Revista PH Rolfs | Nº 9 | Ano 9 | Junho 2021

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Número 9 | Ano 9 | Junho 2021

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SUMÁRIO

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4 Educação infantil é direito e independência Foto: Laís Fidélis

6 ONGs na pandemia: como o terceiro setor atua e resiste

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8 Viçosa terá Posto Avançado de Coleta de Sangue 10 A saúde de Viçosa em tempos de pandemia Foto: Laís Fidélis

12 Feiras de Viçosa se adaptam à pandemia 14 Momento de readaptação no esporte

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16 O fenômeno BBB e a pandemia 18 Conexão Ipatinga-Viçosa 20 Reportagem especial: Um trabalho invisível Foto: pixabay.com

26 Esquecimento quilombola Foto: Kedma Júlia

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EDITORIAL

Coordenação e Edição Geral do Projeto Prof. Ricardo Duarte Gomes (MTB-DRT 3123) Edição e Revisão Geral Ricardo Duarte Gomes Diogo Rodrigues Edição de Conteúdo Laís Fidelis Kedma Júlia Capa Laís Fidélis Design Gráfico Diogo Rodrigues Redatores Ana Vitória Gabriel Stófel Jamília Lopes Kedma Júlia Laís Fidélis Leonardo Gonçalves Vitória Fernandes --Esta edição é em PDF. Cópias impressas podem ser encontradas na Biblioteca Setorial do DCM. A PHRolfs é uma Revista anual produzida por alunos do Curso de Comunicação Social - Jornalismo da UFV, através de disciplinas obrigatória e optativa. --Endereço

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trabalho remoto e a falta de trabalho, junto com o confinamento em casa, trouxeram aspectos problemáticos em especial para as mães, tais como a dificuldade tanto em trabalhar de casa no convívio com os filhos quanto em deixar seus filhos na escola ou na creche para tentar conseguir emprego ou trabalhar fora de casa. Com as famílias isoladas em casa, alguns programas de televisão se tornaram fenômenos de audiência, assim como diversos outros tipos de entretenimento. Já as saídas de casa para compras e convívio social nas feiras livres (tradição em Viçosa) foram reduzidas por conta das restrições sanitárias, fazendo com que alguns agricultores familiares se reinventassem com entregas pela internet. Falando em alimentação, bom lembrar que a mobilização contra a fome envolveu diferentes instituições religiosas e de assistência social, que promoveram uma rede de solidariedade para ajudar famílias vulneráveis com a entrega de cestas básicas, kits de proteção à Covid-19 e de complementação alimentar. Essa mobilização para ajudar os mais pobres mostrou a esperança que precisamos ter nas pessoas solidárias, que também costumam ajudar as pessoas que precisam de doação de sangue. Mas a esperança maior está na aplicação das vacinas nos braços dos milhões de brasileiros, único caminho para a retomada econômica e social. Não voltaremos a um “novo normal”, mas sim estaremos de volta aos antigos problemas sociais brasileiros, como os casos das invisibilidades de grupos sociais e povos tradicionais. Como exemplo, as tentativas de resgate identitário dos quilombos e as lutas pelo reconhecimento do trabalho dos catadores: duas realidades que lutam para não serem esquecidas. Todos esses assuntos estão nesta edição da PHRolfs de Junho de 2021. A produção das edições da Revista tem sido um desafio de reportagem na pandemia, que mobilizou os envolvidos à apuração, pesquisa, redação e edição. Boa leitura!

Ricardo Duarte Gomes Editor da Revista PH Rolfs

Prédio Fábio Ribeiro Gomes 2º andar - Campus Universitário Viçosa–MG. CEP: 36570-900 Telefone: 3612-3200 www.com.ufv.br

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Educação infantil é direito e independência Por Laís Fidélis Com a suspensão das atividades escolares presenciais, crianças e adolescentes ficaram sem aulas, dificultando ainda mais a rotina das famílias brasileiras.

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m fevereiro de 2021, a possibilidade da volta às aulas presenciais ainda era considerada viável. Com a segunda onda da pandemia e o aumento do número de mortes, o ensino remoto voltou a ser a única alternativa. As consequências do déficit no ensino ainda são desconhecidas.

Escolas fechadas em Viçosa: os novos desafios no campo da educação vão exigir adaptação por parte de todos. À direita, a fachada da Escola Estadual Madre Santa Face. Abaixo, o pátio vazio da Escola Estadual Effie Rolfs.

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Todavia, é possível reconhecer que as dificuldades enfrentadas por cada etapa da educação são específicas. O número de crianças matriculadas na educação infantil em 2021 diminuiu drasticamente em comparação com os outros anos do ensino, segundo a auxiliar administrativa Poliane Abranches, da escola Pró-efeito, em Viçosa. “Creche é afetividade: é abraço,

é brincadeira, é carinho e troca”, com a fala de Carmem Monteiro, coordenadora pedagógica da Pró-Efeito, podemos entender um dos motivos pelos quais a educação infantil teve maior evasão escolar durante a crise sanitária causada pelo covid-19. A educação infantil é essencial para o desenvolvimento físico, cognitivo e social das crianças entre


res brasileiras passaram a cuidar de alguém durante a pandemia e 16% delas foram prejudicadas financeiramente por conta disso. As mães dependem de um lugar para cuidado diurno e/ou integral de seus filhos; só assim é possível voltar ao mercado de trabalho e garantir independência financeira. O direito à educação infantil, portanto, faz parte da luta pela emancipação feminina. O recorte de gênero, raça e classe é necessário para entendermos como a pandemia enfatizou ainda mais as desigualdades sociais. Para Isabela Corradi, mãe de Fotos: Laís Fidélis

zero e cinco anos, sendo dividida entre a creche e o prézinho, apelido carinhoso da pré-escola. Essa etapa é um direito civil das crianças garantido por Lei (9.394/96), entretanto, a discussão abrange mais do que apenas as crianças: mães e pais também são prejudicados com a suspensão das aulas presenciais. É de conhecimento público, no entanto, que as mulheres carregam socialmente uma maior responsabilidade pelo trabalho de cuidar e educar os filhos, em comparação aos homens. Em uma pesquisa realizada pelo Mulheres na Pandemia, evidenciou-se que 50% das mulhe-

Francisco (3) e Maria Antônia (5), a pandemia dificultou sua rotina de trabalho e algumas mudanças foram necessárias para conciliar os cuidados com os filhos. Maria Antônia mudou para a rede pública de ensino e agora conta com uma professora particular para acompanhamento dos estudos, enquanto Francisco permanece fora do ambiente escolar. “Se não tivéssemos condição financeira para pagar uma pessoa para ficar com eles em casa, ou eu ou meu marido teríamos que largar o emprego”, diz Isabela. É difícil prever as consequências da interrupção da educação presencial, mas sabemos com certeza que o ensino público e privado passará por novas realidades ainda mais desafiadoras. Carmem analisa a situação como 10 anos de retrocesso para a educação brasileira. Será necessário que a Educação faça parceria com a Saúde para decidir a respeito de condutas. O espaço escolar deverá garantir a segurança e saúde dos pequenos: o uso de máscaras, higienização das mãos e cuidados especiais com a alimentação infantil farão parte desta nova realidade. Pesquisadores apontam que até mesmo o uso de brinquedos terá recomendações específicas. Os novos desafios no campo da educação certamente vão requerer adaptação por parte dos pequenos e muita desenvoltura por parte do governo. Enquanto isso, as mães fazem um verdadeiro jogo de cintura para garantir estabilidade financeira e educação para seus filhos. Contudo, para Maria Antônia, de apenas 5 anos, o que faz falta mesmo é o contato humano entre os colegas de sala e o espaço físico da escola. PH Rolfs

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ONGs na pandemia: como o terceiro setor atua e resiste Por Kedma Júlia Em Viçosa, campanhas de doações de cestas básicas, kits de proteção à covid, livros e apostilas estão ajudando as classes pobres, mas com a pandemia a vulnerabilidade no Brasil aumentou e a fome surge como uma realidade imediata a ser combatida.

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Fotos: James Gilbert

s efeitos da pandemia e da crise econômica no Brasil já são largamente conhecidos. Porém, no combate à fome e à violência, um grupo largo e diverso passa despercebido. As ONGs surgiram para acolher os vulneráveis que o Estado ainda não consegue alcançar, em suas diversas fragilidades. E estas organizações, cujo trabalho contínuo já se tornou costumeiro para nós, também precisou se reinventar na pandemia. As organizações não governa-

mentais são entidades privadas da sociedade civil e fazem parte do chamado terceiro setor, grupo que abarca todas as entidades sem fins lucrativos. “O terceiro setor não pode gerar lucro e não pertence nem ao estado nem ao mercado. O terceiro setor é movido por propósito”, destaca a gestora de recursos da ONG Rebusca em Viçosa, Flávia Camellucci. Tendo surgido em 1981 com foco de atuação nas crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, a organização impacta hoje famílias de mais de 30 bairros na região. “Não temos condições de mensurar o impacto no bairro, mas sabemos o impacto da Rebusca na vida dessas crianças e adolescentes. Por exemplo, temos o caso de uma mãe que cresceu na Rebusca, começando aos 9 anos até sua adolescência, vinda de uma família com inú-

meras dificuldades tanto de saúde como financeira e social. Por causa da Rebusca, ela mudou seu comportamento, conseguiu desenvolver a fé de maneira sadia e quis estudar, entendeu o seu potencial. Entrou em uma universidade e transformou sua vida. Casou-se, formou família. Seus filhos também participam do trabalho da Rebusca. Então o significado na família dela já transcendeu uma geração, por que ela confia na ONG”, conta Flávia. O impacto das ONGs ocorre, em geral, de forma lenta. Independente do setor de atuação, a falta de recursos para se modernizar e a demanda gigante, intensificada na pandemia, são barreiras para que sobrevivam e continuem a transformar as comunidades onde atuam. Além disso, a falta de contato com as famílias não permite conhecer a real situação. Segundo dados do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, o número de denúncias de violência contra crianças e adolescentes caiu em 12% no primeiro ano de pandemia, uma vez que os ambientes em que era possível observar sinais de violência estão fechados. Funcionária da Rede Mãos Dadas, rede que apoia o trabalho com crianças e adolescentes há mais de 20 anos, Carla Helena conta que ONGs de diversas parEducação e formação cultural são questões importantes para a ONG

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tes do país tiveram de fechar filiais e dispensar educadores, apesar de assistirem, em suas cidades, a um aumento significativo no número de crianças moradoras de rua. Dentro das ações promovidas pelas ONGs que mantiveram seu trabalho, esteve a necessidade de criar uma comunicação eficaz com as famílias. “Nós fomos primeiro atrás de doações para comprar um celular”, afirma Flávia. Em Viçosa, foram promovidas campanhas de entrega de cestas básicas, kits de proteção à Covid-19, como também de livros e apostilas, para que a formação educacional e cultural fosse mantida. Houve também o acolhimento financeiro de famílias e, neste ano, a Rebusca pretende entregar kits de complementação alimentar pelo Programa de Aquisição de Alimentos escrito e gerenciado pela Emater e apoiado pela

Conab e Prefeitura de Viçosa, em que semanalmente os produtores rurais trarão alimentos variados para as famílias carentes. “Mas a gente sabe que não é suficiente. O que sabemos é que a vulnerabilidade no Brasil aumentou muito e a fome é uma realidade imediata a ser combatida.”, conclui Flávia.

Crianças da ONG Rebusca, em Viçosa, durante suas atividades. As fotos foram cedidas pela ONG e tiradas antes da pandemia de Covid-19

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Viçosa terá Posto Avançado de Coleta de Sangue Por Jamília Lopes Iniciativa vai atrair mais cidadãos nativos e estudantes para a doação voluntária de sangue

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ato da doação de sangue exige responsabilidade, compromisso e, principalmente, solidariedade. Doar é essencial para salvar vidas. Com a pandemia, o número de doações caíram no país, mas as pessoas continuam necessitando de sangue. O Pace (Posto Avançado de Coleta Externa) tem uma estrutura semelhante a uma Unidade de Coleta do Hemominas e funciona em datas e horários pré-definidos de duas ou quatro vezes por mês. Essa inovação na modalidade de coleta acontece por meio de uma parceria entre a Fundação Hemominas e a Prefeitura/Secretaria de Saúde dos municípios com mais de 50 mil habitantes. A ex-vereadora Brenda Santunioni implementou a proposta do PACE em Viçosa no início do seu mandato, em 2017. Ela participou ativamente dos primeiros passos e acompanhou as etapas de implementação do projeto. Destacou também a expectativa de que Viçosa tenha uma boa quantidade de coleta semanalmente, com previsão de início das atividades assim que a pandemia de Covid-19 estiver controlada.

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Viçosa inaugurou, em Dezembro de 2020, a estrutura física do Pace, faltando algumas adequações para serem finalizadas. Brenda explica que a previsão é que funcione uma vez por semana. A Gerente Administrativa do Hemonúcleo de Ponte Nova, Luciana Marinho, menciona, “com o Posto Avançado de Coleta Externa na cidade de Viçosa, claramente irá aumentar o número de doações

de sangue na nossa região, pois irá facilitar o acesso da população de Viçosa e Região no ato da doação de sangue, estimulando as pessoas que nunca doaram sangue a doarem também.” A doação de sangue se faz tão importante, que existem várias condições e restrições para sua realização. Por exemplo; o peso, medicamentos, gravidez, algumas doenças, o uso de drogas injetáveis, ingestão de bebidas alcoólicas, doenças infecciosas e sexualmente transmissíveis, etc. As unidades da Fundação Hemominas do estado estão recebendo doadores de sangue, cumprindo todas as normas


sanitárias com ações de prevenção da Covid-19. O Hemonúcleo de Ponte Nova atua para doação de sangue de segunda a sexta-feira de 7h30 às 11h30, e é indispensável que o doador apresente um documento oficial com foto, podendo ser: Carteira de Identidade, Cartei-

ra de Trabalho, Carteira de Habilitação ou Certificado de Reservista. “Com a pandemia as doações reduziram significativamente”, disse Luciana. Solidariedade na prática Sara Rodrigues, de 21 anos, re-

sidente de Viçosa, se tornou doadora de sangue e de medula óssea há 6 meses. O que motivou a fazer a primeira doação foi ajudar a alguém próximo. “A experiência foi maravilhosa e super tranquila, pretendo continuar doando sempre”, complementou Sara.

COMO DOAR SANGUE Acesse www.hemominas.mg.gov.br e clique na aba “Doação e Atendimento Ambulatorial” para obter informações sobre doação de sangue e de medula óssea. No site também é possível agendar a sua doação de sangue no agendamento on-line. Endereço: Rua Carlos Gomes, 17. Esplanada, Ponte Nova-MG. Telefone: (31) 3604-2200

Horário para atendimento: de segunda a sexta-feira, das 7h30 às 11h30.

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A saúde de Viçosa em tempos de pandemia Por Laís Fidélis Em fevereiro de 2021 a vacinação em Viçosa começa e, pouco tempo depois, o sistema de saúde municipal entra em colapso

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ano de 2021 começou com esperança: a tão esperada vacina chegou e trouxe um respiro de alívio para os brasileiros. As expectativas de que a pandemia tivesse um fim eram altas, e ainda durante as festas de virada de ano as medidas de restrição e isolamento social foram flexibilizadas em todo o território nacional. A vacinação em Viçosa teve início no dia 12 de feevereiro, no campus da UFV. No espaço multiuso do Centro de Vivência, a universidade organizou um drive-thru para aplicar as doses do imunizante. Profissionais da saúde estiveram na linha de frente para atender a população viçosense. Segundo o assessor de saúde da pró-reitoria de assuntos comunitários, Bruno David Henriques, a campanha de vacinação foi uma parceria de sucesso entre o município e a UFV. A campanha de vacinação impressionou a população por sua organização. Fernanda Silva levou seu pai José Bernadino da Silva, viçosense de 68 anos, para tomar a segunda dose e enfatizou a competência da estrutura criada para a campanha. Até maio, mais de

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16.500 pessoas foram vacinadas com a primeira dose em Viçosa, e mais de 6 mil com as duas doses. Ainda no primeiro trimestre do ano, pouco tempo depois do início da vacinação, a curva epidemiológica voltou a subir. Logo, os municípios aderiram novamente às medidas mais restritivas. Em todo o estado de Minas Gerais, a onda

roxa definiu um novo momento de alerta. O número de casos continuava a subir e o sistema de saúde estava perto do colapso. Os boletins epidemiológicos divulgados pela prefeitura de Viçosa mantiveram a população informada da situação da cidade, conscientizando a respeito da importância do lockdown apesar do início da vacinação.


Fotos: Laís Fidélis

Fila de carros à espera para a vacinação no Espaço Multiuso da Universidade Federal de Viçosa. Mais abaixo, agente de saúde prepara uma dose de vacina.

“A vacina é a esperança para o final da pandemia”, diz Bruno David, alertando também sobre a importância das medidas de higiene, bem como o distanciamento social. Na cidade, a taxa de isolamento manteve-se acima da média nacional (55,32%), mas ainda em março o Hospital São João Batista (HSJB) atingiu ocupação completa dos leitos de UTI. Pouco tempo depois, o Hospital São Sebastião também atingiu 100% dos leitos ocupados, evidenciando um novo pico da doença. No Brasil, ainda no primeiro trimestre de 2021 morreram mais pessoas do que durante todo o ano de 2020. Em meio ao caos, a UFV desempenhou um papel crucial: antes mesmo do primeiro caso confirmado, cidade e universidade já articulavam medidas de precaução. Além da própria campanha de vacinação, a instituição também colaborou fornecendo insumos (IFA) para a vacina e produzindo testes para detecção de Covid-19. Com uma média de óbitos acima de duas mil pessoas e um cenário de incentivo aos tratamentos sem comprovações científicas, em abril foi instalada, no Senado Federal, a CPI da Covid, para apuração das responsabilidades. Até o fechamento desta edição, Viçosa registrava 92 óbitos. A Secretaria de Saúde da cidade foi procurada pela PHRolfs, mas não respondeu nossas tentativas de comunicação. PH Rolfs

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Feiras de Viçosa se adaptam à pandemia Por Jamília Lopes Feirantes da cidade se reinventam com as mídias sociais - a comunidade virtual acolheu a ideia

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om o avanço da pandemia, as pessoas tiveram que se adaptar a novas maneiras de fazer encontros e se comunicar. Com o Quintal Solidário não foi diferente. A iniciativa é um projeto de extensão desenvolvido pela ITCP (Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares), órgão da UFV coordenado por estudantes do curso de Cooperativismo. Eles organizam a feira agroecológica em Viçosa e possuem associação com produtores locais e outros órgãos, com finalidade de desenvolver vínculos culturais, sociais e econômicos com a população da cidade. A equipe passou a se reunir virtualmente, explorando o mundo das plataformas digitais, aprendendo a guiar as suas dinâmicas e trabalhar as metodologias da melhor forma. Eles buscam abrir espaço para a discussão dos temas em pauta, assim como identificar novas demandas, vindas, principalmente, dos expositores. Estes têm enfrentado dificuldades em relação à pandemia, sendo lidar com as redes sociais a maior delas.

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Instagram, Facebook e outras plataformas têm servido como uma espécie de vitrine virtual, que aumenta a visibilidade das pessoas e de seus produtos. Para isso, a equipe do Quintal Solidário tem mantido contato com os expositores a fim de identificar as necessidades mais emergentes e elaborar propostas viáveis. Durante a pandemia foram elaboradas cartilhas de marketing digital e conteúdo informativo sobre o Canva (aplicativo voltado para o design gráfico, com layouts prontos e editáveis). Também estão realizando uma série de oficinas voltadas a trabalhar de forma prática esses conteúdos, estimulando exercícios e interagindo em tempo real com os expositores, além de esclarecer dúvidas que aparecem. Na página do Quintal eles mantêm o trabalho com a proposta de trazer mais engajamento, ao passo que divulgam e cedem espaço aos expositores. São postagens de conteúdo e divulgação que interagem entre si de forma harmônica e espontânea, mostrando quem são, como trabalham e com o que trabalham. Dessa forma, além dos próprios perfis dos produtores, a página do projeto também direciona os consumidores àqueles que querem vender, criando uma relação de proximidade e fazedo com que eles

continuem a comercializar. No mês de abril criaram um grupo no WhatsApp, em que corre uma espécie de catálogo, no qual os administradores divulgam os produtos disponíveis, assim como os contatos de quem está vendendo. Assim, eles encontram formas de se adaptar mesmo sem o espaço físico da feira, desenvolvendo técnicas e ferramentas de alcance para que os produtos cheguem até as pessoas com a ajuda das plataformas digitais. É um trabalho árduo e exige bastante aprendizado, mas traz


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consigo uma enorme compensação. “Estamos incorporando à sua estrutura ferramentas poderosas que serão utilizadas mesmo após a pandemia, pois possuem uma enorme força de alcance e visibilidade mesmo fora dos encontros presenciais”, explica Rodrigo Vitarelli Silveira, membro da equipe do Quintal Solidário. Acesse as redes sociais do Quintal Solidário, projeto de Economia Solidária e Agricultura Familiar da UFV (endereço junto à logo do projeto, à direita).

instagram.com/quintal_solidario PH Rolfs

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Momento de readaptação Por Vitória Fernandes Como os profissionais e amantes das atividades físicas estão lidando com o caos da pandemia do novo coronavírus?

Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças”, disse Darwin. Cada mínima alteração no ambiente exige que quem o habita se adapte a ele. Hoje, a pandemia de Covid-19 é um exemplo disso. Todos nós tivemos a rotina reformulada devido às medidas de segurança necessárias para conter o contágio da Covid-19. Distanciamento social e hábitos de higiene mais severos foram adotados por boa parte da população e, como consequência, inúmeras atividades antes consideradas rotineiras foram afetadas. Dentre elas, as atividades físicas. Desde março de 2020, o fechamento e a reabertura dos setores de prestação de serviço estão funcionando de maneira contingente. Não houve um lockdown severo, mas existiu a suspensão dos centros de treinamento. Foi aí que surgiu o questionamento: a falta de uma rotina ativa também não é prejudicial à saúde? De acordo com o intensivista na UTI Covid, Luís Paulo Chagas, nota-se certa regularidade nos pacientes infectados com o vírus. O médico disse que quando atuou como clínico geral em postos de saúde, devido ao contato horizon-

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tal com os pacientes, era possível notar a diferença da manifestação dos sintomas, relacionando-os à rotina do paciente, mesmo nos que já estavam acima dos 50 anos. “O infectado que já tinha o hábito de fazer uma caminhada, tomar sol e uma boa alimentação, mesmo com idade mais avançada, tinha uma passagem muito mais tranquila pela Covid do que os mais sedentários”, conta. Além disso, há estudos em andamento que mostram a necessidade da atividade física. Um levantamento da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) sugere que o hormônio irisina, liberado pelos músculos durante a prática de exercícios, pode ter efeito terapêutico contra a Covid-19. A necessidade de uma rotina ativa, entretanto, não anula a importância do distanciamento social. O surgimento dos treinos disponíveis nas plataformas online tornouse cada vez mais frequente, mas a dificuldade de se manter motivado sozinho em casa, ou para sair e treinar ao ar livre, é uma realidade. Pensando nisso, o personal trainer Abner Magalhães deu início a um projeto no Instagram que consiste na disponibilização de treinos em live. Ele acredita que esse momento síncrono com os alunos é capaz de estimular as pessoas.

O personal trainer Abner Medeiros, enquanto transmite aula ao vivo para seus alunos

“No início, nós do estúdio mandamos treinos escritos para os alunos que já estavam com a gente, mas de 100, só 10 faziam”, disse. Abner ficou surpreso com o retorno positivo, tanto de pessoas interessadas em participar do projeto, quanto o retorno financeiro. Inicialmente, ele cobrou R$14,90 para uma série de 10 dias e esperava em torno de 20 clientes, mas foi surpreendido com quase 50 participantes, o que o motivou a estender a ideia por mais dias. Com o público cada vez mais interessado, muitos profissionais da área estão aderindo a esse estilo de trabalho. O custo-benefício, em relação às academias, é muito vantajoso: a média de preço online fica em torno de R$1,50 por aula, enquanto um treinamento com personal trainer pode variar entre R$35 e R$50. Por isso, ao fazer da internet um local de trabalho e de aproximação, esses profissionais se tornaram um exemplo de readaptação às suas necessidades e às de seus alunos, mesmo em um momento tão conturbado para todos.


Vitória Fernandes Marcus Pires

Marcus Pires

Moradores de Viçosa encontram no campus da UFV uma opção de lugar para a prática de exercícios físicos ao ar livre

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O fenômeno BBB e a pandemia Por Ana Vitória A influência direta na vida dos quarentenados - quando as portas se fecham para o mundo exterior, outra se abre no mundo dos realities

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população brasileira encontra-se há mais de um ano em uma situação de isolamento social para a prevenção do vírus da Covid, o que fez com que a grande maioria das pessoas encontrasse refúgio nas mídias sociais e outros recursos midiáticos acessíveis às suas realidades. O sentimento de angústia, atiçado pelo terror diante das

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consequências terríveis da falta de responsabilidade, assistência e incompreensão a respeito do vírus, despertou a necessidade de uma distração nos corações brasileiros. Resultando no aumento significativo do alcance de público do reality show Big Brother Brasil nas casas das famílias e fora delas. A PH Rolfs fez uma enquete jornalística online com algumas pessoas para entender melhor a relação do público com o BBB21, considerando que a edição deste ano do programa já é considerada a de maior audiência em sete anos de BBB. No total, 30 pessoas responderam às oito perguntas da enquete. Cerca de 43,3% foram estudantes da UFV, enquanto 13,3% não possuem vínculo com a Universidade. Quando questionados se já assistiram às versões anteriores do programa, 93,3% afirmaram que sim e 80% acreditam que essa edição está propensa a causar mais aflição no telespectador, enquanto 53,3% dos consultados acredita que o programa pode ser uma válvula de escape da tragédia pandêmica do “mundo real”. Os dados acima foram extraídos de um pequeno grupo de pessoas, porém o reflexo desses dados é perceptível em escala maior ao longo da análise a respeito do engajamento causado pelo reality show. Entre eles, o número considerável de patrocinadores, o esgotamento


es: Cauê

Mathias

Em meio ao caos e à fuga dele, Viçosa foi agraciada com a presença do João no programa, que foi o 12º eliminado do reality show, ficando entre o “Top 10” do BBB21. Na grande final, Juliette Freire foi a campeã - com mais de 90% dos votos - e saiu do programa com mais de 24 milhões de seguidores nas redes sociais, mostrando o quanto o BB21 foi especial em relação aos outros.

Ilustraçõ

de produtos relacionados a determinados participantes, o reconhecimento imediato de elementos culturais expostos e a demonstração afetiva do público de todas as idades e grupos sociais nas redes de comunicação. Ao ser questionado sobre o tema, o professor da UFV Arthur Meucci, doutor em Educação, Arte e História da Cultura, acredita que o povo brasileiro está buscando meios de unir-se no sofrimento da pandemia. E após um período de tensão entre familiares, amigos e colegas ocorrida na disputa política de 2018. Essa reaproximação das pessoas mostra também a busca pela identidade do brasileiro, unindo contrários na mesma torcida contra “os grandes vilões” e a favor dos chamados “mocinhos”. Por mais que, no mundo real, os terrores da proliferação do vírus ainda estejam presentes na realidade brasileira, parte da população tem preferido olhar para a narrativa do BBB21: 20 jovens isolados da sociedade, sendo observado por câmeras. Enquanto isso, na realidade, as famílias no isolamento social abraçam esse pequeno mundo televisivo dentro de suas casas. Contribuindo para a expansão desse universo de discussão do reality, vários artistas vêm criando artes inspiradas na suposta “novela” da vida real que é transmitida pela Rede Globo. Um exemplo é o talentoso Cauê Mathias, design e ilustrador, que nos emprestou para a edição da PHRolfs uma bela ilustração do João Luiz Pedrosa, ex-aluno da UFV, professor de Geografia e um dos personagens do BBB21.

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Conexão Ipatinga-Viçosa maps.google.com

Por Gabriel Stófel Ipatinguenses constantemente se encontram durante a vida na universidade. A proximidade entre as cidades permite com que haja uma extensão dos laços entre pessoas do mesmo lugar.

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relação que a UFV tem com seus alunos vai muito além da área acadêmica. A experiência social imersiva dentro da universidade ocorre simultaneamente à rotina de estudos. Considerando a importância da UFV para a região e o fato de ser uma universidade de ponta, não é surpresa que ela seja visada por alunos do ensino médio das cidades da região e de todo o país. A experiência do estudante ipatinguense em Viçosa, assim como a de alunos de cidades vizinhas, tem o diferencial de poder ser vivida com pessoas do mesmo lugar. Esse encontro pode ser gente que já se conhecia ou de novas relações, criando uma particularidade que não ocorre com alunos que vêm de lugares mais distantes. Na cidade de Ipatinga, a universidade é conhecida e visada por muitos alunos que sonham em ingressar em uma universidade renomada e próxima da região. A aluna do curso de História Cindy Guinsberg (24) conheceu a universidade quando cursava o segundo ano do ensino médio, por meio de amigos que já estudavam na UFV. Apesar de já conhecer a universidade, Cindy afirma que seu interesse em en18

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trar na UFV surgiu no terceiro ano, momento em que ela avaliava quais fatores iriam determinar os locais onde ela tentaria o vestibular. “Conheci muita gente de Ipatinga aqui em Viçosa, que eu não conhecia lá (Ipatinga), e muitas pessoas se tornaram amigas muito próximas. Mesmo assim, eu entendo que existe essa coisa de Viçosa ser um ambiente mais confortá-

A aproximadamente 200km de distância, Viçosa é destino de muitos jovens ipatinguenses que sonham ingressar em uma universidade pública


Arquivo pessoal

Cindy complementa a rotina acadêmica envolvendo-se em movimentos sociais

Arquivo pessoal

vel para Ipatinguenses porque eles sabem que sempre irão encontrar conhecidos ou conterrâneos por aqui”, conta. Para aqueles que chegam sozinhos a uma nova cidade e precisam se virar em uma nova série de atividades, compromissos em uma cidade completamente nova e em um campus de universidade tão grande, fica difícil se localizar em meio a tantos departamentos. Nesses casos, conhecer um conterrâneo pode ajudar a tornar a experiência do aluno algo mais familiar. O Mestre em Geologia Igor Brumano (29) se formou em 2016 na UFV no curso de Engenharia Civil. Igor também comenta sobre a importância do acolhimento de outros ipatinguenses durante a graduação: “se não fossem os amigos que eu já trazia desde Ipatinga, te-

nho certeza de que a graduação não teria sido tão tranquila em relação à saudade de casa”. Quando perguntado sobre a conclusão do curso, Igor destaca a proximidade entre Viçosa e Ipatinga. “Não foi apenas minha família que pôde comparecer à minha formatura, mas tam-

bém as famílias dos meus amigos, o que tornou as festividades de conclusão do curso muito mais agradáveis e memoráveis para todos nós, e isso não seria possível se eu morasse muito longe de Viçosa.” Igor conclui dizendo que “mesmo sendo uma universidade de nível e alcance nacionais, com alunos de todas as regiões do país, poder aproveitar os anos na faculdade próximo àqueles que se ama pode ter um impacto extremamente positivo na vida dos alunos”.

Igor posa com os tios, que puderam comparecer à colação de grau

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REPORTAGEM ESPECIAL

Um trabalho invisível

Por Leonardo Gonçalves O tema da reciclagem de materiais se enquadra na questão da sustentabilidade ambiental, mas diversos processos sociais estão invisíveis na sociedade, tais como as lutas dos catadores e suas conquistas.

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á é consenso mundial que uma sociedade sustentável é a única alternativa para evitar um colapso social, econômico e ambiental no planeta, até porque esses três aspectos são indissociáveis. A organização internacional de pesquisa Global Footprint Network, parceira da WWF (Fundo Mundial pela Natureza), faz o cálculo do Dia da Sobrecarga da Terra e da Pegada Ecológica, que é o dia em que a humanidade consome o máximo de recursos que o planeta consegue suprir para um ano inteiro e, desse dia em diante entramos em déficit ecológico. Em 2020, o Dia da Sobrecarga da Terra foi em 22 de agosto. Devido à desaceleração da economia causada pela pandemia, ocorreu 23 dias mais tarde do que em 2019. Ainda assim, são quatro meses e uma semana de déficit somados ao cumulativo, que se iniciou nos anos de 1970. A tendência é que esse dia chegue mais cedo a cada ano. Aproveitar e rea20

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proveitar esses recursos ao máximo, antes de extrair mais da natureza, é o mínimo que deve ser feito para remediar esse déficit. A reciclagem é o principal método de fazer isso. A reciclagem é um dos três R’s da sustentabilidade, que são reduzir, reutilizar e reciclar. Dos três, a reciclagem deve ser a última alternativa para se poupar recursos e reduzir o volume de resíduos. Pense no consumo de uma garrafa PET de água, por exemplo. O uso pode ser reduzido se em um restaurante optar por um copo de água filtrada. Isso evita a extração de petróleo, o beneficiamento e transporte da garrafa. Porém, se deixar de adquirir a garrafa não foi uma opção, pode-se reutilizá-la, dando uma nova utilidade sem passar por nenhum processo industrial. Evita-se, assim, a necessidade de comprar outra garrafa para o mesmo uso. A reciclagem é a alternativa quando nenhuma das anteriores for possível. O material precisa ser transportado e processado para poder ser utilizado novamente, o que também gasta energia e dinheiro, ainda que bem menos que a extração do zero. A reciclagem é um mercado bilionário no mundo todo, pois os materiais reaproveitados são muito mais baratos para a indústria e empregam milhões de pessoas ao longo de sua cadeia. No Brasil esse potencial é muito

pouco aproveitado, pode-se dizer até negligenciado. Quem assumiu esse mercado vital para a sustentabilidade e tão importante para a economia e indústrias foram os catadores de materiais recicláveis. Homens e mulheres, pais e mães de família que buscam seus sustentos e de seus lares, puxando pesadas carroças ou mesmo levando nas costas os materiais recolhidos nas ruas das cidades. Eles percorrem dezenas de quilômetros diariamente, de subidas e descidas, procurando pelo o que a maioria das pessoas chama


pixabay.com

de lixo e descarta como se não fosse mais problema delas. Segundo o relatório do IPEA (Instituto de Pesquisas Aplicadas) de 2017, 90% de todo o material que chega a ser reciclado no Brasil é resultado do trabalho de catadores. Esses profissionais, que fazem tanto pelo meio ambiente e economia, vivem na informalidade e não têm o merecido reconhecimento da sociedade. São invisibilizados, tratados com indiferença. Seu trabalho, que impede uma inundação de lixo e poupa milhões de reais dos con-

tribuintes, é ignorado, como se não fizessem a menor diferença na vida de ninguém. Esses trabalhadores invisibilizados possuem histórias de vidas que são, ao mesmo tempo, únicas e comuns nas dificuldades e obstáculos que a sociedade impõe e todos naturalizam, pois não é problema de quem não sofre e quem sofre talvez nem pense como poderia ser melhor. O Projeto InterAção, do Departamento de Ciências Sociais da UFV, desde 2008 auxilia as associações de catadores de Viço-

sa, gerando parcerias que possam ajudar nas causas dos profissionais da reciclagem. Parceiros como o ITCP (Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares), defensoria pública, escolas, associações de bairro, ONGs, dentre outras. A professora Nádia Dutra, coordenadora do projeto, explica que a invisibilidade dos catadores de materiais recicláveis tem origem no modo que a sociedade lida com o lixo, os resíduos que as pessoas não veem mais utilidade: “as pessoas não querem saber o que acontece PH Rolfs

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vada uma lei que proíbe a circulação de carroças. Os camelôs que vendem suas comidas e seus produtos, vira e mexe são perseguidos e impossibilitados de trabalhar. A gente vê que tem uma organização de acordo com o ordenamento do espaço urbano, que historicamente criminaliza esses trabalhadores. Precisamos pensar que os mesmos que foram criminalizados pelo crime de vadiagem, por não ter uma carteira assinada no passado, hoje são criminalizados por estarem em via pública, por que atrapalham o trânsito. Existe um preconceito social dos trabalhadores autônomos pobres. Ainda por cima, os catadores, grande parte deles, estão lidando com aquilo que o capitalismo e a sociedade querem externalizar, que é o resíduo. O capitalismo quer produzir, produzir, produzir... colocar produtos brilhantes no mercado, mas ninguém quer lidar com o tratamento desses resíduos”, conta. Apesar da reciclagem ser um negócio que movimenta bilhões de

dólares no mundo, o poder público contribui para essa situação de descaso, ao se comprometer com técnicas ultrapassadas de manejo de resíduos, atrelados a um sistema que insiste em não se atualizar. A vereadora conta que os maiores contratos da prefeitura de Belo Horizonte são feitos para lidar com os resíduos de forma hegemônica, concentrando o serviço em uma ou poucas empresas que recolhem tudo e mandam para o aterro sanitário. Em Viçosa não é diferente: a professora Nádia informa que uma TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) em que a autarquia da prefeitura se comprometia com o progresso da coleta seletiva não foi cumprida dentro do prazo, levanGrafite com frases de efeito, produzidos pela ONG Pimp My Carroça. Eles chamam a atenção e provocam reflexões sobre o trabalho dos catadores e o papel deles na sociedade. dionisioarte.com.br

com o lixo depois que o descarta, só querem se livrar dele. Então há um descaso em relação a essa função de recolher e procurar uma destinação correta para o resíduo. Desde que o lixo suma da frente da casa, não importa o que vai acontecer com ele ou quem vai lidar com ele”, diz. A vereadora Bella Gonçalves (PSOL), que defende a valorização e apoio aos profissionais da reciclagem em sua atuação na Câmara Municipal de Belo Horizonte, acrescenta que a invisibilidade também se deve a outros fatores. Para ela, os fatores principais têm a ver com classe social e cor da pele. “Todos os trabalhadores pobres, marjoritariamente negros, na história desse país, são desvalorizados. Existe uma visão racial do trabalho na nossa sociedade em que os autônomos informais pobres são tratados, às vezes, até como criminosos. Veja o contexto dos camelôs e agora os carroceiros, que estão sendo criminalizados através da legislação. Aqui em Belo Horizonte, foi apro-

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do à abertura de um processo pelo Ministério Público Municipal. Em breve o aterro sanitário da cidade atingirá sua capacidade máxima, pois foi sobrecarregado com material que poderia ter sido reciclado. A prefeitura terá de pagar para mandar o lixo a um aterro de outra cidade, onerando os contribuintes enquanto não emprega seus cidadãos. As associações de catadores são um dispositivo que une os catadores para que eles tenham mais força e tenham mais chances de serem ouvidos, além de ampliar a reciclagem de suas respectivas cidades. O catador autônomo acaba selecionando o que recolhe para maximizar seus ganhos, então acaba deixando para trás materiais de menor valor, que não valem o espaço e peso em seu carrinho. As associações, que trabalham de forma cooperada, podem reunir uma quantidade muito maior de materiais, melhorando a negociação de vendas e conseguindo contatos com diversos compradores para todo tipo de resíduo coletado. A luta das associações também é constante: sempre precisam fazer valer seus direitos, cobrando que os contratos com as prefeituras sejam cumpridos corretamente. Também realizam mobilizações para informar e alinhar a sociedade com a coleta seletiva. No entanto, as associações nem sempre conseguem acolher todos os catadores que querem se associar, pois a falta de incentivo e políticas públicas, já citadas anteriormente, não permitem que elas se expandam o suficiente, mesmo enquanto a quantidade de lixo aumenta com a escalada do consumismo e a capacidade dos aterros diminuem.

Influência da pandemia entre os catadores A pandemia de Covid-19 afetou negativamente muitos setores da economia. No Brasil, na contramão do mundo, a reciclagem foi um dos setores prejudicados. Enquanto o isolamento fez muitas pessoas repensarem seu hábitos de consumo e darem maior atenção à separação do lixo, o poder público perdeu a oportunidade de executar campanhas que mobilizassem a população a aderir esse movimento. Além disso, pela falta de planejamento e/ou negligência, regrediram as taxas de reciclagem. No início da pandemia, com a falta de informações seguras sobre o vírus, foi natural a interrupção de coleta seletiva em todo o país. Porém, houve uma grande demora para que se rearticulasse uma retomada adequada às novas questões de segurança. Nádia, que já auxiliou e executou muitas mobilizações, enquanto coordenadora do InterAção, lamenta o descaso, mas não se surpreende. “Oportunidades sempre foram perdidas. Sempre tiveram tantos técnicos, voluntários e vários projetos à disposição da causa da reciclagem e da coleta seletiva, mas o poder público nunca aproveitou para apoiar. Na pandemia não seria diferente”, explica a professora. Em Belo Horizonte, após cinco meses de coleta interrompida, a vereadora Bella Gonçalves precisou reivindicar à Prefeitura, junto ao vereador Pedro Patrus (PT), por meio de um indicação na câmara municipal, que os profissionais da reciclagem fossem incluídos na lista de atividades essenciais e que lhes fossem fornecidos os mesmos

equipamentos de segurança sanitária e qualificação para trabalhar durante a pandemia. Quando a coleta com caminhões foi retomada, a população havia se desabituado a separar os materiais. Tampouco houve alguma ação que incentivasse a cooperação dos moradores, então a adesão foi muito menor do que anteriormente à paralisação. No mesmo momento em que tanto se fala dos desafios que a população enfrenta para sobreviver à crise, mais uma vez os catadores são ignorados, deixados de lado, enquanto poderiam ser parte da solução. Em 2007, o artivista (artista e ativista) paulistano Mundano notou o fenômeno da invisibilidade dos catadores com suas carroças. Todos reclamavam dos veículos de madeira no trânsito, buzinavam e xingavam, mas ninguém pensava no trabalho que eles faziam. Após conversar com muitos catadores e entender melhor a luta deles, Mundano tentou combater o problema da invisibilidade dando cor às carroças. Começou a pintar carroças com uma meta de colorir pelo menos 100 delas. Logo percebeu que a cor não era o suficiente. Precisava de frases, queria dar voz à categoria, que só em São Paulo já contabilizava mais de 20 mil catadores. O grafiteiro percebeu que seu trabalho tinha tudo a ver com o dos catadores: são trabalhos honestos, mas marginalizados. Assim nasceu o Projeto Pimp My Carroça, uma ONG que hoje atua em todo Brasil, grafitando carroças com mensagens de impacto, promovendo eventos e campanhas em prol dos catadores. Lançaram o aplicativo Cataki, que liga o catador a quem PH Rolfs

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Fotos: Leonardo Gonçalves

Como catador autônomo, Warley usa a calçada de frente à sua casa como depósito, onde ele separa e armazena os materiais até a venda

precisa de seus serviços, e o Cataflix, uma iniciativa de um programa quinzenal publicado no canal da ONG no YouTube. O coordenador de comunicação do Pimp My Carroça, João Bourroul, explica que o grafite não só muda a percepção sobre os catadores, como também muda a vista do meio urbano geralmente tomada pelo cinza do concreto. “É muito fácil de um cidadão que mora numa grande metrópole cair no piloto automático, ele está ali andando ou dirigindo e tá com o olhar completamente anestesiado. Ele vê aquele tanto de carro e poluição, um monte de propaganda, pichação, gente, fumaça e os catadores acabam sendo só mais um elemento nesse caldeirão urbano que passa batido, que ninguém olha de verdade. A partir do momento que aquela carroça tá toda colorida, com um desenho, uma frase ali, muda tudo. Aquele trabalhador ficou literalmente mais visível. Então você para, repara e reflete. A gente sempre procura colocar frases nos grafites. Frases que são direcionadas aos motoristas. O cara tá passando e vê aquela carroça passando na frente dele, ele vai buzinar, mas o carroceiro tá passando e ele lê a frase: ‘Não buzine, me dê bom-dia’, ‘Meu tra24

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balho é honesto, e o seu?’ ‘Faço mais pelo meio-ambiente que o ministro do meio-ambiente’, ‘Meu carro não polui’. Você freia sua mão no momento em que pensava em buzinar. Você pensa: esse catador tá falando comigo. Daí muda tudo”. Warley Fernandes Matos, de 39 anos, trabalha recolhendo materiais recicláveis na capital mineira há mais de 15 anos. Ele sabe muito bem que, com o passar dos anos, os assuntos ligados ao meio-ambiente e sustentabilidade ficaram cada vez mais falados, ao passo que o trabalho do catador continua desvalorizado. Recentemente foi demitido de seu emprego formal como técnico de sondagem de solo, devido à escassez de serviço durante a pandemia. Agora, tem a catação como seu único meio de sustento. Ele afirma que na pandemia o número de catadores nas ruas aumentou. Antigos donos de comércio que faliram, além de aposentados que não conseguiram manter as contas em dia, por exemplo, passaram a catar material. Alguns utilizam carretinhas acopladas ao reboque dos carros, outros fazem da catação uma atividade para a família toda. “A gente que é catador não vê distinção em um ou outro, tá todo

mundo atrás do sustento, então a gente ajuda eles. Explica o que pode pegar, como que separa, como que vende. Tem que ajudar, porque eles não sabem no começo”. Apesar de Warley não se importar com a concorrência, ele a sente. O catador veterano diz que com a pandemia seus ganhos diminuíram em aproximadamente um terço, mesmo com o aumento do preço de alguns materiais, como alumínio, ferro e PET, além de estar trabalhando por mais tempo, saindo de casa às 6h e chegando só depois das 22h. “Às vezes eu vou com o carrinho vazio e volto com o carrinho vazio. Eu ando uns 20 a 30 quilômetros por dia, subindo e descendo morro, mas com tanta gente catando fica difícil juntar muita coisa.” Ele chegou a receber o auxílio emergencial, que se somou ao bolsa-família (R$91 mensais) que ele já recebia. O auxílio deu um certo alívio ao trabalhador, mas foi cortado antes de receber a última parcela, em dezembro. Foi informado que o Ministério da Cidadania faria uma reavaliação e não teve mais notícia do benefício. Warley se orgulha do trabalho que faz, demonstra prazer em contar de sua rotina mesmo com todas as dificuldades, tem consciência do impacto positivo que a atividade faz ao meio-ambiente e sabe o quanto reciclagem é importante para a economia e indústria.


Dona Tereza posa orgulhosa em frente ao seu primeiro carrinho, ela afirma que não irá se desfazer dele mesmo depois de se aposentar

Conta que foi associado à Aamare (Associação dos Catadores de Papelão e Materiais Reaproveitáveis) e chegou a viajar pelo Brasil para palestrar em congressos de meio-ambiente e sustentabilidade, teve que se afastar da associação por ter tido problema com o alcoolismo, assunto o qual não quis dar mais detalhes. O pai de família admite que a maior parte de seus pertences foi recolhida das ruas: móveis, eletrodomésticos, roupas e até enfeites da casa. Para ele, se ainda pode ser usado, não pode ser chamado de lixo. Ao final da entrevista, pedi para tirar uma fotografia e agradeci ao catador pelos relatos e simpatia. Eu, meio sem graça e ainda impactado com o relato das batalhas diárias que Warley trava, perguntei se tinha algo que eu pudesse fazer por ele no momento. Fiquei com receio de ofendê-lo oferecendo dinheiro diretamente, mas insinuei que poderia contribuir de alguma forma. Ele prontamente recusou qualquer ação, me desejou sorte, mas reiterou

que era importante que eu ajudasse as pessoas a entenderem a importância do trabalho dele e de tantos outros, que eles não querem caridade ou ajuda. Os catadores querem respeito, apoio e o merecido reconhecimento pelo serviço que prestam à população. Para termos a visão real do que é ser um catador, também é necessário enxergá-los além de seu trabalho, que é importante, mas não os constitue como pessoas. O que faz alguém seguir esse caminho profissional que tanto luta para ser visto como parte fundamental da sociedade que insiste em excluí-lo? O relato de Warley dá a ideia de que a necessidade empurra algumas pessoas para essa atividade, mas esses necessitados são circunstanciais e podem mudar sua situação outra vez. Os catadores que estão na profissão de corpo e alma também podem ter sido trazidos pela necessidade, mas não uma necessidade por alguma mudança pontual na vida ou crise econômica: são fru-

to de fatores históricos e culturais. Para tentarmos ir um pouco mais a fundo na questão, podemos refletir sobre as histórias de vida de três catadores da região de Viçosa. Dona Tereza, uma senhora sexagenária cuja vida está almagamada a história da reciclagem moderna de Viçosa; Silvânia, uma jovem mãe de família também filha de catadora; e Seu Paulinho, um catador autônomo que depende apenas de si mesmo, rodando com seu carrinho diariamente. Desde suas infâncias podemos observar as peculiaridades e pontos em comum da vida de cada um deles. Mesmo sendo de gerações e gêneros diferentes, suas batalhas convergem.

Silvânia, junto a Luciana, do Projeto InterAção, realiza a mobilização para instruir moradores do bairro Fátima para aderirem à coleta seletiva.

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Esquecimento quilombola Por Kedma Júlia A realidade de vida nas comunidades antes e durante a pandemia

Não cairemos na invisibilidade e não aceitaremos o esquecimento. Vidas quilombolas importam!” A frase é o grande anúncio encontrado no site do Conaq, Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas, que vem apoiando e gerando os únicos dados até agora disponíveis sobre a situação das comunidades quilombolas durante a pandemia. Mas se é complicado acessar informações sobre as comunidades, junta-se a isso a dificuldade de diversas comunidades de enxergar-se um quilombo, somado ainda à falta de acesso aos direitos básicos; à pobreza. Uma questão de esquecimento “Eles têm medo de se tornarem escravos de novo”. É a explicação dada por Reginaldo Pereira Costa, quilombola que liderou o resgate identitário de quilombos localizados em Sabinópolis, interior de Minas Gerais, quando questionado sobre a dificuldade de algumas comunidades em reconhecerem sua história. Ao não verem amparo estatal, sentem-se mais uma vez ameaçados e vazios de raízes. O mesmo esquecimento foi apontado por Ivanilde Salomé, moradora de um quilombo urbano na

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mesma cidade. Essas vivências dificultam ainda mais a vida nas comunidades já ameaçadas pelo coronavírus. O número de casos confirmados de quilombolas com a doença é atualmente de 5.266 casos. Entretanto, diversas comunidades permanecem sem certificação e, portanto, isentas de receberem a vacinação prioritária, que em Minas Gerais promete alcançar 37% das comunidades até o fim de abril. Sendo grande parte das comunidades rurais, o acesso à saúde é geralmente dificultoso, além de comprometer a geração de renda dos produtores que precisam realizar um trabalho comunitário para manterem suas lavouras. O acesso à informação, como método de proteção contra o contágio, também foi apontado pelos moradores: “São pessoas muito simples e, sem conhecimento, recebiam visitas de parentes de boa fé”, diz Reginaldo. Quilombo é cultura As comunidades quilombolas são consideradas pela Constituição como patrimônio histórico-cultural. Muito mais que um museu a céu aberto, elas são símbolo das raízes africanas do Brasil. É de importância coletiva, um aspecto importante da resistência latino-africana. Reginaldo ainda destaca: “Descobri que era descendente de quilombolas em 2007. Antes eu vivia na comunidade, mas não

tinha esse conhecimento. Quando li o livro do Cedefes (Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva, uma ONG em Minas Gerais), entendi que em Sabinópolis há várias comunidades quilombolas. Vi o nome das comunidades e comecei a fazer o movimento de defesa dos direitos. (...) Quando fizemos o processo de conscientização de assumir a identidade quilombola, eles (moradores da comunidade) falaram com a gente ‘nós não queremos ser escravos de novo não’. Ainda existe esse medo de falar que a comunidade é um quilombo, medo de que o governo federal, estadual ou municipal venha a escravizá-los. Esse fato descobrimos dentro da comunidade. Levamos anos para conscientizar e conseguir o certificado de registro. Foi um trabalho árduo. As pessoas negras se sentem rejeitadas, já que muitos não tiveram a condição de estudar” . Marginalização cultural e apagamento representam mais que um esquecimento ocasional e acidental. Entretanto, os moradores têm sido otimistas. Eventos e projetos sociais, segundo eles, têm fomentado as discussões para que o reconhecimento seja dado. Para Reginaldo, Ivanilde e Júlia, moradora da comunidade do Maitaca em Sabinópolis, isso é a esperança de que a descendência quilombola seja motivo de orgulho e esse primeiro passo seja dado: “hoje podemos conhecer um pouco de nós e do nosso povo. O esquecimento


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27 Fotos: Kedma Júlia


tem se transformado em desejo de saber mais. A atenção dada à comunidade por aqueles que importam tem nos protegido de muito desentendimento e negligência.”, afirma Júlia. Júlia conta sobre o processo de se descobrir quilombola: “certamente descobrir quem somos gera desafios, sendo ou não quilombola, no entanto para última são encontrados desafios e tantos. Porém a perspectiva é boa, de fato o reconhecimento já significa que a luta está dando certo. O Maitaca não virou uma comunidade quilombola, sempre foi, entender isso é reconhecer que um povo antes de nós passou por muito sofrimento para que então tenhamos os direitos que revogamos. A comunidade cresceu, como população e o amadurecimento veio junto. No último sábado (16) a população

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recebeu a graça da vacina. Ainda há muito para se reconhecer e conhecer, nossos direitos para conquistar. Mas sabemos que nosso povo é forte, a luta não pode acabar”, conclui.

Acima, Dona Expedita (99), a moradora mais antiga da comunidade do Maitaca, em Sabinópolis, com sua neta Júlia (19). Abaixo, o restante da família: Maria da Conceição de Moura (55), Felipe Mateus Moura de Souza (27), João Gabriel Moura da Silva (22). Eles contam que tomaram conhecimento de serem quilombolas há 10 anos


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