4 minute read

Introdução

Em 2017, no meu terceiro ano de graduação, eu, juntamente com mais cinco colegas, criei o CoCriança. A partir desse momento minha formação se direcionou totalmente para esse projeto, que trouxe sentido à graduação que havia iniciado há três anos.

Hoje, após quatro anos desse início, com todas as nossas integrantes se formando ou formadas, estamos prestes a nos tornar uma associação, desenhando uma orgulhosa trajetória. Trajetória essa que se iniciou em uma disciplina da FAU, se transformou em uma extensão universitária e caminha para uma nova fase, resistindo às dificuldades da prática extensionista.

Advertisement

Quando iniciamos, nossas primeiras ideias foram inteiramente empíricas, não tínhamos nenhuma base teórica sobre processos participativos e muito menos sobre processos participativos com as crianças. Só sabíamos que nada sabíamos da periferia e de como deveriam ser projetados seus espaços públicos. Em um impulso de curiosidade, de querer conhecer aquele território que estava sendo apresentado para nós, criamos a primeira versão de nossa metodologia de projeto participativo com crianças. A partir de estudos estimulados por aquilo que estávamos construindo, fomos criando amplas bases teóricas que sustentam nosso discurso. A cada novo livro, artigo ou tese que lemos, mais nos impressionamos com o que criamos, por percebermos que tudo o que pensávamos e fazíamos estava alinhado àquilo que outros, em todo canto do mundo, estavam pensando e fazendo.

Com isso passamos a nos sentir parte de um movimento que vejo cada vez mais presente e em crescimento. Um movimento por uma prática de projeto mais responsável, que não se constrói dentro dos muros de uma universidade, mas em contato com a cidade e as pessoas que as habitam.

O CoCriança se transformou em uma escola para mim, nele pude me testar em diversas situações e afinar minha forma de trabalhar, assim como construir responsabilidade, comigo, com o outro e com a cidade. Tenho desde então, iniciado uma busca consciente sobre que tipo de profissional eu quero ser e onde e como eu quero atuar.

O processo de escrita desse trabalho tem acompanhado esse momento de entendimento do meu eu enquanto arquiteta e urbanista, talvez pelo período distinto de pandemia e quarentenas, talvez pelo período comum de finalização de uma graduação, talvez pelo momento que estamos no CoCriança ou talvez por todos esses motivos. Esse conjunto de questionamentos foi se refletindo no desenvolvimento desse trabalho, que entre várias mudanças de temas, pude identificar o que mais me desperta para a prática da arquitetura e urbanismo e também para o trabalho do CoCriança em si: o projeto participativo e o codesign.

Dessa forma abraço minha natureza crítica e proponho aqui um trabalho de análise crítica da de nossa prática, desenvolvida e aplicada nos territórios da Brasilândia e da Vila Anglo no período de 2017 a 2020.

A palavra crítica para mim tem um peso bem importante, pois o CoCriança tem se tornado um projeto de vida, que tanto quero ver crescer e se desenvolver. Tenho para mim que a única forma de evoluirmos é olharmos para nossas falhas e acertos e então ponderar sobre eles, construindo uma nova forma de ser que supere as falhas e aprimore os acertos. O meu objetivo com essa análise é justamente identificar os aspectos que precisam ser trabalhados e refinados, para a potencialização da tecnologia social que temos desenvolvido.

Com isso proponho neste trabalho um olhar para aquilo que construímos enquanto metodologia e prática ao longo de uma etapa: CoCriação do projeto.

Irei primeiramente apresentar o CoCriança, nossa história e objetivos, então me aprofundarei sobre o termo

projeto participativo e sobre a participação da criança, a fim de dar bases para a compreensão de nossa proposta. Com isso retornarei a como atuamos no CoCriança e então apresentarei os dois casos que desenvolvemos até aqui: a Praça Livre para as crianças no Jd. Elisa Maria, Brasilândia e a Praça do Samba na Vila Anglo, Perdizes. Em seguida começarei a analisar oficina por oficina aplicada nesses dois territórios, levantando falhas e reflexões de cada uma delas. Para não limitar a análise à minha visão sobre nossa própria prática, seguirei discorrendo sobre cinco entrevistas que realizei com pessoas que se envolveram no projeto – educadores, coordenadora, vizinhas e arquiteta.

As entrevistas foram feitas com o objetivo de compreender como foi a experiência destas pessoas ao longo do projeto e como eles enxergaram a nossa prática. Levantarei novamente falhas e revelações de cada uma das entrevistas.

Com tudo descrito e analisado compilarei os aprendizados obtidos, a fim de agrupá-los em temas guias para o refinamento de nossa prática. A partir desses temas desenvolverei reflexões e propostas para nós, enquanto grupo, seguirmos em direção a um aperfeiçoamento, com o desejo de que nunca estagnemos em nossa atuação, na contínua busca de formas de somarmos na construção de cidades melhores, de forma coletiva, democrática e que priorize a prática cidadã.

Segundo Paulo Freire em A Pedagogia da Autônomia ensinar exige reflexão crítica sobre a prática e é esse papel que busco assumir no decorrer deste trabalho. Com o desejo de dar início a uma estruturação de uma prática reflexiva crítica, que pretendo que se perpetue no CoCriança.

“O saber que a prática docente espontânea ou quase espontânea, “desarmada”, indiscutivelmente produz é um saber ingênuo, um saber de experiência feito, a que falta rigorosidade metódica que caracteriza a curiosidade epistemológica do sujeito. Este não é o saber que a rigorosidade do pensar certo procura. (...) O de que se precisa é possibilitar, que, voltando-se sobre si mesma, através da reflexão sobre a prática, a curiosidade ingênua, percebendo-se como tal, se vá tornando crítica. ” (FREIRE, 2019, P.40)

This article is from: