Revista do Conselho Nacional de Praticagem edição 67 - fevereiro a maio/2024
No Maranhão, a maré dita as manobras
Após uma pausa na edição anterior, retomamos a série sobre as zonas de praticagem brasileiras, suas particularidades e desafios. Na 12a reportagem, o repórter Rodrigo March e o fotógrafo Gustavo Stephan visitaram o Maranhão (ZP-4), onde a amplitude de maré pode ultrapassar sete metros, concentrando as operações em curtas janelas.
Na sequência, trazemos um resumo de como foram a posse do Conselho Nacional de Praticagem, em Brasília, e o congresso da Associação Internacional de Práticos Marítimos (IMPA), em Roterdã.
A capital federal recebeu também o seminário Porto sem Papel, realizado pela Secretaria Nacional de Portos e Transportes Aquaviários, no Instituto Praticagem do Brasil. O evento apresentou os avanços do sistema para reduzir a burocracia e aumentar a produtividade portuária, case reconhecido pela Organização Marítima Internacional (IMO).
E, nos 50 anos da Ponte Rio-Niterói, mostramos como a atuação da praticagem tem sido fundamental para a navegação segura sob a via e em toda a Baía de Guanabara.
Fizemos ainda um levantamento dos impactos dos efeitos das mudanças climáticas nas manobras, do norte ao sul do país. Como as praticagens têm se adaptado para manter a segurança e eficiência do transporte marítimo? É o que os leitores conferem a seguir.
Fechamos a edição com um perfil da marinheira da Praticagem de São Paulo, Genny Souza, exemplo de diversidade na indústria marítima; além de matéria com o canoísta Isaquias Queiroz, que embarca para Paris com o sonho de se tornar o maior atleta olímpico do Brasil. Nós, do time Praticagem do Brasil, estaremos na torcida por aqui.
Boa leitura!
Otavio Fragoso é o editor responsável.
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Felipe Perrotta Bezerra
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Ricardo Augusto Leite Falcão (vice-presidente da IMPA)
Rumos Práticos
planejamento
Otavio Fragoso/Flávia Pires/Katia Piranda
edição
Otavio Fragoso
redação
Rodrigo March (jornalista responsável)
MTb/RJ 23.386
revisão
Maria Helena Torres
projeto gráfico e design
Katia Piranda
pré-impressão/impressão
DVZ Impressões Gráficas
capa
foto: Gustavo Stephan
As informações e opiniões veiculadas nesta publicação são de exclusiva responsabilidade de seus autores. Não exprimem, necessariamente, pontos de vista do Conselho Nacional de Praticagem.
Relação
Instituto
O baile da Ilha de São Luís
Vaivém de navios em manobras simultâneas é uma das características da zona de praticagem com maior variação de maré
MARANHÃO BaíadeSão Marcos
Como em um baile, imagine quatro navios grandes saindo e quatro entrando ao mesmo tempo, cruzando a mesma área em perfeita sincronia. Na Baía de São Marcos, no Maranhão, as embarcações precisam aproveitar as curtas janelas operacionais, delimitadas pela maré. Trata-se da maior amplitude de maré do Brasil, podendo ultrapassar sete metros (no terminal mais distante) e apresentando correntes de seis nós. Por isso, a maior parte das manobras é marcada para ocorrer nos horários com menores níveis de corrente na desatracação e na atracação. E essa é apenas uma das particularidades da Zona de Praticagem 4 – a 12a reportagem da série de Rumos Práticos sobre as ZPs brasileiras.
A maioria das fainas deve acontecer durante as duas horas e meia que antecedem a preamar (maré alta). Já na baixa-mar, ocorrem 30 minutos antes até uma hora e meia depois dela. A vazante é mais forte que a enchente.
– As manobras são simultâneas. Um navio sai e outro entra no berço. Se não aproveitar a janela, só seis horas depois – diz o gerente-geral da Associação dos Práticos do Estado do Maranhão (Apem), Carlos Eduardo Albuquerque. – Programamos para estar
no estofo da maré quando estivermos desatracando e atracando, tanto na preamar quanto na baixa-mar. O problema é que isso junta o tráfego todo no mesmo período. É complicado se um navio atrasa ou adianta. Os cruzamentos são todos na mesma área. Tem que ser tudo muito bem sincronizado – acrescenta o prático Nicolas Herren.
Em 16 de maio, o porto público do Itaqui bateu recorde com 11 manobras realizadas em uma janela de baixa-mar. Foram cinco desatracações e seis atracações, com cinco manobras simultâneas.
Na área da ZP, também estão o Terminal Marítimo da Ponta da Madeira, operado pela Vale, e o Terminal da Alumar. É na altura da Ponta da Madeira que a movimentação é mais intensa durante o entra e sai de navios.
Além das fortes correntes e dos ventos vindos de direção nordeste, soma-se aos desafios o tamanho das embarcações. No Itaqui, o menor berço comporta navios de 80 mil toneladas de porte bruto e 183 metros de comprimento. Já na Ponta da Madeira, operam os gigantes graneleiros Valemax, com mais de 400 mil toneladas, 362 metros de comprimento (superior à altura da Torre Eiffel) e 23 metros de calado.
– Aqui, um navio de 85 mil toneladas é considerado pequeno –ressalta o gerente Albuquerque.
Segundo o prático Josivaldo Reis, o porte das embarcações cresceu nos últimos 15 anos, e a interação entre elas, manobrando ao mesmo tempo, deve ser levada em conta:
– É preciso saber quando dar prioridade ou ser prioridade, para que haja uma concatenação segura nas janelas de maré. Temos que estar em comunicação o tempo todo. Falo para os praticantes que a manobra começa quando você já sai de casa, identifica a janela, quantos navios vão manobrar e o perfil (de navegação) dos práticos, tudo para garantir a segurança.
A Baía de São Marcos é um estuário de, aproximadamente, 100 quilômetros de extensão. O canal de acesso é natural, com pouca necessidade de dragagem, e seu balizamento é mantido pela Vale. São 55 milhas náuticas, sendo 40 de praticagem facultativa (onde encalhou o Stellar Banner, em 2020, sem assessoria de prático).
Para conduzir os navios até a Ilha de São Luís, os práticos embarcam em dois pontos antes da Ilha do Medo: no par de boias 19 e 24 – no
caso das embarcações com calado inferior a 11 metros – ou 2,3 milhas antes – para as embarcações com porte bruto superior a 100 mil toneladas ou com calado igual ou superior a 11 metros.
No verão, de julho a dezembro, os ventos são constantes de 30 nós, com rajadas registradas de 48, formando ondas que dificultam o embarque do prático na baixa-mar. Para vencê-las, a praticagem dispões de lanchas de até 60 pés. Duas possuem um equipamento que estabiliza a embarcação em baixas velocidades.
– Temos ondas de mais de dois metros, que sobem no convés e quebram no para-brisa da lancha – observa o marinheiro Antonio Araújo. – Há comandantes mais acostumados em vir aqui que já fazem a sombra (guinada de proteção) para o prático embarcar –completa o mestre de lancha, Alex de Melo.
Os ventos influenciam ainda as manobras nos Valemax em lastro (descarregados), aponta um dos práticos:
– São navios que chegam com área vélica (sob ação dos ventos) considerável, equivalente à de um porta-contêineres Panamax. É um caixote com mais de 360 metros de comprimento.
Continuando rumo a São Luís, o Terminal da Ponta da Madeira é o primeiro da ilha, na margem leste da baía. Do outro lado do canal, o banco de areia dos Cavalos demanda vigilância dos navegantes. Ali, são cinco berços de atracação, com profundidades de 23 e 25 metros. É o terminal que mais movimenta carga no país, de acordo com o Estatístico Aquaviário da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). Em 2023, foram 166,3 milhões de toneladas, basicamente de minério de ferro para a China, escoado pela Estrada de Ferro Carajás.
No píer quatro, onde a correnteza é mais intensa, são empregados dois práticos a bordo. Os rebocadores na ZP são todos azimutais, dimensionados para puxar e empurrar os gigantes Valemax, assistidos por cinco deles nas manobras. Há rebocadores com 91,30 toneladas de bollard pull (força de tração). Isso exige atenção nas operações com navios menores, frisa o prático Nicolas:
– A maioria dos rebocadores é acima de 75 toneladas de bollard pull. Aí, quando chega um gaseiro ou outro navio menor para atracar no Itaqui, temos que usar um rebocador gigantesco. Acho
a manobra mais difícil. O rebocador encosta e o navio vai embora. Para atracar paralelo ao cais, é uma dificuldade absurda. Dependemos muito do mestre. Se ele demorar alguns segundos para executar a ordem, já atrapalha.
A partir da Ponta da Madeira, o Porto do Itaqui se estende à distância aproximada de 4,5 quilômetros para o sul. Em frente a ele e ao Terminal da Alumar, está outro banco de areia que limita a navegação, chamado de Lanzudos. São nove berços de atracação, o maior capaz de receber embarcações de até 280 metros de comprimento e 18,50 metros de calado.
Em 2023, Itaqui movimentou 36,3 milhões de toneladas, sendo o quarto porto público do país, de acordo com a Antaq. As principais cargas foram, em ordem decrescente, soja, petróleo e derivados, milho, fertilizantes e pasta de celulose, mas há ainda gás (GLP), carvão, cobre, gusa, soda cáustica e carga geral. Operações ship to ship a contrabordo são realizadas no berço 106. Não há movimentação de contêineres na zona de praticagem. Um dos motivos é a restrição operacional imposta pela maré.
Rumos Práticos acompanhou manobras de três graneleiros na ZP: no Itaqui, saída do berço 101 e entrada no berço 105; na Alumar, saída do berço 2. No primeiro porto, a saída pelo norte da Ilha de Guarapirá com navio carregado requer cuidado nas curvas, já que elas são sempre para bombordo, e a tendência do navio é abater para boreste, em função das correntes locais, indo em direção aos navios atracados.
– A primeira regra que a gente ouve quando chega nesse porto é: nunca adiante as manobras na baixa-mar. A maioria dos navios atraca por boreste, já aproada para a saída do canal. Qualquer adiantamento na baixa-mar faz o navio ir em direção ao navio atracado na sua proa – explica o prático Nicolas.
Seguindo viagem para o Terminal da Alumar, a entrada do canal também é complicada, em função da corrente muito forte, que abate o navio para boreste.
– Você não coloca a proa entre as boias, mas sim por fora delas, ficando as duas boias a seu boreste. Com o forte ângulo
de deriva para boreste, em função da corrente não alinhada com o canal, o navio conseguirá passar no meio das boias e navegar no centro do canal, sempre ajustando a velocidade e o ângulo de deriva necessário. Em uma ocasião, um comandante pôs o leme a boreste porque não entendeu que eu estava compensando a corrente. Tive que desfazer. Hoje tenho o hábito de sempre avisar previamente os comandantes – conta o prático José Roberto Taranto.
A passagem no estreito canal da Alumar durante as fortes pancadas de chuvas, típicas do inverno (janeiro a junho), é outra situação delicada, devido à dificuldade para enxergar as boias de sinalização.
– Nessa situação de chuva forte, a visibilidade fica de tal forma prejudicada que só é possível visualizar o próximo par de boias muito perto delas, ou nem isso. Já aconteceu de eu precisar navegar boa parte do canal, que possui 120 metros de largura, somente com o auxílio do radar – afirma o prático Taranto.
f oto: Rodrigo March
Segundo Albuquerque, gerente-geral da Apem, as chuvas mais comuns de rajada estão durando mais tempo. A praticagem faz campanhas semanais de treinamento em seu centro de operações, onde tem instalado um simulador de manobras com todos os terminais e navios-tipo que operam na ZP, disponíveis para montagem de cenários. Um deles é justamente para a prática da navegação com radar quando chove no canal da Alumar.
– As boias podem se movimentar um pouco com a corrente. E no radar é possível identificar onde elas estão naquele momento, diferentemente um pouco da carta náutica eletrônica. É muito mais parecido com o que o prático estaria vendo – considera o gerente executivo da Apem, Claudio Coreixas, responsável pelas simulações.
O Terminal da Alumar está na confluência do Estreito dos Coqueiros com o Rio dos Cachorros, distante 33 quilômetros do Centro de São Luís. Com dois berços para navios de até 229 metros de comprimento e 11,58 metros de calado, recebe bauxita e escoa alumina, além de carvão e soda cáustica utilizados na produção da refinaria, no complexo industrial. Em 2023, movimentou 13,4 milhões de toneladas, sendo 8,9 milhões de
bauxita. Como o canal tem oito metros de profundidade mínima, embarcações muito carregadas só entram na preamar.
– Os práticos são bons e experientes, me sinto seguro com eles a bordo – destaca o comandante Roy Moscaya, cujo navio traz bauxita dos terminais de Juruti e Trombetas, na Amazônia.
A praticagem maranhense remonta a 1817, data de uma carta redigida pelo então governador da capitania do Maranhão, José Paulo da Silva Gama, ao secretário de Estado de dom João VI, em que ele menciona a requisição de um prático por um navio da Marinha. Oficialmente, as primeiras normas do serviço foram criadas em regulamento de 22 de setembro de 1852.
Hoje, a atividade realiza cerca de 4.500 manobras por ano. Para isso, a Apem conta com o apoio de 11 lanchas e 80 funcionários, aproximadamente 55 lotados na base no Porto do Itaqui. No estado, são 31 práticos habilitados a conduzir embarcações no interior da zona de praticagem. No futuro, há projetos para sete novos locais de atracação, como o berço 98 do Itaqui e os portos de São Luís e Alcântara.
Diretoria e Conselho Fiscal do Conselho Nacional de Praticagem tomam posse
Evento em Brasília contou com a presença do ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho
Foi realizada, no dia 19 de março, em Brasília, a cerimônia de posse da Diretoria Executiva e do Conselho Fiscal do Conselho Nacional de Praticagem para o biênio 2024-2025.
Além do presidente, Bruno Fonseca, prático no Ceará, foram empossados o vice-presidente, Marcello Camarinha (RJ); os diretores Felipe Perrotta (BA), Jelmires Galindo (São Francisco-SC) e Ricardo Falcão (Bacia Amazônica Oriental); e os conselheiros Igor Sanderson (Areia Branca-RN), Julio Souza (PE) e Luiz Carlos Veloso (PA).
O evento ocorreu no espaço Villa Rizza e teve a presença do ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, além de outros
representantes do Executivo, Legislativo, Judiciário e do setor marítimo e portuário.
– Ninguém pode falar em desenvolvimento econômico do país se não falar do setor portuário brasileiro. E, se há um segmento que merece o nosso respeito, compromisso e apoio permanente, é o da praticagem, que foi vítima de preconceito em alguns momentos. Sabemos o papel social e institucional que cumpre a Praticagem do Brasil – afirmou o ministro de Portos em seu discurso.
O ex-presidente Ricardo Falcão, que segue na diretoria, transmitiu o cargo ao presidente, Bruno Fonseca. Foi sua quarta administração
à frente do Conselho Nacional de Praticagem. Ele fez um balanço dos últimos dois anos, destacando a aprovação da nova lei da praticagem e a estruturação do Instituto Praticagem do Brasil, em Brasília:
– As batalhas não acabaram. Agora, vem o período de ancorar as conquistas e avançar um pouco mais. A nova lei trouxe clareza para a sociedade e estabilidade regulatória. Mas precisamos estar sempre vigilantes para que interesses comerciais não se sobreponham à segurança. Temos que proteger toda a população e a hinterlândia que está por trás e depende economicamente de um porto. Garantir que estejamos sempre evoluindo com águas limpas. E temos demonstrado que eficiência portuária e navegação segura não são inconciliáveis. Sem complexo de vira-latas, a praticagem brasileira é referência para o mundo e o Instituto Praticagem do Brasil é mais uma prova disso.
Falcão ressaltou aos colegas que “a todo momento, devemos relembrar às pessoas do meio aquaviário que praticagem não é só um negócio, significa controle do Estado sobre a segurança da navegação” e que “cabe a nós, práticos, preservar isso, oferecer o melhor serviço, com o máximo de profissionalismo”.
– Devemos continuar trabalhando para manter o respeito e a confiança do governo e da população; para que tenhamos o apoio de todos, no dia a dia, em nossas decisões. Não podemos nunca esquecer que cada um de nós representa uma profissão existente há quatro mil anos no mundo e há 215 anos regulada no Brasil.
O presidente, Bruno Fonseca, mirou o futuro, apontando os próximos desafios, como investir no Instituto:
– Continuaremos fortalecendo o Instituto Praticagem do Brasil, promovendo sua integração com a comunidade e intensificando os
treinamentos, entre eles o Curso de Atualização para Práticos, o ATPR. Lembrando que o centro de simulações do Instituto é uma opção para verificar a viabilidade de novas manobras e instalações portuárias. É uma ferramenta disponível para o Brasil avançar.
Entre outros objetivos, citou a importância de sensibilizar os parlamentares para o Brasil internalizar as convenções que tratam da poluição de acidentes. O país só é signatário da CLC-69, tendo direito a apenas 8,9 milhões de dólares e somente em caso de acidente tendo o óleo como carga e dentro do mar territorial.
Ele defendeu ainda a necessidade de continuar o trabalho de divulgação da atividade para a sociedade e de melhoria da qualidade dos relatórios da pesquisa sobre os dispositivos de embarque e
desembarque. Em 2023, sete práticos morreram no mundo durante a transferência lancha-navio e vice-versa. Em 2024, já houve um acidente fatal na Turquia.
Na área ambiental, o presidente sinalizou que o foco é incentivar as empresas de praticagem a adotar práticas cada vez mais sustentáveis em suas operações, contribuindo com o esforço mundial de redução das emissões de carbono e dos efeitos das mudanças climáticas.
Por fim, Bruno ressaltou a qualidade da praticagem brasileira, reflexo da boa regulação da Autoridade Marítima:
– A cada embarque, o prático arrisca sua vida para conduzir o navio em segurança e proteger a sociedade de acidentes com consequências terríveis para nossos mares e rios. Quando o assunto é segurança, o Brasil é referência. São cerca de 80 mil manobras/ ano com índice de praticamente 100% sem intercorrências. Nunca tivemos um grande acidente com derramamento de óleo. Temos os melhores padrões regulatórios da atividade, desde janeiro com força legal. São eles que refletem o índice mínimo de incidentes em nossas águas.
Estiveram presentes no evento o secretário nacional de Portos e Transportes Aquaviários, Alex Sandro de Ávila; o ministro João Carlos Parkinson, chefe da Divisão de Integração de Infraestrutura do Ministério das Relações Exteriores; a ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Morgana de Almeida; o diretor-geral do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), tenentebrigadeiro do ar Alcides Teixeira Barbacovi; o senador Wellington Fagundes, presidente da Frente Parlamentar Mista de Logística e Infraestrutura (Frenlogi); os deputados federais Augusto Coutinho, coronel Meira (relator do projeto de lei da praticagem na Câmara), general Pazuello, Kiko Celeguim e Luiz Carlos Haully; além de representantes de empresas e associações do setor.
SOBRE O CONSELHO
Criado em 1975, o Conselho Nacional de Praticagem é a associação que representa as entidades de praticagem e busca o aprimoramento da profissão. É o órgão de representação da praticagem perante a Marinha do Brasil, ente regulador da atividade, que lhe delegou três competências: coordenar o Curso de Atualização para Práticos (ATPR); homologar os centros de operações e tripulações das lanchas de praticagem; e realizar inspeções e laudos para homologação das lanchas.
Desde 1981, o Conselho é filiado à Associação Internacional de Práticos Marítimos (IMPA), voz da praticagem na Organização Marítima Internacional (IMO). Atualmente, ocupa uma de suas vice-presidências, com o prático Ricardo Falcão. Também integra, desde 2004, a delegação brasileira que atua na IMO, em Londres, por meio do prático Marcelo Cajaty.
Relação com stakeholders é um dos destaques no Congresso da IMPA
Vice-presidente Ricardo Falcão apresentou o case da aprovação da nova lei de praticagem
no Brasil
Práticos de todos os continentes se reuniram em Roterdã (Holanda), no 26o Congresso da Associação Internacional de Práticos Marítimos (IMPA). Na pauta, temas como os problemas encontrados nas escadas de acesso do prático aos navios; desafios das operações portuárias como a descarbonização; diversidade na indústria marítima; relação com stakeholders; novas tecnologias; além de cases apresentados pelos países. A Praticagem do Brasil esteve representada pelo seu presidente, Bruno Fonseca, e pelo diretor Ricardo Falcão, um dos vice-presidentes da IMPA.
Após uma apresentação cultural e uma mensagem do secretáriogeral da Organização Marítima Internacional (IMO), Arsenio Dominguez, coube ao presidente da IMPA, Simon Pelletier, dar as boas-vindas aos participantes. Ele atualizou informações sobre o andamento na IMO da revisão da regra que trata dos dispositivos para transferência de prático na Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar (Solas). De acordo com a pesquisa anual da IMPA, continua acima de 16% o percentual de irregularidades nos meios de embarque e desembarque dos navios.
Escada de quebra-peito e escada de quebra-peito combinada com escada de portaló são os principais dispositivos de transferência do prático da lancha para o navio e vice-versa, devendo estar em bom estado de conservação e instaladas de acordo com a regulação internacional.
Segundo Simon, é fundamental a praticagem engajar os stakeholders envolvidos com o tema, a fim de diminuir os problemas:
– Os stakeholders devem perceber o nosso excelente trabalho e entender por que somos importantes para os interesses econômicos, sociais e ambientais de um país. Quando eles entendem isso, compreendem por que precisamos de acesso aos melhores treinamentos e equipamentos, e por que é vital o cumprimento dos requisitos dos arranjos de transferência de prático.
O primeiro dia trouxe as perspectivas da indústria para o transporte marítimo, com a participação de organizações como International Chamber of Shipping (ICS), International Association of Independent Tanker Owners (Intertanko), International Harbour Masters Association (Ihma), Oil Companies International Marine Forum (Ocimf) e Comité International Radio-Maritime (Cirm).
– O início e o fim da maior parte das viagens das embarcações contam com a assistência de um prático. Um de vocês vem para ajudar em alguns dos canais de acesso mais desafiadores e nas manobras mais complicadas do mundo. E por isso eu agradeço. Nossos membros têm uma relação profissional crucial com vocês e sua profissão – agradeceu Katharina Stanzel, diretora da Intertanko.
No segundo dia, abordou-se novamente a transferência de prático para as embarcações. O secretário-geral da IMPA, Matthew Williams, forneceu mais detalhes sobre o processo de revisão da regra que disciplina a instalação dos dispositivos de embarque.
O prático holandês Arie Palmers reforçou a importância de os colegas relatarem os problemas nesses arranjos, que podem causar a queda na água. Ele é um ativo fiscalizador das irregularidades encontradas e embaixador do Confidential Human Factors Incident Reporting Programme (Chirp).
À tarde, foram apresentados e discutidos desafios e oportunidades nas operações portuárias, entre eles a descarbonização da indústria marítima. Camille Bourgeon, técnica da IMO, apresentou a estratégia da entidade para contribuir na redução da emissão dos gases de efeito estufa pelos navios. Minsu Jeon, gerente técnico de operações da Associação Internacional de Autoridades de Sinalização Náutica (Iala), apontou os avanços nos auxílios à navegação e no Serviço de Tráfego de Embarcações (VTS). David Sirait, presidente do terminal Teluk Lamong, na Indonésia, falou sobre o papel da praticagem na melhoria da performance dos terminais de contêineres.
No terceiro dia, foram tratados outros assuntos ligados à sustentabilidade em seu sentido amplo, como as iniciativas nessa área por parte da IMPA, que criou uma diretoria específica; diversidade na praticagem e na indústria; o impacto psicológico de incidentes de praticagem; e soluções alternativas de energia e design para lanchas de prático. O trabalho em equipe na praticagem, novas tecnologias como navios autônomos e suas implicações para a atividade foram as demais pautas desse dia.
No fim da programação, as associações de praticagem trouxeram cases e experiências em seus países, entre eles como manter boas relações e promover o engajamento com stakeholders, com o objetivo de transmitir a importância do serviço de praticagem para todos na cadeia logística.
O prático Ricardo Falcão, diretor da Praticagem do Brasil e vicepresidente da IMPA, relatou o caso da aprovação da nova regulação de praticagem no país, um trabalho de quase dois anos junto ao Congresso e a representantes do setor até a lei ser sancionada pela Presidência da República.
– Não há receita de bolo para preservar ou mudar uma realidade regulatória. Temos bases comuns de funcionamento no mundo, mas os países são diferentes. Por isso, a IMPA não tem uma cartilha. Quem tem que fazer esse trabalho e descobrir os caminhos,
arregaçando as mangas, somos nós. Temos que estar em congressos como este, trocar experiências e conhecer as praticagens em outros países. Isso, sim, nos permitiu vencer discussões e avançar – disse Falcão.
Em sua fala inicial na abertura do evento, o presidente Simon havia antecipado o assunto:
– Frequentemente, a IMPA é solicitada a levantar questões domésticas na IMO, para resolver problemas que não são resolvidos em nível nacional pelas praticagens individualmente. Essa proposta é arriscada para os práticos internacionalmente. A visão mundial e consensual entre os práticos é que a IMO não deve interferir nos sistemas nacionais. A IMO não pode resolver de forma eficiente essas questões. Ela tem um papel a desempenhar no transporte marítimo internacional. Sua abordagem é global. Da mesma forma, a IMPA não pode substituir a defesa nacional.
Segundo Simon, o congresso bienal da IMPA e a assembleia geral são formas de os membros dos cinco continentes trocarem conhecimentos e experiências, tanto formal quanto informalmente. A intenção é apoiar as associações de praticagem na missão de promover segurança na atividade como um serviço público essencial.
O vice-presidente Ricardo Falcão exibiu um vídeo promocional da Praticagem do Brasil sobre a realização do congresso no país em 2028. A próxima edição será na Indonésia, em 2026.
Também compareceram ao evento os práticos Evandro Saab (Zona de Praticagem do Pará), João Bosco (Rio Grande-RS), Laviera Laurino (Itajaí-SC), Leandro Pedreschi (Itajaí-SC), Marco Matsumura (Bacia Amazônica Oriental) e Porthos Lima (Rio de Janeiro).
Instituto Praticagem do Brasil apoia Seminário Porto sem Papel
Evento apresentou os avanços do sistema: estadia dos navios nos portos caiu de 20 para quatro dias desde 2012
O Instituto Praticagem do Brasil, em Brasília, recebeu em 8 de março o Seminário Porto sem Papel, realizado pela Secretaria Nacional de Portos e Transportes Aquaviários do Ministério de Portos e Aeroportos.
O evento apontou as melhorias e inovações para os usuários do sistema implantado em 2011. O Porto sem Papel está em 100% dos portos públicos brasileiros e em 85% dos terminais privados (TUPs), sendo um case reconhecido pela Organização Marítima Internacional (IMO).
Trata-se de um sistema de informação de gestão portuária desenvolvido para desburocratizar procedimentos de permanência dos navios nos portos brasileiros, otimizando processos de importação e exportação a partir de portal único de informações.
O sistema integra os dados de interesse dos agentes de navegação e dos órgãos públicos que operacionalizam e gerenciam as estadias de embarcações nos portos.
De acordo com o secretário nacional de Portos e Transportes Aquaviários, Alex Sandro de Ávila, a ferramenta foi um dos fatores que contribuíram para reduzir o tempo médio do navio no porto de 20 dias, em 2012, para sete dias, em 2023, e quatro dias, no primeiro bimestre deste ano:
– O objetivo é o aprimoramento e melhoria contínua do nosso sistema.
Antes da integração, os agentes de navegação eram obrigados a preencher 112 formulários de papel com mais de dois mil itens de informação. Atualmente, existe um documento único virtual com 935 campos.
O capitão de fragata Antônio Cezar Souza Sales lembrou que, em 2007, em estudo sobre processo portuário de 150 países feito pelo Banco Mundial, o Brasil aparecia em 61o lugar do ranking
– Foi entendido que algo precisava ser feito para dar eficiência e celeridade ao processo portuário – disse Salles, ressaltando que hoje a Marinha estabelece como meta um período de três horas
para a verificação documental e a expedição da anuência, que é o passe de saída da embarcação do porto, desde que não haja necessidade de inspeção. – A gestão centralizada foi um dos grandes ganhos.
A Marinha, ressaltou o oficial, é a Autoridade Marítima brasileira à qual cabe a segurança do tráfego aquaviário, a salvaguarda da vida humana no mar e nas vias interiores, e a prevenção da poluição hídrica por parte das embarcações. Sendo assim, prosseguiu, deve atestar que estejam os navios em boas condições para navegar e suas tripulações qualificadas.
Responsável por atuar no controle ao risco sanitário em embarcações e ambientes, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) também conseguiu otimizar tempo com as facilidades do Porto sem Papel. É o órgão que emite, entre outros, o Certificado Sanitário de Embarcação (CSE), sem o qual o navio nem sequer consegue atracar.
Titular da 5a Diretoria da Anvisa, Danitza Passamai Rojas classificou a implementação do sistema como um avanço na atividade sanitária. Ela afirmou que o processo de inspeções documentais foi acelerado, já que agora pode ser feito de forma automatizada. Antes, os agentes precisavam checar a documentação, uma a uma, no computador ou, em alguns casos, até ir ao local em que os navios estavam fundeados. As vistorias in loco hoje ocorrem com a racionalização da força de trabalho.
– Ter o sistema para atuar a distância é fundamental para que nós consigamos atender à demanda gigantesca, até porque houve redução do nosso efetivo.
A Polícia Federal também destacou a eficiência do Porto sem Papel em suas operações. Agente no Porto de Santos – onde diariamente há 150 navios, atracados ou fundeados – o policial federal Fabricio Vasconcellos contou que o tempo para concessão de anuência da PF para as embarcações caiu de mais de dez minutos para questão de segundos graças ao acesso aos dados disponibilizados pelo sistema.
– Temos em uma tela resumo com dados de interesse da Polícia Federal, o que torna a anuência mais célere em um porto com movimentação tão grande quanto o de Santos – considerou Fabricio.
Para uma segunda etapa, a PF espera acessar informações para combater o tráfico internacional de drogas, já que o Porto de Santos é rota muita explorada pelos criminosos. A ideia é direcionar equipes ostensivas para patrulhar a região.
– Com apenas um clique vamos poder casar informações sobre os navios que estão na região do porto naquele momento, suas rotas e tripulações, origem, tempo de estadia, se há tripulante com alguma demanda judicial e organizar melhor diligências –listou Fabricio. – A melhora na distribuição do efetivo policial foi uma grande colaboração do sistema.
A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) abastece o Porto sem Papel com os dados cadastrais de todas as embarcações que aportam no país: as de bandeira brasileira, estrangeira e as de bandeira sob regime de afretamento.
Gerente de estatística da Antaq, Fernando Serra lembrou o desafio que foi planilhar todas as informações para a base de dados do projeto, mas já anunciou a próxima empreitada:
– A harmonização do cadastro dos portos.
AGILIDADE TAMBÉM PARA LIBERAR A CARGA
O Porto sem Papel está sendo integrado ao Portal Único do Comércio Exterior da Receita Federal – iniciativa de modernização e desburocratização do controle de carga e trânsito. A integração elimina redundâncias entre os dois sistemas e faz parte da Janela Única Marítima, que desde 1o de janeiro se tornou obrigatória aos Estados-membros da IMO.
O auditor fiscal Alexandre Zambrano, gerente do Portal Único, explicou que a ferramenta é uma espécie de guichê único para que importadores e exportadores lidem com apenas uma base de dados na qual estão integradas todas as informações necessárias para a prática do comércio exterior. Em 2014, os atores desse mercado precisavam interagir com 22 órgãos públicos que intervinham no mercado, informou Zambrano:
– Era uma repetição de informações, muitas vezes de forma sequencial, com transmissão de papéis e documentos originais pelo país, movimentando processos administrativos e resultando em aumento de tempo e custo, e redução de competitividade.
Para se ter ideia dos reflexos da desburocratização do Portal Único, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) fez um estudo de impacto econômico. Em 2014, a média de tempo que uma carga levava para entrar no porto e embarcar para o exterior era de 13 dias; em 2020, passou para 4,8 dias. Isso refletiu em redução do Custo Brasil de 13% para 4% no período. Também houve
economia de R$ 250 bilhões com a modernização de processos, acrescentou o auditor.
O projeto do Porto sem Papel foi acelerado pelo programa Startup gov.br, do Ministério de Gestão e Inovação (MGI). A plataforma envolve equipes multidisciplinares com o objetivo de alavancar projetos de grande impacto. Para que uma proposta seja selecionada, são levados em consideração critérios como número de beneficiados, promoção do desenvolvimento econômico e social e economia de recursos.
– Critérios em que o Porto sem Papel se encaixava perfeitamente. O projeto impacta diretamente o Custo Brasil – concluiu a diretora de Difusão da Transformação Digital da Secretaria de Governo Digital do MGI, Loyane de Sousa Tavares. – Há um ganho de agilidade e confiabilidade para o processo.
O evento teve ainda uma apresentação do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro). Coube ao assessor institucional da Praticagem do Brasil, Wilson Cruz, dar as boas-vindas aos participantes e apresentar o centro de simulações de manobras de navios do Instituto Praticagem do Brasil. O secretário Alex Sandro de Ávila agradeceu à praticagem pelo apoio ao seminário.
Em 5 de abril, ele esteve presente em mais um evento no Instituto Praticagem do Brasil – o workshop Governança nos Portos Brasileiros, realizado também pelo Ministério de Portos.
Meio século de construção da Ponte Rio-Niterói
Ao longo de 50 anos, praticagem garantiu a movimentação segura de navios sob a via e em toda a Baía de Guanabara, onde ela está instalada
Em 4 de março, a Ponte Rio-Niterói completou 50 anos. Diariamente, transitam pela via cerca de 150 mil veículos, mas sob ela também trafegam navios carregados de petróleo, gás e outras cargas. As embarcações são conduzidas pelos práticos até terminais ao norte da Ponte, um vaivém muitas vezes despercebido aos olhos de quem vive próximo ao litoral. Só daquele lado, são mais de 30 locais de atracação, fora pontos de fundeio.
Muitos navios que passam logo abaixo na Baía de Guanabara têm 300 metros de comprimento, o mesmo do vão central, o maior em viga reta contínua do mundo.
Quando a Ponte foi inaugurada, a praticagem atuava apenas no Rio de Janeiro, em Niterói e na Ilha Guaíba. Ao longo dos anos, outras áreas portuárias foram criadas e anexadas à Zona de Praticagem 15, ampliando a proteção ao meio ambiente em todo o estado.
Para conduzir as embarcações na Baía de Guanabara, os práticos embarcam no navio em movimento a cerca de 3,5 milhas da Fortaleza de Santa Cruz, em Niterói. Do alto de um prédio na Praça Mauá, com vista privilegiada para a Baía, além de auxílio de câmeras e sensores ambientais, operadores de praticagem monitoram o tráfego e dão suporte ao trabalho do prático a bordo.
Na Baía, além dos terminais ao norte da Ponte, os práticos conduzem os navios para atracação nos portos do Rio de Janeiro e de Niterói. O desafio é diário. Afinal, nenhuma manobra é igual a outra, já que navios são muito diferentes, cada um tendo uma dinâmica de comportamento em águas restritas. Além disso, podem apresentar problemas durante a manobra, como falha de máquina, leme travado ou até mesmo um apagão, como no caso do porta-contêineres que sofreu blackouts sucessivos e colidiu contra uma ponte em Baltimore (EUA), em 26 de março. Condições
ambientais inesperadas também podem surgir, com ventos e correntes acima dos limites operacionais.
Ao longo dos 50 anos da Ponte, a atuação da praticagem tem se mostrado fundamental para evitar acidentes nela e em toda a Baía em que ela está instalada. O único sinistro mais grave foi com um navio abandonado, que estava fundeado e ficou à deriva após ter a amarra rompida por mau tempo, colidindo contra a Ponte e causando sua interdição. O caso ocorreu em 2022. O prático Rafael Dracxler tomou conhecimento do episódio pela televisão e imediatamente saiu para embarcar na lancha, pois era o primeiro da escala de atendimento.
Com apoio de rebocadores, ele conduziu a delicada operação de reboque da embarcação para o Porto do Rio, uma faina de cinco horas e meia. Dracxler precisou manobrar uma embarcação de 200 metros de comprimento tomada pela corrosão, sem energia, propulsão ou qualquer instrumento de navegação; agilizando a liberação da Ponte.
Em 2020, o mau tempo quase provocou outro acidente grave na costa de Niterói, com uma gigante plataforma da Petrobras, de 78 mil toneladas. Ventos de cerca de 40 nós e uma forte chuva que atingiram a Baía provocaram o rompimento de duas amarras da plataforma. O prático Marcello Câmara precisou agir rapidamente e utilizar os quatro rebocadores disponíveis naquele momento para evitar um choque contra a costa.
Já em 2016, a um mês dos Jogos Olímpicos, foi um leme travado que quase provocou uma tragédia ambiental na Baía, não fosse mais uma vez a intervenção da praticagem.
Depois de embarcar em um gaseiro para levá-lo a um terminal da Petrobras, o prático Diogo Weberszpil percebeu que o timoneiro não conseguia governar após o leme travar para boreste. O navio se aproximava a sete nós de velocidade da Fortaleza de Santa Cruz, correndo risco de colidir contra as pedras e explodir. Naquele momento, Weberszpil solicitou que o centro de operações da praticagem interrompesse e desviasse todo o tráfego de embarcações nas proximidades da Baía. Ele foi obrigado a executar uma manobra de emergência, evitando a colisão a 100 metros da Fortaleza, bem na entrada da barra.
– Devido ao constante treinamento em simuladores, tomei rapidamente as medidas necessárias para evitar a colisão iminente. Felizmente, consegui fazer com que a embarcação se afastasse das pedras – disse ele na época.
Além dos fatores inesperados, navegar na Baía impõe desafios como o tráfego intenso de embarcações de carga, apoio portuário e miúdas (de pesca e lazer), que dificilmente respondem aos chamados no rádio. O prático Otavio Fragoso, da ZP-15, também aponta entre os desafios obstáculos naturais, como o estreitamento na entrada da barra, ou construídos, como a própria Ponte Rio-Niterói, e o fato de a maior parte dos canais ser uma monovia.
O prático Dracxler já precisou passar com um petroleiro por um dos vãos laterais da Ponte devido à presença de um pesqueiro no vão central. Segundo ele, somente em situações de emergência a passagem com navios transportando óleo pode ser feita pelos vãos laterais, destinados a embarcações de carga de menor porte. Por segurança, independentemente da carga, todo navio a partir de certo porte deve atravessar a Ponte com acompanhamento de rebocadores, bem como, aliás, todas as embarcações transportando carga explosiva ou inflamável.
– Nesse dia, eu estava com um petroleiro de médio para grande porte e tinha que usar o vão central. Em cima da hora, um barco de pesca apareceu. Tive que usar o vão lateral. O risco era menor do que tentar parar o navio de frente para a Ponte. Muito provavelmente haveria uma colisão. É uma situação incomum, mas a maioria dos práticos do Rio passou por isso ao longo da carreira – conta. – Temos problemas em acionar essas embarcações miúdas via rádio. O que fazemos é recorrer ao apito do navio. Na maioria das vezes, o marinheiro percebe que tem que sair do canal e consegue afastar o barco a tempo.
Além de poder causar mortes, danos ambientais e materiais, um acidente com grande navio impacta fortemente a economia. Na colisão contra a ponte em Baltimore, em março, o tráfego foi suspenso, e mais de 40 embarcações ficaram presas no porto, incluindo pequenas embarcações de carga, rebocadores e barcos de recreio. Pelo menos 30 outros aguardavam na baía para subir a Baltimore, fora os que já estavam a caminho em alto-mar.
Terminais na Europa ficaram abarrotados com carga para o destino. O porto é o mais profundo da Baía de Chesapeake, em Maryland, estando mais próximo do centro-oeste do que outros da costa leste, com cinco terminais públicos e 12 privados. Em 2023, movimentou 52,3 milhões de toneladas de mercadorias, no valor de US$ 80 bilhões. É o mais movimentado dos Estados Unidos em veículos, máquinas agrícolas e de construção; e está entre os recordistas em carvão.
No acidente, seis trabalhadores de manutenção da ponte morreram. A ação dos dois práticos a bordo, solicitando a interrupção do tráfego na via, evitou que o número de mortes fosse maior. Na última década, de acordo com o mais recente relatório publicado pela Safety and Shipping Review, da Allianz, avarias ou falhas de máquina durante a navegação responderam pela maioria (39%) dos incidentes com embarcações no mundo.
No Rio de Janeiro, o centro de operações da praticagem tem contato direto com a concessionária que administra a Ponte, para o caso de emergência informada pelo prático via rádio. Somam-se ao uso de rebocadores protocolos de controle de velocidade e verificações in loco do calado aéreo, limitado a 60 metros.
Segundo o vice-presidente da Praticagem do Brasil, Marcello Camarinha, prático atuante no Rio, há uma grande preocupação também no gerenciamento dos encontros (meeting) dos navios que trafegam sob a Ponte, para o norte e para o sul, pelos três vãos –no central, o trânsito ocorre nos dois sentidos; nos laterais, a mão é única em cada um (norte-sul e sul-norte).
Os efeitos das mudanças climáticas nas zonas de praticagem
Como práticos de diferentes regiões se adaptam para minimizar impactos nas operações
Apesar dos poucos dados sobre os impactos das mudanças climáticas nas áreas portuárias e nos canais de acesso, é perceptível alguma influência nas operações para quem há tanto tempo está na linha de frente das manobras de navios. Em menor ou maior escala, eventos antes atípicos ou menos frequentes passaram a exigir da praticagem adaptações e investimentos a fim de manter a segurança e eficiência do transporte marítimo. Rumos Práticos ouviu representantes de algumas zonas de praticagem (ZPs) e traz novas realidades enfrentadas pelos práticos em diferentes regiões.
Começando pela Amazônia, no período de seca em 2023, os rios atingiram os níveis mais baixos em 120 anos. De acordo com estudo do World Weather Attribution (WWA), a probabilidade de ocorrência de seca na região aumentou 30 vezes. E não é apenas pelo impacto do El Niño, fenômeno natural que torna o Norte e
Nordeste mais secos e quentes. O El Niño reduziu a quantidade de chuvas na região, aproximadamente, na mesma proporção que as mudanças climáticas, de acordo com o estudo. O aumento da temperatura – preponderante para a evapotranspiração da floresta – foi primordial, e não apenas a estiagem relacionada ao El Niño.
– O rio seco é palco propício para encalhes, e tivemos que intensificar nossas verificações batimétricas (levantamento das profundidades), reduzir o calado dos navios e a velocidade para diminuir os efeitos adversos de águas rasas. Além disso, foi necessário ajustar, junto à Marinha, as regras de frequência mínima de manobras por prático, para nos adequar a um menor número de embarcações em nossas águas – informa Adonis dos Santos, presidente da Cooperativa de Apoio e Logística aos Práticos da Zona de Praticagem 1 (Unipilot), que atua na Bacia Amazônica Oriental.
Fundeadouros lotados, especialmente em Itacoatiara (AM), foram reflexo da seca na região e exigiram mais perícia dos práticos nas fainas, segundo Adonis.
De acordo com o gerente geral da Manaus Pilots, Paulo Cesar Machado, muitas embarcações sequer vinham para Itacoatiara, permanecendo em Vila do Conde (PA). Na Zona de Praticagem 2 (Bacia Amazônica Ocidental), navios com maior calado só passam nos trechos críticos do Rio Amazonas no período diurno. São eles: a foz do Rio Madeira e a costa do Tabocal, entre Itacoatiara e Manaus (AM). Na época mais severa da seca, esses navios ficaram 40 dias sem poder atravessar esses trechos.
As baixas profundidades afetaram até os gaseiros de menor calado, obrigando a realização de operações ship to ship para transferência de carga. Normalmente, elas acontecem em Codajás (AM), no Rio Solimões, porém, com a seca histórica, foram necessárias em Itacoatiara, no Rio Amazonas.
A praticagem da ZP-2 também precisou aumentar a frequência e eficiência das sondagens para buscar passagens com mais água, assegurando um pouco mais de calado para os navios. Além disso, na seca, os armadores solicitam à atividade um serviço extra de batimetria na véspera da travessia, que possibilita encontrar pontos mais profundos para o navio atravessar mais carregado.
No Sudeste, o gerente de apoio técnico da Praticagem de São Paulo, o hidrógrafo Hélder Puia, percebe serem cada vez mais constantes mudanças climáticas repentinas em Santos, com ventos mais intensos (em 21 de março, foram registrados 72 nós, equivalentes a
133km/h) e ondas maiores. Ele está há 12 anos na praticagem, sendo responsável pela batimetria, oceanografia e meteorologia:
– Tivemos, em 2 de abril de 2023, uma onda com altura de 4,40 metros. E, em 31 de dezembro, pleno verão, ondas de 2,20 metros. Essas alterações têm sido mais frequentes, e nos preparamos para isso investindo em lanchas que permitam o embarque do prático em condições mais severas de mar, em previsão e em sensores ambientais, que fornecem as informações para as tomadas de decisão em relação à segurança das operações. Ao longo do Porto de Santos, temos cinco marégrafos, cinco estações meteorológicas, duas boias medidoras de altura e período de ondas e cinco correntômetros; com a finalidade de informar, em tempo real, os dados para o nosso Centro de Coordenação, Comunicações e Operações de Tráfego (C3OT).
Prático no estado do Rio de Janeiro (ZP-15) desde 1987, Otavio Fragoso diz que é perceptível o fato de que o mau tempo ficou mais extremo e frequente do que no passado, em linha com a análise dos especialistas em mudanças climáticas. Segundo ele, ao longo dos anos, houve mudanças expressivas nas condições meteorológicas da ZP, desde a alteração da data em que as condições do mar (vento mais forte e aumento da altura das ondas) se tornam piores:
– Antes, o mar era muito calmo durante os meses do verão (dezembro até o fim de março), com chuvas fortes eventualmente. Só tínhamos mau tempo com a chegada de frentes frias, em julho e agosto. Com o passar dos anos, o mau tempo se estendeu até setembro e depois, outubro. E, atualmente, temos frentes frias chegando até no verão e mar agitado mesmo em novembro. Até em dias de sol intenso e pouco vento local são frequentes condições de mar desfavoráveis criadas por ventos fortes em áreas mais distantes da costa. Nas bacias de Campos e Santos, os relatos das embarcações de apoio marítimo são de condições quase sempre desfavoráveis, com ventos e correntes fortes e ondas altas.
No Porto do Açu, onde a praticagem trabalha há menos tempo, apesar de ser a subzona de praticagem com condições mais hostis, ele já nota que, nos últimos anos, há menos dias de mar e ventos muito fortes, em comparação com o início da operação portuária.
– Uma mudança que comprova a deterioração das condições meteorológicas na ZP é o aumento progressivo das dimensões e características das lanchas de praticagem. Há 30 anos, usávamos lanchas de 30 pés. Hoje, não temos mais lanchas com menos de 40 pés. Elas têm deslocamento muito maior e são muito mais bem equipadas do que as antigas. Ainda assim, com equipamentos mais preparados, a minha impressão é de que temos mais dias em que a entrada e saída de navios sofrem restrições em função da meteorologia.
Assim como em São Paulo, a tecnologia no Rio permite um acompanhamento das condições, a partir de sensores ambientais e aplicativos.
– Uma ferramenta de grande utilidade na ZP-15 é o monitoramento, em tempo real, por meio de boias meteoceanográficas e outros sensores. Monitoramos parâmetros ambientais como direção e intensidade do vento, incluindo rajadas; direção e intensidade da corrente (em diferentes níveis ao longo da coluna d’água); altura, direção e período das ondas; altura do nível do mar; e visibilidade. Isso nos auxilia bastante nos instantes que precedem a manobra, bem como durante sua execução, agregando segurança. Também utilizamos ferramentas de previsão ambiental de diversos aplicativos, dentre os quais destaco o PAM (Previsão Ambiental Marinha), desenvolvido pelo Centro de Hidrografia da Marinha. Eles contribuem no planejamento das manobras – ressalta o prático e hidrógrafo Marcelo Fricks.
Em Paranaguá (PR), o monitoramento e a prontidão da praticagem evitaram um acidente com um porta-contêineres de 330 metros, em 21 de março. Cientes da entrada de uma frente fria forte naquele dia, o centro de operações e o primeiro prático da escala estavam em modo de espera e agiram rapidamente. Os cabos de proa arrebentaram com ventos de 50 nós, e o navio abriu para cima das pedras da palangana, a boreste, no Canal do Surdinho. Ao ser chamada pela embarcação, a praticagem acionou, remotamente, os rebocadores, evitando que a embarcação fosse em direção às pedras. Em menos de 15 minutos, o prático Victor Demaison subiu a bordo para controlar a situação.
Seguindo em descida para o Sul, em Itajaí (SC), os eventos climáticos têm se tornado cada vez mais intensos e difíceis de prever com certa antecedência, até mesmo por modelos consagrados e amplamente utilizados, observa Kelly Greicy, representante única do serviço de praticagem na ZP-21.
No último trimestre de 2023, eventos extremos com chuvas volumosas afetaram significativamente as atividades em todo o complexo portuário de Itajaí e Navegantes. No período, foram 30 dias de impraticabilidade total e outros 45 dias de praticabilidade com restrições, devido a algum fator ambiental (vento, corrente ou onda).
– Considerando os últimos dez anos na nossa região, enfrentamos desafios enormes de trabalho, em conjunto com as autoridades Marítima e Portuária, para o melhor aproveitamento de janelas de oportunidade de manobras dentro de riscos aceitáveis para a segurança da navegação. Nosso serviço se mantém atuante. Fazemos monitoramento real de corrente, vento, ondas e profundidade em intervalos curtos de tempo, para coletar dados que possibilitem análises e predições de janelas de oportunidade. Para isso, utilizamos lanchas dotadas de modernos equipamentos de ecobatímetro e um equipamento específico (HydroSurveyor) capaz de coletar dados de corrente e profundidade com muita acurácia – destaca Kelly.
A ZP-21 está localizada na foz do Rio Itajaí-Açu, sendo a navegação e as manobras realizadas em área muito restrita, sob forte influência
de fatores ambientais. Apesar dos desafios, o serviço consegue atender a navios de até 350 metros de comprimento e 52 metros de boca (largura), o que exige conhecimento e expertise da atividade. Portable pilot units (PPUs) – aparelhos portáteis de navegação eletrônica – são utilizados como auxílio no gerenciamento de riscos em quase todas as manobras. Além de equipamentos, a praticagem investe em estudos e simulações para que as tomadas de decisão sejam as mais assertivas e produtivas para o complexo portuário.
Na Lagoa dos Patos e nos seus afluentes, área da ZP-20, os fenômenos climáticos repercutiram nos últimos anos ocasionando cheias recordes (não tão frequentes) e períodos de seca (mais frequentes).
Se por um lado as cheias proporcionam maiores folgas abaixo da quilha dos navios, por outro, os práticos enfrentam correntes mais intensas e, regularmente, grande parte das quase 150 boias da hidrovia desaparece ou fica fora de posição. A praticagem atua em parceria com a concessionária da hidrovia para informar o posicionamento das boias e mantém ininterrupta a navegação, com auxílio de PPUs. Em maio, durante a enchente histórica que atingiu o Rio Grande do Sul, foi necessário declarar a impraticabilidade na ZP. A corrente mínima chegou a seis nós.
Nos períodos de seca, o problema são as poucas profundidades em trechos críticos. O conhecimento da área pelos práticos, os rotineiros debriefings após cada singradura e novamente os PPUs possibilitam navegar com precisão e segurança entre Rio Grande e Porto Alegre (e vice-versa).
– Adaptamos nossos trajetos variando as derrotas em busca de áreas mais profundas, navegamos com velocidade reduzida para atenuar os efeitos squat e de banco, e, de forma independente ou em conjunto com a Portos RS, realizamos batimetrias nos trechos mais rasos. Essa parceria com a Autoridade Portuária, liderada pela Marinha, tem se mostrado fundamental para manter a navegação segura e ininterrupta na Lagoa dos Patos e nos seus afluentes – destaca o prático José Bedran Simões, representante único do serviço na ZP.
ESTUDOS
Em 2023, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) deu um primeiro passo para suprir a carência de informações cujo desconhecimento pode comprometer a eficiência e regularidade das operações. Em parceria com o governo alemão, a agência concluiu um levantamento de risco climático para 21 portos públicos brasileiros e de suas medidas de adaptação para fazer frente aos impactos das mudanças do clima.
Em geral, os resultados indicam não haver um padrão de aumento ou diminuição do risco climático por região, pois, em uma mesma área geográfica, foi possível identificar portos com diferentes
níveis de risco climático para as ameaças de tempestade, vendaval e aumento do nível do mar.
Os vendavais foram os riscos que se mostraram críticos: sete dos 21 portos já apresentam risco alto ou muito alto, podendo passar para 16 no cenário de emissão RCP 8.5 para 2050 (cenário de alta concentração de gases do efeito estufa na atmosfera).
Para os riscos de tempestade e aumento do nível do mar, os resultados classificados como alto ou muito alto permaneceram inalterados ou com pouca variação. Para 2050, a projeção desses resultados – com relação a ambas as ameaças – inclui 11 portos.
No mesmo período e cenário de emissões, a região Nordeste foi a que apresentou mais portos com nível alto ou muito alto para os riscos de vendavais e tempestades, igualando-se ao Sul quanto ao de aumento do nível do mar.
Os pesquisadores tiveram dificuldade para avaliar as medidas já implementadas por alguns portos, "possivelmente devido à falta de monitoramento". De acordo com o estudo, uma pequena parcela dos portos adota medidas estruturais e não estruturais de resiliência. Por exemplo, atualmente, somente 28,57% deles abordam o tema no seu plano estratégico e realizam reuniões para discutir adaptações.
Em relação aos rios, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) lançou, em janeiro, a primeira edição do estudo Impacto da mudança climática nos recursos hídricos do Brasil. O Norte possui tendência de redução nas vazões e volumes médios de chuvas e a perspectiva de secas mais frequentes e intensas. Além da Marinha Mercante, essa situação afeta a mobilidade de comunidades mais isoladas, que dependem da navegação para se locomover e abastecer. O governo federal estuda medidas para minimizar os impactos.
A preocupação com as mudanças climáticas e suas consequências levou a Sociedade Brasileira de Hidrografia (SBHidro) a incluir o painel “O papel da hidrografia no monitoramento ambiental em benefício da navegação comercial” no Simpósio Brasileiro de Hidrografia, em junho.
– Os estudos sobre mudanças climáticas necessitam de um robusto conjunto de dados de longa escala temporal. O debate no painel contribui para realçar a relevância da implementação de medidas para aprimorar o monitoramento ambiental, tanto para efeitos imediatos quanto para subsidiar decisões de cunho estratégico de longo prazo, nas quais estão contidas as influências das mudanças climáticas – diz o contra-almirante Carlos Augusto Chaves Leal Silva, diretor técnico da SBHidro, associação sem fins lucrativos criada em 2019.
Uma mulher entre tantos marinheiros
Conheça
a história de Genny Souza, a ultramaratonista que pilota lanchas de porto e botes de amarração no Porto de Santos
Com a experiência que os 15 anos de profissão como marinheira da praticagem lhe deram, Genny Souza, de 51, desafia as águas no segundo porto da América Latina, em Santos (SP). Dedicação e perseverança são características que a tornaram emblemática numa função desafiadora em um universo predominantemente masculino.
Genny carrega bagagem que moldou sua jornada até aqui. Antes de sua imersão na praticagem, era vigilante no Porto de São Sebastião, ocupação que a mantinha longe de seus filhos, Manoel e Richelle, e das netas – Maria Alice, de 4 anos, e Valenttina, de 10 – seus xodós.
Desde então, ela alimentava o desejo de uma vida mais confortável e próxima da família. Ainda em São Sebastião, descobriu a atividade de marinheira. Lá, trabalhou por três anos, de forma terceirizada, auxiliando no embarque e desembarque de práticos e na conservação das lanchas de praticagem.
Sua transição para Santos, em 2008, foi uma mudança também de vida. Hoje, ela substitui colegas como mestre das lanchas que embarcam e desembarcam os práticos no porto e pilota os botes de amarração, que levam os cabos dos navios para dolphins, nos locais onde não há cais contínuo. Além disso, nas lanchas que embarcam e desembarcam os práticos fora de barra, Genny trabalha como segundo tripulante, auxiliando o prático da vez no embarque e desembarque do navio em movimento, pronta para atuar em seu resgate em caso de queda no mar.
O início não foi fácil. Após passar por um processo seletivo, enfrentou a desconfiança em um ambiente ainda dominado por homens. Mas sua determinação e a disposição conquistada com a prática de musculação e corrida – ela é ultramaratonista – a levaram além das expectativas. Os pesados cabos que precisa movimentar rotineiramente não lhe são empecilho.
– Já desloquei o braço pegando um cabo. Tenho dois pinos no ombro. Tem que ter jeito e, às vezes, há dificuldades como o vento. Mas estou 100% ótima, maravilhosa!
Genny não apenas conseguiu seu espaço como prosperou. Diz que se habilitou como marinheiro de convés (MNC), o que a capacita para pilotar as lanchas que embarcam e desembarcam os práticos fora de barra, em futuras oportunidades internas. Por ora, nessas lanchas, ela apenas auxilia no embarque e desembarque de práticos, o que é uma baita responsabilidade – já fez dois salvamentos de práticos que caíram no mar.
– A gente joga a boia da própria lancha para resgatá-los. É trabalhoso retirar uma pessoa do mar.
A profissional é ainda uma voz de encorajamento para as mulheres que aspiram a seguir seus passos em carreiras não tradicionais. Sua mensagem é clara: não há limites para o que uma mulher pode alcançar.
– Se você quer, você pode. Podemos ser tudo o que quisermos ser. Nós conquistamos nossos espaços – afirma ela, convicta.
A marinheira ressalta, entretanto, que é preciso jogo de cintura para lidar em um ambiente reativo a mulheres:
– Aprenderam a me respeitar.
Fora do Porto de Santos, Genny fortalece corpo e mente por meio das corridas de longa distância. Já fez prova de 75km e treina para
outra, de 100km. A introdução do esporte em sua vida começou por sugestão médica, como forma de evitar dores de cabeça frequentes:
– Fui mordida pelo bichinho da corrida. Amo correr. Me sinto ativa, mais bem disposta.
Entre os maiores desafios conduzindo lanchas de porto, cita as chuvas e a baixa visibilidade.
– Nenhum dia é igual a outro, assim como nenhuma manobra é igual a outra.
Paris é logo ali, mas Isaquias já mira
Los
Angeles
Após se mudar para Lagoa Santa (MG), onde treina, canoísta desiste da aposentadoria na França
O sonho de se tornar o maior atleta do Brasil pode estar a menos de dois meses do canoísta Isaquias Queiroz, que participará dos Jogos de Paris em busca de mais duas medalhas olímpicas. Atualmente, são quatro: ouro em Tóquio, em 2020, e duas pratas e um bronze no Rio de Janeiro, em 2016. Notícia melhor é que, ainda que alcance seu objetivo, ele poderá ir mais longe, já que os planos de aposentadoria ficaram para depois: só vai pendurar os remos após a Olimpíada de Los Angeles, em 2028.
Apoiado pela Praticagem do Brasil desde o ciclo preparatório para Tóquio – quando saiu com o ouro na prova C1 1000m –, ele está na reta final dos treinos para a capital francesa. As provas de canoagem velocidade C1 1000m e C2 500m, em que fará dupla
com parceiro ainda não definido, estão previstas para agosto. Até lá, o objetivo é intensificar o treinamento e chegar mais leve, por orientação do técnico Lauro de Souza Júnior, porém, sem perder força e resistência. A perda de peso foi a estratégia pensada para obter mais um diferencial, já que alcançou níveis excepcionais de velocidade.
– O Lauro falou: 'Já temos um barco rápido, você já rema bem... O jeito agora é a gente tentar baixar mais o peso para andar o mais rápido possível' – diz o atleta, com 30 anos. – Em Tóquio, eu estava com 84kg. O planejamento é chegar aos 82kg. Estou melhor do que no Japão em relação à resistência e força. A possibilidade de repetir o resultado (em Paris) é bem grande.
O otimismo não é à toa. A carga de treinos em Lagoa Santa, Minas Gerais, onde Isaquias mora com a família, está mais intensa do que nunca. Em Paris, no C2 500m, a estratégia será nova. O atleta ficará na frente da canoa, dando mais velocidade, enquanto seu parceiro estará atrás, conduzindo a embarcação. A ideia é que, daqui a quatro anos, em Los Angeles, as posições se invertam e um atleta mais jovem assuma a dianteira.
– Nestes últimos dois meses (março e abril), foi foco total. Refizemos o que chamamos de histórico de treinamentos que temos desde 2013, para evoluir o máximo que der. A gente vai chegar a Paris da melhor forma possível. Pelo investimento que temos, esperamos um bom resultado – aposta Isaquias, lembrando que a concepção de treinos é do seu mentor e antigo técnico, o espanhol Jesús Morlán, que morreu em 2018 após perder batalha contra um câncer.
A proximidade com a família tem sido um combustível a mais. Em 2023, após uma tentativa de morar na Bahia, onde ele nasceu e estavam sua mulher, Laina Guimarães, e o filho, Sebastian, com seis anos, o atleta se decepcionou com a falta de apoio dos governantes e decidiu voltar para onde se sentia mais acolhido: Lagoa Santa. Foi treinando nessas águas, aliás, que ele recebeu a notícia de que seu segundo herdeiro, Luigi, estava para nascer, em 4 de agosto do ano passado. O caçula, assim como Sebastian, nasceu em Belo Horizonte.
– Meus melhores resultados foram depois que eu tive a minha família. De 2017 para cá, com Laina e Sabastian, foi a minha melhor evolução.
Em Paris, a força da família estará com Isaquias. Na última Olimpíada, por conta da pandemia, não foi permitido levá-la.
– Quero que os três estejam lá em Paris me vendo brigar pela medalha e, com fé em Deus, subirei no pódio para ouvir o hino nacional, para eles aproveitarem esse momento comigo.
Em Los Angeles, os meninos também poderão ver o pai no pódio. O revés na Bahia fez Isaquias adiar a aposentadoria.
– Achei que Paris fosse a última Olimpíada porque eu queria voltar para a Bahia, de onde saí com 15 anos (para treinar na seleção). Mas não tive o apoio que merecia no meu estado. E, em Lagoa Santa, o pessoal me valoriza bastante. Então, decidi voltar para cá e falei: 'Amor, se eu voltar, vou até Los Angeles' – conta o baiano de Ubaitaba.
De volta a Minas, ele comprou duas casas, se instalou definitivamente, agora também com a mãe por perto, e foi à luta. Em sua primeira competição internacional neste ano, no começo de maio, conquistou duas medalhas de ouro na Copa do Mundo na Hungria, nas provas C1 500m e C1 1000m. A disputa foi uma boa oportunidade de o brasileiro observar a evolução daqueles que serão seus adversários, já que serviu de seletiva para os europeus irem a Paris.
No Brasil, seis atletas da seleção treinam para o C2 500m, prova para a qual o país garantiu duas duplas na França. Pelo desempenho, uma das quatro vagas é de Isaquias, que também disputará o C1 1000m.
– A nossa seletiva é dentro do treinamento. O atleta que estiver treinando melhor, se dedicando mais, vai para a Olimpíada. O Lauro vai querer botar nos barcos o mais rápido com o que pilota melhor – explica o campeão olímpico.
No C1 1000m, os principais rivais do brazuca são o tcheco Martin Fuksa, o romeno Catalin Chirila e o alemão Sebastian Brendel, adversário e amigo em quem Isaquias se inspirou para dar nome ao primeiro filho.
Quando voltar ao Brasil depois dos Jogos, o atleta planeja visitar a praticagem, como fez quando retornou de Tóquio com o ouro no pescoço. Ele e Laina estiveram no centro de operações do Rio de Janeiro e acompanharam o embarque de um prático na Baía de Guanabara.
– A praticagem acredita no meu trabalho há bastante tempo. Nada melhor do que ganhar, ir na empresa, levar a medalha e ver os funcionários.
Por aqui, a torcida será grande, Isaquias. Adiante, com força e coragem!
LEI DOS PORTOS
DIRETORA DO INSTITUTO PRATICAGEM DO BRASIL ESTÁ NA COMISSÃO QUE
REVER LEGISLAÇÃO
A diretora-executiva do Instituto Praticagem do Brasil, Jacqueline Wendpap, integra a comissão especial instalada pela Câmara dos Deputados para revisar a Lei dos Portos no 12.815, em vigor há quase 11 anos. Até o segundo semestre, o grupo de 15 juristas deverá debater e apresentar proposta de revisão do arcabouço que regula a exploração direta e indireta, pela União, de portos e instalações portuárias. O ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Douglas Alencar Rodrigues, preside a comissão, que tem como relator o desembargador do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2a Região (SP), Celso Peel. O grupo solicitou sugestões à Praticagem do Brasil.
MULHERES
VAI
NOTA DE REPÚDIO CONTRA ASSÉDIO E IMPORTUNAÇÃO SEXUAL
CONDOLÊNCIAS
Em março, a Praticagem do Brasil emitiu nota ao tomar conhecimento do caso da oficial de um navio vítima de assédio e importunação sexual por parte de tripulantes de outra embarcação. O episódio registrado em delegacia ocorreu no dia 9, no Porto de Chibatão (Manaus), quando ela e os tripulantes estrangeiros eram levados dentro de um veículo da portaria para o píer onde seus navios estavam atracados.
A Praticagem do Brasil prestou solidariedade à oficial e repudiou qualquer ato do tipo contra as mulheres. A Convenção do Trabalho Marítimo (MLC), ratificada por mais de 90 países, ressalta que todo profissional tem direito a um local de trabalho seguro e protegido.
NOTA DE PESAR PELO FALECIMENTO DE PRÁTICOS
A Praticagem do Brasil lamenta profundamente o falecimento do prático Bruno Senna, em 2 de fevereiro, e do prático Marco Antonio Martins, em 8 de abril. Ambos desempenharam a atividade com proficiência e zelo, protegendo os rios da Bacia Amazônica Oriental (Zona de Praticagem 01). Prestamos nossas condolências a familiares e amigos desses queridos profissionais.
SAÚDE MENTAL
ASSOCIAÇÃO DE PRÁTICOS DO REINO UNIDO LANÇA O PROGRAMA PORTO SEGURO
A Associação de Práticos Marítimos do Reino Unido (UKMPA) lançou o programa de apoio à saúde mental "Porto Seguro" para lidar com problemas relacionados ao trabalho ou circunstâncias gerais. "Durante o meu tempo de trabalho no mar, testemunhei colegas lutando com sua saúde mental, mas sentindo-se incapazes de se abrir, devido ao estigma e às atitudes negativas em torno do assunto. Acredito fortemente que esses dias ficaram para trás e que devemos nos sentir livres para discutir abertamente essas questões e nos apoiar mutuamente em tempos difíceis, na esperança de evitar que a condição se agrave. Casos recentes demonstraram que falar com um colega ou alguém de fora do trabalho pode ajudar significativamente no processo, prevenir a ansiedade e, possivelmente, a depressão que pode afetar os envolvidos após um incidente ou acidente", ressalta o prático James Musgrove.
SOLIDARIEDADE
AÇÕES EM PROL DA POPULAÇÃO DO RIO GRANDE DO SUL
A Praticagem do Brasil adotou uma série de ações em prol dos desabrigados da enchente no Rio Grande do Sul. Além de donativos, a atividade decidiu conceder desconto no preço do serviço aos navios da cabotagem carregando ajuda humanitária, proporcional ao volume da contribuição. Se o navio carregar 10% de ajuda no total transportado, por exemplo, esse será o desconto. Por meio da base aérea de Brasília, também foram encaminhados às vítimas 11,6 toneladas de água mineral e milhares de itens como roupas de cama e banho, material de higiene pessoal, alimentos e ração para pet. A atividade apoiou ainda a distribuição de cerca de seis mil quentinhas em Canoas, por meio de ação voluntária do Rotary Club Empreendedor. As praticagens locais ou os práticos individualmente também colaboraram.
BOMBOU NAS REDES
PARCERIA
O vídeo publicado em parceria com a comandante Simone Lopes e a oficial Rafaela Acioly, destacando a importância do trabalho do prático a bordo, já tem 92 mil visualizações e quase quatro mil curtidas no Instagram. A publicação alcançou 70% de não seguidores do perfil da Praticagem do Brasil, cumprindo o objetivo de levar conhecimento sobre a atividade. Agradecemos à dupla a produção do vídeo e ao prático do Rio de Janeiro Marcelo Seixas, a participação na filmagem do MPX – troca inicial de informações entre prático e comandante, antes do início da manobra.
PARCERIA 2
Outro vídeo publicado em parceria, com boa audiência no Instagram da Praticagem do Brasil, mostra o embarque do prático Rômulo Sobral em Paranaguá, desde sua saída da lancha. Ele mantém na rede a página @welcomemrpilot, na qual traz cenários do seu trabalho como prático nos portos do Paraná. A filmagem foi feita em take único com câmera montada no capacete. A publicação nos dois perfis já tem quase 21 mil visualizações e mais de mil curtidas.
SP EM FOCO
Também tiveram destaque, no período, dois vídeos sobre a atuação da Praticagem de São Paulo. O primeiro alcançou 53 mil usuários e revela como é o percurso feito pelos navios de 366 metros que atracam no Porto de Santos. Já o segundo focaliza a intervenção da equipe de praticagem – práticos, operadores e marítimos – para evitar um acidente com porta-contêineres de 300 metros. Os cabos de amarração foram rompidos após ventos de cerca de 100km/h, e a embarcação ficou perpendicular ao cais, quase à deriva, exigindo prontidão e agilidade dos profissionais. O alcance da publicação foi de 38 mil usuários.
INSTITUTO PRATICAGEM DO BRASIL, UMA FERRAMENTA PARA O PAÍS AVANÇAR
Novas operações e instalações portuárias avaliadas em simuladores de alta tecnologia. Venha nos conhecer.
Já tem data o 2o Seminário Planejamento Portuário. O evento será realizado no dia 3 de setembro, novamente no centro de convenções do hotel Prodigy, instalado no Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro.
A primeira edição, em 2023, reuniu mais de 200 pessoas, entre representantes de universidades, empresas e da comunidade portuária. Em quatro painéis, o evento abordou as recomendações internacionais para elaboração de projetos portuários ou alterações nos portos existentes.
Os tópicos estão reunidos no livro Planejamento portuário – recomendações para acessos náuticos, editado pela Praticagem do Brasil e disponível em praticagemdobrasil.org.br, na seção Publicações.
Em breve, divulgaremos a programação e mais informações.