A MESQUITA COMO REPRESENTAÇÃO DA CULTURA ÁRABE EM SÃO PAULO Eixo temático 2: A vivência como paradigma de transição, do tangível ao intangível
Henrique Garcia Prado Orientado por Prof.ª Dr.ª Andréa de Oliveira Tourinho Universidade São Judas Tadeu henriquegprado@hotmail.com
Resumo: A presente pesquisa tem por objetivo analisar a importância da representação da cultura árabe para a cidade de São Paulo através do estudo das cinco principais mesquitas ali existentes, pretendendo contribuir no reconhecimento desta cultura para a identidade urbana, conjugando-se os valores tangíveis e intangíveis do patrimônio. A pesquisa compreende o estudo da presença dos imigrantes árabes na cidade e sua contribuição para a construção identitária da cultura de nossa sociedade; a análise da construção histórica da mesquita, enfatizando a sua importância para a fé e para a arte islâmica. Por fim, busca-se realizar a análise tipológica das cinco mesquitas e comparar o tipo recorrente em São Paulo com a tipologia tradicional desta arquitetura, considerando sua importância social para a comunidade árabe e sua consistência e notabilidade na paisagem da cidade. Palavras-chave: Mesquita, Islamismo, Identidade, Patrimônio, São Paulo.
Introdução São Paulo é caracterizada por ser uma cidade multicultural e por concentrar pessoas de diversas etnias que vieram e se estabeleceram aqui ao longo de seu processo histórico de formação – como as primeiras levas de imigrantes árabes que aqui chegaram desde o século XIX - e, mesmo atualmente, com os novos grupos de imigrantes provindos de países abalados por guerras ou não – incluídos, neste grupo, imigrantes sírios de maioria mulçumana. A cidade os acolhe aberta e receptivamente, integrando-os a nossa comunidade. No entanto, são muito poucos os estudos, no campo da arquitetura e do urbanismo, referentes à relevância da representação da cultura árabe em São Paulo. Desta forma, o objeto da presente
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pesquisa é o estudo da mesquita, templo tradicional do mundo mulçumano, como representação desta cultura na maior metrópole da América Latina, com foco nas cinco principais mesquitas da cidade, sobretudo através de análise tipológica e comparativa com a tipologia tradicional deste tipo de arquitetura. Objetivos O propósito da pesquisa é identificar e reconhecer a expressão da cultura árabe em São Paulo a partir do edifício religioso. Desta forma, deve-se compreender esta cultura árabe na cidade de São Paulo, e sua história, a partir da análise de sua arquitetura religiosa, por meio dos estudos de caso de suas principais cinco mesquitas: Mesquita Brasil - Sociedade Beneficente Mulçumana no bairro do Cambuci, 1953-56; Mesquita de Santo Amaro - Sociedade Beneficente de Santo Amaro, 1971; Mesquita de São Miguel Paulista, 1978-82; Mesquita Muhammad Rasul Allah ou Mesquita do Brás, 1980; e Mesquita do Pari - Liga da Juventude Islâmica Beneficente do Brasil, 1995. Para tanto, é necessário, identificar as características desses edifícios, bem como compará-los com a tipologia recorrente da mesquita na tradição árabe. Conceitos Os primeiros imigrantes árabes que chegaram ao Brasil foram os cristãos maronitas já no final do século XIX provindos da região atualmente conhecida por Síria e Líbano. A partir do início do século XX, com o advento da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), outra leva de imigrantes desembarcaram nos portos brasileiros, principalmente no porto de Santos, em São Paulo com a perspectiva de enriquecerem e posteriormente retornarem à sua terra natal, em sua maioria provindos do Líbano e do Oriente Médio, e desta vez, não apenas os cristãos maronitas, mas também os mulçumanos: [...] Se os primeiros tempos da imigração, correspondendo ao período de hegemonia do Império Turco, trouxeram para cá intelectuais (professores, poetas, advogados, médicos) que fugiam das perseguições políticas e religiosas, isso não ocorreu com os que emigraram no pós-guerra, jovens semianalfabetos de origem camponesa. (OSMAN, 2011:167)
A perpetuação da cultura e religião foram questões essenciais para eles que passariam a transmitir esses valores aos seus descendentes, principalmente em se tratando dos imigrantes mulçumanos, pois, devido ao fato do Brasil ser um país com maioria cristã, os costumes e ensinamentos dos preceitos da religião islâmica deveriam - e foram - muito rigorosos de pais para filhos. A sua
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expressão identitária foi conferida à cidade pela presença da Mesquita1, a partir de 1929. Apesar da quantidade de imigrantes mulçumanos nas primeiras décadas do século XX ser insignificante, foi suficiente para a fundação da entidade e seu estabelecimento em um pequeno espaço no bairro da Mooca: “Até 1956, não havia [...] uma mesquita grande e com características de mesquita. Então chegou o primeiro xeque, em 1956, [que] incentivou a comunidade a começar a construir uma mesquita propriamente dita” (HAYEK apud NAKASHIMA, 2011:411)2. Uma vez que a grande demanda de imigrantes mulçumanos, desde meados do século passado - pós Segunda Guerra Mundial (1939-1945) -, favoreceu a concretização de um espaço maior, foi erigida a Mesquita Brasil, no bairro do Cambuci, região central da cidade de São Paulo, considerada a primeira edificada, com a tipologia tradicional desse edifício religioso, no país e na América Latina.
Imagem 1: Exterior da Mesquita Brasil no bairro do Cambuci. (Fonte: Acervo do Autor, 2017).
Metodologia A pesquisa científica busca, no campo da fundamentação teórica, desvendar caminhos para uma nova compreensão sobre a temática proposta. Para tanto, são abordadas temáticas que permitam a investigação do objeto de estudo.
1
A mesquita é um lugar impreterivelmente social, não apenas destinada ao culto religioso e está
sempre aberta à comunidade, diferentemente da Igreja Católica que é um edifício estritamente religioso. 2
De acordo com Hayek em Nakashima (2012), a palavra Sheikh (grafia inglesa), Cheikh, Cheique ou
xeque (grafia portuguesa), vem do árabe e significa “idoso”. Foi adotada como título por muçulmanos e não muçulmanos árabes, como sinal de respeito. Posteriormente foi adotada para designar o teólogo muçulmano que oficia as orações nas mesquitas. Universidade São Judas Tadeu
Num primeiro momento, realizou-se a revisão bibliográfica sobre o tema e buscou-se pesquisar em arquivos os dados de documentação primária sobre as mesquitas de São Paulo para, posteriormente, serem realizadas visitas a campo e levantamento das características dos objetos de estudo. Por fim, a pesquisa prevê a compatibilização destas informações e análises gráficas da tipologia dos objetos de estudo atentando-se à comparação tipológica com o tipo tradicional da mesquita. Resultados Parciais As pesquisas realizadas já forneceram várias informações sobre o histórico dos árabes no Brasil, a religião, a arte islâmica e o templo sagrado dos mulçumanos, bem como sobre as mesquitas de São Paulo, em especial a respeito da Mesquita Brasil, que é o primeiro templo árabe-islâmico edificado na cidade. Já foi obtido o projeto original do templo religioso, através de pesquisa no Arquivo Geral da Prefeitura de São Paulo, obtendo-se informações e material gráfico sobre o projeto original da Mesquita Brasil. A partir do material descrito acima foi possível realizar análises a seu respeito, que foi construída na metade do século passado (1956) em estilo arquitetônico “neomameluco”. Seu exterior originalmente branco com dois minaretes (embora distintos) e seu interior pintado com característica das estamparias egípcias evoca a arquitetura tradicional do Oriente Médio3. Serviu como principal templo religioso mulçumano na cidade até a década de 1970, na qual, devido à crescente leva de imigrantes árabes mulçumanos advindos no pós Segunda Guerra, foram edificadas outras mesquitas no bairro de Santo Amaro (1971), em São Miguel Paulista (1978-82), no Brás (1980), e mais recentemente, no bairro do Pari (1995). A Mesquita Brasil está em processo de tombamento no órgão de preservação do patrimônio na cidade de São Paulo, expressando a importância deste edifício para o patrimônio da cidade.
3
De acordo com o relato de Mohamad Sabouri, relações públicas da Mesquita Brasil, em entrevista
concedida ao autor na própria mesquita, em 09 jan. 2017, e, a partir de análise dos desenhos de aprovação junto à prefeitura de São Paulo, nota-se que os dois minaretes diferem entre si desde a terceira etapa de construção da torre, que pode ter sido prejudicada pela falta de recursos da Sociedade Beneficente à época de construção da Mesquita Brasil. Universidade São Judas Tadeu
Imagem 2: Desenho das elevações da Mesquita Brasil, sendo possível notar os dois minaretes simétricos, 1954. (Fonte: Arquivo Geral de São Paulo, 2017).
Imagem 3: Exterior da Mesquita Brasil, sendo possível notar os dois minaretes dispares. (Fonte: Acervo do Autor, 2017).
Além destas principais mesquitas, encontrou-se no decorrer das pesquisas outras mesquitas na cidade que funcionam em locais adaptados para o culto religioso, como em casas destinadas originalmente à habitação e outros. A mesquita do Tatuapé, no bairro de mesmo nome, é um exemplo deste tipo de local destinado ao culto religioso mulçumano em São Paulo, instalada em uma casa comum numa zona residencial.
Imagem 4: Mesquita do Tatuapé. (Fonte: Google Street View, 2017). Universidade São Judas Tadeu
Conclusão Preliminar A inauguração da primeira mesquita na década de 1950, a Mesquita Brasil, permite afirmar o quão importante é esta comunidade na cidade, apesar do Islamismo, em comparação a outras religiões, estar em desvantagem em nosso país. Também permite afirmar que compreender a história da mesquita é entender o valor histórico dessa cultura para a cidade de São Paulo, sendo que a figura da mesquita não passa despercebida na paisagem da cidade, evocando um passado que continua no presente, afirmando a cultura e a identidade deste povo em nossa cidade. Referências ALMEIDA, Renata Geraissati Castro de. Um imigrante Sírio-Libanês na São Paulo em Transformação: vida, melhoramentos e negócios urbanos na virada do século XIX para o XX. In: PEIXOTO, Elane Ribeiro; DERNTL, Maria Fernanda; PALAZZO, Pedro Paulo; TREVISAN, Ricardo (Orgs.) Tempos e escalas da cidade e do urbanismo. Anais do XIII Seminário de História da Cidade e do Urbanismo. Brasília, DF: Universidade Brasília- Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, 2014. Disponível em: <http://www.shcu2014.com.br/content/imigrante-sirio-libanes-na-sao-paulo-em-transformacaovida-melhoramentos-e-negocios-urbanos>. Acesso em: 18 Mai. 2016. ANBA - AGÊNCIA DE NOTÍCIAS BRASIL-ÁRABE. Apresenta notícias da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, com objetivo de promover a comunicação entre brasileiros e árabes. Disponível em: < http://www.anba.com.br/>. Acesso em: 24 Fev. 2017. CLUB HOMS. Apresenta informações do tradicional clube sírio fundado em 1920 em São Paulo, como suas atividades e eventos. Disponível em: < http://clubhoms.org.br/#oclube>. Acesso em: 25 Fev. 2017. COLE, Emily. História Ilustrada da Arquitetura. São Paulo: Publifolha, 2013. 352 p. DPH. Departamento do Patrimônio Histórico. Guia de bens culturais da cidade de São Paulo. São Paulo: Imprensa Oficial, 2012. 417 p. ESPORTE CLUBE SÍRIO. Apresenta informações sobre o clube tradicional sírio fundado em 1917 em São Paulo, como suas atividades e eventos. Disponível em < http://www.sirio.org.br/>. Acesso em: 24 Fev. 2017 FARAH, Paulo Daniel. O Islã. São Paulo: Publifolha, 2001. 112 p.
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