Aline De Camargo Barros. Chamado Expositores

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OS MUROS DA CIDADE Eixo temático: Iniciação Científica, complementação na formação

Aline de Camargo Barros Centro Universitário Senac http://alinecamargobarros.wixsite.com/muros alinecamargobarros@gmail.com

Resumo Esta pesquisa reflete e investiga os muros e os limites urbanos na cidade de São Paulo e seu impacto na vida pública, a identidade e a memória do indivíduo no espaço urbano. A partir de um método etnográfico, este estudo amplia a noção de muros da cidade, considerando seu caráter físico e simbólico. O muro mostra se caráter de dualidade a partir de um caráter social, porém, também agressivo e dominador, tornando a cidade mais temerosa, segregada e monótona, sem vida e sem história e, portanto, sem identidade e sem memória. São elementos construídos a todo momento a partir da produção capitalista e dos valores sociais atuais, tomando o lugar de outras histórias e patrimônios da nossa metrópole, prejudicando a identidade e vida urbana, como também refletindo sobre o patrimônio que estamos deixando para as futuras gerações.

Palavras – chave: muros; limites urbanos; identidade; memória; cidade de São Paulo.

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Introdução O patrimônio e memória de nossas cidades estão cada vez mais ameaçados pelas novas construções baseadas no sistema capitalismo neoliberal e valores de nossa sociedade atual, normalmente permeados de medo, descriminação e preconceito. Diante de tal cenário, as antigas construções, carregadas de história e identidade, dão espaço a novas edificações muradas e monótonas, sem qualquer tipo de vínculo com a cidade e seus cidadãos. Esta pesquisa investiga esse elemento tão comum na metrópole contemporânea: os muros e os limites urbanos, em especial, na cidade de São Paulo. A cidade, um cenário onde todos pertencem e constroem juntos, onde a diversidade cultural e social se manifestam e onde a memória e identidade de um povo e seu território devem ser preservadas, torna-se, agora, enclausurada e vazia. O muro, que até então parece inútil ou neutro, é construção hostil que separa e esconde um lado do outro, barra toda e qualquer manifestação de pluralidade pertencentes ao espaço público e seu cotidiano, como também, limita as percepções e sensações do andarilho contemporâneo na metrópole, prejudicando sua identidade e memória no espaço público. Partindo das percepções do andarilho contemporâneo na cidade de São Paulo, os muros e os limites urbanos são investigados, reconhecidos e repensados de maneira a criar um vínculo e identidade do indivíduo, seu espaço e sua história.

Objetivos Esta pesquisa tem como objetivo refletir e investigar os muros e limites urbanos da cidade de São Paulo, que assim como em outras metrópoles contemporâneas, estão cada vez mais presentes nas construções atuais, tomando o lugar do patrimônio e memória das nossas cidades. A partir de então, abre-se a discussão sobre quais são os impactos de tais barreiras urbanas na vida pública, na identidade e na memória de um povo e seu espaço e como podemos repensá-las de forma a criar um maior vínculo entre a sociedade e seu território-identidade.

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Marco Conceitual O patrimônio e a memória de uma sociedade e seu território dependem não apenas da produção e desenvolvimento econômico e político, como também da realidade social em que vivemos. Podemos dizer que a preservação da história e construção urbana estão cada vez mais ameaçadas de acordo com o avanço do capitalismo neoliberal, como por exemplo, as ações do mercado imobiliário e o fenômeno da gentrificação, como também com os valores da sociedade atual, repleta de limites, medos e preconceitos que refletem na maneira em que construímos e experimentamos o espaço público. É visto que, diante de tal cenário, o patrimônio foi e continua sendo demolido, em alguns casos, sem qualquer consideração, enquanto a cidade é reconstruída e refeita a partir dessa realidade capitalista e segregada. Assim, tomando como exemplo a cidade de São Paulo, nos vemos diante de um cenário urbano onde aquilo que carrega história e memória de um povo em seu território estão, literalmente, caindo aos pedaços e dando espaço para construções e edificações cada vez mais hostis e insignificantes para a vida pública: as construções muradas.

Mas o que é um muro, afinal? Partindo de um método etnográfico, os muros foram investigados a partir das percepções e visões do andarilho contemporâneo. O andarilho, neste caso, é o pedestre, aquele do lado de fora dos muros, exposto, que vagueia lentamente como uma prática natural da existência humana e conhece o espaço a partir da incorporação de suas percepções e experiências (CARERI, 2003).

A partir desta condicionante e baseando-se em um método de pesquisa etnográfico pela cidade de São Paulo, foram identificados vários tipos de muros, tanto em sua dimensão oculta quanto física. Assim, o conceito e definição de muro estende-se e vai além da parede dura e maciça que marca e protege as residências, ele também é qualquer limite urbano, seja ele físico e concreto ou oculto e simbólico, que surge, desde de sua época primitiva para proteger e unir um povo, até sua era contemporânea, como uma forma de domínio e repressão entre a luta de classes e grupos heterogêneos. Muros vendidos como ilusão de segurança, garantia de liberdade e ordem e fuga dos preconceitos e medo do “outro”, considerado diferente e inimigo.

Mas os muros evidenciam uma sociedade segregada, preconceituosa e medrosa, onde o lado de fora torna-se tedioso e afeta diretamente a vida urbana e a liberdade do andarilho contemporâneo. O espaço Centro Universitário Senac


público passa a ser confuso e deixa de ser cenestésico, não ativa mais a memória e identidade do indivíduo. Logo, o indivíduo sente não mais pertencer aquele território ou ter o direito de usá-lo da forma que gostaria, não tem o espaço como seu e torna-se insatisfeito com ele. A rua morre, torna-se cada vez mais murada de fronteiras físicas e ocultas entre uns e outros. Os muros matam a cidade democrática, a memória e identidade de cada indivíduo e geram ainda mais medo e insegurança em uma cidade vazia, segregada e monótona.

Como, então, podemos criar novos atrativos na cidade murada afim de fortalecer a identidade e a memória dos indivíduos no seu território? Sabemos que os muros e as distâncias são, de alguma forma, necessários para a sobrevivência do homem na esfera social. Portanto, o propósito dessa pesquisa não é projetar uma cidade sem muros, mas sim, apresentar resultados que têm como objetivo a melhor compreensão desse elemento tão comum na atual metrópole em que vivemos, levando-nos a refletir como eles podem ser projetados e construídos de diferentes formas, de maneira que crie e potencialize experiências e interações tanto para aquele do lado de fora do muro quanto para aquele em seu interior. Assim, o muro torna-se estrutura base para novas possibilidades e atrativos no espaço público, fortalecendo a identidade e memória dos indivíduos com seu território.

Metodologia Para melhor compreensão dos muros na cidade de São Paulo visto pelo andarilho contemporâneo, o método desta pesquisa partiu de um processo empírico etnográfico. Logo, eu tornei-me um andarilho, perambulei por São Paulo registrando os diferentes muros que encontrava em meu caminho. Foram produzidos treze mapas a partir das minhas andanças, nos quais numerei os limites urbanos encontrados, categorizando-os de acordo com suas características, implantação e de suas interações e impactos com os indivíduos e o espaço público. Foram categorizados setenta tipos de muros encontrados por São Paulo, ocultos ou simbólicos e vistos como verdadeiros personagens na cidade.

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Figura 1: Os treze mapas das andanças por São Paulo.

Figura 2: exemplo de um mapa das andanças por São Paulo, onde o trajeto e os muros mais relevantes são demarcados e registrados.

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Figura 3,4,5,6: exemplos de muros e limites urbanos registrados pelas andanças por São Paulo.

Figura 7,8,9: registrando a superfície do muro com papel vegetal e giz de cera.

Resultados A partir da categorização dos muros e sua melhor compreensão, foi possível pensar em três diferentes maneiras de repensar os muros de maneira a impactar na vivência e possibilidade da vida urbana.

O Rastro experimental consiste em uma intervenção efêmera em um dos muros próximos ao Centro Universitário Senac Santo Amaro, em São Paulo, realizado para o evento OCUPA LAR - Laboratório de Arquitetura Responsável, da Extensão Universitária ministrada pela professora Marcella Ocke. A experiência levou a construção de uma estrutura parasita ao muro já existente, proporcionando uma outra percepção de sua geometria, materialidade, forma e, principalmente, uso e interação.

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Figura 10: Estrutura parasita ao muro já existente. Consiste em dois módulos de pallets que criam novas formas, usos e interações junto ao muro original.

O Rastro de um relato consiste na narrativa de uma suposta cidade de muros, a cidade de Muur, como uma alegoria da cidade de São Paulo, onde os muros são a principal morada dos indivíduos, mudando a maneira na qual vivem, usam o espaço público e privado e se relacionam entre si.

Figura 11: Cidade de Muur.

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Figura 12: A cidade de Muur e o muro da segregação.

Figura 13: A cidade de Muur e o rio murado.

Por fim, o Rastro projetual consiste em experimentações com três diferentes muros encontrados durante as minhas andanças pela cidade que se diferem não apenas em suas características físicas e formais, como também, em sua implantação, localização e, principalmente, aquilo que está sendo dividido ou protegido, o “entre” dos muros. Estes muros são repensados e desnaturalizados de maneira a experimentar formas, materiais e implantações variadas, afim de otimizar e estimular experiências e interações entre o lado de dentro e o lado de fora. Aquilo que está entre ele se mescla e volta-se à cidade, apropria-se e identifica-se com o espaço comum, ou seja, cria-se uma permeabilidade entre os dois lados do muro. Com novos

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atrativos e experiências urbanas, é possível fortalecer a identidade e memória do espaço, como também, construir um novo patrimônio para as futuras gerações.

Figura 14, 15, 16: O muro que divide a rua de um prédio residencial, repensado e redesenhado a partir de recortes em baixo relevo que possibilitavam diferentes usos e interações para o andarilho na rua.

Figura 17: O muro geométrico que divide a rua de uma escola, no qual sua geometria e implantação formam espaços lúdicos e permeáveis.

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Figura 18: O muro que divide a rua do Museu Brasileiro de Escultura, onde a grade original é desconstruída em estacas e blocos de concreto, formando caminhos e atrativos tanto para o indivíduo do lado de dentro quanto do lado de fora.

Conclusões O muro mostra sua dualidade: ao mesmo tempo que oprime, reprime e limita, também é necessário para vitalidade humana e organização do espaço. Desta maneira, assumindo a necessidade do muro e seu impacto no espaço público, memória e identidade, este trabalho apresentou uma forma de reconhecer e experimentar os muros da cidade murada. Resta saber, então, se a cidade e seus habitantes estão dispostos a se expor e fortalecer sua identidade e memória no espaço público.

Referências AGIER, Michel. Encontros Etnográficos. São Paulo: Editora Unesp, 2015, 100p. BAUMAN, Zygmund. Confiança e medo na cidade. Rio de Janeiro: ZAHAR, 2009. 94 p. BAUMAN, Zygmunt. Medo Líquido. São Paulo: Zahar, 2008. 240p. CALDEIRA, Teresa. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora 34, 1999, p400. CARERI, Francesco. Walkscapes: el andar como pratica estética. Barcelona: Gustavo Gili, 2003. 103p. Centro Universitário Senac


HALL, Edward T. A dimensão oculta. São Paulo: Martins Fontes, 2005. 266 p. HARVEY, David. Justice, Nature and the Geography of Difference. Inglaterra: Blackwell, 1996. 480 p. JACQUES,

Paola

Berenstein.

Corpografias

Urbanas.

Disponível

em:<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/08.093/165>. Acessado em: 02/2008. KEHL, Maria Rita. Olhar no olho do outro. Disponível em:<http://piseagrama.org/olhar-no-olho-dooutro/>. Acessado em 10/04/2016. KOOLHAAS, Rem; MAU, Bruce; WERLEMANN, Hans. S, M, L, XL. Nova York: Monacelli Press, 1997, 1376p. KOOLHAAS, Rem. Três textos sobre a cidade. São Paulo: Gustavo Gili, 2010, 112p. PALLASMA, Juhani. Os olhos da pele: a arquitetura e os sentidos. Porto Alegre: Bookman, 2011. 76 p. SCHWARCZ,

Lilia.

Dialética

do

muro.

Disponível

em:

<http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1755849-dialetica-do-muro.shtml>. Acessado em: 03/04/2016.

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