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ECONOMIA BRASILEIRA
by CNseg
Análise Conjuntural
Não tem sido fácil determinar com precisão – seja no Brasil, seja na maioria das economias do mundo – em que momento do ciclo econômico estamos. Há poucas dúvidas de que fatores como a inflação alta, as políticas monetárias mais restritivas, a persistência de alguns choques de oferta (agravados pela extensão da guerra entre a Rússia e a Ucrânia) e a redução do nível de atividade econômica chinesa provocarão uma desaceleração da economia mundial entre o segundo semestre deste ano e o ano que vem. As projeções do FMI (Fundo Monetário Internacional) para o crescimento da economia mundial foram significativamente reduzidas no último relatório WEO (World Economic Outlook)1 tanto para 2022 quanto para 2023. Segundo os economistas do Fundo, tal redução reflete a estagnação esperada do crescimento nas três maiores economias do mundo - Estados Unidos, China e Zona do Euro - com consequências importantes para as perspectivas globais.
1 https://www.imf.org/en/Publications/WEO
Fonte: World Economic Outlook (Fundo Monetário Internacional)
No entanto, muitos indicadores ainda apontam em direções opostas, dificultando o trabalho dos formuladores de política econômica. Nos EUA, por exemplo, dois trimestres consecutivos de queda no PIB (0,4% no primeiro trimestre e 0,2% no segundo, de acordo a primeira estimativa oficial do US Bureau of Economic Analysis) convivem com um mercado de trabalho extremamente apertado, que sofre com a falta de trabalhadores – entre outros fatores, pela redução do fluxo migratório ao país.
Depois do choque sem precedentes e simultâneo de oferta e demanda da pandemia da Covid-19, no início de 2020, houve rápida reação dos governos. Consequentemente, a recuperação da economia mundial foi mais forte do que se imaginava, pressionando cadeias globais de produção e alimentando um processo inflacionário que, agravado com o aumento dos preços de energia este ano, levou a inflação ao consumidor em países centrais aos níveis mais altos em quatro décadas. Vivemos, de certa maneira, uma espécie de “ressaca” da forte recuperação global. Tal quadro, em que a atividade começa a desacelerar com a inflação ainda bastante alta, trouxe de volta debates sobre um possível quadro de estagflação global: redução do nível de atividade sem que a inflação ceda, como geralmente ocorre. Ainda que o mais provável seja um quadro de inflação alta com desaceleração (não recessão) econômica, esse ainda é cenário negativo e desafiador. No Brasil, onde o Banco Central começou a apertar a política monetária mais cedo, em março do ano passado – muito antes, portanto, das autoridades monetárias das economias centrais –, podemos começar a estar vendo os primeiros sinais de desaceleração dos preços nos índices mais recentes, ainda que a maior parte desse arrefecimento possa ser atribuído aos efeitos das medidas recentemente aprovadas no Brasil para conter a alta dos preços dos combustíveis, com reduções nas alíquotas de ICMS (PLP nº 18/22, que definiu combustíveis, energia, transportes coletivos, gás natural e comunicações como bens essenciais, estabelecendo o teto máximo de 17% para a cobrança de ICMS pelos estados). O Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI) caiu 0,38% em julho, levando a alta em 12 meses para 9,13%. A variação do IPC (Índice de Preços ao Consumidor), componente do IGP que tem estrutura de ponderação semelhante ao IPCA, teve deflação forte de 1,19%. Já o IPCA no mesmo mês apresentou deflação de 0,68%. Com isso, o acumulado em 12 meses passou de 11,89% para 10,07%. Como esperado, destacou-se a deflação da energia elétrica (5,78%) e da gasolina (15,48%). O resultado do IPCA teria sido ainda mais baixo não fosse a forte alta do grupo Alimentação e Bebidas, que subiu 1,30% por conta da inflação do preço do leite e derivados. Mas há sinais de que o forte ajuste monetário também começa a fazer efeito nos preços mais sensíveis à política monetária: núcleos
e índices de difusão, apesar de ainda estarem em patamares altos, desaceleraram. O mesmo ocorreu com os serviços subjacentes. As projeções dos analistas para o resultado de agosto são de nova deflação, ainda que de menor intensidade.
Além das medidas para conter a inflação, foram tomadas outras para aumentar as transferências de renda até o final deste ano, sendo a principal delas a PEC 1/2022 (também conhecida como das “Bondades”), que aumenta o Auxílio-Brasil para R$ 600, eleva de R$ 53 para algo em torno de R$ 120 o vale-gás, implementa o chamado “Pix Caminhoneiro” e cria auxílio para taxistas. O custo é de cerca de R$ 42 bilhões (fora do teto de gastos), possíveis graças à decretação do regime de emergência.
Os impactos de todas essas medidas permanecem distintos no curto e no longo prazo. Tanto a inflação quanto o crescimento do PIB tendem a melhorar no curto prazo, mas têm seus resultados comprometidos de 2023 em diante. As projeções mais recentes do Focus mostram isso com clareza. Nas últimas semanas, o crescimento projetado para 2022 subiu para 1,98%. Para o ano que vem, entretanto, tem caído há várias semanas, chegando a apenas 0,4%. Por outro lado, as projeções para o IPCA fazem movimento contrário: caíram para 7,15% em 2022, mas subiram para 5,33% em 2023. É importante lembrar que a meta de inflação para o ano que vem é 3,25%, como definido pelo CMN (Conselho Monetário Nacional), com bandas de tolerância simétricas de 1,5p.p. Ou seja, a projeção de inflação para o ano que vem já está acima do teto da meta, de 4,75% e continua a subir. Indicadores tradicionais da confiança na política fiscal, como os juros futuros e os indicadores de risco País, apresentaram grande volatilidade nas últimas semanas.
A percepção de política fiscal mais folgada e as expectativas para inflação em 2023 em deterioração fizeram com que o Banco Central, na reunião de agosto do Copom, não apenas aumentasse a Selic em 0,50 p.p. – como esperado, levando os juros básicos a 13,75% – como deixasse em aberto a possibilidade de mais um aumento na próxima reunião, em setembro, o que não era esperado pela mediana do mercado. A excepcional incerteza sob a qual tem agido a autoridade monetária deve torná-la, como vimos analisando desde pelo menos junho, mais data-dependent, ou seja, menos comprometida com uma trajetória futura específica para a política monetária e mais reativa aos dados conforme forem sendo divulgados. Ainda que o Copom tenha deixado claro que os juros devem permanecer em patamar alto por bastante tempo, os resultados do IPCA de julho e o tom da Ata mais recente estreitaram a janela para mais um aumento. Até a reunião de setembro, porém, a divulgação de dados de atividade e de inflação pode alterar tal cenário.
Essa postura mais dependente dos dados tem sido, de certa forma, a mesma do Fed e do BCE, ainda que o posicionamento mais duro das autoridades monetárias dos EUA e da
Zona do Euro seja mais recente (muitos analistas consideram, inclusive, que estiveram behind the curve por muito tempo, isto é, atrasados em sua reação, no jargão do mercado). A incerteza, afinal, não tem sido exclusividade do Brasil, como mostram os dados do Índice “Economic Policy Uncertainty Index”2 , que calcula o nível de incerteza a que estão sujeitas as políticas econômicas em diversos países, inclusive no Brasil:
Índice Mundial de Incerteza da Política Econômica
No último relatório WEO, citado no início deste texto, há até cenários em que a economia de diversos países pode sofrer impactos inéditos por conta da inquietação social que os altos preços de energia e alimentos podem causar. O acordo que permitiu a retomada – ainda que lenta – das exportações
Fonte: Economic Policy Uncertainty
de grãos e fertilizantes pelos portos ucranianos no Mar Negro pode ajudar a evitar esse cenário mais crítico e já se verifica queda nos preços das principais commodities, mas a continuidade das hostilidades pode manter a pressão sobre os preços nos próximos meses.
2 https://www.policyuncertainty.com/index.html