Jornal da Psicologia - Edição 101

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JORNAL DA

psicologia Conselho Regional de Psicologia - Minas Gerais

um perfil da profissão ÉTICA e trabalho Coluna é o mais novo canal de contato com as Comissões de Ética e de Orientação e Fiscalização

judicialização

Na busca de soluções para problemas acerca do trabalho de psicólogas e psicólogos

ANO 29 - NÚMERO 101 - JULHO DE 2015 4ª Região Minas Gerais


EDITORIAL O jornal do CRP-MG chega com muitas mudanças. O 101º número traz nome, projeto editorial e projeto gráfico reformulados. O título, que era Jornal do Psicólogo, com a flexão de gênero no masculino, passa a ser Jornal da Psicologia, numa marcação genérica e na tentativa de dar visibilidade a um dado muitas vezes despercebido: somos uma profissão composta nacionalmente por 89% de mulheres. Em Minas Gerais, as mulheres são 85,4%, conforme veremos na matéria principal, que traz um perfil da profissão. O projeto gráfico busca leveza e mais camadas de informação. O jornal, porém, não esquece os temas complexos que nos interpelam: mantém a coluna sobre ética e atuação profissional, discute judicialização do trabalho no SUS e no Suas, os desafios para as 30h e traz artigo sobre as propostas de redução da maioridade penal. A matéria principal traz um perfil da profissão e destaca, também, a interiorização da profissão e o crescente acesso da população aos serviços de Psicologia. Durante o período em que o Jornal não foi editado, o CRP-MG recebeu inúmeros contatos de profissionais interrogando-nos sobre o JP, o que nos trouxe certeza da necessidade de manter a publicação impressa. Como parte do conjunto de ferramentas de contato, interação e voz dos profissionais de Psicologia, ao lado de atividades, eventos, reuniões e também da internet, dos programas de rádio e dos boletins on-line, o Jornal da Psicologia reafirma-se como canal importante de comunicação entre psicólogas e psicólogos na gestão do Conselho. É nesta perspectiva que, com esta edição, damos início à campanha estadual “Pela Valorização da Profissão”, apresentando à categoria e à sociedade em geral as diversas possibilidades e potências da Psicologia, ao mesmo tempo em que convocamos a todas e a todos a construir a Psicologia que queremos.

EXPEDIENTE MINAS GERAIS (CRP-MG) R. Timbiras, 1532, 6º andar • Lourdes CEP: 30140-061 • Belo Horizonte/MG Tel: (31) 2138.6767 / Fax: (31) 2138.6763 E-mail: crp04@ crp04.org.br Site: www.crpmg.org.br SUBSEDES Centro-Oeste • Divinópolis Telefone: (37) 3213-8930 E-mail: centrooeste@crp04. org.br Leste • Governador Valadares Telefone: (33) 3225.0475 E-mail: leste@crp04.org.br Norte • Montes Claros Telefone: (38) 3221.7720 E-mail: norte@crp04.org.br Sudeste • Juiz de Fora Telefone: (32) 3215.9014 E-mail: sudeste@crp04.org.br Sul • Pouso Alegre Telefone: (35) 3423.8382 E-mail: sul@crp04.org.br Triângulo Mineiro • Uberlândia Telefone: (34) 3235.6765 E-mail: uberlandia@crp04. org.br

JORNAL DA PSICOLOGIA Informativo do Conselho Regional de Psicologia Minas Gerais (CRP-MG) XIV Plenário (Gestão 2013-2016) DIRETORIA Conselheiro Presidente Roberto Chateaubriand Domingues Conselheiro Vice Presidente Ricardo Figueiredo Moretzsohn Conselheira Tesoureira Marília de Oliveira Conselheira Secretária Elaine Maria do Carmo Zanola D. de Souza CONSELHEIROS André Amorim Martins; Anna Christina da Cunha M. Pinheiro; Aparecida Maria de Souza B. Cruvinel; Celso Renato Silva; Cláudia Aline Carvalho Espósito; Cláudia Natividade; Dalcira Ferrão; Deborah Akerman; Délcio Fernando G. Pereira; Eliane de Souza Pimenta;

Elizabeth de Lacerda Barbosa; Eriane Sueley de Souza Pimenta; Érica Andrade Rocha; Felipe Viegas Tameirão; Helena Abreu Paiva; Leila Aparecida Silveira; Madalena Luiz Tolentino; Marcus Macedo da Silva; Maria da Conceição Novaes Caldas; Maria Tereza de Almeida G. Nogueira; Marisa Estela Sanabria Bourman; Odila Maria Fernandes Braga; Stela Maris Bretas Souza; Túlio Louchard Picinini Teixeira Comissão Editorial: Aparecida Maria de Souza B. Cruvinel, Claudia Natividade, Eliane de Souza Pimenta e Ricardo Figueiredo Moretzsohn Gerente de Comunicação: Nathalia Monteiro (CRPRP 3ª Região – 2154) rp@crp04. org.br Assessora de Comunicação: Cristina Ribeiro ascom@crp04.org.br

Estagiários de Comunicação: Mylena Ferreira Lacerda, Roberta Gregório de Souza Novaes, Marcus Patrícius Valeriano, Luana Oliveira Mapa Edição Gráfica: SRS CRIAÇÃO E PRODUÇÃO / Victor da Mata victor@victordamata.com.br Jornalista Responsável: Priscila Carvalho (MTB 35388SP) Reportagem: Aline Diniz, Lucas Simões e Raul Gondim (Quebra Coletivo de Comunicação), Cristina Ribeiro (CRP-MG) Fotografias: p. 6 a 12 e p.15 a 18: Gabriel Nogueira; p.4: Ascom/CFP e p.19: Ascom/CRP-MG Revisão: Carolina Magalhães Gráfica: Gráfica e Editora O Lutador Tiragem: 32 mil exemplares Leia o Jornal da Psicologia também em versão digital no site www.crpmg.org.br


direitos trabalhistas

DEMANDA PELAS 30 HORAS SEGUE VIVA EM MINAS PL das 30h foi vetado no final de 2014, mas servidores públicos de MG podem ter menor carga horária regulamentada em 2016. Sindicato estuda alternativas para aliviar jornada exaustiva

A carga horária máxima de 30h é recomendada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) para todos os trabalhadores da área da saúde, tendo em vista as situações de estresse características destas profissões. O exercício diário da Psicologia envolve alta carga emocional e rotina de estudos que contribuem consideravelmente para o tensionamento da saúde mental e da qualidade de vida da psicóloga e do psicólogo. No Brasil, as 30h já são garantidas para profissionais da Saúde em alguns estados como São Paulo, Pernambuco, Maranhão e Sergipe. Em Minas Gerais, esta era a carga horária regulamentada para todos os trabalhadores da rede hospitalar estadual até 2008, quando a Lei 17.618, de autoria do governo de Minas Gerais, definiu a jornada de 40h como regra para todos os concursados da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG). No início de 2015, negociação entre o recém-eleito governador e o Sin-

dicato Único dos Trabalhadores da Saúde de Minas Gerais (Sind-Saúde/MG) terminou com a promessa de que as 30h voltarão a ser adotadas como regra geral na rede FHEMIG a partir de 2016.

MOBILIZAÇÃO NACIONAL CONTINUA Para Enildo Calixto, presidente do Sindicato dos Psicólogos de Minas (Psind-MG) e representante mineiro da Federação Nacional dos Psicólogos (Fenapsi), o próximo passo para dar continuidade à discussão das 30h para a Psicologia é elaborar, com o Ministério da Saúde, uma alternativa ao veto dado ao PL 3338/2008. Uma negociação que já está acontecendo, mas sem prazo definido. A construção de um acordo coletivo garantindo a redução da jornada de maneira escalonada, a exemplo do que aconteceu com os profissionais da Enfermagem, seria um caminho possível. 3


direitos trabalhistas

O CRP-MG segue ao lado do sindicato dos Psicólogos de MG e da Fenapsi, realizando articulações e lutando para que psicólogas e psicólogos tenham suas jornadas de trabalho reduzidas. “O Conselho repudia a manutenção do veto”, afirma a conselheira Eliane Pimenta.

DIFÍCIL IMPLEMENTAÇÃO Enfermeiros e assistentes sociais estão entre os profissionais que conseguiram conquistar as 30h. A implementação, no entanto, ainda é um desafio, de acordo com Maykel Calais, diretor do Conselho Regional de Serviço Social de Minas Gerais (CRESS-MG). “Os empregadores públicos, dos níveis federal, estadual e municipal, ainda resistem em adequar a jornada para 30h. No nível jurídico, o cumprimento da lei tem sido cobrado, mas muitas vezes os órgãos públicos utilizam de recursos como o uso de cargos genéricos para alegar a não obrigação”, afirma.

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direitos trabalhistas

EM TEMPO DE TERCEIRIZAÇÃO, 30H SÃO DESAFIO AINDA MAIOR Cenário é de questionamento de direitos dos trabalhadores

Desde 2008, tramitava no Congresso Nacional o Projeto de Lei 3338, que propunha a redução da jornada de trabalho de psicólogas e psicólogos para 30h semanais sem redução salarial. Após aprovação na Câmara dos Deputados e no Senado, o PL foi vetado pelo executivo federal em novembro de 2014, sob a justificativa de que a mudança traria impacto muito grande para os cofres municipais e para o atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS). Meses após o veto, em abril deste ano, foi aprovado pela Câmara dos Deputados o PL 4330, que permite a terceirização da mão de obra de todos os trabalhos de uma empresa, inclusive da atividade principal. O PL precisa ainda ser votado pelo Senado e seguir para a sanção presidencial. O veto ao PL 3338 e a aprovação do PL 4330 são peças de uma mesma conjuntura de repetidos ataques aos direitos trabalhistas, que pode aprofundar a precarização do

trabalho no Brasil. Também fazem parte deste contexto medidas provisórias que dificultaram o acesso a abono salarial, seguro desemprego e auxílio doença. “Hoje, a precarização do trabalho – vide a terceirização generalizada – atinge o servente de pedreiro, o educador, o jornalista, o psicólogo. Resistir é preciso se quisermos retomar o lugar de sujeitos de nossa história”, pontua o psicólogo José Newton Garcia de Araújo, professor na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e especialista em Psicologia do Trabalho.

TERCEIRIZAÇÃO JÁ AFETA PSICOLOGIA Menores salários, maiores jornadas, mais acidentes de trabalho, altas taxas de rotatividade, denúncias de trabalho análogo à escravidão. Para Daniela Muradas, professora de Direito do Trabalho da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), são

muitos os malefícios possíveis pelo projeto que regulamenta a terceirização, o PL 4330. “Além da quebra geral do bem-estar social, é preciso destacar que a terceirização estabelece a invisibilidade social dos trabalhadores terceirizados, perturbando referências de construção de identidade na perspectiva social, com a criação de uma cidadania de segunda categoria”, analisa a especialista.

Na Psicologia, a terceirização ocorre até mesmo na execução de políticas públicas. Segundo Letícia Gonçalves, do Sindicato dos Psicólogos de MG, os vínculos empregatícios precarizados são prática comum. “Existem programas (do Estado) que não são fixos e a gestão pública utiliza deste argumento para não fazer concurso, nem fazer uma contratação pela CLT”, ressalta.

“O exercício da Psicologia prevê um estudo constante por parte de uma categoria que é, a todo momento, convocada a responder questões complexas e que muitas vezes não possuem resposta. Essa formação exige um tempo que leva o profissional a adoecer, pois ele não nega a necessidade de se formar e ainda precisa dar conta da jornada de 40h”, Letícia Gonçalves, do Psind-MG. 5


especial jornal 101

UM PERFIL DA PROFISSÃO O número de psicólogas e psicólogos no Brasil cresceu 5 vezes nos últimos 30 anos. Minas concentra 31 mil profissionais. A presença no interior do estado aumentou, e as áreas de atuação diversificaram-se Há 20 anos, seria difícil imaginar profissionais da Psicologia em consultórios de rua ou trabalhando com esporte. Em pleno 2015, porém, psicólogas e psicólogos brasileiros se fizeram necessários em diversos ramos de atuação. A categoria tem, atualmente, forte presença nas políticas públicas – 28% do total de profissionais mulheres, segundo levantamento do Conselho Federal de Psicologia (CFP) de 2012 – e exerce variada gama de especialidades. Em todo o Brasil, 257 mil psicólogas e psicólogos estão concentrados no Sudeste, sendo Minas Gerais o terceiro estado com maior número de profissionais, aproximadamente 31 mil, segundo dados da página do CFP atualizados em março de 2015. Só entre 1988 e 2009, o número de psicólogas e psicólogos brasileiros aumentou 475%, enquanto em Minas Gerais o índice desses trabalhadores cresceu 566% no mesmo período, bem acima da média nacional. Outro fator curioso é que, enquanto 80% dos profissionais brasileiros estavam nas capitais em 1970, em 6


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2009 esse quadro se inverteu bruscamente: 52% atuam no interior e apenas 48% trabalham nas capitais, segundo estudo do Sistema de Conselhos de Psicologia de 2009. Em 1988, havia apenas quatro áreas de trabalho da Psicologia no Catálogo Brasileiro de Ocupações (CBO): clínica, organizacional, escolar e docência. Entre 1994 e a lista atual, foram incluídos psicanalista, psicólogo hospitalar e neuropsicólogo. Hoje, o Ministério do Trabalho regulamenta 12 atividades. Nesse contexto amplo, a psicóloga Regina Helena de Freitas Campos, professora titular de Psicologia da Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), formada nas primeiras turmas do curso nessa

universidade, nos anos 1960, explica que o salto do número de profissionais da área no país, aliado a fatores como a entrada da Psicologia em políticas sociais e de saúde, abriram novas portas à categoria. “A profissão conseguiu se impor. Nos anos 70, por exemplo, quando eu era recém-formada, não havia emprego na saúde pública. Alguns colegas foram para a universidade, outros se dedicaram à clínica”, relata. Ela avalia que, aos poucos, a profissão se expandiu para a área pública como uma necessidade na saúde e na área social, principalmente, a exemplo do trabalho com crianças e adolescentes. “Além disso, foram desenvolvidas novas formas de pensar e de se aplicar a clínica, muito além do consultório físico.”

IN TE R IO R IZA Ç Ã O PSICÓLOGAS E PSICÓLOGOS NO BRASIL E EM MINAS GERAIS:

INTERIORIZAÇÃO (BRASIL): 120%

300 mil

100%

250 mil

80%

200 mil Minas Gerais

150 mil

Brasil

100 mil

Interior

40%

50 mil

20%

0

0 1987

Capital

60%

2009

1970

2015

Fonte: Sistema de Conselhos de Psicologia e Conselho Federal de Psicologia (CFP) *Número no Brasil foi multiplicado por 4,75 vezes em menos de 30 anos. Em Minas, o crescimento foi de 5,6 vezes.

Fonte: Sistema Conselhos de Psicologia, 2009

Fonte: Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais (CRP-MG)

CIDADES DE MINAS GERAIS COM MAIOR NÚMERO DE PROFISSIONAIS: 18.000 16.000 14.000 12.000 Mulheres

10.000

Homens

8.000 6.000 4.000 2.000 0 Belo Horizonte

Gov. Valadares

Fonte: Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais (CRP-MG)

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Juiz de Fora

Montes Claros

Pouso Alegre

Uberlândia


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GÊ N E RO ( B RAS I L ) G Ê N E R O ( B R A S IL )

UMA PROFISSÃO COM 89% DE MULHERES

SEXO (BRASIL):

11%

As mulheres são 89% dos profissionais da Psicologia no país, de acordo com levantamento do CFP de 2012. Em Minas Gerais, os dados mais recentes do CRP – de 2015 – indicam 85,4% de mulheres, 13,3% de homens e 1,24% de profissionais que optaram por não declarar.

Homens Homens Mulheres

Mulheres

89%

NEGRAS SÃO APENAS 3%

Fonte: Pesquisa do CFP, de 2012, focada no perfil das mulheres.

ENTRE AS MULHERES:

1%

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Branca

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COR OU RAÇA:

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Fonte: Pesquisa do CFP, de 2012, focada no perfil dasRAÇA mulheres. OU COR

3%

67%

3%

Parda Preta Amarela Indígena

25%

Não sabe

FA I X A ET ÁR IA FA I XA ET ÁR IA

FAIXA ETÁRIA:

6%

17%

20 a 29 anos

19%

20 a 29 anos

30 a 39 anos

30 a 39 anos

40 a 49 anos

40 a 49 anos

34% 23%

a 59 50 a 5950 anos

anos

60 anos ou mais

60 anos ou mais

Fonte: Pesquisa do CFP, de 2012, focada no perfil das mulheres. As categorias pesquisadas mencionam apenas homem e mulheres, não contemplando as diversas identidades de gênero.

“Seria produtivo que a profissão discutisse mais as questões das mulheres trabalhadoras – e das psicólogas trabalhadoras”, Marisa Sanabria.

Os dados de 2012, para todo o Brasil, apontam que 34% das psicólogas têm idade entre 30 e 39 anos. Essa profissional é predominantemente branca (67%). Há 25% de profissionais pardas, ao passo que as psicólogas negras são apenas 3% da categoria no Brasil. Esse abismo pela diferença de cor da pele no mercado de trabalho reflete uma tendência encontrada em todas as profissões brasileiras que requerem curso superior. Nesse contexto, metade das profissionais atuantes (45%) possui um título de especialização, sendo a psicologia clínica a área mais procurada em 31% dos casos de pós-graduação e especialização, segundo pesquisa do CFP de 2012, que enfoca mulheres. Marisa Sanabria, uma das coordenadoras da pesquisa, entende que seria produtivo a profissão discutir mais as questões da mulher trabalhadora – e das psicólogas trabalhadoras. A expectativa de trabalho na clínica, por exemplo, relacionada à possibilidade de organizar a vida, os horários e a dupla jornada de trabalho. “Reproduzimos algumas coisas do mundo doméstico, privado, no exercício da profissão. A dupla jornada, a questão do tempo, a não valorização do espaço privado, o espaço da clínica como aproximado do espaço privado. Temos que tratar desses temas”, defende a conselheira do CRP-MG, participante da Comissão Mulheres e Questões de Gênero.

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CAMPOS DE TRABALHO Inseridas em uma gama variada de áreas e de atividades hoje em dia, 34% das psicólogas mulheres têm a clínica como local de trabalho físico, segundo pesquisa do CFP de 2012 – o que também reforça a importância de uma das práticas mais tradicionais da profissão, aplicada de maneiras distintas. “Muitas vezes o profissional trabalha com saúde, educação, esporte, mas está na clínica. Não no hospital, na escola ou no campo de futebol”, analisa a psicóloga Regina Helena. Dentro dessas possibilidades, a área da saúde é a que mais oferece postos de trabalho para psicólogas no Brasil: hoje, ela emprega 45% de toda a categoria. O Sistema Único de Saúde (SUS) contava, em 2012, com 51.653 psicólogas no país, exercendo a profissão em hospitais psiquiátricos (11%), organizações públicas (11%), unidades do Suas (8%), nas próprias unidades do SUS (6%) ou em universidades (4%), segundo o CFP. Para a psicóloga Lourdes Aparecida Machado, única mulher integrante da mesa diretora do Conselho Estadual de Saúde de Minas Gerais, os profissionais de Psicologia começaram a ganhar espaço na saúde por fazerem parte de um sistema indispensável de trabalho coletivo, especialmente importante na concepção do SUS. “Os profissionais de Psicologia se fizeram necessários ao longo dos anos. A Psicologia, na História, é muito recente. Nós começamos a nos inserir nas políticas públicas por volta dos anos 1980.” Para ela, poder construir e ocupar esses lugares de forma multiprofissional é, ao mesmo tempo, o maior desafio e o maior atrativo para atuar na área: “isso ocorre com frequência no setor público, no SUS. Eu trabalho hoje com saúde mental, tem que ser um trabalho sempre em equipe, em um sentido psicossocial amplo”, justifica. O trabalho organizacional, ou de recursos humanos, e com educação figuram empatados no segundo lugar entre os principais campos de atuação das psicólogas, com 12% cada um, segundo levantamento do CFP de 2012. Com conhecimentos focados nas áreas organizacional e educacional, hoje a psicóloga Anna Cláudia Eutrópio Batista D’andrea atua nos dois segmentos, coordenando projetos de responsabilidade social para uma fundação corporativa. “Meu trabalho é pensar projetos que possam melhorar a qualidade da educação a partir da formação de pessoas. E o meu conhecimento sobre pessoas, que adquiri na Psicologia e inclusive na época em que atuei como psicoterapeuta, é útil o tempo todo. Porém,

LOCAL ONDE EXERCEM O TRABALHO (MULHERES): Constutório particular Organizações privadas Hospital psiquiátrico Organizações públicas Unidades do Suas Clínicas Particulares Unidades do SUS Associações/Movimentos sociais/ONGs Universidades Escolas particulares Escolas públicas Poder Judiciário Polícia e penitenciárias Clínica não governamental

(atend. gratuito ou simbólico)

Comunidade terapêutica Outros 0

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Fonte: CFP 2012.

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minha intervenção hoje não se direciona a um indivíduo em especial, mas a um sistema de educação que pode e deve melhorar”, conta. Mesmo estando no CBO desde 1994, a área de assistência social teve crescimento intenso nos últimos anos, com a implantação do Sistema Único de Assistência Social. Hoje, esta é a quarta principal área, somando 10% de todos os profissionais da Psicologia, de acordo com pesquisa do CFP de 2012. Nesse contexto, a psicóloga Leziane Parré ocupa o cargo de diretora-geral de uma Unidade Socioeducativa de Semiliberdade em Belo Horizonte. Em cinco anos de experiência, guiada principalmente pela psicanálise, ela elucida que a clínica tradicional foi ampliada para diversos lugares antes inimagináveis, como os presídios e os consultórios de rua.

Interdisciplinar, projeto PAI-PJ acompanha o louco infrator, com o objetivo de promover tratamento adequado e inserção social, conectando o Direito e a Psicologia.

“O que fazemos hoje na Unidade Socioeducativa de Semiliberdade é um trabalho ampliado da clínica. Não é porque estou numa gestão de uma instituição que não existe um trabalho clínico também. Hoje, temos psicólogos nas comunidades, nos presídios, dentro de lugares inimagináveis, até mesmo para conseguir trazer esses sujeitos aos ‘consultórios tradicionais’, se eles precisarem mesmo disso. Hoje, a clínica vai até o sujeito”, avalia.

ÁREAS DE ESPECIALIZAÇÃO (MULHERES): Psicologia Clínica Psicologia Organizacional e do Trabalho Saúde Psicopedagogia

Na Psicologia Hospitalar, desafio constante é lidar com contingências e especificidades. Trabalho exige versatilidade e mobilização para apoiar pacientes e famílias.

Psicologia Escolar / Educacional Psicologia Hospitalar TCC – Terapias CognitivoComportamentais Psicologia do Trânsito Psicologia Social Psicanálise Psicoterapia Neuropsicologia Psicologia Jurídica Psicodrama Saúde do Trabalhador

Trabalho clínico com crianças por meio da ludoterapia, de orientação humanista: clínica social e atendimento a grupos.

Acupuntura Psicomotricidade Outros (diversos)

Fonte: CFP 2012.

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Trabalho escolar com alunos portadores de deficiência visual: pensar o processo de ensino-aprendizado, inclusive o apoio à família e à inclusão na sociedade.

Na saúde pública, trabalho com crianças e adolescentes de casos graves de saúde mental exige orientação interdisciplinar e forte disposição para escuta no Centro de Referência em Saúde Mental.

Empresa ensina libras para incluir funcionários com deficiência auditiva. Na área organizacional, atuação exige olhar para a empresa e para a pessoa. Equilíbrio é desafio.

O CRP-MG agradece às psicólogas e aos psicólogos que abriram seus espaços de trabalho para as fotografias, nas cidades de Vespasiano, Carmo do Cajuru, Belo Horizonte e Betim. 12


ética e atuação profissional

POR ONDE PASSA A DISCUSSÃO ÉTICA NA PSICOLOGIA? Em seu processo de estabelecimento como profissão no Brasil, a Psicologia reuniu e consolidou valores éticos que guiam os trabalhos de orientação e fiscalização realizados por todo o Sistema Conselhos

Compreender a ética no exercício da Psicologia não é tarefa simples. Para muitos pode parecer apenas uma discussão categórica sobre “o que pode e o que não pode” a psicóloga ou o psicólogo. Basta uma reflexão mais atenta, contudo, para perceber que o trabalho diário com aspectos como vida, intimidade e subjetividade humana exige um aprofundamento das questões relacionadas à prática profissional. De início, é preciso notar que a entrada da Psicologia nas políticas públicas, a partir da criação do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ambos em 1990, abriu as portas para a compreensão de que o atendimento psicológico, mesmo quando individual, tem o potencial de impactar a vida de toda a sociedade. Este compromisso social da Psicologia se constituiu como elemento-chave para a regulação, orientação e fiscalização do exercício profissional. Nesse sentido, a busca pelo respeito às diferenças e às subjetividades de forma a contribuir para um melhor convívio em sociedade, traduzido na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, tem sido também a base para a discussão dos valores éticos da Psicologia. No Brasil, esse entendimento teve um marco histórico e conceitual em 2001, com a realização do IV Congresso Nacional de Psicologia, que trabalhou o tema “Qualidade, Ética e Cidadania nos Serviços Profissionais: construindo o compromisso social da Psicologia”. A elaboração de uma deontologia da profissão, ou das normas que regem a atuação da psicóloga e do psicólogo a partir dos valores éticos, seguiu o mesmo caminho. O Código de Ética Profissional, editado em 2005, para além de seu aspecto técnico-normativo, é um instrumento de reflexão político-filosófica sobre a prática profissional e expressa concepções de indivíduo e de sociedade embasadas nos Direitos Humanos.

AS COMISSÕES DE ÉTICA E DE ORIENTAÇÃO E FISCALIZAÇÃO O Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais possui em sua estrutura duas comissões permanentes que cumprem a função de estimular o debate ético na profissão e aplicar os valores e as normas do Código de Ética. Trata-se da Comissão de Orientação e Fiscalização (COF) e a Comissão de Ética (COE). A COF, além de fiscalizar os locais onde ocorre o exercício da Psicologia, é o espaço no qual as psicólogas e os psicólogos podem buscar soluções para dúvidas sobre questões relativas ao exercício profissional. Pode ser contactada pessoalmente, por telefone ou por email (veja contatos abaixo). A COE é responsável pela condução dos processos éticos, recebendo representações e zelando pela aplicação das normas contidas no Código de Ética Profissional. A discussão sobre a ética na Psicologia perpassa, portanto, o trabalho conjunto destas duas comissões. É importante que o profissional psicólogo acompanhe seus trabalhos e discussões específicas. Essas comissões são aliadas no exercício de sua atuação profissional.

Comissão de Orientação e Fiscalização Horário de atendimento: 2ª a 5ª feira 8h às 12h e 14h às 18h 6ª feira: 8h às 12h Tel: (31) 2138-6775 e-mail: etec@crp04.org.br Endereço: Rua Timbiras, 1532 – Centro Mais informações: www.crpmg.org.br Textos de referência: LEI Nº 4.119, de 27 de agosto de 1962. Res. Nº 0l0 CFP, que aprova o Código de Ética Profissional do Psicólogo. 13


artigo

CONTRA O REDUCIONISMO DA REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL Andréa M. C. Guerra Psicanalista, professora da UFMG, coordenadora do Projeto Já É Vivemos nos moldes do funcionamento neoliberal e capitalista, no qual a alteridade se desconfigura como horizonte ético e a improdutividade implica exclusão e ameaça. O cientificismo nomeia o mal­-estar, diagnostica individualmente o sofrimento e cria novos nomes que moldam e medicalizam subjetividades. A fluidez dos laços e a rigidez dos espaços configuram zonas territoriais e simbólicas nas cidades, marcadas pelo medo e pela insegurança, produzindo a restrição da circulação, a segregação e a proteção discriminatória. Assim se desenha a figura de um inimigo comum que concentra o mal e pacifica as massas. Não é diferente no contexto brasileiro. Associamos a pobreza à criminalidade, os aglomerados urbanos à violência, o menor ao crime. Insistimos em desconhecer as condições desiguais da distribuição das riquezas que produz o fosso urbano que sectariza experiências de vida; as condições a partir das quais a criminalidade se estabelece no país; e a maneira como sacrificamos populações jovens e negras inteiras, sem nos darmos conta desse genocídio. É rápida e fácil a repetição de frases como “não dá nada para menor no Brasil”, “favela (ou prisão) é fábrica de criminoso”, “com uma mão mais pesada, eles vão aprender”. Acredita­-se que a redução da criminalidade é inversamente proporcional à intensidade do castigo. Pensa-se no indivíduo, não na estrutura que o inclui. Daí ser difícil nos perguntarmos como esses jovens negros se tornaram os quase 70% da população que morre no país. Ou por que, em um ano, temos 1376 pessoas mortas em ações policiais de rua no Rio de 14

Janeiro e uma em Portugal – são dados de 2006. Difícil é contabilizar que essa juventude morre 3,7% mais por homicídio que o restante da população no Brasil. Difícil constatar que esse quadro se inicia aos 12 anos, idade com que o ECA demarca o final da infância, podendo ser aplicada medida socioeducativa, onde antes cabia apenas a medida socioprotetiva. A decisão pela redução da maioridade exponencia esses dados. Implica acirrarmos a violação de direitos que aflige, precocemente, esses adolescentes, e violarmos, agora constitucionalmente, um direito já adquirido. Como se vê, trata­-se de discussão da mais ampla envergadura que nos engaja com nossos conceitos e preconceitos, consolidando uma concepção de país, de cidadania, de juventude, de participação social, de subjetividade e de responsabilidade, que não pode ser apenas pensada em relação ao jovem brasileiro. Quando decidimos, ou não, pela redução da maioridade, estamos às voltas com a construção de uma política societária que interfere no destino de nosso país. Por que abrir mão de uma conquista social? Conheça a versão completa do artigo em crp04.org.br. Um Projeto de Emenda Constitucional reduzindo a maioridade penal para casos de crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal com morte foi aprovado pela Câmara dos Deputados na madrugada de 2 de julho. A proposta ainda deve ser votada em 2o. turno na Câmara e outras duas vezes no Senado.


debate em curso

PSICOLOGIA E JUDICIÁRIO: EM BUSCA DE SOLUÇÕES Ciclo de debates e pesquisa foram realizados em MG – e em outros estados – para subsidiar ações. Comunicação e diálogo podem ser as chaves para superar diferenças de entendimento sobre trabalho de psicólogas e psicólogos

Um sinal de alerta acendeu no Conselho Regional de Psicologia Minas Gerais, que notou aumento de contatos provenientes de psicólogas e psicólogos atuantes no Sistema Único de Saúde (SUS) e no Sistema Único de Assistência Social (Suas), relatando problemas nas demandas que recebem do poder Judiciário. Em Minas, o CRP sistematizou as reclamações recebidas e organizou um ciclo de eventos para ouvir a categoria – entre abril e junho. Profissionais que participaram dos encontros foram convidados a responder a uma pesquisa on-line de âmbito nacional. O levantamento é parte das estratégias traçadas pelos Conselhos de todo o Brasil para enfrentar as questões, que se repetem pelo país afora.

Muitas das situações encontradas, na avaliação do CRP-MG, ferem o código de ética do Psicólogo. Entre os problemas mais comuns identificados até agora, estão: exigir que psicólogas e psicólogos gestores do Suas realizem atendimentos pertinentes aos Centros de Referência a Assistência Social; demandar ao psicólogo dos serviços de saúde trabalhos que cabem aos psicólogos do Judiciário; exigir prazos curtos de retorno aos psicólogos com ameaças em caso de descumprimento; determinar que psicólogos passem informações pessoais das mulheres usuárias de álcool e outras drogas grávidas e em atendimento para que seus bebês recém-nascidos sejam encaminhados para adoção. 15


debate em curso

CONFUNDINDO FUNÇÕES Uma das situações é o encaminhamento de pessoas para atendimento psicológico no Suas, por parte dos juízes, sobretudo de comarcas do interior. Com isso, profissionais contratados para a gestão estão sendo levados a realizar atendimentos clínicos. “Existem unidades do Centro de Referência em Assistência Social (Cras) em todas as cidades do Brasil, mesmo nas menores, mas não possuem psicólogo em seus quadros”, explica Débora Akerman, conselheira do CRP-MG e coordenadora da Comissão de Psicologia e Assistência Social. A segunda questão refere-se à solicitação, por juízes, para que profissionais que atuam nos serviços de saúde realizem atividades pertinentes ao psicólogo do Judiciário, como as perícias. Deborah explica que este trabalhador faz acompanhamento psicossocial das famílias e pode, pelo código de ética, somente produzir um relatório de acompanhamento, mas não um laudo. Há, ainda, casos de solicitações de averiguação de denúncias por psicólogas e psicólogos. “Às vezes chega à delegacia, ao Conselho Tutelar ou ao Juizado, denúncia de um suposto abuso sexual ou de uma violência contra um idoso. Então o psicólogo é indicado para averiguar a veracidade do fato”, relata Deborah, destacando que isso também não é atribuição do psicólogo. Além dessas situações, psicólogas e psicólogos vêm recebendo demandas dos juízes para produzirem relatórios de acompanhamento com prazo definido. Em casos de não cumprimento dos prazos, relatos reunidos pelo Conselho apontam inclusive ameaças de prisão.

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Ciclo de eventos “Demandas do Judiciário no SUS e Suas: construindo uma resposta ética” foi realizado de abril a junho, em nove cidades mineiras – Belo Horizonte, Divinópolis, Moema, Coronel Fabriciano, Governador Valadares, Montes Claros, Juiz de Fora, Pouso Alegre e Uberlândia – envolvendo mais de 800 participantes. Com outros conselhos Regionais, o CRP-MG pautou o assunto, em dezembro de 2014, na Assembleia de Políticas, da Administração e das Finanças (Apaf) – o encontro semestral de todos os Conselhos de Psicologia. Foi quando se decidiu por realizar encontros presenciais com as psicólogas e os psicólogos e colher informações por meio de pesquisa eletrônica, para subsidiar ações na área.

Todas estas situações são comuns no interior do estado, conforme relata Érica Andrade Rocha, conselheira do CRP-MG, em Divinópolis. “Em Pouso Alegre, por exemplo, a maior parte das demandas tem origem no Conselho Tutelar. O prazo dado aos psicólogos para atendê-las é sempre muito curto. Além disso, os profissionais não foram capacitados para produzir a documentação exigida. Outro grande equívoco é o entendimento dos juízes de que o vínculo com o usuário de saúde facilita o trabalho documental exigido por eles”, aponta. Enquanto isso, na capital mineira, a Promotoria da Infância e da Juventude publicou duas Recomendações (nº 05 e 06), em 2014, para que durante qualquer atendimento a usuárias de drogas grávidas estas sejam automaticamente encaminhadas ao juizado. O objetivo? Acompanhar o andamento da gravidez para que no parto o recém-nascido seja recolhido para um abrigo e disponibilizado para adoção. O CRP-MG realizou debate com psicólogas e psicólogos atuantes em consultórios de rua e estes denunciaram a ação como abusiva, ferindo, inclusive, o código de ética do Psicólogo.

PROBLEMA DE COMUNICAÇÃO? Para Breno Júnior, psicólogo do Centro de Referência de Assistência Social (Cras-MG) do município de Pains, a aproximação por meio da comunicação e do entendimento com o Poder Judiciário é a solução. “A falta de conhecimento sobre o que é o trabalho do psicólogo atrapalha muito. Seria interessante se os gestores vissem como é o nosso trabalho de promoção e de prevenção, que não passa apenas pela clínica, mas pelo acompanhamento familiar”, pontua. Em Pains, a solução vem sendo construída com base no diálogo: “Temos reuniões entre as equipes do Judiciário e do Suas para relatar os casos, delegando prazos. Tem surtido ótimos resultados”, conta.

JUDICIALIZAÇÃO NECESSÁRIA? O promotor de Justiça de Defesa da Saúde de Belo Horizonte, Nélio Costa Dutra 17


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Júnior, assume que o Poder Judiciário é mais acostumado com demandas individuais, quando o usuário precisa de um medicamento ou de uma internação. Neste caso consegue agir de forma bastante rápida. “O problema está nos processos coletivos. Nas demandas que dependem do conhecimento de política pública, o Judiciário tem dificuldades em aprofundar”, define. Subfinanciamento, gestão desqualificada, regulação incipiente, ausência de política adequada de recursos humanos estão entre as razões para as dificuldades de atendimento pela saúde pública. Neste cenário, cidadãos recorrem à judicialização das demandas. “Trata-se de fenômeno complexo, que envolve aspectos políticos, sociais, éticos e sanitários, que devem ser analisados de forma cautelosa, pois pode prejudicar toda a estrutura de planejamento e funcionamento do Sistema Único de Saúde”, avalia o promotor de Justiça de Defesa da Saúde, das Pessoas com Deficiência e dos Idosos, da Comarca de Divinópolis, Ubiratan Domingues. Ele acredita que a aproximação e o diálogo entre os servidores da saúde e o poder Judiciário resultarão em uma atuação conjunta mais abrangente para a população. E lembra que, se as políticas intersetoriais da saúde e da assistência social fossem devidamente es18

truturadas e funcionassem adequadamente, as demandas seriam reduzidas.

CONSTRUÇÃO DE RESPOSTAS ÉTICAS Segundo Túlio Picinini, psicólogo, conselheiro e presidente da Comissão de Orientação e Fiscalização do CRP-MG, a discussão proposta pelo Conselho não é contrária a assegurar saúde para a população. “A questão é como podemos fazer com que a garantia de direitos seja colocada dentro da perspectiva de política pública e que, inclusive, os juízes podem provocar o Executivo a dar conta dessas questões”, pontua. O conselheiro presidente Roberto Chateaubriand Domingues disse, no encerramento do ciclo de eventos do CRP-MG, no dia 12 de junho, em Belo Horizonte, que na perspectiva da Psicologia é possível construir respostas éticas, considerando que responder às demandas do Poder Judiciário não pode ultrapassar os limites das capacidades técnicas, ou mesmo das questões de fundo, como a necessidade de prover cargos para ofertar os serviços necessários ao Poder Judiciário. “Temos que problematizar essa questão crítica, técnica e eticamente, para que ela não se naturalize”, defende.


gestão estadual

SAÚDE MENTAL TEM TRÊS NOVOS GESTORES Coordenadoria em MG está a cargo de tríade com histórico de envolvimento na luta antimanicomial. Eles preparam diagnóstico e prevêem construir planejamento com as cinco regiões do estado O estado de Minas foi pioneiro na oferta de tratamento integrado em saúde mental no Brasil, e segue inovando. Pela primeira vez, a coordenadoria de Saúde Mental da Secretaria de Estado de Saúde está sendo coordenada por três gestores, que dividem o trabalho. O trio reúne experiências distintas, mas tem ligação antiga com saúde mental. Mirim Abou-yd é do Fórum Mineiro de Saúde Mental, Marta Elizabeth Souza é membro da Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial e Humberto Cota Verona é coordenador de Educação Permanente na Secretaria de Saúde de Betim. Os dois últimos são também ex-conselheiros do CRP-MG e do Conselho Federal.

ACONTECEU

Eles iniciaram as atividades como coordenadores de Saúde Mental no estado há cerca de dois meses. Atualmente, realizam diagnóstico identificando as necessidades estruturais do estado. “A rede de atenção psicossocial existe no estado, mas ainda temos lugares com vazios assistenciais, principalmente nas regiões de Unaí, Jequitinhonha, Ituiutaba, Teófilo Otoni. São lugares que precisam ampliar em muito o serviço”, destaca Marta. O diagnóstico será seguido de discussões com trabalhadores e usuários nas cinco regiões do estado sobre o projeto para a gestão e sobre os principais desafios. A coordenadoria pretende “retomar a luta antimanicomial e a reforma psiquiátrica”, com atenção principalmente voltada para a formação dos novos profissionais de Psicologia que entram no mercado. “Em muitos lugares, o pessoal que entra é jovem. Às vezes, não tem total conhecimento da luta antimanicomial. Nosso papel é instruir, preparar melhor essas pessoas em um serviço de articulação em rede”, analisa Marta.

Esta seção traz alguns destaques das centenas de atividades realizadas pelo CRP-MG no primeiro semestre. Saiba mais em www.crpmg.org.br ou no www.facebook.com/crpmg

AUTISMO Com a Prefeitura de Contagem, o CRP-­MG realizou em março o II Seminário Autismo e Políticas Públicas. A atividade permitiu intercâmbio de experiências profissionais e debates sobre políticas públicas dirigidas a autistas e familiares.

PSICOLOGIA EM FOCO

18 DE MAIO O 21o Desfile da Luta Antimanicomial reuniu usuários dos serviços de saúde mental, familiares e trabalhadores em BH, no 18 de maio. A subsede Norte, em conjunto com a Prefeitura de Montes Claros, realizou, de 14 a 22 de maio, a Semana Integrada da Saúde Mental. No dia 26, a subsede Sul, em Lavras, mobilizou 170 profissionais para discutir o tema “Saúde mental: família, dependência química, crimes e justiça”. Subsede Triângulo e Juiz de Fora também realizaram atividades.

Desde abril, o CRP realiza debates a cada semana, envolvendo psicólogas e psicólogos nas discussões de assuntos atuais da profissão. Genocídio da juventude negra, reforma política, crise hídrica, medicalização, depressão, políticas sobre drogas – sempre em conexão com o fazer psicológico – foram só alguns dos temas. Os encontros aconteceram em BH, nas subsedes Leste, Triângulo e Centro ­Oeste. Programação dos próximos em crpmg.org.br.

PROGRAMA NA RÁDIO INCONFIDÊNCIA

O programa Psicologia em Foco, do CRP-MG, vai ao ar toda quarta-feira, 12h30, na Rádio Inconfidência (AM 880). Crianças, adolescentes e criminalidade, mulheres e depressão já foram alguns dos temas de 2015. 19



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