi aplicada e está em desenvolvimento, mas a criamos a partir da identificação de processos que, se tivéssemos feito anteriormente ao início da cocriação, garantiriam uma atuação mais efetiva e direcionada. O objetivo desta etapa é criar familiaridade e aprender o máximo sobre o território e as pessoas com quem iremos trabalhar. Dividimos nossos objetivos aqui em duas partes: Coleta de dados e aproximação.

Etapa II Sensibilização dos atores e formação continuada

Tendo sempre em vista ampliar o impacto e a perenidade de nossas ações, percebemos a importância, em nossa metodologia, de trabalhar não somente com a infância, mas com os adultos em seu entorno - sobretudo familiares e educadores. Para criar um efeito verdadeiramente multiplicador, é fundamental explicar os porquês da metodologia aplicada, abrindo diálogo para questões relacionadas ao direito da infância à cidade e ao espaço público, ampliando assim o olhar da comunidade para o reconhecimento das crianças como sujeitos ativos nos

1. Etapa descrita com mais detalhes em MUNER, A. COCRIANÇA: experienciar a paisagem para autonomia da criança / Andrea Amato Muner; orientadora Karina Oliveira Leitão. coorientador Catharina Pinheiro Cordeiro dos Santos Lima - São Paulo, 2020.

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processos de transformação urbana e social. Assim, esta etapa busca a sensibilização de educadores, professores, facilitadores, moradores e pessoas em geral que estejam envolvidas direta ou indiretamente com o projeto, com o objetivo de trazer para elas a importância do trabalho e, mais ainda, a importância de ter as crianças como protagonistas nesses processos.

Etapa III Cocriação do projeto

Este é o primeiro momento no qual passamos a trabalhar de forma direta sobre a transformação de um espaço significativo para as crianças envolvidas no projeto. A etapa de cocriação do projeto é o momento no qual vamos entender o que as crianças sonham e desejam e onde vamos pensar com elas em um projeto para o espaço. São realizadas nessa etapa sete oficinas e um momento final de celebração. Entendemos que essas oficinas trazem duas abordagens diferentes: uma de investigação e exploração, que diz respeito ao conhecimento do mundo dessas crianças e da sua visão sobre ele; e outra de desejos e projetos, que diz respeito à aproximação dos desejos das crianças para os espaços que utilizam bem como à sua participação na transformação urbana, a partir de sua concepção como sujeitos ativos.

O presente trabalho tem como objetivo se aprofundar nessa etapa em específico.

Etapa IV Construção coletiva do espaço

O objetivo desta etapa é a comaterialização do espaço. Assim como sonhamos em conjunto com as crianças na etapa anterior, na construção coletiva do espaço, nós materializamos com elas o que foi projetado. Essa etapa inicia-se após a reforma estrutural dos espaços (se for necessária, a depender de cada caso) e diz respeito à sua finalização e caracterização: pintura, jardinagem e construção de brinquedos e brincadeiras. Vemos, nessa etapa, assim como na anterior, duas abordagens distintas dentro das oficinas: um momento inicial de planejamento e um momento posterior de intervenção. Assim, visando fortalecer a voz das crianças e construir um caminho rumo à autonomia, iniciamos esta etapa com o planejamento das ações junto com as crianças.¹

Etapa V Avaliação

Esta etapa final tem como objetivo fazer um balanço da nossa atuação e olhar criticamente para os resultados obtidos, através de critérios estabelecidos em nossos objetivos, a fim de determinar a assertividade e a relevância de nosso trabalho, além de identificar pontos de melhoria. Apesar de ser a última da metodologia, a avaliação é processual e parte de uma atividade de monitoramento permanente do nosso trabalho, prevista para que possamos fazer de forma consistente e eficiente uma análise final de nossos impactos na criança, na comunidade e no território

Entendemos que ao final dos dois projetos piloto, foi possível estruturar a metodologia apresentada. Porém, acreditamos na constante evolução de nossas percepções sobre a cocriação com as crianças e no constante aprendizado que obtemos ao trabalhar com elas, que a todo momento sensibilizam o nosso olhar e ação sobre o impacto que podemos, juntas, ter em cada território.

O objetivo dessa monografia é fazer uma análise mais aproximada da Etapa III de Cocriação do projeto, a fim de identificar pontos de melhoria para um trabalho de codesign mais efetivo, que resulte em um projeto que seja cada vez mais reflexo dos desejos das crianças e que resulte em um projeto de espaço de brincar inovador. Para isso começarei apresentando os dois casos onde nossa metodologia de projeto participativo foi aplicada, e analisarei cada oficina, a fim de criar um ampla visão sobre a prática do processo e os aprendizados obtidos através dela.

TABELA 2. METODOLOGIA COCRIANCA. ACERVO COCRIANCA

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