Revista PH Rolfs | Outubro 2022

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Nº 11 | Ano 10 | Outubro 2022 O trabalho informal no pós pandemia As iniciativas de proteção à Mata Atlântica em Viçosa Entrevista: José do Carmo Araújo, historiador da influência africana em MG

SUMÁRIO

Os desafios em ser um Servidor Público

Uma cidade não planejada para cultura e lazer

A Rita tem solução?

Cadê as festas?

O papel das drogas no comportamento social

Um calouro na cidade

Em busca da reconstrução histórica dos silenciamentos (entrevista com o historiador José do Carmo Araújo)

Religiões afro-brasileiras: presença e resistência

Mata Atlântica: sobrevivendo às explorações

Um ‘novo normal’ pior que antes

As diferentes faces da informalidade

O alto custo de morrer

Como está a saúde dos idosos no pós-pandemia?

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Coordenação e Edição Geral do Projeto

Prof. Ricardo Duarte Gomes (MTB-DRT 3123)

Edição e Revisão Geral Ricardo Duarte Gomes Diogo Rodrigues

Edição e Revisão Adjunta Ana Vitória Messias

Fotos das Capass Letícia Guimarães

Design Gráfico Diogo Rodrigues Redatores Adrielle Mariana, Aleister Lima, Aline Brites, Aline Fonseca, Antônio dos Santos, Beatriz Fonseca, Bruna Vargas, Clara Martins, Êmily Reis, Felipe Leite, Gabriela Möller, Gabriel Ângelo, Gustavo Bossolane, Heloísa Puri, Iasmim Lamounier, Isabelle Oliveira, Isadora Campos, Isadora Viana, Juliana Dias, Letícia Resende, Lenith Guimarães, Lorena Bernardo, Lucas Romano, Luiz Tadeu, Maianna Medeiros, Maria Fernanda Oliveira, Mariana Jovita, Matheus Scatolin, Monique Mendes, Nicolas Faccin, Pedro Didico, Pedro Langer, Raabe Miranda, Rafaela Gomes, Sandro Filho, Samara Ramos, Sara Lopes, Sara Mendes, Stela Maris, Vitor Rezende

Chefe da Divisão Gráfica Universitária José Paulo de Freitas

Diretor do CCH Prof. Odemir Baêta Endereço (provisório)

Prédio CCH

De volta ao papel

Oprêmio

Nobel da Paz conferido aos jornalistas Dmitry Muratov e Maria Ressa, em 2021, mostrou ao mundo que sem jornalismo de qualidade não há paz nem democracia. Hoje, a desinformação se apresenta como desafiadora para esse jornalismo, enquanto produtor de conhecimentos sobre as realidades. Observa-se, já fazendo um balanço de 2022, que o exercício do jornalismo se tornou mais difícil em face do caos informacionalum espaço digital globalizado e desregulamentado, que promove informações falsas e propaganda estatal. O jornalismo colaborativo tem enfrentado regimes despóticos, que controlam os meios de comunicação e as plataformas, enfraquecendo as democracias. Diante deste cenário, a PH Rolfs sempre esteve do lado da promoção da paz, da democracia e da liberdade de imprensa. Ciente de que o jornalismo de qualidade se constrói também tendo as fontes oficiais (os agentes públicos) como parceiras e dispostas a receber os repórteres para conversar com transparência sobre os problemas da cidade e região. Nosso objetivo sempre foi ajustar as lentes para entender melhor alguns aspectos do cotidiano que chamam a atenção, os quais são, por vezes, pouco publicizados. Nossa tentativa, enquanto mediadores dos conhecimentos da realidade cotidiana, é servir da melhor forma possível os nossos leitores. O conteúdo desta edição teve como referência a experiência de simulação de reportagem praticada pelos alunos do Curso de Comunicação Social - Jornalismo entre março e julho. A Revista não pôde circular logo em seguida, no mês de agosto, devido às restrições legais do período eleitoral.

A Edição organizou reportagens que conversam entre si e trazem problemas públicos importantes - temas fundamentais para se discutir a sociedade em que estamos inseridos. Por fim, agradecemos ao Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCH) da UFV pelo apoio e por possibilitar a existência desta versão impressa da Revista. Boa leitura.

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II - 3º andar Campus Universitário - Viçosa–MG CEP: 36570-900 - Tel.: 3612-7200
EDITORIAL

Os desafios em ser um Servidor Público

Por Juliana Dias, Monique Mendes, Sara Lopes e Gabriel Ângelo

Problemas de décadascomo infiltrações em sala de documentos, falta de materiais básicos e sanitários inadequados - estão no cotidiano de trabalho dos servidores públicos

Oprofessor de história Rondinele Araujo, da Escola Municipal Ed mundo Lins, é apenas um dos diversos servidores públicos que enfrentam os desafios em prestar serviços na cidade. Pela sua expe riência como professor, além de trabalhar na escola desde 2005, Rondinele não hesita em falar com nossa reportagem sobre as precariedades estruturais e a fal ta de materiais básicos - como limpeza, giz e até mesmo livros novos para a biblioteca. O profes sor relatou também a escassez de oportunidades de atualização dos professores, bem como a questão

da remuneração, incompatível com a realidade. “Não enxergam o professor como necessário ou in substituível na sociedade”, afirma o docente. Somente em junho, a Câmara Municipal aprovou rea juste de 2,5% para todos os servi dores que desempenham ativida de de docência, depois de longo e lento debate sobre o assunto nas instâncias deliberativas, segundo o professor Rondinele.

A reportagem ouviu outros servidores das escolas municipais e os problemas são semelhantes. A Secretária Municipal de Edu cação, Marli Aparecida Franco, afirmou que um dos principais desafios para a aquisição de mate riais são os processos de licitação, além da dependência, em alguns momentos, de programas do Go verno Federal, como o Programa Nacional do Livro e do Material

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Didático, que são de aquisição au tomática.

Fomos também à Secretaria Municipal de Saúde, para conhe cer a vivência da servidora Maria Bernadete, um exemplo de dedi cação diante de tantas adversida des. Efetivada em 1995, Maria exerce o cargo de Secretária Exe cutiva do Conselho. Com apenas uma visita à Secretaria é possível identificar problemas estruturais que afetam tanto o servidor quan to a população. Maria afirmou que estabelecimentos que sediaram a Secretaria no passado já estiveram em condições piores.

Nesse sentido, ela revelou inú meros fatores, como a necessidade trabalhar em salas apertadas, mui tas vezes divididas entre mais de uma pessoa, com pouca ventila ção e infiltrações nos períodos de chuva. Além disso, funcionários da secretaria - que não quiseram se identificar - também fizeram relatos sobre paredes mofadas.

A falta de boas condições de trabalho não deveria ser um de safio para o servidor público. Ma ria Bernadete diz que, mesmo já existindo iniciativas por parte das autoridades para solucionar irre gularidades, esse costuma ser um processo que depende de licita ções, burocracias e prestação de

Acima, pátio do antigo Colégio de Viçosa, que hoje abriga a prefeitura e alguns órgãos que pertencem a ela. À esquerda, a parte de trás do edifício, onde está situada a Secretaria Municipal de Saúde. À direita, problemas estruturais nos corredores do setor de Gestão de Pessoas

contas. O Secretário Municipal de Saúde, Rainério Fontes, enfa tizou o quanto, em muitos mo mentos, o seu serviço na secretaria é obstado, tendo em vista que ele não depende apenas da própria vontade para fazer mudanças.

O Secretário conta que exis tem solicitações para reformas em andamento na sua gestão. Um do cumento fornecido pela Secreta ria, datado de 27/06/2022, mostra solicitação, com urgência, de re forma nas dependências da sede administrativa da Secretaria Mu nicipal de Saúde, antes do período

de chuvas. A solicitação enfatiza que é uma questão de saúde pú blica, uma vez que a falta de refor ma afeta a segurança e a qualidade de vida dos trabalhadores.

Outro fator levantado por Rainério é a gestão de pessoas, tendo em vista que as constantes mudanças de cargos, impostas pela política, inviabilizam a con tinuidade de alguns projetos. A servidora Maria Bernadete parece pensar da mesma forma: “o que mais prejudica o serviço público, de um modo geral, é a política. Essa é a doença maior”, diz.

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Fotos: Monique Mendes

Uma cidade não planejada para cultura e lazer

A falta de planejamento, investimento e políticas públicas trazem reflexos - muitas vezes negativospara a população de Viçosa

sência de políticas públicas volta das para cultura e lazer, que atinge toda a população da cidade.

Após

dois anos de pande mia, o retorno dos estu dantes ao município foi um alívio para muitos setores do comércio e da cadeia produtiva. Junto a isso, as já previstas aglome rações nas ruas do centro da cidade voltaram a ser um problema para boa parte da população.

A Prefeitura, em conjunto com a Polícia Militar, realizou apreen sões de bebidas alcoólicas, caixas de som e pacotes de gelo após denún cias realizadas à fiscalização sanitá ria, nesses pontos das aglomerações em vias públicas da cidade, sobre tudo na Avenida Santa Rita (tema de reportagem desta edição) e na Rua Bernardes Filho, onde está lo calizado o bar do Teddies.

Com isso, estão de volta as dis cussões: quebra da Lei do Silêncio, acúmulo de lixo nas ruas e impe dimento da circulação de automó veis. Mas tudo isso já era previsto e poderia ter sido planejado antes do retorno dos estudantes à cidade. Mais ainda: mostra o reflexo da au

Nas últimas duas décadas, Vi çosa cresceu em prédios, estudan tes e moradores fixos. Em termos de lazer diurno, a cidade e região conta com poucas opções gratui tas. O projeto do Parque Natural Municipal do Cristo Redentor, nos bairros Bom Jesus e Bela Vista, se arrasta há anos e, ao que parece, se apresentará como oportunidade de lazer e recreação para os morado res de Viçosa e turistas em breve. Enquanto isso, o lazer noturno da juventude continuará sendo a Ave nida P.H. Rolfs (ponto de encontro para alimentação, bebida e um bom bate papo) e a Avenida Santa Rita, sempre tomada por estudantes em busca de lazer.

Nesse contexto, os comerciantes locais também estão sendo prejudi cados pelo fechamento de seus co mércios devido ao Código de Pos turas do município, que afirma que são eles os responsáveis por aquilo que acontece em frente aos seus estabelecimentos. Segundo o pro prietário do bar Teddies-Edinho, Edmundo, a prefeitura não oferece nenhum tipo de suporte, tanto para segurança dos locais aglomerados

quanto para limpeza e organização.

A falta de espaços bem estru turados - como praças públicas, investimento em grandes shoppin gs, parques de exposições ou dife rentes opções de salas de cinema - leva a população a procurar meios alternativos de cultura e lazer, seja durante o dia ou à noite. Essa se ria uma consequência da falta de políticas públicas permanentes no setor, capaz de atrair investimentos e recursos para reforma dos espaços públicos de cultura e lazer. Soma -se a isso a grande dependência da cidade em relação à UFV. O vereador Daniel Cabral diz que “o maior problema que temos hoje é

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Sara Mendes

Rua Bernardes Filho, no Bairro de Lourdes, com aglomerações em frente ao Teddies e Bar do Leão

que Viçosa cresceu muito, inclusive se verticalizou por causa do cres cimento da universidade ao longo dos anos, que foi se planejando ao passo que isso não aconteceu com a cidade, então não temos esses espa ços definidos”.

Por mais que eventos culturais em espaços públicos estejam sendo promovidos pela Secretaria de Cul tura de Viçosa, ainda falta um de bate público sobre o assunto, para ser capaz de compreender o dire cionamento do público àquilo que a população deseja receber de incen tivo de cultura e lazer. A membro do Conselho Regional de Cultura de Viçosa e Chefe da Divisão de Assuntos Culturais da UFV, Aline Sant’anna, afirma que “não se deve analisar apenas do ponto de vis ta do poder público, mas também

AS OPINIÕES DE MORADORES

é preciso analisar o ponto de vista do público e não colocar um contra o outro”. Ela pontua a necessidade de participação, também, daquelas pessoas que vão receber esses espa ços para diversão e descanso.

Incluir representações da juven tude nos debates e decisões, além de realizar mais pesquisas sobre a problemática, são medidas interes santes diante do atual cenário. O estudante do curso de Comunica ção Social - Jornalismo Lucas Zini diz que “quando se tem uma cidade jovem e esse público não é ouvido, só consigo pensar que isso é extre mamente antidemocrático, extre mamente prejudicial para o próprio desenvolvimento da cidade”.

Enquanto isso, o lazer noturno será praticamente o mesmo para a maioria das pessoas que saem de casa à noite. E, quanto ao lazer diurno, o campus da UFV conti nuará sendo a grande praça pública para o lazer e as práticas culturais da população da cidade.

“Eu ia muito ao forró antes da pandemia. Mas agora não tem muito onde ir, não tem muita coisa cultural.”

“Fico muito em casa, raramente vou a um barzinho. Depois da pandemia, essa virou minha rotina. Sou caseiro e não tenho saído muito”

“Nos finais de semana costumo andar, passear na UFV, frequentar alguns bares da cidade... mas é só isso que tem em Viçosa, né?!”

“Não tem muito o que fazer no fim de semana além de ir à UFV, tomar um sorvete, passear e curtir um lugar mais arborizado. Sinto falta de outras opções de lazer”

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Maria Sizadora, 75 Aposentada Carlos José, 57 Bancário Ana Paula, 36 Vendedora Laís Fidélis, 23 Estudante

A Rita tem solução?

Por Aline Brites, Bruna Vargas, Gabriela Möller e Iasmim Lamounier

Lixo, interrupção do trânsito e som alto trazem consequências negativas para moradores e comerciantes do local. Nossa reportagem ouviu a opinião dos diversos personagens envolvidos nesse debate

nenhum tipo de apoio da Prefeitu ra. Alguns problemas são vistos de forma recorrente no local, como a interrupção do trânsito pelos fre quentadores, o lixo espalhado pelas vias e o som alto, que trazem con sequências negativas para morado res e comerciantes dessa região.

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o nome da San ta Padroeira de Viçosa, a Avenida Santa Rita pode ser considerada um ponto turístico de lazer na cidade, reunindo, em sua maioria, estudantes secunda ristas e universitários. O local, que conta com bares e restaurantes, se encarrega de proporcionar encon tros de jovens a céu aberto.

Durante o ano, são realizados diversos eventos - sem organiza ção - nas vias públicas. O encontro mais famoso é o marco do início do semestre letivo, que se repete há alguns anos, conhecido como “Pri meira Rita do Período”. No entan to, apesar do grande público, não há

O proprietário do bar Maturado Steak House, Eduardo Gomide, fala sobre as taxas pagas pela utilização do espaço público, exclusiva para bares dessa região. Segundo ele, um projeto para uso do local foi criado por técnicos, que estabelece a quan tidade de mesas e cadeiras que cada bar pode utilizar. Com isso, o co merciante paga uma taxa por mesa utilizada, que é chamada “Taxa de Nulidade Fiscal”, girando em torno de R$ 74 por mesa.

O empreendedor cita como exemplo a Avenida Paulista, em São Paulo, que possui a extensão de 2,7 quilômetros e consegue contro lar, de maneira coordenada, 30 mil

pessoas: em pouco tempo após a realização de algum evento, o local está limpo, vazio e organizado. Ele relaciona tal exemplo às diferenças em relação ao apoio do poder pú blico de São Paulo em comparação a Viçosa. Segundo ele, “é um tra balho gigante realizado por poucas pessoas que querem fazer bem fei to. É uma questão de vontade do poder público”.

Outro problema comum é a grande quantidade de lixo encon trada na Avenida. A estudante Nara Silveira, moradora do local, reclama da falta de lixeiras: “sempre tem lixo no chão e não tem lixeira pra você jogar. Mesmo que as pessoas quisessem, não tem como. Fica uma sujeira de manhã, principalmente no fim de semana”. A responsabili dade pela coleta do lixo e instalação de lixeiras é do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae).

De acordo com o Diretor de Limpeza Pública e Gestão de Resí duos Sólidos, Maxmiler Ferreira de Castro, existem lixeiras instaladas na cidade, mas na região dos bares, onde o fluxo de pessoas é maior, os equipamentos não foram insta lados porque poderia atrapalhar a inserção das mesas dos bares. Para ele, o ideal seria uma parceria entre

“Primeira Rita do Período”, realizada em 2 de maio de 2022: aglomerações carecem de medidas eficazes por parte do poder público viçosense

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Mariana Jovita

Aline Brites

“um ponto negativo de morar perto dos bares é que em fim de semana é muito barulho, muita festa, você não consegue dormir, não consegue estudar, não consegue se concen trar”. A professora de Planejamen to Urbano do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFV, Teresa Faria, explica que a região onde os jo vens se aglomeram, devido a fato res geográficos, pode proporcionar uma maior propagação do som, o que aumenta o incômodo dos mo radores do local. De acordo com o artigo 42, Capítulo IV, da Lei das Contravenções Penais, perturbar alguém, o trabalho ou o sossego alheio, com gritaria e algazarra e abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos é punível com prisão simples ou multa.

os comerciantes e a Prefeitura, tor nando os encontros entre os jovens um evento organizado, o que possi bilitaria um melhor planejamento, a fim de atender a todas as necessi dades de maneira adequada.

Uma reclamação corriqueira dos moradores é o incômodo causado pelo barulho que vem de caixas e carros de som no decorrer da ma drugada. Segundo o estudante Vic tor Semim, morador da Santa Rita,

A professora Teresa Faria su gere uma tentativa de organização de um espaço que não prejudique a venda do comerciante, que preserve os moradores e que seja interessan te para o estudante: de fácil acesso, mantendo a dinâmica de encontro na rua e oferecendo um serviço de lazer barato. Já os moradores, comerciantes e frequentadores da Avenida Santa Rita possuem um consenso de que o melhor caminho seria obter um maior apoio das ins tâncias municipais: uma ação em conjunto para ofertar uma melhor infraestrutura. Segundo o chefe do Departamento de Cultura da Pre feitura, Marcelo José Augusto de Oliveira, apesar das várias audiên cias públicas que já ocorreram, não há nenhum planejamento ou pro jeto para promover ações culturais na Avenida, como tampouco há um mapeamento sobre os principais problemas encontrados por lá.

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Cadêasfestas?

PorAdrielleMariana,BeatrizFonsecaeMaiannaMedeiros

Entre a Rita e o Teddies, jovens e adultos em Viçosa perguntam pelos grandes festivais. Compreenda a ausência desses eventos na cidade

Maianna Medeiros

Victoria e Stela são alu nas da Universidade e, no tempo livre, gostam de aproveitar festivais com muita mú sica e interação. Mas elas precisam abrir mão de tempo e dinheiro para se deslocar para alguma cidade que ofereça algum tipo de festa que gostam. Essa experiência se asse melha a de vários outros jovens - e até adultos - que buscam festivais culturais. Ou seja, consumidores que poderiam fazer girar a econo mia local vão para outro município.

Para o jornalista Geraldo Luís, o Geraldão, ex-vereador da cidade e ativista cultural, os eventos cul turais são de extrema importância para os jovens - são locais de cresci mento cultural e desenvolvimento de ciclos sociais. Entretanto, mes mo com uma grande população jovem, Viçosa parece insistir em fechar os olhos para essa neces sidade. Geraldão afirma que essa ausência é consequência do conser vadorismo de parte dos moradores e da falta de políticas públicas que sejam construídas de maneira igua litária para eleitores e não-eleitores.

Apesar da importância desses festivais, a psicóloga social Ana Cabral alerta sobre os perigos de eventos que valorizem apenas uma cultura hegemônica e que buscam “catequizar” as práticas de minorias. Essa forma de “levar a cultura” até a população, dependendo da forma como é pensada e executada, pode vir a ser violenta em certos casos, deixando invisíveis outras formas culturais e grupos sociais. Daí a ne cessidade de festivais diversos, cria dos não só pelo poder público ou um único grupo empresarial, mas capazes de contar com a partici

pação de diferentes manifestações culturais da cidade.

O estudante Lucas Zini, ex -representante do DCE (Diretório Central de Estudantes da UFV), diz que é impossível pensar em uma cidade universitária onde não haja políticas públicas que aten dam à maior parte dessa comuni dade e eventos que sejam organi zados junto à população. O direito ao lazer e à cultura é constitucional e deveria ser assegurado a cada um dos cidadãos: Ao tentar, no ano de 2022, organizar o Muvuca Festival e após vê-lo sendo barrado de últi ma hora, Zini diz não entender o que faz com que festividades pla nejadas sejam interceptadas, dando lugar a eventos não-organizados e inevitáveis, os quais mais tarde se rão motivos de críticas. Ele reforça, ainda, que o setor cultural foi um dos que mais sofreu durante a pan demia de covid-19.

Segundo o empresário Lucas Marilton, eventos locais como o Spring Break, Projeto X e Gina gi ram uma quantia em torno de R$ 150 mil a R$ 500 mil. Além desse valor, um festival pode ser capaz de movimentar toda uma cadeia pro dutiva da economia local, gerando

e mantendo milhares de empregos anualmente. No Brasil, segundo o Governo Federal, esse setor é res ponsável por movimentar 2,6% do PIB nacional. O setor de entreteni mento pode movimentar uma eco nomia local na medida da contrata ção de seguranças, profissionais de palco, iluminação, lojas de roupas, barbearias, salões de beleza, além da hotelaria e do comércio de ali mentos e bebidas.

O Secretário Municipal de Cul tura, Thomas Piders, reconhece a importância da presença desses eventos na cidade. Entretanto, pelo limite de verba, a gestão pública optou por realizar mais festivais de menor porte - pensados de manei ra a valorizar os artistas locais - do que a organizar apenas um evento de grandes proporções.

Por enquanto, Victoria e Stela terão que continuar a sua busca por festas em outras cidades. Mas, se eventos culturais menores também agradam as meninas, ainda vale a pena dar algumas voltas para além da Rita e do Teddies.

Imagem da edição 2019 da festa Spring Break Viçosa

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O papel das drogas no comportamento social

Por Maria Fernanda Oliveira, Rafaela Gomes e Samara Ramos

De acordo com o Creas Viçosa, um crescente abuso de álcool e outras drogas entre jovens na cidade pode resultar em risco à saúde individual e pública

“As drogas e a bebida não adoe ceram só a mim, mas à minha família também”, diz uma mu lher, de 36 anos, que não quis ser identificada. Ela é moradora do bairro Conceição, em Viçosa, e re lata que seu primeiro contato com as drogas foi por meio da bebida

alcoólica, entre 14 e 15 anos. Essa mulher, que chamaremos de Maria, está sóbria há 2 anos. Aos 21, Maria experimentou substâncias ilícitas e passou a consumi-las com frequên cia. Durante a entrevista, Maria relatou que os efeitos dos entor pecentes eram tão fortes que nem consegue se lembrar das vivências em detalhes. Com uso prolongado, ela desenvolveu quadros de depres são e hepatite no fígado. Além disso, Maria afirma que tanto ela quanto sua família foram vítimas desse ví cio e de seu comportamento.

Uma pesquisa de 2013 sobre álcool e drogas afirma que o abuso pode alterar a forma como os indi víduos se comportam, afetando os campos produtivo, político e social (“Comparação do uso de drogas entre universitários brasileiros, norte-ame ricanos e jovens da população geral brasileira”). O público jovem sem pre foi mais vulnerável ao consumo dessas substâncias, já que os círcu los sociais e o processo de socializa ção nessa fase colaboram para que encontrem em tais substâncias uma forma de pertencimento na socie dade. Além disso, durante décadas esse grupo foi o foco da propagan da de bebidas e cigarros.

As pessoas que consomem ál cool e drogas de forma recreativa, no geral buscam relaxar do estresse diário. Isso levanta discussões so bre o possível vício e seus limites. Segundo a ONU, a maconha foi a droga ilícita que apresentou o maior uso nos últimos anos, ten do sua porcentagem aumentada de 1%, em 2001, para 2,6% em 2005 – dados confirmados por pesquisa sobre álcool, tabaco e outras drogas entre os universitários brasileiros organizado pela USP/SP.

A bacharel em Direito Nádya Matos Andrade, coordenadora do Centro de Referência Especializa do em Assistência Social (Creas) de Viçosa, afirma que há uma

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preocupação em relação ao uso de drogas com o retorno das aulas pre senciais. “Com a volta dos estudan tes à cidade, já surge um alerta, pois sabemos que as ‘calouradas’ e festas irão retornar, assim como também o consumo de bebidas, cigarros e drogas ilícitas”, diz.

A reportagem da PH Rolfs con versou também com a psicóloga Carmen Lúcia Gomide sobre pos síveis motivos para o abuso dessas substâncias. De acordo com ela, a preocupação nasce pela extrapola ção que ocorre, uma vez que essas substâncias psicoativas passam a ser utilizadas em maiores quantidades. Tudo isso acontece porque álcool e drogas passaram a ocupar um lugar de destaque na sociedade e o con

Rafaela Gomes sumo de psicoativos começa muitas vezes na tentativa de lidar com uma dor ou timidez. Assim, o álcool co meçou a ser glamourizado e abriu portas para outras substâncias ilíci tas e mais perigosas à saúde.

“Como eu me sinto? Muito bem, tudo fica melhor chapado”, afirmou à nossa reportagem um rapaz de 21 anos, estudante da UFV, que não quis se identificar. Ele conta que começou a usar álcool e maconha aos 16 anos. Como motivação, o ra paz aponta a curiosidade ao ver seus amigos consumindo essas substân cias. Seu estímulo para continuar seria a sensação de relaxamento e felicidade que as drogas trazem. Durante nossa conversa, o estudan te nos conta que não pretende pa

rar com o uso, pois ele gosta e está consciente de suas escolhas.

O número de atendimentos a pessoas com transtornos mentais por uso de álcool e drogas aumen tou 12% no SUS, segundo o Minis tério da Saúde. Em 2020 houve o registro de 356 mil casos, enquanto que em 2021 foram mais de 400 mil atendimentos. O abuso de ál cool foi mais frequente, seguido por problemas causados pela co caína (31,9 mil casos) e fumo (18,8 mil). O uso de múltiplas drogas e de outras substâncias psicoativas não listadas somaram 151,3 mil atendimentos no SUS.

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Consumo de álcool e tabaco em Bar da Avenida Santa Rita

Um calouro na cidade

Por Felipe Leite, Lenith Guimarães, Nicolas Faccin e Stela Maris

Ações de acolhimento e informação aos estudantes são importantes para diminuir as dificuldades encontradas ao se chegar à cidade

“Vir pra Viçosa foi uma expe riência diferente: ao mesmo tempo que eu estava ansiosa em chegar a uma cidade nova, es tava preocupada, pois não conhecia ninguém e não sabia onde iria ficar. Levei duas semanas para encontrar uma república definitiva”. Esse é um relato comum, mas não único, da estudante universitária Maria Vitória, 19, que veio de Araucária -PR. Essa realidade é parecida com

outras que encontramos, atreladas à história de calouros não-viçosenses recém-chegados à Universidade.

Não há uma estatística sobre a população flutuante na cidade, mas segundo dados de 2020 do IBGE, dos 79.388 habitantes, cerca de 20 mil são estudantes. Para muitos, Viçosa é um lugar desconhecido. Como, então, cidade e Universidade se preparam para recebê-los, se não existe um estudo sobre essa popu lação? A reportagem da PH Rolfs conversou com alguns estudantes para saber quais os maiores desa fios enfrentados por esses calouros “estrangeiros” e o que as instituições podem fazer por eles.

A reportagem elaborou uma breve apuração, via Google Forms, com alunos da graduação da UFV. Quase um quarto dos estudantes vindos de outras cidades não se sentiram acolhidos ao chegarem a Viçosa. Na apuração, as informa ções mostram que 91,5% dos en trevistados apontam ter recebido apoio apenas de amigos e colegas de curso. Isso revela um sintoma que reflete o nível de sofrimento e adaptação do jovem à nova cidade, a uma nova vida no mundo univer sitário, o que pode acarretar proble mas psicológicos e físicos.

Segundo o psicólogo da Divi são Psicossocial da UFV, Felipe

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Stela Maris

Estudante Yan Gabriel, de 20 anos, relatou grandes dificuldades ao chegar em uma cidade desconhecida

A prefeitura de Viçosa parece caminhar lentamente em busca de uma solução para o acolhimento universitário

Stephan Lisboa, a procura de aju da psicológica pela má adaptação é recorrente entre os calouros, mas o motivo nem sempre seria a recep ção da cidade. Ele ainda cita que a pressão da vida adulta, a distância da família e as obrigações de casa se juntam à nova realidade, com a di ficuldade de uma vida no ambiente universitário. Isso causa, também, problemas psicológicos, deixando alguns jovens, inclusive, fora de sintonia consigo próprio.

O estudante Yan Gabriel, 20, que veio de Sete Lagoas-MG, con ta que a Atlética da qual seu curso faz parte foi fundamental para a sua ambientação em Viçosa. “Re ceberam a gente, nos colocaram em grupos. Daí, qualquer mensagem que a gente mandava precisando de ajuda, eles auxiliavam”.

Procuramos o ex-coordenador do DCE, Lucas Zini, que diz ser dever do Diretório promover ações que permitam criar uma rede de apoio, fundamental para os alunos vindos de outras cidades. Ele cita, ainda, a importância dos eventos para a integração dessas pessoas.

Ainda com as informações da apuração feita pela reportagem, 72,9% dos entrevistados afirma ram que, quando calouros recém

-chegados, não tiveram apoio da Prefeitura. A reportagem, então, procurou o vereador Daniel Cabral (PCdoB) para entender a situação. Ele ressaltou a ausência da institui ção municipal em muitos âmbitos, como a recepção dos calouros e o que poderia ser feito nesse mo mento inicial. “Infelizmente não existem ações de acolhimento, ape nas propostas”. Cabral acrescenta que sugeriu a criação de um comitê voltado para essas questões, mas a

Você se sentiu acolhido quando chegou a Viçosa?

NÃO

SIM

Gráfico aponta que quase 1/4 dos entrevistados não se sentiram acolhidos na cidade

ideia ainda demanda mais apoio do governo municipal.

Junta-se a isso a falta de opções de cultura e lazer (tratada na re portagem da página 6). O vereador afirmou que parte da população da cidade crê em universitários en quanto pessoas que estão na cidade só para estudar, sem direito ao lazer. Segundo ele, “o lazer é um direito, a cultura é um direito. Com melhor infraestrutura e liberando esses es paços, todo mundo ganha”.

A reportagem se restringiu aos estudantes de graduação, mas é sa bido que muitos são os estudantes de pós-graduação que se sentem estrangeiros na cidade (inclusive os que vêm de outros países).

Com tudo isso, fica a dúvida e a esperança de que, um dia, o relato das “reclamações constantes”, feito pelo universitário Carlos Daniel, de 21 anos, seja solucionado: “ape sar de que em Viçosa você encontra sua galera bem rápido, é meio difí cil você conseguir isso praticamen te sozinho. Muita gente fala em se não se sentir acolhido, então são re clamações constantes”, observa.

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vicosa.mg.gov.br

ENTREVISTA

Em busca da reconstrução histórica dos silenciamentos

Por Antônio dos Santos, Heloísa Puri e Pedro Langer

José do Carmo de Araújo é Professor e historiador em História da África e de Minas Gerais, especialista na Forma ção da Zona da Mata Mineira. Foi Professor na Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG), trabalhou na Capaci tação de Profissionais da Edu cação Superior, em parceria com a UFV e a Secretaria de Educação de Viçosa. É autor de três livros: Silêncio do Ou tubro Vermelho; Sociedade e Raças e O que está em nós, raízes do Brasil. Escreveu vá rios artigos sobre os povos africanos e os negros no Bra sil. Hoje, aposentado, é Diretor Presidente do Instituto ReÁfri ca, em Viçosa.

PH Rolfs: Como a formação da Zona da Mata é atravessada pela presença dos povos africanos e in dígenas?

Prof. José: Foi a Zona da Mata que deu origem ao estado de Mi nas Gerais. Bem antes da vinda das

Igrejas e das Bandeiras, essa região foi ocupada pelos povos indígenas e africanos que aqui se instalaram para escapar da escravidão e viver as suas culturas: assim se forma ram os quilombos. Eles vieram da Bahia, do Espírito Santo e do Rio de Janeiro. Englobavam os Ban tos e os Iorubás [origem africana], além dos Puri, Coroado, Coropó e Botocudos [origem indígena]. Por ser uma região de difícil acesso, os colonizadores levaram 50 anos para entrar e encontraram aqui um con texto de formação de confrarias e um fortalecimento da cultura afro -indígena muito presente. Por isso houve muita resistência desses po vos perante tentativas de catecismo. A Igreja Católica, através do sin cretismo religioso, buscou associar os santos às entidades religiosas africanas e indígenas, como forma de impor a sua cultura mais sutil mente. Os colonizadores criaram as irmandades, como a de Nossa Senhora do Rosário, que passou a ser a mãe dos pretos por conta da

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importância da figura da mulher para essas sociedades. Com isso, as manifestações religiosas desses po vos começaram acontecer em um contexto de sincretismo, no qual eles manifestavam suas crenças na mata, em espaços abertos e depois iam às Igrejas. É muito comum, até hoje, encontrar altares com san tos da igreja católica que também representam entidades cultuadas por religiões afro-brasileiras. Além disso, essas religiões têm um papel determinante no que diz respeito ao manejo de plantas medicinais, que são muito importantes den tro das religiões afro-indígenas. À época, ainda não haviam remédios industrializados, então esse era um conhecimento medicinal de origem espiritual de muita importância, do qual os colonizadores se apropria ram e silenciaram as suas origens. Portanto, é uma forte presença dos povos africanos e indígenas, que evidencia a importância deles e das suas religiões para a Zona da Mata e Minas Gerais como um todo.

E como essas Igrejas vieram para cá? Qual foi a motivação?

Tem a ver principalmente com uma questão territorial. Muitos pa dres foram enviados para a região para fazer um controle de terras: pegavam as terras nas quais ocor riam as manifestações religiosas afro-brasileiras, confiscavam e doa vam para os Santos. Quem iria bri

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O historiador José do Carmo de Araújo procura elucidar a relevância histórica da cultura afro-indígena para a região da Zona da Mata de Minas Gerais Heloísa Puri

gar com um Santo naquela época? Assim, eles foram cerceando essas manifestações, e os povos indígenas e africanos tiveram de encontrar outras alternativas para expressar as suas espiritualidades. Um desses caminhos foi justamente a arte. Através da música, da pintura, da culi nária, do artesa nato, todas es sas atividades foram for mas de resis tência dessas culturas que os povos usaram para preservação da memória e da sabedoria es piritual.

Qual a importância des sas religiões na formação de Viço sa?

Elas trouxeram uma contribuição muito significativa para o desenvolvimento da re gião, que vai muito além de trabalhar apenas a religiosidade. O processo começou justa mente com esses povos e as plantas medici nais. A poaia [planta que também chamada de ipecacuanha e raiz-do-brasil] foi a primeira atividade de comércio na região. Esses po vos chegaram e iniciaram uma transforma ção das plantas medicinais. Os dicionários antigos relacionados às manifestações aqui da região mostram que as plantas medici nais eram trabalhadas em um contexto de abrangência e foi isso que formatou em um contexto da comunidade viçosense. Porque até o final do século XIX e início do século XX a medicina girava em torno da religio sidade e dos povos que aqui habitavam. Só foi mudando quando a área urbana cresceu e teve interlocução com povos de várias re giões do Brasil. Além disso, foram decisi

vos na formação da Universidade Federal de Viçosa, que inicialmente foi oferecida para Ubá. Mas Viçosa tinha um contexto de plantas medicinais e conseguiu expan dir nesse conceito. Os primeiros professores conseguiram ter acesso a esse conhe cimento por conta de povos indíge nas e africanos, que foram os primeiros a divulgar nos jornais da região as mani pulações de remédio, em jornais sema nais e periódicos.

Por que hoje as pes soas não reconhecem a in fluência desses povos na formação do município?

Porque tudo ficou só na oralidade, mas hoje não. Hoje existem os documentos di gitalizados, então tem condições de você ter acesso aos documentos. Quando eu vou fazer palestra, a primeira coisa que me per guntam é “onde você viu isso?” “Onde você leu isso?” “Por quê?”, por conta do precon ceito. Aí eu falo: “tem documento assim, as sim, assim”. A Casa do Índio, por exemplo, tem mais de 150 anos. Porque existia uma casa do índio? Se tinha uma casa do ínido é porque existia um contexto social que pre cisava ser estudado. A gente precisa reunir todos esses documentos, porque a evolução da região só se deu por conta desse sincre tismo religioso.

Como se deu o processo de apagamento dessas contribuições?

Na verdade, quem começou a desmon tar todas as narrativas com relação a essas

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contribuições foi a Igreja Católica, porque ela se viu ameaçada pelo desenvolvimento que a gente tinha na região. Era um proces so muito avançado, como a arte, por exem plo, a pedra sabão e o barroco nosso daqui da região é diferente da Europa. Então a gente foi construindo uma sociedade total mente diferente, multiracial e multicul tural. Eles fizeram um isolamento social das pessoas, não tinham cidadania, nem direito de votar, ou de estudar. Era um monopólio da Igreja, que restringia o acesso ao conhecimento. No docu mento da redatoria da independência, Portugal fez constar que os povos africanos e indígenas não podiam ter contato com pes soas de outros lugares. E a Zona da Mata foi fechada, a circulação era proibida aqui. Começou a abrir devido à interfe rência do Estado, que precisava de mão de obra. Aí a sociedade ganhou a característi ca de um estado de escravismo, que cercea va a liberdade.

Quando eu vou fazer palestra, a primeira coisa que me perguntam é “onde você viu isso?” “Onde você leu isso?” “Por quê?”, por conta do preconceito. Aí eu falo: “tem documento as sim, assim, assim”

O que poderia ser feito para uma maior valorização das contribuições desses po vos, incluindo a espiritualidade?

O que precisamos fazer é trazer para a escola nas fases iniciais, do mesmo jeito que durante esse longo período eles consegui ram jogar para debaixo do tapete todo esse contexto cultural e espiritual. Porque eles utilizaram a escola e a igreja como forma de desconstrução, então a gente tem que fa zer o caminho de volta através das escolas. A matriz curricular das escolas brasileiras é um importante agente transformador de co nhecimento e sabe res. Durante muito tempo, o foco das escolas foi em um ensino enraizado em ideais iluminis tas, que priorizavam a razão pura e negligencia vam os saberes espirituais das religiões afro-brasileiras, apenas re conhecendo a religião católica. Portanto, o primeiro passo para uma maior valorização é trazer esses conhecimentos para dentro da escola. Quando você chama atenção da canjica, da comida, do quiabo e que tudo tem um contexto religioso as pessoas vão assimilando e vão entendendo... daí se co nectam com a espiritualidade e com as raí zes ancestrais.

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Fotos: Heloísa Puri

Presença e resistência

Por Antônio dos Santos, Heloísa Puri e Pedro Langer

A importância e a contribuição das religiões afro-brasileiras para a história de Viçosa

As religiões afro-brasileiras somam mais de 1 milhão de adeptos no Brasil, reu nidos no Candomblé e na Um banda. Invisíveis na sociedade, elas sofrem com a intolerância religiosa. Mas a riqueza de tais religiões de origem afro-indígena estão na base da formação da cultura brasileira.

Em Viçosa, há pelo menos quatro terreiros pouco conhecidos.

Um deles é o Centro Espírita João Boiadeiro da Campina Verde, que tem mais de 47 anos de história. O Pai de Santo umbandista Wemer son Inacio acredita que as entidades espirituais ajudam no nosso proces so de evolução, compartilhando os saberes ancestrais, receitas de chás, de banhos, conselhos e outros co nhecimentos que vieram dos povos pretos e indígenas.

Outro local é a Casa Cultural Vó Cambinda, da Mãe de Santo Maria do Carmo, a Mãe Du, que tem cer ca de 50 anos de Santo. Ela conver sou com a reportagem da PH Rolfs sobre a falta de reconhecimento do município de Viçosa para com a contribuição dos terreiros. Mãe Du explica que o conhecimento das plantas medicinais poderia ser adotado dentro da rede pública de saúde em Minas – assim como já é feito no Paraná, estado onde as benzedeiras foram reconhecidas como profissionais de saúde.

A atuação dos terreiros no uso de conhecimentos ancestrais para prestarem serviço de consulta é uma das grandes contribuições des sas religiões na região. Os terreiros de Wemerson e Mãe Du já aten deram mais de duas mil pessoas nos últimos 10 anos. No entanto, devido ao preconceito enraizado na sociedade, muitos escondem que frequentam os terreiros para evitar julgamentos. A estudante Kissyla Reis, umbandista, diz que “os qui lombos, a roda de samba, o batuque e o próprio culto à cabocla Jurema são manifestações religiosas e, mui to além do sentido da fé, são focos de resistência desses povos”.

Mãe Du com representações de Oxalá e Xangô ao fundo. As plantas ao lado (antúrio e espada de Iansã, ou, Santa Bárbara no sincretismo) têm grande poder espiritual e são comumente usadas para afastar mau olhado

Arquivo Pessoal

A formação histórico-social da Zona da Mata Mineira é forte mente atravessada pela presença dos povos pretos e indígenas, fato que é desconhecido e desvaloriza do tanto pelo poder público quanto por uma parcela da população viço sense. O professor José do Carmo, historiador especialista no assunto, conta que, devido à dificuldade de acesso à região, esses povos aqui se instalaram, promoveram a sua cul tura e praticaram as suas religiões (confira mais na entrevista da pági na 16). A vinda da Igreja Católica, por volta do século XIX, com o ob jetivo principal de controlar as ter ras, colaborou para o silenciamento. Adotando estratégias de invisibili zação dos povos pretos e indígenas, isolou suas culturas, se apropriou dos conhecimentos e ressignificou alguns de seus símbolos por meio

do sincretismo religioso.

Diante desse cenário, a atual gestão da Secretaria de Cultura da Prefeitura Municipal de Viçosa tenta uma maior aproximação com os líderes das religiões afro-brasi leiras, apesar de haver vários obs táculos. O chefe do Departamen to de Cultura, Marcelo Augusto, conta que, apesar de dificuldades financeiras e preconceitos, a pro posta seria buscar uma integração maior entre as religiões e a socieda de, por meio de produções audio visuais e da inclusão dessas comu nidades em eventos. No entanto, o avanço nesse sentido ainda parece lento, uma vez que falta apoio di reto à infraestrutura dos terreiros para garantir o seu funcionamento e a sua preservação, conforme nos relataram Wemerson e Mãe Du.

Apesar de enfrentar o precon

Pai Wemerson (centro) e filhas de Santo, da esquerda para a direita: Graziela, Luciana e Kissyla

ceito e o descaso, esses e tantos outros terreiros seguem resistin do e prestando seus serviços para a população viçosense, tanto para quem é adepto, quanto para quem nunca foi a um terreiro. Essas he ranças estão presentes em diversos aspectos de Viçosa, que, para além da prática espiritual, envolvem arte, sociedade, história e medicina an cestral. Wemerson reforça a neces sidade dos terreiros do município atuarem em conjunto para segui rem resistindo e preservando a cul tura: “os terreiros cuidam do pró ximo, contribuindo para a evolução espiritual e carnal, independente de quem os procuram, porque a Um banda abraça diversas causas”.

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Heloísa Puri

Sobrevivendo às explorações

Por Aleister Lima, Clara Martins, Isadora Viana e Vitor Rezende
MATA ATLÂNTICA Clara Martins

Após séculos de desmatamento para expansão das áreas urbanas e das atividades de plantio, a Mata Atlântica resiste, com 15% da sua original, como um dos biomas mais ameaçados de extinção no planeta

AMata

Atlântica é um dos biomas que compõem o cenário de ecossistemas brasileiros. Conhecida por uma ve getação exuberante e fauna diversa, ela abrange cerca de 15% do terri tório nacional, perpassando por 17 estados e participando de 70% do PIB nacional, segundo dados da ONG SOS Mata Atlântica.

Para abastecer a população com recursos naturais, a utilização da floresta para agricultura, energia elétrica, pesca, turismo, entre outras atividades, resultou em uma crise ambiental que colocou a mata entre os biomas ameaçados de extinção.

De acordo com o professor João Paulo Viana, coordenador do pro jeto BioPESB, da UFV, “a Mata Atlântica possui cerca de 20 mil es pécies de plantas conhecidas, o que equivale a mais que todo o contin gente de plantas da Europa inteira. Isso faz com que ela seja conside rada um hotspot, ou seja, área com grande diversidade biológica, com presença de espécies endêmicas e que sofre um processo acelerado de perda de diversidade biológica”. Por conta dessas explorações, hoje só resta menos de 15% da floresta que existia originalmente.

A Mata do Paraíso, área de preservação em Viçosa, abrange um total de 200 hectares de mata secundária, ou seja, plantada sobre área desmatada

Na perspectiva histórica, a co lonização do Brasil introduziu o processo de degradação da Mata Atlântica, com a exportação e ex tração do pau-brasil, junto a outros itens que impulsionaram o mer cado alimentício, como o café, a cana-de-açúcar e a madeira. A co mercialização desses recursos deu início à destruição dessa floresta, que chegou a ter espécies de ve getação exploradas até a extinção, como é o caso da canjarana e da ca nela. A devastação trouxe também a extinção de animais nativos.

O biólogo e professor Guilher me Correa pontua sobre os efei tos da degradação no contexto da Mata Atlântica: “quanto mais você degrada, mais você diminui as con dições para que a biota como um todo, para fauna, flora ou qualquer outro grupo vivo consiga sobreviver de maneira geral”.

Em Viçosa, foram criadas áreas de conservação, como a Mata do Paraíso e a Mata da Biologia, que são utilizadas para projetos e pes quisas. O estudante de biologia e guia da Mata do Paraíso, Eduardo Brandão, enfatiza que, antes de se tornar reserva, a área já foi uma fa zenda e, depois disso, uma pedreira. Dessa forma, o local é atualmen te uma mata secundária. Com a gestão da UFV, é apresentado um estágio médio-avançado de regene ração: ao todo, são 200 hectares de área protegida.

No âmbito nacional, o Insti tuto Nacional de Pesquisas Espa ciais (Inpe) registrou, de janeiro a agosto de 2021, um aumento de 5,8% no número de queimadas, quando comparado com o mesmo período em 2020. Esse é o maior

registro em áreas de Mata Atlân tica dos últimos anos. Segundo o site de notícias G1, em razão das condições climáticas e da vegeta ção seca, houve um crescimento gradativo em focos de queimadas em Viçosa, de 2019 para 2020. O resultado de uma pesquisa da Fundação SOS Mata Atlântica demonstrou um aumento expo nencial do número de hectares desflorestados nos últimos cinco anos, cujos principais responsáveis são, majoritariamente, os incên dios florestais.

A luta por um futuro melhor

Caminhando junto à luta pela defesa da Mata Atlântica, foram criados projetos na cidade e em regiões próximas, atendendo de diferentes formas as demandas de preservação. Dentre eles, o Projeto Conexão Mata Atlântica, que tem apoio técnico do Instituto Estadual de Florestas (IEF), possui uma unidade em Viçosa e tem como objetivo recuperar áreas degrada das na Bacia do Rio Paraíba do Sul. O BioPESb também é outra ini ciativa que busca valorizar a mata e promover a educação ambiental, por meio de pesquisa e da popula rização das informações ligadas à área do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro.

Previstos no artigo 250 do Códi go Penal, incêndios irregulares são considerados crimes, com multa de até R$ 7.350,65, além de seis anos de prisão. Para denunciar possíveis focos, a população deve entrar em contato com a Ouvidoria Geral do Município - (31) 3891-6009 - ou com o Corpo de Bombeiros de Vi çosa - (31) 3899-2219.

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Um ‘novo normal’ pior que antes

A alta da inflação impactou no preço do transporte público e da alimentação, fazendo com que o trabalhador perdesse muito do seu poder de compra

Oretorno

às atividades

normais dos serviços e da indústria (que só foi possível com a vacinação contra a covid-19) aos poucos permitiu uma queda tímida na taxa de desempre go no Brasil (hoje está em 9,3%), mas o país ainda tem 10 milhões de brasileiros sem trabalho, segun do dados do IBGE relativos ao se gundo trimestre de 2022. No pós -pandemia, quem ainda se manteve no emprego, conseguiu um novo ou foi trabalhar na informalidade, se deparou com um “novo normal”, com inflação nas alturas, que acele rou em junho e atingiu 11,89% em 12 meses, segundo o IPCA. Isso impactou o bolso do trabalhador, que depende, sobretudo, de trans porte e alimentação. Crise, inflação, pandemia, escassez, guerra, preços altos. Tais palavras estampam os veículos de notícias e mostram uma realidade muito diferente e pior do que cinco ou seis anos atrás, que hoje é vivida pelo trabalhador.

Em Viçosa, a alta do preço dos combustíveis e dos alimentos se

juntam a problemas antigos re lacionados à mobilidade urbana. O vendedor Welinton Souza, por exemplo, mudou sua rotina nesses últimos tempos. Em um dia normal alguns anos atrás, Welinton podia almoçar na rua e aproveitar mais o seu horário de almoço, sem precisar voltar para casa. Hoje, o vendedor se vê obrigado a retornar para casa para almoçar, por causa do preço da comida nos restaurantes. Para ele, está sendo mais vantajoso comer em casa, pois economiza no custo do dia de trabalho. Welinton é um dos poucos trabalhadores que pos sui carro (a maioria na cidade pega ônibus, alguns vão ao trabalho de bicicleta ou a pé), mas ele ainda en frenta o problema do alto preço dos combustíveis.

Segundo dados do IBGE, 28,9% da população de Viçosa es tava ocupada no ano de 2020. Po rém, devido à realidade financeira do país, nem mesmo ter um empre go é garantia de estabilidade ou a certeza de uma boa alimentação. O professor Jader Fernandes, do De partamento de Economia da UFV, destaca que a problemática deriva de uma série de fatores que se con cluem na inflação. De acordo com o professor, os vários lockdowns da pandemia desorganizaram as ca

deias produtivas e, após o retorno, a demanda foi restabelecida sem que essa desordem fosse planejada e resolvida, prejudicando a oferta e gerando aumento de preços, sobre tudo na alimentação. Tudo isso im pacta em uma inflação alta e conse quente perda de poder de compra dos trabalhadores.

O Secretário de Administra ção e Planejamento Estratégico de Viçosa, Luan Campos, informou que medidas estão sendo tomadas para a solução de alguns problemas. Estudos estão sendo feitos para a implementação do bilhete único: durante o período de uma hora, o portador do bilhete pode pegar quantos ônibus forem necessários

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ECONOMIA

Ponto na Praça Mário Del Giudice: quem pode ir de ônibus enfrenta fila para entrar

pagando apenas uma passagem. Em relação à mobilidade urbana, o Secretário disse que está em pro cesso licitatório - para ser lançado até o final do ano - a criação de um estacionamento rotativo, o que me lhoraria o tráfego de carros e motos na cidade. Tal estacionamento visa diminuir o fluxo de veículos, favo recendo a qualidade da mobilidade urbana.

Trabalhadores da feira livre noturna de quarta-feira tomam um café com pastel entre um cliente e outro

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Fotos: Pedro Didico

As diferentes faces da informalidade

Falta de pesquisa atualizada impede compreender as distintas motivações para o trabalho informal na cidade. Em oito anos, o Brasil perdeu 2,8 milhões de trabalhadores com carteira assinada

migrar à informalidade: uma delas, com certeza, é o desemprego.

Oengraxate

Joaquim, de 70 anos, apelidado pe los clientes e amigos por Joca, trabalha na esquina do Calça dão, no Centro de Viçosa, há mais de 15 anos. A pandemia afetou o seu trabalho e o de tantos outros trabalhadores informais. Joca valo riza a profissão na cidade: “as pes soas gostam demais! Teve até uma época que os vereadores deram isso como utilidade pública. A gente faz um trabalho bem feitinho, para as pessoas gostarem”, conta.

Seja por tradição, pelo talento, por necessidade ou por oportuni dade, o trabalho informal já repre senta, segundo dados do IBGE de 2022, cerca de 40% da população brasileira. Os dados sobre a infor malidade em Viçosa são de 2011 e a reportagem da PH Rolfs não encontrou informações atualizadas. Diversos fatores fazem a pessoa

Atualmente, o Brasil se encon tra na 9ª posição do ranking de países com maior índice de desem pregados do mundo, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Esses dados são reflexos da pandemia e de políticas públicas.

Como ressalta o Secretário Mu nicipal da Fazenda, Dionísio de Souza, “Viçosa não está excluída disso”. Ele explica algumas me didas realizadas na cidade para a regulamentação e apoio aos comer ciantes que vivem na informalida de. O secretário esclarece que, em parceria com outras secretarias e órgãos, ações foram tomadas para o controle e fiscalização. “O mu nicípio tem que manter o controle de todas as suas atividades. Com as informais não é diferente. A gen te tem um decreto desde 2015 que baliza todos os direitos e deveres que os trabalhadores informais e os ambulantes devem respeitar em Viçosa. Recadastramos todos os ambulantes, fizemos um novo trei namento para eles”, diz.

O Brasil perdeu 2,8 milhões de trabalhadores com carteira em oito

anos, enquanto a informalidade e o trabalho por conta própria ou sem carteira aumentou em 6,3 milhões. Os dados são da LCA Consultores, que pesquisou a partir dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) do IBGE.

O único estudo sobre o assun to em Viçosa que a reportagem da PH Rolfs teve acesso foi realizado em 2011, pelo Departamento de Economia Doméstica da UFV. A pesquisa mostrou, na época, que a necessidade de se trabalhar de maneira informal não seria apenas para sobrevivência, mas também para a manutenção de tradições fa miliares, além da oportunidade de iniciar uma atividade autônoma, que permite uma maior flexibiliza ção de tempo.

Para Sasha, artesão há 36 anos, trabalhar nas ruas “já vem de fa

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EMPREGO

mília”. Para Gabriel, vendedor ambulante de 21 anos, o trabalho informal surgiu como um degrau inicial para conquistar o sonho de ter sua própria loja. “Eu tenho o sonho de ter uma loja grande e não dá para começar tendo um ponto fixo, pagando aluguel. Então, decidi começar trabalhando na rua até ter uma visibilidade maior, para poder chegar a um ponto de ter um co mércio fixo”, afirmou o jovem, que começou a vender na rua há cinco meses e por enquanto não deseja trabalhar de carteira assinada.

De acordo com o economista Elvânio Costa de Souza, o caminho para uma orientação em relação à informalidade começa desde cedo, fornecendo um ensino de qualida de nas escolas e, assim, capacitando os jovens para o mercado de traba lho formal. O economista acredita

que, com a retomada das atividades da Universidade, a recuperação da economia e dos postos de trabalho formais será mais rápida, tal como a diminuição da informalidade através do retorno à circulação de renda na cidade.

Ainda que muitos vão para a informalidade por tradições fami liares ou desejos próprios, há uma realidade diferente para outros. Seu Luiz, aposentado, trabalha vendendo picolés nas ruas da cida de há cerca de seis anos. Apenas a renda fixa no mês não é capaz de cobrir todas as suas necessidades. “Porque o salário mínimo, você sabe, R$ 1200 é muito pouco. Ain da bem que lá em casa sou só eu e minha esposa, quem tem despesa grande e menino pequeno, não sei nem como está arrumando para viver”, diz.

Vendedores ambulantes e engraxate no Calçadão de Viçosa: o trabalho informal apresenta tendência de crescimento não só na cidade, mas no País como um todo

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Fotos: Letícia
Guimarães

O alto custo de morrer

Os milhares de óbitos na pandemia trouxeram à tona a questão financeira relacionada aos funerais. A PH Rolfs checou a problemática das dívidas após a morte no Brasil

um enterro simples, se deparou com o montante de R$ 10,7 mil.

Segundo dados levantados em 2021 pela Associação Brasileira de Empresas Funerárias e Admi nistradoras de Planos Funerários (Abredif), considerando o valor do salário mínimo, o brasileiro preci saria trabalhar em média 39 dias para conseguir arcar com o preço de um funeral. “O salário mínimo nunca foi suficiente para cobrir todas as necessidades básicas da população. Não importa qual go verno está no poder, (...) nunca se consegue ter uma condição digna de vida com baixo salário”, relatou o economista e professor da UFV Fabrício Vieira.

Amorte

sempre foi vis ta dentro de um espaço simbólico, permeado pelo campo das religiosidades e mis ticismos. No Brasil, embora haja uma pluralidade de crenças, o de bate sobre o processo de morrer começou na época da colonização e se mantém até os dias de hoje, in serido numa sociedade cuja religião majoritária é o catolicismo.

No entanto, surge a problemáti ca envolvendo os trâmites financei ros de um funeral. Para a aposen tada Vânia Rozado, 58, que reside em Pernambuco, os processos após a morte vão além do luto. “Meu marido disse que não pôde dar uma casa própria para eles (seus pais), mas pôde pelo menos dar a gave ta. É muito doloroso não poder dar um fim digno para seu ente”. Nos últimos dois anos, a aposentada presenciou cinco mortes dentro da família, duas delas decorrentes da covid-19. Segundo ela, em todos os casos, o custo exorbitante dos fune rais foi um fator preocupante e, na época, ao traçar um orçamento para

Segundo o site Mercado Mi neiro, os custos de um serviço fu nerário completo variam entre R$ 2.415 e mais de R$ 60 mil, exce dendo o salário médio do brasileiro, que hoje é de R$ 2,5 mil. Para o especialista, a única solução viá vel para evitar dívidas imediatistas seria o planejamento prévio para contratação de um plano funerário. Contudo, se preparar antecipada mente para a morte é configurado como um tabu na sociedade, já que as pessoas possuem dificuldade em abordar a temática, seja nos lares, nas escolas ou nos campos sociais, conforme explica a psicóloga es pecializada em morte e luto Anna Valeska Procópio.

Para o historiador e professor da rede privada de ensino de Mu

Cemitério Dom Viçoso, em Viçosa-MG, apresenta falta de cuidado na manutenção dos jazigos

Aline Fonseca

riaé, Daniel Correa, com a escassez de discussões sobre o assunto, o surgimento de políticas de Estado voltadas para a morte foram preju dicadas, o que a tornou objeto do capitalismo, e deixou as pessoas menos abastadas à mercê de polí ticas públicas.

O defensor público Glauco Ro drigues, que atua em Viçosa, diz que, segundo a lei, nenhum indiví duo pode ficar sem ser sepultado. Se a pessoa não tiver condição finan ceira, é enterrada como indigente. Ele também informou que a falta de políticas públicas para a morte é uma realidade no município. “Já houve sérios problemas em Viço sa relacionados à venda de jazigos em cemitério de maneira irregular,

colocação dos corpos também”. O defensor afirmou que, com a ine xistência de uma regulamentação por parte do Estado, eleva-se uma concorrência predatória entre as agências funerárias, o que prejudi ca quem necessita do serviço e não possui recursos monetários.

Por outro lado, o representante Fábio de Melo, da Funerária Dom Bosco, de Belo Horizonte, rela cionou o alto custo dos funerais à estrutura de oligopólio, em que poucos detêm o controle sobre os valores impostos, dificultando a en trada de novas empresas no merca do. “Hoje eu acredito que esse valor não é tão real, entra aí uma esper teza e oportunismo que te pegam em um momento mais frágil e você

Vaninha segura a imagem dos entes que perdeu: dois cunhados, sogro, sogra e irmã. Todas as mortes aconteceram num período de dois anos

não tem pra onde sair”, recorda Vâ nia Rozado, referindo-se à rapidez com que as decisões são tomadas em casos assim.

Para ela, nunca houve um pre paro para lidar com a morte, seja por parte dos civis, ao não exporem seus desejos enquanto estão vivos, seja pelos órgãos públicos. “Acho que o que a gente mais quer é po der enterrar com dignidade, dar para qualquer que seja o familiar o melhor”, conclui Vânia.

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Isabelle Oliveira

Como está a saúde dos idosos no pós-pandemia?

Atividades físicas, sociabilidade, higienização e uso de máscaras são medidas simples de cuidado com o corpo da pessoa idosa. Na medida do envelhecimento, o sistema imunológico também envelhece. Daí a necessidade da pessoa idosa em redobrar os cuidados no pós-pandemia

Segundo

dados da última Pesquisa Nacional de Saú de, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatís tica (IBGE), em 2019, a depres são atingia 13% da população idosa brasileira. Com a pandemia, a tendência é que esses números aumentaram, trazendo à tona a ne cessidade da pessoa idosa realizar atividades físicas regulares, saindo de locais fechados ou de situações de isolamento total sem o amparo familiar.

Com o retorno às atividades presenciais no pós-pandemia, o psicólogo Ronaldo Miranda diz que para o idoso está sendo difícil, mas a perspectiva seria positiva. Al guns grupos começam a retomar de forma lenta suas atividades, como grupos de quadrilha para idosos em época junina, atividades indivi duais e de apoio físico e mental em programas institucionais na cida de. Para a população idosa, agora o momento é de se movimentar.

Assim como outros projetos de instituições públicas, o Progra ma Municipal da Terceira Idade (PMTI) precisou diminuir suas atividades durante a pandemia, li mitando suas atividades nas con sultas médicas por telefone e ati vidades físicas através de grupo de WhatsApp. Agora, as atividades es tão voltando aos poucos.

De acordo com Letícia Lo pes, coordenadora do programa, as atividades físicas preferidas pela população idosa já retornaram de maneira presencial, assim como as consultas médicas. O PMTI tam bém planeja retomar em breve as aulas para os idosos, além das ses sões de fisioterapia.

Cuidar de uma pessoa idosa é uma tarefa que demanda dedicação e esforço. Por essa razão, os cuida dores precisam, além da técnica, compreender o comportamento do idoso e respeitá-lo. A cuidado ra Maria Aparecida, 53, trabalha há três anos com uma senhora de 84 anos. A idosa tem problemas de diabetes e utiliza cadeira de rodas. Maria precisa sempre ajudar no trabalho da saúde física e mental da idosa, por conta das limitações para realizar certas atividades. Ela acompanha as sessões de fisiote rapia e está atenta às instruções da nutricionista, além de precisar apoiar psicologicamente – a pessoa

idosa precisa estar sempre em con tato com amigos e familiares, como forma de contribuir para o bem es tar mental.

De acordo com Ronaldo Mi randa, a liberação de hormônios no organismo durante a prática de ati vidades físicas desencadeia a sensa ção de bem-estar devido à seroto nina. “O importante é tirar o idoso do estado de letargia”, afirma. Um ponto importante é que a atividade seja direcionada por profissionais, para um resultado eficaz e seguro.

Embora a atividade física ajude na saúde mental, a população ido sa no pós-pandemia não deve se descuidar diante do coronavírus. A Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) defende o uso de máscara por idosos, mes mo com o fim da obrigatoriedade. Segundo a entidade, apesar da va cinação ter reduzido o número de óbitos entre idosos, esse grupo ain da é mais vulnerável às complica çõs graves da doença, mesmo tendo tomado a dose de reforço.

Prática de atividades físicas voltam a ser presenciadas no campus da UFV; muitas das vezes por pessoas de idade mais avançada

30 PH Rolfs
Luiz Tadeu
www.com.ufv.br comufv

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