Revista do Conselho Nacional de Praticagem edição 65 - junho a setembro/2023
Chegamos à
Lagoa dos Patos
editorial E passamos da metade do número de zonas de praticagem na série de reportagens sobre as ZPs brasileiras e suas particularidades. Dessa vez, visitamos a ZP-20, no Rio Grande do Sul. Nela, o serviço de prático é obrigatório para os navios que demandam o cais público de Porto Alegre e terminais interiores, assim como para os que seguem no sentido inverso, em direção a Rio Grande. Como o leitor verá a seguir, sua característica é única, marcada por longa navegação, canais desafiadores e clima adverso. Os últimos meses foram intensos de eventos. Acompanhamos o Fórum Latino-americano de Práticos, no Panamá, e o 1o Seminário Planejamento Portuário e o Simpósio Brasileiro de Hidrografia, no Rio de Janeiro – todos estreitamente ligados com a praticagem brasileira. Também tratamos, em dois textos, de ESG – sigla que vem do inglês environmental (ambiental), social (social) and governance (governança) –, assunto cada vez mais em voga no setor marítimo e portuário. Afinal, estamos cumprindo a nossa parte por um futuro melhor para a humanidade? Outra reflexão que fazemos na edição é sobre o uso de celular durante as manobras. Reproduzimos duas publicações internacionais que discutem a questão e levantamos que já há casos de acidentes registrados no Brasil. A coluna Rápido & Prático traz notas relevantes sobre a atividade e a Bombou nas Redes, o melhor da audiência em nossas mídias sociais. Boa leitura! Otavio Fragoso é o editor responsável.
Conselho Nacional de Praticagem Av. Rio Branco, 89/1502 – Centro – Rio de Janeiro – RJ – CEP 20040-004 Tel.: 55 (21) 2516-4479 conapra@conapra.org.br praticagemdobrasil.org.br diretor-presidente do Conselho Nacional de Praticagem e vice-presidente da IMPA Ricardo Augusto Leite Falcão diretor vice-presidente Bruno Fonseca de Oliveira diretores Marcello Rodrigues Camarinha Marcio Pessoa Fausto de Souza Marcos Francisco Ferreira Martinelli
Rumos Práticos planejamento Otavio Fragoso/Flávia Pires/Katia Piranda edição Otavio Fragoso redação Rodrigo March (jornalista responsável) MTb/RJ 23.386 revisão Maria Helena Torres projeto gráfico e design Katia Piranda pré-impressão/impressão DVZ Impressões Gráficas capa foto: Gustavo Stephan
As informações e opiniões veiculadas nesta publicação são de exclusiva responsabilidade de seus autores. Não exprimem, necessariamente, pontos de vista do Conselho Nacional de Praticagem.
índice
6 A imensidão da Lagoa dos Patos e seus afluentes
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16 Panamá recebe o Fórum
Latino-americano de Práticos
20 Como foi o 1o Seminário Planejamento Portuário no Rio de Janeiro
23 Práticos Adonis e Gustavo
representam a praticagem no Simpósio Brasileiro de Hidrografia
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26 Praticagem: ESG além da retórica 28 Projeto socioambiental é implantado na Zona de Praticagem da Bahia
30 Distração na palma da mão 31 Sinais 33 Uso de celulares em zonas de praticagem
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A imensidão da Lagoa dos Patos e seus afluentes Navegação extensa, passagens críticas e clima extremo marcam a Zona de Praticagem 20
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foto: Gustavo Stephan
PRÁTICO BEDRAN NO MOMENTO DE GIRO NO CAIS PÚBLICO
Em 1750, quando o general Gomes Freire foi encarregado de transportar açorianos para ocupar terras jesuíticas das Missões, no oeste do Rio Grande do Sul, ele acreditou que o meio mais fácil seria romper a barra do Rio Grande em barcos, atravessar a Lagoa dos Patos e seguir pelos rios Guaíba e Jacuí. Logo, porém, foi informado sobre a dificuldade da navegação entre os traiçoeiros baixios. Quase três séculos depois, obviamente o cenário melhorou, mas desafios semelhantes ainda se impõem aos práticos que conduzem os navios na Zona de Praticagem 20. Os canais de acesso continuam rasos e estreitos, além das condições ambientais adversas. Esta é a 11a reportagem da série sobre as zonas de praticagem brasileiras. São quase 200 milhas náuticas até o terminal mais distante ao norte de Porto Alegre, com 150 boias de sinalização, extensão próxima à do Rio Mississipi, nos Estados Unidos. As viagens podem levar mais de 24 horas devido à restrição para operação noturna nos canais fora da Lagoa dos Patos. Os práticos precisam ajustar a singradura para deixá-la ao nascer do sol, normalmente fundeando e aguardando em seu interior. Em Rio Grande, eles embarcam no ponto de espera ao sul de São José do Norte, onde acontece a troca com práticos da ZP-19 que adentraram a barra, em áreas de fundeio definidas ou no Porto Novo. Subindo em direção à capital gaúcha, são 40 milhas até a Lagoa, mais 95 para atravessá-la e outras 35 até o cais público de Porto Alegre. Após a passagem pela ponte nova e pela ponte com vão móvel, o Rio Guaíba bifurca para o Rio Gravataí, onde está o terminal de gás (Tergasul), a cinco milhas, em Canoas, e para o Rio Jacuí, onde se localiza o terminal petroquímico (Santa Clara), a 18 milhas, em Triunfo. O percurso inicial até a Lagoa é feito em quatro ou cinco horas com auxílio fundamental de portable pilot unit (PPU) – tablet de navegação eletrônica com antena independente que fornece dados mais precisos do que os equipamentos de bordo. O prático deve ter atenção redobrada o tempo inteiro. É nesse trecho que se encontra o Canal da Feitoria, temido até por velejadores. Apesar da reta aparente na carta náutica, são sete milhas de manobras em zigue-zague, em razão do assoreamento. Além disso, o canal é muito exposto a ventos e correntes que incidem nos dois lados do costado.
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– Quem vai navegando pelo meio das boias encalha. Há momentos em que vemos uma boia de bombordo por boreste, tamanha a inclinação do navio – observa o prático José Bedran Simões. – Você tem que ir compensando, não é fácil não – diz o prático Rafael Magalhães. Aprovado no processo seletivo de praticante em 1996, o prático Geraldo Luiz de Almeida passou por sua situação mais difícil em junho deste ano, justamente na Feitoria: – Tivemos que rebocar um navio de 200 metros de comprimento e 32 metros de boca, a dois nós de velocidade. O navio saiu bem de Porto Alegre, mas, quando chegou na parte sul, o rebocador da proa apresentou um problema de máquina, e fui obrigado a inverter os rebocadores, passando o da popa para proa. Esse navio tinha um erro de construção. Na hora em que o hélice ficava fora d'água, desligava a máquina. Por isso, a embarcação subiu e desceu a Lagoa com rebocadores. Na ida, foram os práticos Rui [decano da praticagem] e Bedran. Na volta, eu e o Magalhães nos revezamos, um no navio e o outro no rebocador da proa. Ele estava no rebocador quando a falha ocorreu. Nós saímos de Porto Alegre às 8h, entramos na Feitoria às 9h (do dia seguinte) e só chegamos em Rio Grande às 20h. Foi a pior manobra que fiz. Na Feitoria e nos demais canais rasos e estreitos, a praticagem sente os efeitos squat e de banco, que podem levar a embarcação a tocar o fundo e a perder governabilidade, respectivamente. Foi o segundo efeito que causou o encalhe do Ever Given no Canal de Suez, no Egito, em 2021. – Toda a parte teórica de hidrodinâmica que estudamos para o processo seletivo de praticante vemos aqui – afirma Geraldo. A baixa profundidade limita o calado em 5,18 metros, e há canais com menos de 80 metros de largura. – Ao nos aproximar da margem, a água corre mais rápido, e a pressão diminui, provocando uma sucção na popa, te jogando para o outro lado e depois de volta, ricocheteando sucessivamente (efeito de banco). Se saímos pouco mais de 15 metros da nossa rota, já acende o sinal amarelo – conta o prático Bedran. Em relação à velocidade, prossegue, é necessário buscar um ajuste fino para o tráfego seguro.
foto: Gustavo Stephan
– Para diminuir o squat e a interação com os bancos, diminui-se a velocidade. Porém, ao fazer isso, joga-se menos água para resposta do leme, o que deixa o navio mais sujeito aos efeitos de vento e corrente. Então, não se pode ir nem muito devagar, nem muito rápido. É preciso observar e achar uma 'solução de compromisso' – brinca.
PRÁTICO GERALDO DURANTE ENTRADA DO NAVIO HYDRA DAWN NA CAPITAL
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Os efeitos hidrodinâmicos são minimizados com o nível mais alto da água, como ocorre no inverno. Por outro lado, as condições meteorológicas são bem adversas na estação. No verão, é o inverso. O vento dominante na ZP é o leste, do mar para a terra. Mas a incidência mais forte vem de oeste, do Uruguai, e do sudoeste, na aproximação da frente fria, sendo esses mais comuns no inverno. Até 25 nós, ainda se navega com segurança nos canais estreitos. No ciclone extratropical que atingiu o sul do Brasil em meados de julho, um navio vindo do Tergasul teve que navegar mais de 24 horas na Lagoa até que a intensidade do vento reduzisse. Em virtude do mau tempo, o prático não conseguiu fundear para esperar o horário de entrada na Feitoria. Uma âncora não era suficiente para segurar a embarcação e ele temeu lançar duas no fundo e as amarras se enroscarem. – Aqui não tem ventinho. Sofremos muito com a influência do vento porque temos mais área do navio fora d´água (área vélica) do que dentro – explica o prático Geraldo, que já foi jogado para fora do canal em uma tempestade de verão com vento de mais de 100km/h, no meio do trajeto de retorno do terminal Santa Clara. A região também é muito impactada por nevoeiros, principalmente no inverno. Às vezes, a visibilidade pode ser reduzida a zero durante a travessia. Na Feitoria, como não é possível fundear devido ao estreitamento do canal e das áreas de fundeio de contingência, o ideal, segundo o prático Bedran, é seguir navegando em baixa velocidade, com auxílio do PPU, radar em menor escala, vigia na proa e soando o apito apropriado. Na Lagoa, onde o fundeio é viável, ele já permaneceu três dias até um nevoeiro dissipar. As correntes são outro fator relevante para as manobras. A maré astronômica, no caso, tem pouca influência. É o regime de chuva e vento que altera os níveis da Lagoa. Normalmente, a vazante não ultrapassa um nó. No entanto, quando chove muito na cabeceira dos rios ao norte do Guaíba e essa água é represada pelo vento sul, depois ela vaza com força, chegando a quatro nós na direção nortesul e pegando o navio pela popa na passagem em curva pela ponte com vão móvel. O vão tem 58 metros de largura, e os navios gaseiros e químicos que transitam ali possuem boca de 25 metros, sobrando pouca margem para erro. O limite de vento sob as pontes é de 15 nós, de acordo com as Normas e Procedimentos da Capitania Fluvial de Porto Alegre. O calado aéreo é limitado pela altura livre de 33,60 metros. – Considero a passagem mais tensa da ZP, apesar de a Feitoria ser uma travessia mais longa. Se você não levar em conta o abatimento do navio, será jogado no pilar – ressalta o prático Magalhães.
PRÁTICO MAGALHÃES ATENTO EM FUNDEIO EM RIO GRANDE
PASSAGEM SOB O VÃO MÓVEL
foto: Gustavo Stephan
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Seguindo de volta para Porto Alegre, na passagem do Guaíba para a Lagoa, onde está o Farol de Itapuã, há muita correnteza transversal ao navio, podendo alcançar quatro nós. – Já passei ali com o navio caranguejando, com uma diferença de 15 graus da proa para o rumo no fundo – lembra Bedran. Na Lagoa, a navegação se assemelha à de mar aberto. Com 9.800 quilômetros quadrados de área aproximadamente, a largura e a profundidade médias são de 30 milhas e oito metros, respectivamente. Há lugares em que não se enxergam as margens. Nesse trecho de nove horas de duração, a praticagem monitora o trabalho dos oficiais do navio. Em Rio Grande, o prático pode desembarcar no ponto de espera e de troca de práticos (caso o navio siga para fora de barra), fundear em áreas definidas ou atracar o navio no Porto Novo. A mais estreita, para embarcações menores, também está sujeita à ação da corrente forte. Após acompanhar uma viagem de retorno de Porto Alegre em um graneleiro, Rumos Práticos subiu a bordo de um gaseiro que fundeou nessa área com o prático Magalhães: – O navio gira 180 graus para ficar aproado para a Lagoa. É uma manobra bem complicada porque a embarcação está em uma direção, com uma corrente de cinco nós hoje, e temos que colocálo na outra direção. Não é simples. O comandante peruano Marin Camasca, acostumado a frequentar a ZP, elogia o trabalho dos práticos:
foto: reprodução de vídeo do prático Geraldo
– Até o momento, todos que subiram a bordo demonstraram um bom conhecimento da atividade de praticagem, e nos sentimos seguros. Sabemos que essa experiência conta e nos permite manobrar tanto na Lagoa quanto nos canais, bem como realizar manobras no porto. A praticagem tem oito práticos habilitados e bases operacionais (atalaias) tanto em Rio Grande quanto em Porto Alegre, assim como duas lanchas em cada cidade. Dependendo das condições, são duas horas de lancha para embarcar o prático no Terminal Santa Clara. Tripulantes são dez, além de motoristas terceirizados que transportam os práticos entre os municípios quando não há imediatamente outro navio para conduzir rumo à capital. A atividade está se empenhando junto às autoridades Marítima e Portuária com vistas à liberação da navegação noturna nos canais fora da Lagoa. Para isso, serão feitas simulações no Instituto Praticagem do Brasil, em Brasília, com navios de até 200 metros. A medida pode gerar economia de sete horas ou mais nas viagens. Há ainda a expectativa de dragagem da Portos RS em toda a hidrovia.
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foto: Gustavo Stephan
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CRUZAMENTO COM BARCAÇA, ALGO COMUM NA REGIÃO
Mensalmente, os práticos executam cerca de 30 fainas. No primeiro semestre, segundo a Portos RS, o cais público da capital contabilizou 375.697 toneladas movimentadas, sendo 217.186 de insumos para a produção de fertilizantes, 53.003 de trigo, 47.783 de cevada, 34.774 de sebo bovino, 22.732 de sal e 219 de carga geral.
O Tergasul movimentou 43.480 toneladas de gás até maio, de acordo com a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). Já pelo Terminal Santa Clara passaram 131.761 toneladas de produtos químicos no período. Ambos são terminais de uso privado (TUPs).
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fotos: Gustavo Stephan
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LANCHA DA PRATICAGEM E O LEME DO STELLAR LADY
SAÍDA DO NAVIO STELLAR LADY DE PORTO ALEGRE
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PASSAGEM POR CANAL ESTREITO NA PARTE SUL
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foto: Gustavo Stephan
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Panamá recebe o Fórum Latino-americano de Práticos foto: Didier Magallón
Delegação brasileira foi composta por cinco práticos, entre eles o presidente Ricardo Falcão, que fez duas apresentações
CERIMÔNIA DE ABERTURA DO FÓRUM
De 25 a 29 de setembro, a Cidade do Panamá recebeu o XI Fórum Latino-americano de Práticos. O evento reuniu profissionais de Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México, Panamá, Peru e Uruguai, além de convidados de fora da região. A delegação brasileira contou com os práticos João Bosco (Rio Grande-RS), Laviera Laurino e Paulo Ferraz (Itajaí-SC), Porthos Lima (RJ) e Ricardo Falcão (Bacia Amazônica Oriental), presidente da Praticagem do Brasil e vice-presidente da Associação Internacional de Práticos Marítimos (IMPA). Ele apresentou o Instituto Praticagem do Brasil e o seu centro de simulações de manobras, assim como as ações que conectam a atividade aos pilares ambiental, social e de governança (ESG). Outros temas desenvolvidos foram a atuação da IMPA frente aos desafios de praticagem; o trabalho dos estados-membros na Organização Marítima Internacional (IMO); as organizações do serviço em cada país; regulação internacional e doméstica; os impactos das mudanças climáticas nas operações; estudos de caso; uso de tecnologias de navegação; equipamentos de proteção pessoal; e segurança no embarque e desembarque de prático. Após um coquetel de boas-vindas no primeiro dia, o presidente da IMPA, Simon Pelletier (Canadá), abriu o evento no dia 26, fazendo um balanço do exercício da instituição em prol da atividade. O vice-presidente de Operações da Autoridade do Canal do Panamá, Boris Moreno, expôs as medidas operacionais para manter o calado dos navios competitivo na temporada de seca, agravada pelo fenômeno El Niño. Entre elas, está o reaproveitamento pela transferência de água entre as eclusas do canal, utilizada para subir e descer as embarcações durante a travessia. Apesar dos esforços, o maior porta-contêineres a transitar no canal precisou descarregar no Pacífico parte da carga (1.400 TEUs) e transportá-la via terrestre até outro porto, no Atlântico.
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nistrações marítima e portuária, cada uma com suas competências, sendo exigido para as embarcações com mais de 500 toneladas de arqueação bruta ou menos se transportando cargas perigosas. O prático Pablo Pineda, da Argentina, abordou os prejuízos da instabilidade regulatória no país na comparação com o vizinho Uruguai. Ambos desfrutam do Rio da Prata, por onde escoam 90% das exportações argentinas. Se na Argentina a agência marítima escolhe a empresa de práticos que vai atender ao navio, no Uruguai existe turno único e rotativo de atendimento, com número limitado de práticos, como preconiza a IMO. – Todos sabem que precisamos trabalhar em um sistema não concorrencial – disse Pineda.
– Nossos hidrógrafos começaram a perceber condições nunca vistas. Começamos a tomar medidas o mais cedo possível. O nível dos lagos que irrigam as eclusas começou a cair de maneira acelerada desde fevereiro. A precipitação média acumulada de janeiro a setembro mostra que esse foi o quarto período mais seco em 74 anos. É preciso buscar um equilíbrio entre a necessidade de consumo de água da população e o uso no canal – ressaltou Moreno. Na sequência, o embaixador Luis Bernal falou sobre seu trabalho como representante permanente do Panamá junto à IMO: – Continuaremos de mãos dadas com a IMPA para garantir a segurança dos práticos e da nossa gente no mar. Pedimos que as demais associações de práticos integrantes da IMPA trabalhem em conjunto com suas respectivas delegações ou missões permanentes na IMO, com o objetivo de apoiar a IMPA ou cooperar na criação de regulações que reforcem a segurança no desempenho de suas funções.
O presidente da Praticagem do Brasil, Ricardo Falcão, expôs os avanços do Instituto Praticagem do Brasil e seu centro de simulações após quase dois anos de funcionamento. O espaço acaba de ganhar um segundo simulador full mission, da Technomar Engenharia, o único desenvolvido no Hemisfério Sul certificado pela DNV. O equipamento será empregado no Curso de Atualização para Práticos (ATPR). fotos: Didier Magallón
O PRESIDENTE DA IMPA, SIMON PELLETIER, ABRIU O EVENTO
No painel tecnológico, o prático Juan Molino e o engenheiro Alejandro Caballero, do Panamá, explicaram sobre a adoção do portable pilot unit (PPU) fixo nos navios. Desde outubro, essa ferramenta, que confere mais precisão à navegação, passou a ser compulsória para as embarcações com 33,22 metros ou mais de boca. Um dos argumentos da Autoridade do Canal do Panamá para a exigência é que o chamado non-portable piloting unit dispensa sua configuração durante o deslocamento do navio, ao contrário do equipamento portátil.
À tarde, o prático do Chile Manuel Pinochet compartilhou as lições aprendidas com o encalhe do graneleiro Sumatra, em 2018, na região da Angostura Inglesa, ao norte do Porto Eden. Provas de manobra no sistema eletrônico de navegação Winploter Pilot permitiram gerenciar com mais segurança o percurso no canal, que tem duas curvas acentuadas. A praticagem no país é gerida pela Direção-geral do Território Marítimo e da Marinha Mercante Nacional. A Espanha segue o modelo privado como o Brasil, contou o prático José Pérez Lorente, que apresentou a organização da atividade no país. Os 247 práticos (cinco mulheres) estão distribuídos em 50 corporações e são obrigados a se associar ao Colégio Oficial Nacional de Práticos de Porto. O serviço é controlado pelas admi-
RICARDO FALCÃO ENTREGA PLACA DE AGRADECIMENTO A ALVARO MORENO
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– Temos recebido ainda visitas de instituições e autoridades importantes, além de realizado lives de interesse público, cumprindo a missão de difundir e fortalecer a praticagem na sociedade. Na apresentação seguinte, Falcão detalhou como a praticagem brasileira está fortemente conectada aos três pilares ESG (conforme artigo na página 26). Ao final, lembrou que a tecnologia também tem implicações na área social. O terceiro dia de fórum foi marcado por visitas técnicas. A primeira foi às ruínas do Forte San Lorenzo, na entrada do Rio Chagres, que antigamente fazia a ligação do Mar do Caribe com a Cidade do Panamá. Depois, os participantes conheceram o Centro de Visitantes de Agua Clara, na cidade de Colón, onde se encontram as eclusas do novo Canal do Panamá no Atlântico, construído para navios de boca maior (New Panamax). Na manhã do quarto dia, a visita foi ao Centro de Capacitação de Manobras com Navios em Escala, ligado à Autoridade do Canal do Panamá. O local foi entregue, em 2015, para ambientação dos práticos às manobras no novo canal, inaugurado no ano seguinte. É um dos sete do tipo no mundo. Posteriormente, foi aberto para treinamento de estrangeiros, realizado pioneiramente, em 2018, pelos brasileiros.
À tarde foi reiniciado o ciclo de palestras. O secretário-geral da IMPA, Matthew Willians (Reino Unido), informou sobre o andamento, na IMO, da revisão das regras que tratam dos dispositivos para transferência de prático. Além disso, tratou do acompanhamento da IMPA referente a navios autônomos, descarbonização e diversidade na indústria marítima. As irregularidades verificadas nos meios de embarque e desembarque constituíram um dos temas do prático do Panamá Irving Chiquilani, enquanto os práticos panamenhos Juan Molino e Rafael Domínguez focalizaram a importância do uso de colete salva-vidas com recursos adequados e de capacete pelo prático. – Quando analisamos segurança no embarque, não se trata apenas do uso correto das escadas. Ademais, temos os procedimentos de embarque e desembarque, a capacitação do pessoal operativo, a condição do prático e a utilização correta dos dispositivos de proteção pessoal – assinalou Chiquilani. O prático do Uruguai Fernando Adaime encerrou o dia com a palestra sobre o que considerar na hora de decidir como operar uma lancha de prático de forma segura. Ele trouxe orientações operacionais que servem de guia para evitar situações perigosas em condições meteorológicas e estado de mar adversos.
foto: Rodrigo March
O canal antigo também é simulado em um dos lagos conectados por um canal. Neles, tudo acontece cinco vezes mais rápido, contribuindo para aprimorar a destreza em shiphandling, tomada de decisão em menor tempo e percepção das forças hidrodinâmicas.
Há modelos de porta-contêiner, graneleiro, petroleiro e gaseiro. Em seu interior, um prático dá as ordens de leme e máquina, e outro as executa. Já os rebocadores azimutais são operados por controle remoto.
PRÁTICO JOÃO BOSCO, SENTADO, DURANTE TREINAMENTO COM MODELO EM ESCALA
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LAVIERA LAURINO, PAULO FERRAZ, JOÃO BOSCO, RICARDO FALCÃO E PORTHOS LIMA, NO CANAL DO PANAMÁ
O último dia de evento foi exclusivo para membros da IMPA. As delegações dos países tiveram a oportunidade de relatar desafios internos, como a do Peru, que enumerou mais de 20 problemas, entre eles a distribuição desigual das manobras entre os práticos, prejudicando a manutenção da qualificação, e a tentativa de diminuir exigências de acesso à profissão, como na proficiência do inglês. A delegação do Chile apontou pressões comerciais semelhantes para flexibilizar as regras de segurança, citando uma ameaça latente de licitação do serviço de praticagem.
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LAVIERA LAURINO, PAULO FERRAZ, PORTHOS LIMA E JOÃO BOSCO
Ao término da reunião, ele colheu sugestões para a declaração final do Fórum. Novamente, os participantes se alinharam à doutrina da IMPA contra a disputa comercial entre práticos, que afeta a qualidade do serviço e a segurança da navegação. O XI Fórum Latino-americano de Práticos teve o patrocínio das empresas Trelleborg, Gold Híades Consulting, a startup brasileira Navigandi, North River e Lina Arango Seguros. O evento foi criado em 2004, durante o XVII Congresso da IMPA, em Istambul, e ocorre a cada dois anos. A próxima edição está prevista no Peru.
fotos: Rodrigo March
– Nenhum país é igual a outro, mas podemos trocar experiências – frisou o vice-presidente sênior da IMPA, prático Alvaro Moreno (Panamá).
Além de projetos visando à segurança do prático, Diretoria Técnica retoma ATPR atualizado e planeja retorno do curso para operadores em Brasília A STARTUP NAVIGANDI APRESENTOU O PPU BRASILEIRO
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Como foi o 1o Seminário Planejamento Portuário no Rio de Janeiro Palestras apresentaram as recomendações para elaboração de projetos ou alteração em instalações, além de estudos de caso Mais de 200 pessoas, incluindo público online, assistiram ao 1o Seminário Planejamento Portuário, realizado, em setembro, no Rio de Janeiro pela Praticagem do Brasil, com patrocínio de Hidromares, TechGeo e Wilson Sons. O evento abordou as principais recomendações internacionais para elaboração de projetos portuários ou alteração em instalações, reunidas no livro Planejamento portuário – recomendações para acessos náuticos. A obra acaba de ganhar versão em inglês, disponível gratuitamente em nosso site. O diretor técnico da Praticagem do Brasil, prático Marcio Fausto, fez a saudação inicial, lembrando que o seminário teria como roteiro as premissas do livro:
foto: Gustavo Stephan
– Em seu prefácio, o então presidente do Tribunal Marítimo, almirante Lima Filho, que hoje nos prestigia como diretor da Antaq, argumentou que "o Brasil é inviável sem o mar". Fazer nosso país competitivo é uma questão de sobrevivência. Porém, a busca por culpados do chamado Custo Brasil muitas vezes simplifica questões técnicas, logísticas e operacionais de extrema complexidade, especialmente no transporte marítimo. Com menos frequência vemos exaltados o trabalho e os esforços daqueles que tornam viável e menos custoso o uso da nossa infraestrutura e dos nossos canais de acesso, a despeito dos gargalos e desafios existentes. A cada centímetro a mais de calado, a cada novo berço de atracação, a cada dragagem, a cada navio de maior porte que adentra um porto e a cada seminário como este viabilizamos o Brasil.
O DIRETOR TÉCNICO, MARCIO FAUSTO, E O DIRETOR DA ANTAQ, ALMIRANTE LIMA FILHO
O diretor da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), vice-almirante Wilson Pereira de Lima Filho, realizou a abertura do evento: – Quando escrevi o prefácio do livro, percebi a sua importância, no momento em que eficiência e eficácia do binômio navio-porto são essenciais para o crescimento do país. Em 2017, eu era diretor de Portos e Costas e houve um empenho de todos na beira do cais para internalizar as normas da Pianc (Associação Náutica Internacional), principalmente no planejamento de operações portuárias. Por razões diversas, essas normas não foram consolidadas pela ABNT, mas os autores transformaram o trabalho nesse livro, no sentido de dar orientações. Os navios crescem, e os portos são os mesmos. Então, temos que fazer análises profundas para aumentar boca e LOA (comprimento) das embarcações. O livro nos permite fazer esses estudos com mais técnica. Uma das premissas da obra é que todos os projetos, sejam eles novas instalações, novos parâmetros operacionais ou operações, precisam ser simulados previamente com a participação de todos os envolvidos, sendo imprescindível a presença de práticos locais. Esse foi o tema do primeiro painel "Vias de acesso a instalações portuárias". – Nossa infraestrutura cresceu menos que os navios. O Porto de Santos, por exemplo, ampliou suas dimensões horizontais uma vez e meia nos últimos 50 anos, em termos de largura e profundidade. O navio cresceu três vezes no mesmo período. Há uma pressão sobre a infraestrutura que se resolve com mais engenharia e recursos tecnológicos. Tanto a Pianc quanto as demais normas internacionais e o livro prezam que engenharia, conhecimentos náuticos e análise de riscos devem caminhar juntos. E um simulador de manobras une os três no mesmo ambiente de forma integrada – afirmou o coordenador do Tanque de Provas Numérico da Universidade de São Paulo (TPN-USP), professor Eduardo Tannuri, que apresentou exemplos de portos e operações viabilizados com segurança, mesmo fora dos limites da Pianc, com apoio de simulações e estudos. Na sequência, o professor Daniel Vieira (TPN-USP) tratou dos fatores que afetam os projetos verticais detalhados de canais de
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fotos: Gustavo Stephan
acesso – cujos objetivos são determinar profundidade de dragagem, calado máximo seguro e janela de operação, bem como orientar velocidades máximas – e dos aspectos analisados na avaliação de berços de atracação existentes e no layout de novos berços. Rodrigo Barrera (TPN-USP), por sua vez, falou sobre a modelagem de rebocadores em simulação de manobras e a importância complementar dos sistemas de monitoramento dentro do simulador, como o software do PPU (portable pilot unit), que pode contribuir na percepção de distâncias e nas fases de briefing, debriefing e análise de risco. PAINEL 1: DANIEL VIEIRA, EDUARDO TANNURI, MARCIO FAUSTO E RODRIGO BARRERA
PAINEL 2: FRANCISCO ROZENDO, JOSÉ MARIO CALIXTO, MARCIO FAUSTO, SERGIO SPHAIER E ERNESTO COUTINHO
No segundo painel, intitulado "Navegação em águas rasas, dragagem e fundo náutico", os professores Sergio Sphaier (UFRJ) e Ernesto Coutinho (Fundação Homem do Mar) dividiram a palestra a respeito dos efeitos de águas rasas sobre a manobrabilidade de navios, enquanto Francisco Rozendo (Vale) demonstrou fatores considerados na especificação técnica e precificação de dragagem de manutenção, como tolerância para incertezas. O painel foi mediado pelo professor José Mario Calixto (Fundação Homem do Mar). À tarde, o terceiro painel, "Análise de risco no planejamento portuário", teve como primeiro palestrante o professor Marcelo Martins, do Laboratório de Análise, Avaliação e Gerenciamento de Risco da USP (LabRisco). Ele explicou os conceitos fundamentais para uma análise de risco (perigo, acidente e risco), a metodologia do laboratório e os passos para uma análise preliminar. O professor Marcos Maturana (LabRisco) ressaltou que são simulados os eventos não toleráveis, que geram discussões mais acaloradas ou que tenham alta severidade. Ele trouxe o caso de manobras com petroleiros na Baía de Sepetiba, em que foram propostas medidas de mitigação e contingência para o perigo das condições adversas de vento. Já o prático Renato Kopezynski focalizou a mitigação e prevenção de acidentes de navio com guindaste de pórtico. Mediador do painel, o prático Siegberto Schenk destacou a necessidade de monitoramento pós-análise de risco.
PAINEL 3: MARCIO FAUSTO, SIEGBERTO SCHENK, MARCELO MARTINS, MARCOS MATURANA E RENATO KOPEZYNSKI
No último painel, "Manobra do navio e movimento em ondas", Vinicius Vaghetti (Technomar Engenharia) expôs dois casos de uso de simulador para treinamento. A empresa tem 11 equipamentos TMS instalados no país, único desenvolvido no hemisfério sul certificado pela DNV. Um deles funciona no Instituto Praticagem do Brasil, em Brasília, que conta ainda com outro simulador em parceria com o TPN-USP. Felipe Ruggeri (Argonáutica Engenharia) se dedicou ao movimento de embarcações em ondas e folga dinâmica abaixo da quilha, assunto relevante considerando que grande parte dos portos e terminais no Brasil possuem canais de acesso desabrigados e folga restrita para navegação.
PAINEL 4: VINICIUS VAGHETTI, EDSON MESQUITA, MARCIO FAUSTO E FELIPE RUGGERI
Por fim, o professor Edson Mesquita (Marinha do Brasil) fechou o ciclo de palestras com o tema "A manobra do navio no século 21".
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Ele lembrou que, assim como cada navio tem um comportamento em ondas, o mesmo ocorre com a sua manobrabilidade, pois cada embarcação tem DNA próprio, e cada porto uma impressão digital específica: – Os navios são diferentes. Por isso, o prático tem papel fundamental. Fazendo correspondência com a aviação, ele não é só o comandante de um Boeing, mas tem que operar diversos tipos de aviões em vários aeroportos. O presidente da Praticagem do Brasil, prático Ricardo Falcão, encerrou o seminário:
A gravação completa está no YouTube da Praticagem do Brasil, na seção Ao vivo.
O PRESIDENTE RICARDO FALCÃO ENCERROU O EVENTO
fotos: Gustavo Stephan
– Quando eu entrei para a Marinha Mercante, em 1994, a realidade era bem diferente. Os professores Mesquita e Jofre inauguravam o primeiro simulador no Ciaga (Centro de Instrução Almirante Graça Aranha), era uma novidade. Vários dos conceitos que vimos aqui eram experimentais, e a discussão muito incipiente. Como percebemos na palestra do professor Tannuri, a dimensão dos navios cresceu de forma muito superior à dos nossos portos. O desafio só aumentou. Mas hoje temos um país com uma norma consagrada, uma Autoridade Marítima presente regularmente na IMO (Organização Marítima Internacional) e trazendo o que há de mais moderno em comércio marítimo internacional. Estamos nos referindo a mais de 70 mil manobras anuais em águas brasileiras sem ouvir falar em acidentes sérios. Isso é responsabilidade do poder público com a sociedade. Talvez nos falte investimento em infraestrutura, no entanto, temos uma linguagem técnica e de nível mundial que não deixa o Brasil ficar atrás de nação alguma. O resultado de toda essa discussão é o melhor para o nosso país.
O 1o Seminário Planejamento Portuário foi prestigiado por várias autoridades, entre elas o diretor de Portos e Costas da Marinha, vice-almirante Sergio Renato Berna Salgueirinho; o presidente da Sociedade Brasileira de Hidrografia (SBHidro), vice-almirante Paulo Cesar Dias de Lima; o procurador especial da Marinha, vicealmirante Luiz Octávio Barros Coutinho; o presidente do Tribunal Marítimo, vice-almirante Ralph Dias da Silveira Costa; o contraalmirante José Luiz Ribeiro Filho e o contra-almirante Sergio Gago Guida (DPC); e o contra-almirante Carlos Augusto Chaves Leal Silva (SBHidro).
SEMINÁRIO REUNIU MAIS DE 200 PESSOAS NO RIO DE JANEIRO
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Práticos Adonis e Gustavo representam a praticagem no Simpósio Brasileiro de Hidrografia Os práticos Adonis dos Santos e Gustavo Martins foram palestrantes no Simpósio Brasileiro de Hidrografia – evento realizado pela Sociedade Brasileira de Hidrografia (SBHidro), no Clube Naval (RJ), nos dias 11 e 12 de setembro –, participando dos painéis sobre a importância da hidrografia para a navegação interior e para a navegação marítima, respectivamente. Adonis é prático na Bacia Amazônica Oriental, presidente da Cooperativa de Apoio e Logística aos Práticos da Zona de Praticagem 1 (Unipilot) e diretor financeiro da Federação Nacional dos Práticos (Fenapráticos). Ele explicou como a praticagem contribui para superar os desafios hidrográficos em uma região onde o leito dos rios muda a todo momento, especialmente o do Rio Amazonas. Isso porque o grande volume de água provoca erosão nas margens, causando consequências que alteram o curso e as profundidades do canal de acesso. Além de colaborar na sondagem das profundidades (batimetria) dos rios, a praticagem está sempre trocando informações sobre mudanças significativas no canal, mantendo-se permanentemente atualizada. Afinal, pontuou Adonis, de seis a 12 navios entram diariamente na zona de praticagem com práticos a bordo, e a troca entre eles é constante: – A praticagem se pauta pela hidrografia. E, de maneira prática, vamos contornando as dificuldades que a natureza nos impõe. Temos sido muito exitosos e há anos não temos registro de encalhe com prático conduzindo a embarcação.
Eles participaram dos painéis sobre a importância da matéria para a navegação interior e marítima hidrografia à Marinha do Brasil. A hidrografia é de todos – argumentou ele, que é prático no Paraná, presidente da Fenapráticos e hidrógrafo honorário da Marinha, título recebido em 2019 pelos esforços em prol da hidrografia brasileira. Suas demais sugestões foram: maior precisão nos levantamentos hidrográficos e velocidade de processamento e divulgação dos dados; modelos mais precisos para identificar formação e movimentação de bancos de sedimentos; uso mais difundido do sistema de calado dinâmico; melhores modelos de previsão meteorológica; maior cobertura de sensores ambientais pelas Autoridades Portuárias; melhores modelos de previsão de maré meteorológica; incremento do uso de boias virtuais; adoção de boias articuladas; maior cobertura DGPS (Differential Global Positioning System); além de implantação de VTS (Vessel Traffic Service) e LPS (Local Port Service) também pelas Autoridades Portuárias.
– A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) poderia colocar essa obrigatoriedade no papel. Não devemos restringir a
A Praticagem do Brasil foi um dos patrocinadores do Simpósio Brasileiro de Hidrografia. O evento reuniu diversas autoridades na área, como o diretor de Hidrografia e Navegação (DHN) da Marinha, vice-almirante Carlos André Coronha Macedo; o vice-almirante Antonio Fernando Garcez Faria, membro da Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC) da ONU; o presidente da Associação Internacional de Auxílios Marinhos à Navegação e Autoridades de Faróis (Iala), contra-almirante Marcos Lourenço de Almeida; e o diretor da Antaq, vice-almirante Wilson Pereira de Lima Filho.
ADONIS DOS SANTOS
GUSTAVO MARTINS
foto: Arionor Souza
foto: Rodrigo March
Gustavo, por sua vez, apresentou sugestões de melhorias na hidrografia a partir da visão da praticagem, entre elas a de que os portos organizados tenham hidrógrafos:
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Praticagem: ESG além da retórica Ganham corpo no setor marítimo e portuário as discussões sobre ESG, siga do inglês environmental (ambiental), social (social) and governance (governança). Enquanto a sustentabilidade é uma agenda mais ampla da sociedade, o ESG ainda é restrito a bolhas como o setor privado. Conceito focado em riscos do negócio, pressão externa e acesso a mercados, envolve práticas e métricas voltadas para os impactos das operações das empresas. Por isso, veio para ficar. Diferentemente de quando a sustentabilidade reverberou na mídia, em que muitos praticaram greenwashing, dessa vez não cola mais parecer sustentável. O mercado e as pessoas estão atentos e vão cobrar. Glaucia Terreo, que liderou por 15 anos as atividades da Global Reporting Initiative (GRI Brasil), disseminando as normas da GRI para relatos ESG, lembra que um dos embriões dessa história foi o acidente com o navio Exxon Valdez, no Alasca, em 1989. Sem prático a bordo, a embarcação encalhou, rasgou o fundo e vazou 38 mil metros cúbicos de óleo. Os danos ambientais são sentidos até hoje. Três meses antes da tragédia, a praticagem tornou-se facultativa no local por pressão econômica. A Exxon trocou uma manobra de US$ 5 mil por um prejuízo de US$ 7 bilhões. Investidores dos Estados Unidos que perderam dinheiro na época se viram corresponsáveis e concluíram que era preciso olhar também as políticas socioambientais das empresas nas tomadas de decisão de investimento, e não apenas os números financeiros. Foi naquele ano que um grupo deles fundou, junto a ambientalistas, a ONG Ceres, com o intuito de incorporar o ESG aos negócios. A praticagem também é uma atividade privada e está fortemente conectada aos três eixos do ESG, começando pelo meio ambiente. Afinal, o prático sobe a bordo para conduzir o navio em segurança e proteger a sociedade de acidentes como o do Exxon Valdez. Cada embarcação carrega toneladas de combustível só de consumo e muitas vezes cargas poluentes, entre elas o petróleo. Como visto, um acidente de grandes proporções tem consequências terríveis, com a poluição de mares e rios, e o impacto social decorrente. Em muitas áreas sob influência de operações portuárias, além das consequências da poluição para o lazer, o turismo e a economia, a população bebe, se alimenta e tira seu sustento dessas águas. Tivemos uma mostra disso, em 2019, com o vazamento de óleo em alto-mar que atingiu as praias do Nordeste. O prático, portanto, representa o Estado e vai a bordo para nos proteger. Não à toa o serviço é essencial por lei federal. Outro aspecto ambiental está relacionado à eficiência que o serviço agrega ao sistema. Vejam o exemplo da Praticagem de
São Paulo, que realiza fainas simultâneas e tráfego em mão dupla em trechos antes restritos. Isso foi possível após minucioso estudo do timing de cada manobra. Sem essa otimização que diminuiu a ociosidade dos terminais, imagine se um grande navio tivesse que esperar em alto-mar, emitindo toneladas de carbono por hora. Os investimentos realizados pela atividade também contribuem para o meio ambiente. É o caso do sistema de calado dinâmico implantado em cinco portos e na Bacia Amazônica. A partir do processamento de dados como altura de maré e densidade de água, a tecnologia permite maior volume de carga transportada por navio, diminuindo o número de viagens e as emissões. A Praticagem do Brasil, no entanto, vai além da sua missão. Em cada zona onde atua, suas empresas ou os práticos individualmente apoiam causas sociais de impacto. Na pandemia, a atividade não se furtou e doou R$ 10 milhões em todo o país para comprar cestas básicas e insumos e equipamentos hospitalares. Em fevereiro, na tragédia da chuva no litoral norte de São Paulo, a Praticagem de São Paulo e empresários da Baixada Santista doaram às vítimas seis toneladas de alimentos, água, produtos de higiene e limpeza. Importante ressaltar ainda que as lanchas de praticagem, seus marinheiros e toda a estrutura envolvida no serviço estão permanentemente disponíveis, auxiliando a Marinha do Brasil na prestação de socorro e ajuda humanitária. Outra ação é a parceria na distribuição de coletes salva-vidas para ribeirinhos, assim como no fornecimento de protetores de eixo de motor para evitar o escalpelamento de mulheres na Amazônia. Tudo isso é o que a praticagem faz normalmente − porém, como parte da sociedade, a atividade deu sua cota extra desenvolvendo um projeto-piloto de sustentabilidade na Praticagem da Bahia, como o leitor verá a seguir. Entre as entregas, estão um mapeamento socioambiental da área protegida pela atuação dos práticos, uma previsão de risco climático para os próximos 30 anos e a instalação de um sistema de energia solar em instituição que acolhe menores carentes. Um bom projeto a cumprir pelas empresas de praticagem é o inventário das emissões de gases do efeito estufa. O principal método utilizado no mundo corporativo para seu cálculo, The Greenhouse Gas Protocol (GHG Protocol), oferece facilidade para relato das informações geradas em outras plataformas. Segundo o consultor Ricardo Dinato, que atuou no programa brasileiro GHG Protocol de 2012 a 2020, esse diagnóstico é o primeiro passo de uma organização rumo à economia de baixo
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carbono. O segundo, diz, é estabelecer uma meta de redução das emissões e, na sequência, um plano de descarbonização para a alcançar. No escopo das fontes de emissões, entram, por exemplo, lanchas e transporte terceirizado, geradores, fornos de refeitórios, equipamentos de ar-condicionado, consumo de energia elétrica, geração de resíduos, viagens aéreas e terrestres a negócio e o deslocamento de funcionários casa-trabalho.
estabeleceu a meta de reduzir a emissão de gases do efeito estufa em 20% a 30%, até 2030, e em 70% a 80%, até 2040; alcançando a descarbonização por volta de 2050.
O futuro de nosso planeta e das próximas gerações depende de nós. Devemos todos dar nossa parcela de contribuição na redução do aquecimento global e de seus efeitos, que afetam especialmente os menos favorecidos.
Em março, em evento na Diretoria de Portos e Costas, o ex-comandante da Marinha, almirante de esquadra Ilques Barbosa, nos lembrou de outra questão fundamental. Não podemos esquecer das pessoas. Em um cenário de avanço tecnológico acentuado, devemos capacitar e incluir a população no novo mercado de trabalho. Como bem alertou o almirante, precisamos sair da retórica e aproveitar o ESG como motor de crescimento econômico sustentável e inclusivo. Está lá no ODS 8 da Agenda 2030. Rodrigo March é jornalista, pós-graduando em ESG Management pela PUC-Rio, pós-graduado em Marketing pela FGV e em Políticas Públicas pelo Iuperj.
fotos: Gustavo Stephan
A navegação é responsável por 2,2% das emissões de carbono. Parece pouco, mas equivale à poluição de países como França e Canadá. A indústria do shipping tem se movimentado adaptando sua frota, assim como vemos iniciativas em nossos portos. Há, entretanto, muito por fazer para adequar embarcações, a infraestrutura portuária e alavancar a cadeia de fornecimento de combustíveis verdes. A Organização Marítima Internacional (IMO)
Fóruns dos quais a praticagem tem participado contribuem para alcançar os objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) da ONU, internalizando a cultura ESG no setor marítimo e portuário.
ALGUNS EXEMPLOS DE FAUNA E FLORA LOCAIS PROTEGIDAS EM ZONAS DE PRATICAGEM
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Projeto socioambiental é implantado na Zona de Praticagem da Bahia Mapeamento estratégico, relatório de riscos climáticos e sistema de energia solar constituíram o foco do trabalho de consultoria especializada A consultoria ElementalPact, contratada pela Praticagem do Brasil, concluiu um projeto-piloto socioambiental na Zona de Praticagem 12 (Bahia). A empresa fez três entregas: um mapeamento da área protegida pela atuação dos práticos, um relatório de riscos climáticos até 2060 e a instalação de sistema de energia solar em uma instituição que acolhe menores carentes.
Na sequência, eles fizeram a comparação da base histórica de sete modelos climáticos globais com o ERA 5, concluindo que dois deles representavam melhor a climatologia local. Os modelos avaliados foram os do Coupled Model Intercomparison Project Phase 6 (CMIP6), utilizado nas análises do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
O levantamento do patrimônio que a praticagem protege ao evitar acidentes com navios e a poluição decorrente incluiu trabalho de campo dos pesquisadores. O estado da Bahia tem o maior litoral do país, com 932 quilômetros e aproximadamente 5,5 milhões de pessoas habitando as zonas litorâneas. São diversas as comunidades etnoculturais que mantêm modo de vida relacionado aos recursos do mar, com foco na pesca, no extrativismo e relação direta com a Mata Atlântica.
Na segunda etapa, os dois modelos mais representativos tiveram vieses corrigidos e foram regionalizados, ampliando a capacidade de representação da série histórica e a resolução espacial. Foi escolhido, então, o modelo MRI-ESM2-0 para projetar as tendências climáticas na terceira etapa.
A Baía de Todos os Santos é um dos mais importantes ecossistemas marinhos do país e uma Área de Proteção Ambiental (APA). Nela, estão mais de 30 pontos de atracação e desatracação, além de grande quantidade de localidades ribeirinhas e litorâneas, com presença de comunidades marisqueiras e quilombolas (15). No seu entorno, vivem os habitantes de 22 municípios que dependem de operações portuárias seguras. Na Baía de Aratu e suas ilhas, encontram-se extensas áreas de manguezais, responsáveis pelo sustento de parcela significativa das populações locais. Além da APA Baía de Todos os Santos, há outras cinco unidades de conservação próximas. Ainda de acordo com o mapeamento, a região ao sul de Salvador até Ilhéus é outra habitada por povos e comunidades tradicionais com relação direta com o mar. A economia dos municípios nessa faixa também é baseada na pesca e no extrativismo marinho.
PREVISÃO CLIMÁTICA O estudo de riscos climáticos envolveu três etapas. Na primeira, os pesquisadores compararam dados públicos de estações meteorológicas e boias disponíveis na região com a base do Centro Europeu para Previsões Meteorológicas de Médio Alcance (ERA 5), que comprovou ser uma boa referência.
Os resultados das simulações para Salvador e Ilhéus foram divididos em três períodos: clima presente (1980 a 2014, base mais recente do CMIP6), futuro próximo (2021 a 2040) e futuro distante (2041 a 2060). Foram analisados os parâmetros considerados relevantes à atividade de praticagem: temperatura e umidade relativa do ar, precipitação, intensidade dos ventos, altura de ondas, nível médio do mar e intensidade das correntes oceânicas. Para os períodos futuros, adotou-se o cenário de alto nível de emissão de gases do efeito estufa. As tendências observadas indicaram elevação constante da temperatura ao longo das últimas décadas, que continuará nos futuros próximo e distante. Em relação aos ventos, observou-se aumento geral na velocidade média e máxima no decorrer do tempo, especialmente no futuro próximo. Quanto às ondas, a altura média e a máxima mostraram tendência de ampliação no período presente ao longo do litoral da Bahia. Na estimativa para os futuros próximo e distante, houve variação dependendo da região, com algumas áreas apresentando tendência neutra ou até mesmo redução na altura de ondas. Além disso, os resultados projetaram diminuição na altura do nível médio do mar ao longo da costa em todos os períodos, enquanto a velocidade média das correntes oceânicas em superfície apresentou aumento no clima presente, redução no futuro próximo e retomada de ampliação no futuro distante.
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conta é de R$ 1.329 (75%). Havendo sobra de créditos, poderá ser utilizada para abater a conta em Simões Filho. O impacto ambiental no período é de 344 toneladas a menos de CO² na atmosfera ou o equivalente a 151 árvores plantadas.
Investimento social Na área social, a ElementalPact escolheu o Abrigo Lar Irmã Benedita Camurugi para instalar o sistema de energia solar na unidade de Cidade Nova, em Salvador. A instituição que acolhe menores em situação de vulnerabilidade também tem uma base no Resumo das tendências dos de parâmetros climáticos ao longo períodos para a ZP-12 emBENEDITA CAMURUGI município de Simões Filho. A projeção economia mensal na PLACASdos SOLARES INSTALADAS NO ABRIGO LAR IRMÃ
Salvador Resumo das tendências dos parâmetros climáticos ao longo dos períodos para a ZP-12 em Parâmetro Climático Clima Presente Futuro Próximo Futuro Distante Salvador RESUMO DAS TENDÊNCIAS DOS PARÂMETROS CLIMÁTICOS AO LONGO DOS PERÍODOS PARA A ZP-12 EM SALVADOR Sinal Valor Sinal Valor Sinal Valor TemperaturaClimático do ar (°C) aumento + 0,079 aumento + 0,266 aumento + 0,102 Parâmetro Clima Presente Futuro Próximo Futuro Distante Umidade relativa (%) redução - Valor 0,051 redução - Valor 0,467 aumento +Valor 0,112 Sinal Sinal Sinal Precipitação redução nulo redução Temperatura(mm) do ar (°C) aumento +- 0,018 0,079 aumento + 0,266 aumento +- 0,001 0,102 Velocidade média(%) do vento (nós) aumento +- 0,051 0,087 aumento +- 0,467 0,407 aumento + 0,133 Umidade relativa redução redução 0,112 Velocidade aumento +- 0,018 0,092 aumento + 0,545 aumento +- 0,001 0,108 Precipitaçãomáxima (mm) do vento (nós) redução nulo redução Altura média das ondas (m) (nós) aumento + 0,006 nulo nulo Velocidade média do vento 0,087 aumento + 0,407 aumento + 0,133 Altura máxima das ondas (m) (nós) aumento + 0,007 nulo nulo Velocidade máxima do vento 0,092 aumento + 0,545 aumento + 0,108 Nível médio do mar (cm) redução 0,002 nulo nulo Altura média das ondas (m) aumento + 0,006 Velocidade média corrente aumento + 0,001 nulo nulo Altura máxima dasda ondas (m) (m/s) 0,007 Clima Presente: a 2014; Futuro Próximo: 2021 a 2040; Futuro Distante: 2041 a 2060; Valor do sinal por Nível médio1980 do mar (cm) redução - 0,002 nulo - década. nulo Velocidade média da corrente (m/s) aumento + 0,001 nulo nulo Clima Presente: 1980 a 2014; Futuro Próximo: 2021 a 2040; Futuro Distante: 2041 a 2060; Valor do sinal por década.
Clima Presente: 1980 a 2014; Futuro Próximo: 2021 a 2040; Futuro Distante: 2041 a 2060; Valor do sinal por década.
Resumo das tendências dos parâmetros climá\cos ao longo dos períodos para a ZP-12 em Ilhéus RESUMO DAS TENDÊNCIAS DOS PARÂMETROS CLIMÁTICOS AO LONGO DOS PERÍODOS PARA A ZP-12 EM ILHÉUS Resumo das tendências dos parâmetros climá\cos ao longo dos períodos para a ZP-12 em Parâmetro Climático Clima Presente Futuro Próximo Futuro Distante Ilhéus Sinal Valor Sinal Valor Sinal Valor TemperaturaClimático do ar (°C) aumento + 0,073 aumento + 0,236 aumento + 0,106 Parâmetro Clima Presente Futuro Próximo Futuro Distante Umidade relativa (%) nulo redução - Valor 0,181 aumento +Valor 0,100 Sinal Valor Sinal Sinal Precipitação (mm) redução 0,020 nulo redução 0,003 Temperatura do ar (°C) aumento + 0,073 aumento + 0,236 aumento + 0,106 Velocidade média(%) do vento (nós) aumento + 0,074 aumento +- 0,181 0,313 nulo Umidade relativa nulo redução aumento + 0,100 Velocidade aumento 0,55 aumento + 0,389 nulo Precipitaçãomáxima (mm) do vento (nós) redução -+0,020 nulo redução - 0,003 Altura média das ondas (m) (nós) nulo nulo nulo Velocidade média do vento aumento + 0,074 aumento + 0,313 Altura máxima das ondas (m) (nós) nulo nulo nulo Velocidade máxima do vento aumento + 0,55 aumento + 0,389 Nível mar (cm)(m) redução - 0,002 nulo nulo Alturamédio médiado das ondas nulo Velocidade média da corrente (m/s) nulo redução 0,006 nulo Altura máxima das ondas (m) nulo Clima Presente: 1980 a 2014; Futuro Próximo: 2021 a 2040; Futuro Distante: 2041 a 2060; Valor do sinal detectado por década. NívelPresente: médio do mar (cm) Futuro Próximo: 2021 redução - 0,002 nulo nulo por década. Clima 1980 a 2014; a 2040; Futuro Distante: 2041 a 2060; Valor- do sinal detectado Velocidade média da corrente (m/s) nulo redução - 0,006 nulo Clima Presente: 1980 a 2014; Futuro Próximo: 2021 a 2040; Futuro Distante: 2041 a 2060; Valor do sinal detectado por década.
foto: Divulgação
– Os dados revelam que o número de dias em que são atendidos os critérios da Marinha de ventos fortes, mar agitado e restrição de visibilidade oscila de acordo com os diferentes períodos e locais. Há variações leves observadas entre o clima presente e o futuro próximo, e diferenças mais significativas projetadas no futuro distante. Os resultados enfatizam a importância de considerar os fatores climáticos nas tomadas de decisão relacionados ao tráfego marítimo, mas, de modo geral, a Bahia seguirá com excelentes condições tanto de navegação quanto para receber investimentos. O clima é bom para qualquer tipo de instalação – destaca o consultor Fabio Azevedo, que contou com uma equipe de mais seis pessoas.
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foto: Gustavo Stephan
Distração na palma da mão Publicações internacionais discutem participação de celular em acidentes. Há casos registrados no Brasil
O uso de celular durante a manobra prejudica a consciência situacional do prático? Parece óbvio ou atrapalha somente quando o uso é para fins pessoais? Ou não interfere, independentemente do propósito, se o aparelho for utilizado em momentos de poucas ameaças à navegação? Rumos Práticos traz dois textos que abordam o tema, publicados um na Professional Mariner, outro na Seaways. Ambos tomam como ponto de partida o encalhe do porta-contêineres Ever Forward, em março de 2022, nos Estados Unidos. A Guarda Costeira concluiu como causas do acidente a falha na manutenção da consciência situacional e atenção durante a navegação e a gestão inadequada dos recursos do passadiço (https://tinyurl.com/reportus13). O prático 1 passou, aproximadamente, 61 minutos em ligações telefônicas durante os 126 minutos de viagem até o encalhe. Não foi o primeiro acidente causado por distração no uso de celular, seja do prático ou do oficial do navio. A própria Seaways cita outros três casos. E Rumos Práticos lembra de dois mais recentes.
Em 2020, um graneleiro encalhou e vazou óleo nas Ilhas Maurício. Um dos motivos foi que o segundo oficial encarregado falava com a família ao telefone enquanto a embarcação se aproximava de uma barreira de corais. Em 2022, nos Estados Unidos, um graneleiro e uma embarcação de apoio offshore colidiram sem provocar feridos e danos ambientais, mas com prejuízo de US$ 12,3 milhões para ambos os navios. O National Transportation Safety Board, agência federal americana, apontou como causas prováveis as distrações do comandante do supply, que usava celular, e do segundo oficial do graneleiro, que executava tarefas não relacionadas à navegação durante a colisão. No Brasil, desde 2009, foram seis os acidentes que chegaram ao Tribunal Marítimo relacionados ao uso de celulares durante manobras em zonas de praticagem. Afinal, como equilibrar a utilização do aparelho, ferramenta também de apoio ao trabalho a bordo do prático? Os artigos a seguir nos levam a essa reflexão.
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Sinais As autoridades de Maryland tornam mais clara a política de uso de telefones após o encalhe do Ever Forward Rob Laymon estaria franqueado ao prático, embora afirmando que, certamente, o uso pessoal ficava estritamente proibido.” O relatório da Guarda Costeira Americana considerou causas do acidente desatenção e falta de consciência situacional da parte do prático, provocadas parcialmente pelo uso do telefone. O prático falou ao celular por mais de 61 minutos, do total de 121 minutos navegados desde Baltimore. Conforme o relato, imediatamente antes do encalhe ele compunha um texto em seu celular e tirava foto da tela da sua PPU. O CONSELHO DE PRÁTICOS DE MARYLAND ATUALIZOU SUA POLÍTICA SOBRE USO DE TELEFONES CELULARES APÓS O ENCALHE DO EVER FORWARD NO ANO PASSADO
O prático digitava em seu celular mesmo enquanto o navio de grande porte errava a curva. O segundo piloto repetia em voz alta o rumo de agulha, como uma pista de que eles seguiam na direção errada. Outros no passadiço agiam de forma semelhante, enquanto a tensão aumentava. O prático acusou ciência e continuou a trabalhar com seu telefone. Assim, o porta-contêineres Ever Forward, de 1.095 pés (333,756m) encalhou próximo ao Canal Craighill, na Baía de Chesapeake, em 13 de março de 2022, a 121 minutos do Terminal Seagirt Marine de Baltimore e ainda a muitas milhas de distância de seu destino, Norfolk em Vancouver. O Conselho de Práticos de Maryland atualizou, desde então, a política sobre o emprego de celulares pelos práticos em serviço em águas de Maryland. As orientações juntam-se a outras no país que restringem o uso de celulares ao estritamente necessário para manobrar o navio. “São orientações claras e específicas sobre o uso de celulares”, considerou Joseph E. Farren, diretor de estratégias do Departamento do Trabalho de Maryland. “O Conselho foi cauteloso e fez questão de assegurar que o uso legítimo e necessário ainda
O Ever Forward permaneceu encalhado por mais de um mês em um fundo de lama e conchas. Somente na terceira tentativa, após o emprego de barcaças, dragas, uma frota de rebocadores e um guindaste flutuante, o navio desencalhou no dia 17 de abril de 2022. Isso ocorreu depois de guindastes descarregarem cerca de 500 contêineres ao longo de vários dias, e de dragas retirarem do entorno do navio mais de 100.000 jardas cúbicas (91.440m3) de material. “O Conselho de Maryland percebeu a necessidade de enfatizar o que a Guarda Costeira afirma”, comentou Clay Diamond, diretorexecutivo e consultor jurídico da American Pilots Association (APA), sobre a mudança. “Se um prático estiver usando um celular, deverá ser somente para fins de navegação, operacionais, de segurança marítima, segurança nacional ou para outros propósitos profissionais. E, mesmo assim, o uso deve ficar limitado ao mínimo absoluto.” O prático, comandante Steven Germac, foi suspenso do serviço e não manobrou nenhum navio mercante desde o incidente. O navio retornou ao Terminal Marítimo Seagirt em 22 de abril para inspeção e para carregar os contêineres que haviam sido descarregados. A embarcação, de bandeira de Hong Kong, continuou então sua viagem para Norfolk. As autoridades enfatizaram que a nova política não significa proibição do uso do telefone celular, mas um esclarecimento sobre
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práticas aceitáveis com esses aparelhos, uma vez que o uso de celulares serve, algumas vezes, a propósitos da navegação. “Começamos a investigar casos em que (aparelhos eletrônicos) podem ter feito parte de um incidente”, informou Mike Breslin, diretor de segurança e sustentabilidade da American Waterways Operators (AWO), grupo de apoio que representa as atividades de rebocadores, empurradores e barcaças nos Estados Unidos, “e descobrimos que frequentemente as chamadas eram do escritório ou de outro navio, que poderiam ter algo a ver com as operações”.
“Operações com distração continuam a ser uma problema importante”, declarou em e-mail Kurt Fredrickson, porta-voz da Guarda Costeira. “É responsabilidade de todos os marítimos assegurar uma robusta cultura de segurança que apoie um passadiço seguro e garanta a proteção da vida no mar”.
Breslin descreveu a resposta de sua própria organização à distração no passadiço, um conceito que a AWO denomina the sterile wheelhouse* (passadiço estéril). A ideia é que cada operador decida quando aparelhos eletrônicos como celulares podem ou não ser utilizados no passadiço e se esses aparelhos poderiam ser postos em uma “gaiola de Faraday”, que bloquearia seus sinais durante os períodos de passadiço estéril. Nem mesmo, porém, uma restrição seletiva ao uso de celulares resolveria completamente o problema, ponderou Breslin. “Acho que todos concordamos que isso é um comportamento que estamos tentando implantar. Não se trata de querermos confiar em uma gaiola para conter o sinal. Estamos tentando desenvolver um hábito”, ele argumentou. Com isso em mente, continuou Breslin, a AWO vem trabalhando em um conjunto de recursos para novos contratos que introduzirá a ideia de distrações – incluindo as causadas pelo equipamento eletrônico do passadiço e pelos operadores de terra – e discutirá como os acomodar sem ignorar informações vitais.
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Signals Maryland authorities clarify phone policy after Ever Forward grounding By Rob Laymon
Enquanto isso, a Guarda Costeira continua a enfatizar o que publicou no Marine Safety Advisory 01-10 sobre operações com distração.
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he pilot fiddled with his cell phone even as the big ship missed the turn. The third officer sang out their compass course as a clue they were going wrong. Others on the bridge did likewise as the tension mounted. The pilot acknowledged their direction and continued work with his phone. Thus, the 1,095-foot containership Ever Forward went aground near Craighill Channel in the Chesapeake Bay on March 13, 2022, 121 minutes out of the Seagirt Marine Terminal in Baltimore and still many miles from its destination, Norfolk, Virginia. The Maryland Board of Pilots has since issued an updated policy on the use of cell phones among pilots while on duty in Maryland waters. The guidance takes its place alongside others in the country restricting cell phone use to only what is necessary to pilot the ship. “It makes clear and specific guidance about mobile phone usage,” said Joseph E. Farren, chief strategy officer at the Maryland Department of Labor. “The board was deliberate and wanted
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Publicada originalmente na revista Professional Mariner em março de 2023, e reproduzida com a permissão do autor U.S. Coast Guard
“Planejamos ter um relatório pronto neste verão com orientações sobre comunicações operacionais”, informou Breslin. “Como treinar nossos comandantes e operadores de terra para reduzir os inputs. Estamos estabelecendo procedimentos visando reduzir o volume de distrações”.
The Maryland Board of Pilots has updated its policy on cell phone use following the Ever Forward grounding last year.
Professional Mariner March 2023
professionalmariner.com
* Regra do cockpit estéril – Regra que limita ao mínimo indispensável as atividades na cabine de comando, instituída pela Administração Federal da Aviação (The Federal Aviation Administration), braço operacional do Departamento de Transportes dos EUA.
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Uso de celulares em zonas de praticagem Fonte de distração – e ferramenta essencial John Clarke FNI
Conclusões-chave • Distração é uma das principais causas de acidentes de navegação • Smartphones constituem fontes poderosas de distrações • Smartphones são ferramentas essenciais para os práticos • As praticagens devem empregar políticas e procedimentos efetivos para controlar o uso de telefone no passadiço
Feature: Mobile phone use in pilotage waters
Mobile phone use in pilotage waters A source of distraction John Clarke – and an essential tool FNI
Key takeaways l Distractions are a leading
cause of shipping accidents
l Smart phones and devices
are a powerful source of distraction
l Smart phones are an
Em 13 de março de 2022, o navio porta-contêineres Ever Forward, de 334 metros de comprimento, encalhou quando navegava sob orientação do prático na Baía de Chesapeake, assim permanecendo mais de um mês antes de ser reflutuado. O relatório de investigação da Guarda Costeira Americana concluiu que a causa principal do acidente foi ‘falha do prático em manter a consciência situacional e a atenção enquanto navegava’. Desde a desatracação até imediatamente antes do encalhe, o prático passou grande parte do trajeto fazendo chamadas de telefone de caráter pessoal, enviando e lendo mensagens, rascunhando um e-mail e repassando uma manobra anterior em sua Portable Pilot Unit (PPU) para capturar na tela uma imagem específica de que necessitava. [Nota do editor: ver link do relatório do acidente e análises adicionais em MARS,* p.19.]
essential tool for pilots
l Pilotage services must
use effective policies and procedures to manage phone use on the bridge
O
n March 13 2022 the 334m container ship Ever Forward grounded under pilotage in Chesapeake Bay and remained in that position for over a month before being refloated. The US Coast Guard investigation report concluded that the primary cause of the accident was the pilot’s ‘failure to maintain situational awareness and attention while navigating’. Between leaving the berth and immediately before grounding, the pilot spent much of the transit making personal telephone calls, sending and reading text messages, drafting an email and replaying a previous pilotage on his Portable Pilot Unit (PPU) computer to capture a particular screenshot he needed. [Editor’s note: see MARS, p19, for link to the accident report and further analysis.] Responding to the incident, the Maryland Board of Pilots suspended the pilot’s licence indefinitely. On 6 January 2023, it enacted a rule to ban the use of personal mobile phones by pilots.
Mariner reaction
It is not clear from reading the various news reports whether the phone ban applies to all phones or if it is limited solely to personal phones. The reports led to discussion on The Nautical Institute (Technical Group) at Linkedin, where some commenters expressed their opinion that pilots should not use phones for any purpose at all during pilotage. Others felt the ban was a knee-jerk response that could reduce safety in pilotage waters. This accident was not the first time a ship has grounded due to the pilot or officer conning the ship being distracted by phone use (for some examples, see investigation reports Priscilla 2018, Crimson Mars 2006, Bunga Teratai Satu 2000). It seems timely to raise the question: In light of this accident, is there any case for pilots to continue using phones on the bridge?
The hazard of distraction
A pilot’s highest priorities are to control the movement of the ship and to maintain situational awareness – everything else must be secondary. However, because we are human, we sometimes work against our best interests: we are good at paying attention when our workload is high and we 4 | Seaways | March 2023
are mentally engaged, but during periods of low workload/low engagement we tend to become bored and inattentive. Statistics show that most accidents in the shipping industry occur during these periods of low workload/low engagement. A pilot following a straight section of a channel or fairway with no pressing threats at hand would not be human if they did not sometimes feel the temptation to fill out some paperwork or reach for their phone and read an email. Some might even rationalise it to themselves as productive use of ‘idle’ time. This is a hazardous belief; Jens Rasmussen’s ‘drift towards failure’ model concisely illustrates the effect on safety margins of our desire to take shortcuts and minimise our workload. As we seek to make life easier for ourselves and cut corners, every decision narrows the margin between what we think is acceptable performance and the point where accidents will occur. Distractions and interruptions are a leading cause of lost situational awareness – we know this from our Bridge Resource Management (BRM) training. Endsley’s model of situational awareness informs us that perception of what is happening around us (Level 1 situational awareness) is the most basic, primary level of situational awareness. If a pilot has their head down reading an email and is not actively monitoring their environment, they have little chance of maintaining that Level 1 situational awareness. Pilots must remain conscious of the hazards of distraction, especially during periods where the workload is relatively low.
Do mobile phones present a unique distraction?
It could be said that phone bans are unnecessary because pilotage services should already have policies or procedures in place that emphasise the importance of giving full attention to the pilotage. Additionally it could be argued that a mobile phone is no more distracting to a pilot than is daydreaming or becoming engrossed in conversation with the master. There is, however, ample evidence to support the proposition that mobile phones are a particularly powerful distraction. We are more plugged in and connected than ever before, and that connectedness increases daily. Smart phones and their apps are specifically designed to gain and hold our attention. Even when we consciously try to ignore them, our devices continue to nag us with alerts for incoming or missed calls, emails, messages, updates and social media posts. Read Seaways online at www.nautinst.org/seaways
Publicada originalmente na revista Seaways, do Nautical Institute, em março de 2023, e reproduzida com a permissão do autor nautinst.org
Os perigos da distração
Não foi a primeira vez que um navio encalhou devido ao fato de o prático ou o oficial que o conduzia estar distraído usando celular (para alguns exemplos, ver relatos de investigações Priscilla 2018, Crimson Mars 2006, Bunga Tercttai Satu 2000).
As prioridades máximas de um prático são controlar o movimento do navio e manter a consciência situacional – tudo o mais deve ser secundário. Sendo humanos, no entanto, algumas vezes agimos contra nossos maiores interesses: somos bons para prestar atenção quando submetidos a altas cargas de trabalho e estamos mentalmente envolvidos, mas em períodos de baixa carga de trabalho/ baixo envolvimento, tendemos a ficar entediados e desatentos. Estatísticas mostram que a maioria dos acidentes na atividade da navegação ocorre durante esses períodos de baixa carga de trabalho/ baixo envolvimento. Um prático que segue em um trecho reto de canal ou via navegável, sem a presença de ameaças que o pressionem, não seria humano se não ficasse tentado algumas vezes a preencher um formulário ou pegar seu celular e ler um e-mail. Alguns podem até racionalizar para si próprios que isso seria uso produtivo do tempo ‘ocioso’, o que é uma crença perigosa: o modelo ‘drift towards failure’ (deriva em direção ao fracasso), de Jens Rasmussen, ilustra de forma concisa o efeito sobre as margens de segurança de nosso desejo de pegar atalhos e minimizar a carga de trabalho. À medida que procuramos facilitar nossa vida e deixamos de lado a qualidade, cada decisão vai estreitando a margem entre o que consideramos desempenho aceitável e o ponto em que ocorrerão acidentes.
Parece que já é tempo de perguntar: à luz desse acidente, existe alguma justificativa para os práticos continuarem a usar celulares no passadiço?
Distrações e interrupções estão entre as principais causas de perda da consciência situacional – aprendemos isso em nosso curso de Geren-
Em reação ao acidente, o Conselho de Práticos de Maryland suspendeu indefinidamente a licença do prático. E em 6 de janeiro de 2023, promulgou regra proibindo o uso de celulares pessoais pelos práticos.
Reação dos marítimos A leitura dos diversos relatos das notícias não esclarece se a proibição se aplica a todos os celulares ou se se limita aos de uso pessoal. Os relatos levaram a uma discussão no The Nautical Institute (Grupo Técnico) pelo Linkedin, em que alguns participantes expressaram opiniões no sentido de que os práticos não deveriam utilizar celulares para propósito algum durante as manobras. Outros comentaram que a proibição era uma reação precipitada, que poderia reduzir a segurança nas zonas de praticagem.
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ciamento dos Recursos do Passadiço. Segundo o modelo de Endsley de consciência situacional, a percepção do que acontece à nossa volta (Nível 1 de consciência situacional) é o nível mais básico, primário, da consciência situacional. Se um prático estiver de cabeça baixa lendo um e-mail em vez de monitorar seu meio ambiente, ele terá baixa probabilidade de manter esse Nível 1 de consciência situacional. Os práticos devem permanecer conscientes dos perigos da distração, sobretudo durante períodos em que a carga de trabalho esteja relativamente baixa.
Os celulares representam a principal distração? Poder-se-ia argumentar que a proibição do uso de celulares seria desnecessária, uma vez que as praticagens já devem ter políticas ou procedimentos estabelecidos que enfatizem a importância de prestar total atenção à manobra. E também que um celular não causa mais distração a um prático do que sonhar acordado ou se envolver em conversa com o comandante. Existem, no entanto, amplas evidências que apoiam a proposição de que celulares são uma distração particularmente poderosa. Estamos mais ligados e conectados do que nunca estivemos antes, e essa conectividade aumenta diariamente. Smartphones e seus aplicativos são projetados especificamente para chamar e manter nossa atenção. Mesmo quando conscientemente tentamos os ignorar, nossos aparelhos continuam a nos perturbar com alertas sobre chamadas recebidas ou perdidas, e-mails, atualizações e postagens nas redes sociais. A culpa não pode ser atribuída totalmente aos aparelhos – existem também fatores humanos a considerar. Diversas pesquisas avaliadas por pares demonstram a crescente difusão da dependência de celulares na sociedade (conectada, obviamente). À medida que a capacidade dos smartphones aumenta, aumenta nossa disposição de lhes prestar atenção. Para um número crescente de nós, nosso telefone é um companheiro constante, e muitos ficam ansiosos quando dele separados, mesmo que por um curto espaço de tempo. Telefones celulares e aparelhos competem por nossa atenção, que prazerosamente lhes dedicamos. Está claro que celulares representam uma oportunidade significativa de nos distrair em nossas tarefas principais no passadiço. E parece que estamos predispostos a prestar atenção a esses aparelhos.
Telefones celulares como ferramentas de trabalho Quando o prático sobe a bordo de um navio, ele se junta à equipe de passadiço. Desempenha também, no entanto, um papel de liderança na equipe do porto. Além de conduzir o navio, ele precisa se comunicar constantemente com outras pessoas que não estão a bordo, como operadores de VTS, mestres de rebocadores e de
embarcações de apoio, operadores de eclusas e de pontes, amarradores, equipes de terminais, outros práticos, comandantes que tenham Certificado de Dispensa de Praticagem, o que é feito por telefone ou rádio. O VHF oferece uma vantagem sobre o telefone: ambos os lados da conversação operam por radiodifusão, o que significa que a equipe de passadiço, bem como qualquer outro usuário do porto, pode ouvir exatamente o que o prático ouve. Nem toda conversação precisa, entretanto, ser ouvida por todos no porto. Por exemplo, um prático deve falar regularmente com as empresas de rebocadores para resolver problemas ou minimizar atrasos. Utilizar o celular no que pode vir a ser uma conversação complexa libera os canais de rádio para o tráfego essencial de mensagens. Em portos movimentados, o uso supérfluo do VHF pode ser um grande fator de distração ou até fazer com que o volume do som dos rádios seja diminuído em alguns navios, com o risco de perda de informações importantes. Além do uso para chamadas de voz, os smartphones se tornaram elementos-chave de informações para os práticos. A maioria das organizações que compõem a equipe do porto estrutura seus sistemas de informações com base em telecomunicações modernas – o que significa aplicativos dedicados, alertas automatizados de SMS, formulários e portais na rede, câmeras remotas e conectividade constante, que fornecem previsões em tempo real e de alta qualidade sobre correntes/marés, ventos, ondas e folga dinâmica abaixo da quilha (FAQ) em pontos críticos do trajeto. Os práticos costumam ter acesso a aplicativos que mostram os rebocadores, eclusas e berços designados, bem como previsões de programação de tráfego. Os provedores desses serviços de informações esperam que trabalhadores que se deslocam acessem esses sistemas em smartphones enquanto se movem pelo porto. Os práticos precisam dessas informações para fazer seu trabalho de modo seguro e eficiente. Um serviço de praticagem que proíba aos práticos o uso de um smartphone para fins operacionais teria que substituir o celular por algum outro aparelho que oferecesse igual conectividade. Alguns podem perguntar por que os práticos não poderiam simplesmente usar a PPU para visualizar ou interagir com esses sistemas. Poderia ser feito assim, mas exigiria que o prático saísse da tela da PPU pelo tempo em que estivesse interagindo com outros sistemas, o que teria impacto negativo em sua consciência situacional. Um smartphone (ou um aparelho fornecido pela empresa com igual funcionalidade) é ferramenta essencial para a maioria dos práticos na época atual.
A aviação e o cockpit estéril Desde 1981, vem sendo exigido dos aviadores que observem a Sterile Cockpit Rule**. Abaixo de 10.000 pés e durante fases críticas dos voos, não são permitidas conversas ou atividades que não sejam essenciais à operação segura da aeronave. O propósito
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dessa regra é minimizar distrações e reduzir erros. O conceito não é diretamente transferível para o ambiente marítimo, mas poderia ser adaptado à nossa situação. Na maioria das linhas aéreas atuais, ipads e outros tablets substituíram a pasta de manuais, cartas e documentos de voo do piloto. A transição para a “pasta eletrônica de voo” começou nos EUA, estando agora amplamente espalhada. Os aviadores usam seus ipads para consultar previsões do tempo e condições atmosféricas ao vivo. Armazenam as cartas de aeroportos e procedimentos mais atualizados e utilizam aplicativos dedicados de planejamento de voo e de registro. Grandes aeronaves têm também telefones por satélite para fins de rotina, como solicitar suprimento para cozinha e obter assistência durante incidentes. O uso do telefone não é permitido sob condições de cockpit estéril, a menos que necessário para a segurança do voo. A atividade da aviação parece ter administrado o risco da distração por meio de um padrão de procedimentos operacionais (SOPs – standard operational procedures) e da regra do cockpit estéril.
Aprendendo com o Ever Forward Se a atividade marítima tiver algo de útil a ganhar com o encalhe do Ever Forward, teremos que fazer algo mais do que impor proibição absoluta quanto ao uso de telefones em zonas de praticagem. Como observou o comandante John Pace na discussão sobre o Ever Forward no Linkedin, “Controles prescritivos para problemas comportamentais raramente funcionam!”. Sabemos que celulares são uma ferramenta apropriada para que se consiga segurança e eficiência na praticagem, mas também sabemos quão distrativos eles podem ser. Precisamos abordar o risco da distração, em vez de proibir o aparelho. A educação tem papel importante nisso. Coordenadores de cursos de Gerenciamento dos Recursos do Passadiço devem enfatizar como distração e interrupção afetam o desempenho humano. O material e os professores desses cursos devem discutir especificamente o encalhe do Ever Forward e explicar os perigos da distração ímpar causada pelo uso de telefones celulares.
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As praticagens devem desenvolver e implementar políticas e procedimentos viáveis capazes de reger ou restringir o uso para fins pessoais desses aparelhos, sempre que o prático estiver agindo como membro da equipe de passadiço – políticas e procedimentos que explicitem as prioridades do prático quando no controle do navio, bem como as condições sob as quais poderá usar um smartphone para fins operacionais de modo similar ao conceito de cockpit estéril da aviação. Operadores de navios e oficiais de quarto devem levar em consideração a utilidade legítima dos telefones celulares nas fainas de praticagem ao elaborar suas próprias políticas e procedimentos, e ao navegar em zonas de praticagem. Um comandante ou um oficial de quarto deve sempre ter poderes para interpelar um prático que pareça estar apresentando comportamento de risco com aparelhos ou celulares. Caso não seja essencial à segurança da manobra do navio, ou se parecer distração, o comandante ou o oficial de quarto devem lembrar seu curso de Gerenciamento dos Recursos do Passadiço e nunca hesitar em inquirir, interpelar ou intervir. Finalmente, os práticos devem assumir responsabilidade pessoal por seu desempenho quanto a isso, bem como em todos os assuntos de praticagem. Eles têm o dever de se esmerar para prestar um padrão de serviço de praticagem diligente e profissional. Devem, também, assegurar que seus aparelhos sejam usados somente para propósitos essenciais e permanecer atentos às ameaças da desatenção e distração quando em manobra.
Links úteis Nautical Institute Technical Group Linkedin discussion https://www.linkedin.com/feed/update/urn:li:activity: 7022936144598159361/ Sterile cockpit rule https://airlinesafety.com/editorials/CockpitCabinPsychology.htm Rasmussen’s Drift towards Failure Model https://medium.com/10x-curiosity/boundaries-of-failurerasmunssens-model-of-how-accidents-happen-58dc61eblcf
* Mariners' Alerting and Reporting Scheme – base de dados mantida e operada pelo Nautical Institute, em que são armazenadas informações sobre acidentes, quase acidentes e incidentes marítimos. ** A regra do cockpit estéril, que limita ao mínimo indispensável as atividades na cabine de comando, foi instituída pela Administração Federal da Aviação (The Federal Aviation Administration), braço operacional do Departamento de Transportes dos EUA.
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rápido e prático
INSTITUTO PRATICAGEM DO BRASIL AGENDA CHEIA DE SIMULAÇÕES, TREINAMENTO E LIVE
COLETE SALVA-VIDAS
SENAI CIMATEC VAI DESENSOLVER PROTÓTIPO PARA A PRATICAGEM
Em julho, o Instituto Praticagem do Brasil assinou termo de parceria com o Senai Cimatec, da Bahia, para o desenvolvimento de um protótipo de colete salva-vidas apropriado ao serviço de praticagem. O objetivo é elaborar, em 15 meses, um equipamento que agregue soluções tanto para absorver impactos quanto para prolongar o tempo de sobrevivência no mar. Participaram do evento de assinatura o diretor técnico da Praticagem do Brasil, prático Marcio Fausto; a diretora-executiva do Instituto Praticagem do Brasil, Jacqueline Wendpap; o prático Alexandre Takimoto, da Praticagem da Bahia; além dos gerentes da praticagem local, Victor Hugo Villafán e Ricardo Blanquet.
foto: Divulgação
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O Instituto Praticagem do Brasil, em Brasília, continua a pleno vapor. Depois de realizar a quarta turma do curso para operadores das estações de praticagem, o espaço recebeu mais práticos para simulações, além da visita da Fundação Valenciaport e de uma live com o gerente de Afretamento da Navegação da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), Augusto Vedan. Práticos do Ceará simularam possíveis impactos da instalação de uma unidade de regaseificação em manobras realizadas no Porto do Pecém. E práticos da Bahia executaram fainas com petroleiros VLCC em áreas de fundeio na Baía de Todos os Santos. Já os alunos do “Master em Logística e Gestão Portuária”, da Valenciaport, vieram conhecer o Instituto e o seu centro de simulações. O gerente da Antaq explicou o Sistema de Afretamento na Navegação Marítima e de Apoio (Sama).
PRATICAGENS REALIZAM SALVAMENTOS EM APOIO À MARINHA Cooperar com atividades de busca e salvamento é um dos deveres da praticagem previstos nas Normas da Autoridade Marítima para o Serviço de Praticagem. Em julho, o Grupo Bacia Amazônica Práticos (BAP), que atua na Bacia Amazônica Oriental (ZP-01), apoiou o salvamento de três pessoas que se encontravam em uma embarcação à deriva na Baía de Macapá. No mês de setembro, a Praticagem São Francisco (SC) resgatou um tripulante que caiu no mar de uma embarcação fundeada na Baía da Babitonga. No mesmo mês, a Praticagem da Bahia auxiliou no reboque de um pesqueiro no interior da Baía de Todos os Santos.
foto: Divulgação
SAR
rápido e prático
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BRASÍLIA foto: Divulgação
POSSE DO NOVO MINISTRO DE PORTOS E AEROPORTOS
CURSO
foto: Divulgação
Em setembro, o presidente da Praticagem do Brasil, prático Ricardo Falcão, e a diretora-executiva do Instituto Praticagem do Brasil, Jacqueline Wendpap, compareceram à cerimônia de transmissão de cargo ao ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, deputado federal eleito por Pernambuco (Republicanos).
PALESTRA PARA ALUNOS DE GRADUAÇÃO DA FGV
ESPORTE ISAQUIAS QUEIROZ GARANTIDO EM PARIS 2024
foto: Bruno Haddad
O vice-presidente da Praticagem do Brasil, prático Bruno Fonseca, palestrou sobre a atividade a alunos do primeiro e do segundo ano do curso de Administração Pública da Fundação Getulio Vargas (FGV). A palestra, parte de uma matéria eletiva da graduação, ocorreu, em outubro, no terminal da DP World, em Santos (SP).
CONDOLÊNCIAS NOTA DE PESAR PELO FALECIMENTO DO PRÁTICO HORMAIN A Praticagem do Brasil presta homenagem ao prático Luiz Antônio Hormain, falecido em julho. Ele exerceu a atividade com proficiência e zelo na Praticagem da Lagoa dos Patos, Rios, Portos e Terminais Interiores (ZP-20).
foto: Divulgação
Nosso campeão Isaquias Queiroz assegurou vaga para os Jogos Olímpicos na categoria C1M1000m da canoagem. Com quatro medalhas olímpicas, ele pode se igualar aos melhores atletas do Brasil, em Paris 2024. Torben Grael e Robert Scheidt têm cinco pódios cada.
NAS REDES
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O vídeo de um navio, sem prático, abalroando outro durante tentativa de fundeio em Fazendinha (Macapá-AP) viralizou nas redes. O comandante era estrangeiro. Somando Instagram, Facebook, Twitter e YouTube, já foram mais de cinco milhões de visualizações, recorde em nossos canais!
Reprodução de vídeo
BOMBOU
VIRALIZOU
Outro vídeo que bombou em nossas redes mostra os bastidores do combate a incêndio em um navio no Porto do Açu (RJ). Foram mais de 67 mil visualizações. O áudio é do comandante de uma embarcação que testemunhou a contribuição da prático Michele por mais de uma hora. Da lancha da praticagem e, portanto, com visão mais ampla sobre os focos das chamas, ela orientou os rebocadores que apagaram o fogo. Parabéns! Reprodução de vídeo
@freepik
RECONHECIMENTO
DEZ MIL NO YOUTUBE Chegamos a dez mil inscritos no YouTube, um crescimento orgânico de 1.392% desde 2019. A rede sofreu mudanças, passou por nova identidade visual, postagens regulares e a criação de uma playlist de manobras. Os vídeos mais vistos no período foram o do abalroamento citado na primeira nota da coluna, com 1,3 milhão de visualizações; seguido da entrada de um submarino com prático no Rio de Janeiro, com 126 mil; e da reportagem sobre o trabalho do prático, gravada no Ceará, com 99 mil.
PORT PLANNING Nautical Access Recommendations Planejamento portuário – recomendações para acessos náuticos acaba de ganhar versão traduzida para o inglês. O livro é uma contribuição de 25 autores com sugestões para projetos portuários ou para alterações em instalações. A coordenação é dos professores Edson Mesquita dos Santos e Sergio H. Sphaier, do consultor naval Mario Calixto e do prático Marcelo Cajaty. A obra é fruto do trabalho da comissão que revisou a norma da ABNT sobre planejamento portuário (ABNT NBR 13246:2017), aprovada e cancelada posteriormente sem explicação. O grupo que participou desse trabalho aproveitou o esforço despendido na formatação da norma e produziu um compêndio com as referências internacionais mais atualizadas. Entre os autores estão projetistas, pesquisadores, engenheiros, aquaviários, armadores, portuários, práticos e representantes de terminais. Eles se basearam em documentos da Associação Náutica Internacional (Pianc), no manual do Corpo de Engenheiros do Exército Americano e em recomendações de obras marítimas da Espanha. O diretor executivo da Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem (Abac), Luís Fernando Resano, um dos autores, foi quem sugeriu a revisão da norma da ABNT, cuja comissão revisora teve o professor Edson Mesquita como secretário. Assina o prefácio o diretor da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), vice-almirante Wilson Pereira de Lima Filho, ex-presidente do Tribunal Marítimo. A edição é da Praticagem do Brasil. As versões em português e inglês do livro estão disponíveis para download gratuito em praticagemdobrasil.org.br, na seção Publicações.