Boletim Setembro 05 Portugues

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CAMPANHA NACIONAL PELA REGULARIZAÇÃO DOS TERRITÓRIOS DE QUILOMBOS

QUILOMBOL@ www.cohre.org/quilombos

Editorial

Marambaia

É urgente que os diferentes órgãos e autoridades federais formulem uma política para as chamadas áreas de segurança nacional que seja capaz de levar em conta não só os interesses militares, mas também a garantia dos direitos das populações que habitam o local. O caso da comunidade que vive há mais de 120 anos na Ilha da Marambaia, litoral do Rio de Janeiro, torna-se emblemático já que a Marinha interfere no cotidiano e viola direitos humanos da população devido à omissão dos sucessivos governos federais em providenciar a titulação do território de quilombo. Neste boletim, atualizamos as informações sobre o conflito estabelecido na Ilha da Marambaia e apresentamos um breve relato sobre as atividades de formação desenvolvidas pelo COHRE, na região. Trazemos ainda um artigo sobre as estratégias utilizadas pela Marinha para dificultar a permanência dos quilombolas na Ilha, o depoimento de uma liderança e informações sobre as medidas jurídicas aplicadas ao caso.

A comunidade de quilombolas que vive há mais de um século na Ilha da Marambaia, localizada no litoral do município de Mangaratiba próximo à capital fluminense, está em conflito com a Marinha do Brasil. Os moradores reivindicam o direito de utilização plena do território que tradicionalmente ocupam para moradia, trabalho, alimentação e desenvolvimento de suas atividades culturais e espirituais. A área é declarada de segurança nacional e considerada propriedade da União, ficando sob jurisdição da Marinha, Exército e Aeronáutica. O problema é que quando as bases militares foram instaladas em 1971, já existia a comunidade quilombola formada durante o período de escravidão negra, já que a ilha foi utilizada como ponto de desembarque e quarentena de escravos. Atualmente, os descendentes de escravos moradores da ilha enfrentam uma série de limitações já que a questão da segurança nacional é utilizada pelos militares como justificativa para impor vigilância de correspondência e restrições à circulação dos quilombolas, familiares e visitantes. A comunidade denuncia que a ausência de título que garanta a segurança na posse e de regras de utilização do território resulta em situações em que as famílias ficam reféns da autoridade militar que impõe restrições ao exercício dos seus direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. A Ilha tem nove praias e um pequeno aglomerado humano no seu interior. A população de cerca de 340 pessoas mora em 79 casas, divididas entre o “lado de cima” e “lado de baixo” em função de diferenças históricas na organização do trabalho, parentesco e religião. O desafio na região é harmonizar formas de utilização territorial bastante distintas. A ocupação histórica das comunidades negras criou caminhos, trilhas, sítios arqueológicos, cemitério e área residencial. Já os militares e a determinação de uma área de segurança nacional resultaram na construção de estradas, depósito de lixo, heliporto, campo de tiro, campo de pouso e áreas de manobra. Além disso, uma empresa privada de cultivo de algas marinhas para produção de cosméticos e alimentos, denominada 7 Ondas Biomar, está instalada na Ilha desde 2004. Dos 70 funcionários que trabalham na empresa, apenas três são da comunidade de quilombos. A empresa tem causado danos ao meio ambiente como a diminuição de peixes, siris e camarões. Os

No.07 - setembro / 2005

Regras militares violam direitos quilombolas

moradores não podem pescar com rede na área do CADIM (Centro de Adestramento Militar), mas a empresa está autorizada a utilizar o equipamento provocando a morte de tartarugas e pequenos peixes. Além de impor constrangimentos aos moradores como forma de impedir a mobilização política da população, as proibições da Marinha quanto à construção, expansão ou reforma das unidades habitacionais, corroboradas por decisão judicial, forçam o fenômeno de coabitação – mais de uma família vivendo na mesma casa. Os jovens casais não podem ter moradia própria e as casas demolidas como resultado de ações de reintegração de posse ou deterioradas em função das más condições da edificação não podem ser reconstruídas. Com a instalação do Centro de Adestramento da Marinha (CADIM), em 1971, muitas famílias foram deslocadas forçadamente e outras receberam indenizações para mudar para o continente. A Marinha abriu concurso público e aqueles membros da comunidade que passaram no concurso público foram morar em casas da Marinha localizadas na Ilha. Entretanto, quando as pessoas se aposentavam, eram obrigadas a deixar as residências. Até 1995, algumas autorizações para construir ou reformar casas foram concedidas. Em 1997 a Marinha ajuizou ações de reintegração de posse individuais contra os moradores, alegando que as famílias haviam invadido as áreas e que o exercício do direito de moradia era decorrente da mera tolerância da Marinha. Muitas citações que estabeleciam data para contestação para as famílias chegavam às suas mãos com o prazo vencido, o que lhes impedia de recorrer contra as falsas argumentações da Marinha. Entre 1997 e 1999, houve expulsões de moradores e demolições de casas como resultado de sentenças judiciais em favor da Marinha nos processos de reintegração de posse. Como resultado de uma Ação Civil Pública do Ministério Público Federal, a Justiça Federal determinou, em 2002, a suspensão das reintegrações de posse contra aqueles que ainda não tinham sido expulsos da área e determinou à FCP que iniciasse o processo de reconhecimento do território de quilombo, o qual até a presente data não se encontra concluído (ver Observatório).


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