DO NÃO LUGAR AO LUGAR ANTROPOLÓGICO: A OBRA DE RUBENS MANO Marina Barbosa de Almeida Frúgoli Orientador: Prof. Dr. Sérgio Régis Moreira Martins Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo marinafrugoli@gmail.com 1. Introdução A sociedade contemporânea é produtora de não-lugares, na medida em que os deslocamentos excessivos e o avanço da globalização e da cidade genérica resulta em espaços não relacionais, sem identidade e sem participação. Vivemos uma cultura da hegemonia da visualidade, na qual os demais sentidos do corpo são ignorados, e que se reflete em uma produção de arquitetura voltada para a sua aparência, a sua rápida apreensão e consumo, e pouco comprometida com o corpo e a tectônica. A partir dos anos 60, artistas vem se aproximando de práticas arquitetônicas, no chamado campo ampliado da escultura, que visam trazer a importância da relação do corpo com o espaço para a realização da obra. Também nesta década, em Paris, um grupo denominado a Internacional Situacionista fez uma crítica radical ao planejamento urbano, que engessa e esteriliza a vida urbana, propondo derivas urbanas e construções de situações lúdicas no espaço público como forma de libertação. É neste cenário cultural que o artista paulistano Rubens Mano, arquiteto de formação, faz as suas sutis intervenções no espaço público, proporcionado a quebra da normalidade e um novo olhar sobre o lugar. 2. Objetivos A partir das intervenções urbanas efêmeras de Rubens Mano feitas em São Paulo, chamadas por ele de ‘intervalos transitivos’, busca-se compreender as relações contemporâneas entre arte e arquitetura, no que diz respeito à percepção do espaço e na sua transformação em lugar através da vivência e significação. 3. Marco Conceitual A pesquisa gira em torno do conceito de não-lugar, firmada pelo antropólogo Marc Augé, e como artistas e arquitetos vem enfrentando a perda de significação do espaço. Por um lado, o campo ampliado da escultura, em que se aproxima muito de práticas arquitetônicas, traz ao sujeito a consciência de seu corpo como parte da obra, que só se realiza quando este faz um percurso pelo espaço. Por outro lado, o conceito de arquitetura líquida prioriza a atenção dos arquitetos aos movimentos dos corpos no espaço, Pesquisa financiada pela pró-Reitoria de Pesquisa da Universidade de São Paulo
dando centralidade ao sujeito, em contraposição a uma arquitetura pensada primordialmente no objeto construído. Pode uma intervenção espacial trazer o anônimo transeunte de volta à condição de Sujeito na cidade? 4. Metodologia A primeira etapa constitui na leitura de textos que formam a base conceitual com a qual trabalha o artista, de autores como Marc Augé, Ignasi de Solá-Morales e do grupo Internacional Situacionista, liderado pelo filósofo Guy Debord. A partir desta contextualização, descrição e análise de obras através de vivências diretas e de textos escritos por críticos e pelo próprio Rubens Mano, à luz da tênue fronteira entre arte e arquitetura. Foram selecionadas obras essenciais de sua carreira, como ‘Vazadores’ (2002) e ‘Detector de Ausências’ (1994), e também da sua exposição ‘Incessante-Incurável’ (2011) na galeria Milan. A segunda etapa é uma comparação com outros artistas contemporâneos que trabalham no limiar entre a arte e a arquitetura e que trazem questionamentos semelhantes sobre a produção dos espaços urbanos e a forma como nos relacionamos com eles. 5. Resultados Com nada mais do que intervenções sutis, o trabalho de Rubens Mano lida com os processos de constituição do espaço, provoca no pedestre um estranhamento transformador, despertando-o da anestesia dos sentidos em que se vive na metrópole. A intervenção ‘Calçada’ é um elemento funcional que modifica o uso do espaço público, dando a possibilidade para que este seja mais participativo. Já ‘Bueiro’ e ‘Detector de Ausências’ são ativadores de percepção, trazendo a fruição estética ao percurso urbano no campo do lugar comum, e não do espetáculo. Obras como ‘Insondável’ e ‘Inconcluso’, pequenos cortes e demolições no interior da galeria Milan, o autêntico “cubo branco” genérico, que revelam as estruturas construtivas e administrativas da galeria, remetem a procedimentos muito usados por Gordon Matta-Clark. Ainda que de maneiras distintas, ambos os artistas dão transparência e revelam a presença da tectônica. Com base no conceito de arquitetura líquida, na qual a primazia é do tempo, e não do espaço, é possível considerar arquitetura não mais as construções sólidas, fixas, previsíveis, homogêneas, mas sim o movimento imprevisível dos corpos no espaço. A liquidez diz respeito à arquitetura enquanto encontro entre espaço e evento. Percebe- se no trabalho de Rubens Mano que o que está em voga não é o objeto em si (muitas vezes corriqueiro, como lâmpadas ou tomadas), mas sim as situações que surgem a partir das intervenções. Interessa a relação criada entre o indivíduo e o ambiente, chamando a atenção para Pesquisa financiada pela pró-Reitoria de Pesquisa da Universidade de São Paulo
novas formas de percepção do espaço. Segundo o sociólogo francês Michel Maffesoli, a busca da ‘perfeição’ estática da modernidade resultou em movimentações diversas e inconscientes. A partir desses deslocamentos, o antropólogo Marc Augé observa que a supermodernidade (constituída basicamente por uma série de excessos) é produtora de não lugares, ou seja, espaços que são não identitários, não relacionais e não históricos. Eles são a contraposição do lugar antropológico, onde são estabelecidas as relações sociais e aquelas entre indivíduo e espaço. Os não-lugares estão cada vez mais presentes nas grandes cidades, e diretamente relacionados ao anonimato. Saber lidar com os não lugares é um dos papéis da arquitetura líquida, já que esta dá especial atenção aos fluxos. Neste sentido, Rubens Mano propicia experiências que dialogam com o processo de constituição do lugar, trabalhando com a percepção do espaço e como nos percebemos no mesmo. A partir daí, é possível a criação de um lugar dentro do lugar, quando este passa a ser ressignificado. 6. Conclusões As práticas situadas na intersecção entre arte e arquitetura, aqui exemplificadas pelo trabalho do Rubens Mano, são de grande importância para os processos de ressignificação do território e de despertar do sujeito participativo, sendo estes essenciais para uma transformação mais abrangente, que vá na contramão da sociedade regida pelo consumo e o espetáculo. 7. Principais Referências Bibliográficas AUGÉ, Marc. Não-lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. Trad. Maria Lucia Pereira. Campinas: Papirus Editora, 1994. DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Traduzido por Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013, c1997. MANO, Rubens. Intervalo transitivo. Tese de Mestrado pela ECA USP. São Paulo: 2003. SOLÀ- MORALES, Ignasi de. Territórios. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2002. "A arte dos anos 90 vem se aproveitando dos debates produzidos no campo da antropologia cultural para realizar propostas artísticas que estimulam a capacidade de os habitantes recuperarem seu espaço" Rubens Mano
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8. Trabalhos do artista
Bueiro, 1999
Calรงada, 1999
Vazadores, 2002
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Síntese A partir das intervenções urbanas efêmeras do artista paulistano Rubens Mano, arquiteto de formação, chamadas por ele de ‘intervalos transitivos’, busca-se compreender as relações contemporâneas entre arte e arquitetura, no que diz respeito à percepção do espaço e na sua transformação em lugar através da vivência e significação. Suas sutis inserções de elementos inusitados no espaço público, sem indicações de que se trata de uma ação artística, provocam a quebra da normalidade e dão elementos para o despertar da consciência do corpo perceptivo e participativo. Atuando no campo da arquitetura líquida, com a primazia do tempo, sua obra se dá no percurso, encontro entre espaço e evento, interagindo com os fluxos da cidade e questionando a nossa sociedade produtora de não-lugares (espaços não identitários, não relacionais e não históricos), cuja hegemonia da visualidade, os deslocamentos excessivos e o avanço da globalização e da cidade genérica levam à não participação. Pode uma intervenção espacial trazer o anônimo transeunte de volta à condição de Sujeito na cidade? Palavras-chave: não-lugar; campo ampliado; arquitetura líquida; percepção; participação.
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