1
CAMPANHA NACIONAL PELA REGULARIZAÇÃO DOS TERRITÓRIOS DE QUILOMBOS
QUILOMBOL@ www.cohre.org/quilombos
Editorial
No.05 - julho / 2005
Quilombolas lutam por direitos em Marambaia
A relevância política e a necessidade de elaborar uma pauta que priorize as reivindicações das populações afro-descendentes em defesa de seus direitos territoriais e culturais tornam-se cada dia mais evidentes. Em Honduras, perseguição e morte de uma liderança Garífuna são seguidas de um atentado anônimo contra outro de seus representantes. No Brasil, a Marinha interfere no cotidiano da comunidade quilombola que vive na Ilha da Marambaia, município de Mangaratiba (RJ), há mais de 120 anos, enquanto há notícias vindas do governo federal de que serão realizadas “transferências” de comunidades remanescentes dos quilombos para expansão das instalações do Centro de Lançamento, em Alcântara (MA). No plano jurídico o caso do quilombo urbano da Família Silva, em Porto Alegre (RS), é emblemático do tipo de conflito que pode se instituir quando há colisão entre direitos individuais e coletivos, entre o direito de propriedade e o direito à moradia. Neste boletim, trazemos um apanhado sobre a situação dos conflitos estabelecidos na Ilha da Marambaia, Alcântara e Família Silva. Um artigo sobre os Garífunas expõe as atuais reivindicações de afrodescendentes naquele país. Com isso, buscamos demonstrar que as fronteiras nacionais não impedem a reprodução de diferentes formas de discriminação racial na América.
Vânia Guerra, a nova presidente da Arqimar, na posse da entidade em 1 de abril
As 156 famílias descendentes de escravos que vivem há mais de um século em Marambaia, litoral do Rio de Janeiro, enfrentam os interesses da Marinha do Brasil e sofrem restrições na utilização de suas residências e na possibilidade de permanecer na área. Marambaia é uma estreita faixa de terra, entre o oceano e a Baía de Sepetiba. Era escala obrigatória para navios negreiros que cruzavam o Atlântico Sul e local para quarentena de escravos recém-chegados. Com o fim da escravidão e a decadência econômica do antigo proprietário, a população remanescente conseguiu sobreviver e criar seus descendentes. Em 1971, a Marinha assumiu o controle da ilha e instalou o Centro de Adestramento de Fuzileiros Navais para formação de recrutas. Na década de 90, os moradores tornaram-se alvo de sucessivos processos de despejo e de reintegração de posse movidos pela Marinha, além de proibições e restrições para construção e reformas nas edificações. A Marinha alega a existência de uma autorização de uso que teria sido assinada por alguns moradores e cujos termos não estariam sendo obedecidos. A comunidade intensificou o movimento pelo reconhecimento como remanescente de quilombos. Em 1998, em carta ao então presidente Fernando Henrique Cardoso, os moradores denunciaram o risco da perda do direito de permanência, demolição de casas e falta de acesso a escolas. Em 2003, foi fundada a Associação de Remanescentes de Quilombos da Ilha
da Marambaia (ARQIMAR) e concluído o laudo antropológico que resultou de um convênio entre Koinonia e Fundação Cultural Palmares. Marambaia é uma Área de Proteção Ambiental, considerada um paraíso ecológico e habitat de animais silvestres. Além do interesse militar, a área é motivo de atenção de políticos como o prefeito do Rio de Janeiro, César Maia (PFL). Em artigo publicado no jornal “O Globo” de 25 fevereiro de 2005, Maia alega deterioração provocada pela ‘invasão’ da área e critica a regulamentação de territórios quilombolas, especificamente o autoreconhecimento das populações, previsto no decreto 4.887/2003. Em julho de 2004, o PFL já havia apresentado uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) ao Supremo Tribunal Federal pedindo a anulação do Decreto e de seus efeitos legais. Em resposta, os moradores denunciaram que os treinamentos da Marinha teriam grande impacto sobre o ecossistema da região. A população também alega que o direito à moradia adequada é constantemente violado e a construção de um banheiro seria motivo para a expulsão de uma família. Em fevereiro de 2005, a Marinha suspendeu um estudo do INCRA que já estava em fase de demarcação. Segundo Celso Souza, gestor de programas do INCRA (RJ), estão previstas reuniões entre o Instituto e Ministério da Defesa em julho para analisar a retomada do trabalho.