Revista CRP Minas Edição 2 - Outubro 2019

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ENTREVISTA | REVISTA CRP-MG

edição 2

Rompimento de barragens convoca atuação da Psicologia

Caminhos percorridos pela Psicologia pág. 5

Reconhecer o racismo pág. 10

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crp

edição 2 setembro 2019

revista

minas gerais

EXPEDIENTE SEDE Rua Timbiras, 1532, 6º andar, Lourdes, Belo Horizonte – MG. CEP 30140-061. Telefone: (31) 2138-6767 E-mail: crp04@crp04.org.br Site: www.crpmg.org.br

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REVISTA DO CRP-MG Publicação do Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais (CRP-MG)

COMISSÃO EDITORIAL: XV PLENÁRIO (Gestão 2016-2019)

DIRETORIA Stela Maris Bretas Souza Conselheira Diretora Presidenta Aparecida Maria de Souza Cruvinel Conselheira Diretora Vice-Presidenta Felipe Viegas Tameirão Conselheiro Diretor Tesoureiro Délcio Fernando Pereira Conselheiro Diretor Secretário

CONSELHEIRAS(OS) Aparecida Maria de Souza Cruvinel Claudia Natividade Dalcira Ferrão Délcio Fernando Pereira Eliane de Souza Pimenta Eriane Sueley de Souza Pimenta

Érica Andrade Rocha Ernane Maciel Felipe Viegas Tameirão Filippe de Mello Flávia Gotelip Leila Aparecida Silveira Letícia Gonçalves Madalena Tolentino Marcelo Arinos Márcia Mansur Mariana Tavares Marília Fraga Odila Maria Fernandes Braga Reinaldo Júnior Paula Khoury Rita Almeida Robson de Souza Roseli de Melo Solange Coelho Stela Maris Bretas Souza Tulio Picinini Vilene Eulálio Waldomiro Salles Yghor Gomes

EQUIPE DE COMUNICAÇÃO CRP-MG Ayrá Sol Soares Carolina Melo Cristina Ribeiro Eliziane Lara Gabriela Carvalho Gabriela Ribeiro Lucas Wilker Nathalia Monteiro

PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO BRASIL84

EDIÇÃO Cristina Ribeiro (MTB 5222) Jornalista Responsável

REPORTAGEM Cristina Ribeiro (Assessora de Comunicação CRP-MG), Eliziane Lara (Jornalista CRP-MG), Lucas Wilker (Estagiário CRP-MG), Ayrá Sol Soares (Estagiária CRP-MG)

REVISÃO BRASIL84

IMPRESSÃO Marquinhos Gráfica e Editora

TIRAGEM 40 mil exemplares

Envie sugestões de temas para jornalismo@crp04.org.br Leia a Revista do CRP-MG em versão digital no site www.crp04.org.br


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EDITORIAL

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ENTREVISTA

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Uma profissão que transpõe barreiras para reafirmar diariamente sua identidade

O lugar de fato da Psicologia

ESPECIAL

As entrelinhas do racismo: a subjetividade e o fazer da Psicologia

ARTIGOS

Aleitamento materno entre mulheres usuárias de crack: contraindicação ou oportunidade? Considerações iniciais acerca do coaching psicológico Psicologia e religiosidade

REPORTAGEM DE CAPA Vidas extintas. Vidas atingidas. Vidas suspensas

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ORIENTAÇÃO E FISCALIZAÇÃO TICS

Registrar é preciso

ÉTICA

Os meios de solução consensual de conflitos no Sistema Conselhos de Psicologia

IDEIAS E IDEAIS Defesa dos Direitos Humanos se consolida como foco de atuação do Conselho


EDITORIAL Atuação plural demonstra coragem da categoria A Psicologia está onde as pessoas estão. É preciso se implicar para acompanhar todas as transformações sociais e ter coragem para exercer seu lugar intransigente de defesa dos direitos da população. O enfrentamento às diversas formas de racismo e violações a quem está em situação de vulnerabilidade, por meio de uma atuação potente para promoção da saúde integral, tem sido foco do trabalho das(os) psicólogas(os) no país e, por consequência, do Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais. A segunda edição da Revista do CRP - Minas Gerais chega propondo debates inquietantes e importantes, como a atenção aos inúmeros desdobramentos de um crime socioambiental. As Minas Gerais, que não por acaso levam em seu nome a marca da mineração, nunca mais serão as mesmas. O impacto nas subjetividades da população, mesmo naquelas não diretamente atingidas, é inegável. E a Psicologia é convocada a se envolver e pensar possíveis caminhos para que mineiras e mineiros consigam seguir suas vidas de forma digna. A não menos importante discussão sobre os racismos de todos os dias apresenta contornos duplos: as psicólogas entrevistadas assumem o lugar de fala de quem conhece bem o sofrimento provocado pelo preconceito. Marcar esse espaço de maneira incisiva para o trabalho da categoria na desconstrução de uma cultura racista é urgente. Conhecer autoras(es) que abordam o assunto, conversar entre seus pares e aprofundar na temática devem ser compromissos das(os) profissionais. Artigos e colunas também apresentam outros assuntos vitais para a categoria. O reconhecimento da importância das tradições religiosas em toda a sua diversidade como fenômenos importantes para a compreensão do ser humano é um deles. E neste período, quando ainda se olha para o Dia da(o) Psicóloga(o) como um marco de valorização, a revista coloca seu espaço nobre de entrevista para ouvir uma testemunha da evolução da profissão no Brasil. Enfim, nesta edição foram envolvidas as comissões de Orientação e Ética; Orientação e Fiscalização; Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas; do Trabalho e das Organizações; Mulheres e Questões de Gênero; Emergências e Desastres; Formação Profissional; Relações Étnico-Raciais; e Laicidade, Espiritualidade, Religião e Outros Saberes Tradicionais. O corpo editorial deseja a você uma ótima leitura e aguarda sugestões de novas pautas e melhorias para a Revista do CRP-MG.

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ENTREVISTA Maria de Fatima Lobo Boschi Texto: Cristina Ribeiro Foto: Ayrรก Sol Soares

O LUGAR, DE FATO,

DA PSICOLOGIA 5


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Cercada de livros e memórias, que a todo tempo remetem e se misturam à própria trajetória da Psicologia brasileira, a psicóloga e professora da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) desde 1992. Maria de Fatima Lobo Boschi tem reconhecimento junto à categoria também como historiadora.

crítica para propor reflexões e alertas em prol da evolução e da valorização do que chama de “fazer psi”.

“A Psicologia

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acontece onde o povo está.

Ela já coordenou o Curso e também foi Diretora do Instituto de Psicologia da PUC Minas. Essa apropriação acerca do desenvolvimento da profissão lhe conferesegurança

A professora graduada em Psicologia pela Universidade FUMEC e mestra pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) coordenou, até recentemente, o Núcleo mineiro da Associação Brasileira de Ensino de Psicologia (ABEP) e foi Conselheira Federal e Regional de Minas. Nesta entrevista, faz uma análise do caminho percorrido pela profissão no Brasil e aponta seus principais desafios para continuar.


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“Hoje constato,

Concluí a graduação atuando na área clínica e, dois anos depois, uma ex-colega de faculdade comentou sobre uma vaga para trabalhar no Vale do Jequitinhonha. Prontamente disse: “você não quer me levar?”. Pouco depois estava eu, muito jovem e com pouca experiência de trabalho em comunidade, como

estagiária da Secretaria Estadual do Trabalho, visitando uma realidade carente, com outros profissionais de diferentes instituições públicas, e acompanhando, em particular, um grupo de mulheres e seus filhos vivendo em locais depredados após o encerramento das atividades de mineração de diamantes. Dirigindo um carro todos os dias em uma estrada de terra para encontrar aquelas pessoas, que careciam desde água filtrada, às mais diversas necessidades cotidianas, esse cenário me obrigou a refletir, pela primeira vez, qual o papel da Psicologia e o meu, e como atuar naquele contexto tão desconhecido. Acolhendo e ouvindo

Você estudou e se formou durante a Ditadura, em um período no qual descreve ter sido difícil acessar livros e até mesmo conversar sobre as relações humanas para formar um entendimento sobre a profissão. Sendo assim, quando você conseguiu se perceber psicóloga?

através das diferentes atuações que presencio, que a Psicologia conseguiu ser conhecida e compreendida pela sociedade quando saiu ao encontro das pessoas nos diferentes espaços. 7


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“Um dos

Então o verbo acolher merece destaque no fazer profissional da Psicologia? Sem dúvida. Hoje constato, através das diferentes atuações que presencio, que a Psicologia conseguiu ser conhecida e compreendida pela sociedade quando saiu ao encontro das pessoas nos diferentes espaços em que elas se encontravam. 8

Quando, no Vale do Jequitinhonha, escutava aquele grupo de mães entristecidas ao ver seus filhos impedidos de brincar por conta da destruição causada pela mineração, aprendi que a “escuta psicológica” era um fazer para além do atendimento clínico, individual e elitista. Saber escutar nos oportuniza contribuir, entender os contextos e produzir conhecimento. A Psicologia acontece onde o povo está. Mas temos que fazer a autocrítica: demoramos muito a descobrir isso. Por que você diz isso? A regulamentação da Psicologia brasileira como profissão é muito recente, mas a presença do trabalho

aquela população, me reconheci psicóloga. Somente mais tarde tive a oportunidade de conhecer as produções científicas da Psicologia Social, às quais não tive acesso na graduação, por conta da Ditadura. Essa experiência marcou toda minha trajetória e apontou minha busca pela história da Psicologia no Brasil.

desafios atuais encontra-se na formação em Psicologia, que precisa superar o modelo tradicional e possibilitar uma reflexão mais crítica.


“ Nossa profissão é de resgate e promoção do sujeito. Para isso, é preciso estudar os contextos sociais para compreender e contribuir com as transformações.

psicológico data de meados do século XIX. A sociedade se mobilizava para ajustar-se às condições do processo de industrialização e, nesse contexto, a Psicologia brasileira, em sintonia com as produções científicas estrangeiras, expandiu seu fazer para responder aos problemas da sociedade. O trabalho do psicólogo, já reconhecido na década de 20, abre portas para a formação de professores – Escolas Normais – e a implementação da disciplina de Psicologia em outras faculdades. Minas Gerais merece destaque pelo trabalho de Helena Antipoff e, nas décadas de 40 e 50 ocorre, a expansão das instituições brasileiras de Psicologia. A Lei 4.119, que regulamenta a pro-

fissão do psicólogo, é de 1962, quando o Brasil estava sob regime ditatorial e é preciso considerar esse contexto histórico e social onde ela emergiu, para entender o quanto isso interferiu no seu desenvolvimento. Gosto de lembrar as palavras de Luís Cláudio de Figueiredo quando nos alerta não ser possível ler Psicologia, falar de Psicologia sem a compreensão do lugar social e histórico em que está inserida. Um dos desafios atuais encontrase na formação em Psicologia, que precisa superar o modelo tradicional e possibilitar uma reflexão mais crítica. A imagem da Psicologia como profissão mística e de cunho assistencial é comprovada na minha experiência como professora na graduação.

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A sociedade ainda tem uma imagem da Psicologia muito aquém do que realmente fazemos hoje. Como mudar essa imagem? Somos uma categoria que se relaciona muito pouco quando se trata de compartilhar experiências profissionais. Frente às demandas sociais, participamos pouco como coletivo, ainda estamos isolados. Um exemplo são os debates promovidos pelos Conselhos de Psicologia, onde atuei como Conselheira Federal e Regional. Temos um desafio, que é nosso fazer profissional atingir mais camadas da população, e é preciso conhecer as inúmeras práticas existentes para produzir, socialmente, a compreensão do que queremos e o que podemos fazer. Um bom exemplo é a nossa participação nas lutas contra a violação de direitos humanos. Temos encontrado resistência por parte de vários profissionais com alegação de que esta não é uma causa da Psicologia. Como assim, se queremos fazer uma Psicologia para a sociedade? Mas a Psicologia enquanto ciência e profissão dá conta das transformações sociais, certo? A Psicologia consolidou sua identidade profissional de forma polivalente. Nossa profissão é de resgate e promoção do sujeito, aonde quer que ele esteja. E para isso, é preciso estudar os contextos sociais para compreender e contribuir com as transformações. Seria esse entendimento, do que seja a profissão, o principal desafio da Psicologia na atualidade? Temos o desafio permanente de reconhecer e de continuar construindo nossa profissão, para que possamos contribuir com as demandas sociais contemporâneas. A complexidade humana é um desafio permanente, particularmente hoje, numa sociedade constituída de necessidades básicas não supridas e da presença, cada vez mais intensa, da tecnologia como um modo de convivência. 9


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AS ENTRELINHAS DO RACISMO: A SUBJETIVIDADE E O FAZER DA PSICOLOGIA

Da colônia aos dias atuais, histórias de vida mostram como a cor da pele impacta, ainda, nas vivências da população negra Texto: Ayrá Sol Soares Fotos: Acervo pessoal Ayrá Sol Soares CEERT Nelson Almeida

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Ayrá Sol se identificou ao escutar outras histórias sobre racismos.


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Preta. De sarará para o alto, cabelo crespo (des)comportado... Excessivamente volumoso, ou ainda pouco? “Escura demais para ser branca e clara demais para ser preta”. Afinal, o que me torna negra? Essa é uma grande questão que só entendi tarde, aos 17 anos, passando pela transição capilar, – um grande passo para compreender minha negritude, que tanto negava. Como eu quis ser a boneca branca, pensava. Com uns 5 anos já entendia que o meu cabelo não era o certo, afinal, falavam em alto e bom som “cabelo ruim”, “tem que alisar, vai ficar linda”. E eu, em um constante estado de não pertencimento, assentia com um fugaz SIM. O primeiro relaxamento foi um marco memorável. Feito aos 12 anos, em uma tarde de domingo, pude sair dos fantasiosos e longos panos que colocava por cima do cabelo, ainda criança, e que fingia serem fios lisos e alinhados. Lembro de olhar no espelho do salão e sorrir profundamente. O coração palpitava e a alegria era imensa... a raiz estava baixa! Assim foram os cinco anos seguintes. Hoje, estudando, lendo e, principalmente, ouvindo, percebi que as mesmas dores que me perpassaram, e perpassam, estavam em outras vivências, em olhares onde o branco do olho contrastava sua melanina na pele. Negras e negros, eram elas(es). Thalitas, Jeanes, Ayrás... Seriam elas(es) contadoras(es) de histórias em uma grande falácia? Eu diria que não. Parafraseando a psicanalista Neusa Santos Souza, autora de Tornar-se negro: as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social, ser negra(o) é “viver a experiência de ter sido massacrada em sua identidade, confundida em suas perspectivas, submetida a exigências, compelida a expectativas alienadas. Mas é e sobretudo, a experiência de comprometer-se a resgatar sua história e recriar-se em suas potencialidades.” Por que tanto desconforto em se dizer negra(o)? Quando isso se tornou uma questão? Com o meu instinto jornalístico 11


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aguçado e sempre em busca de histórias não contadas fui atrás de novas narrativas e, quem sabe, algumas respostas.

NARRATIVAS DA DOR Thalita Rodrigues, psicóloga, doutoranda em Estudos Psicanalíticos e coordenadora da Comissão de Psicologia e Relações Étnico-Raciais do Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais (CRP-MG), conta sobre suas vivências enquanto mulher negra. (E como me identifico!) “Quando criança, eu tinha uma questão muito séria com manter o cabelo domado. Tenho uma tia que sempre fala isso, eu ficava o tempo inteiro passando escova para não deixar os fios rebeldes para cima. Com 7 anos foi a primeira vez que minha mãe pôs química no meu cabelo”, conta. Agora, já mais velha, as situações de racismo ainda são presentes em sua vida. “Uma vez fiz um processo seletivo para dar aula em uma universidade particular e estava na sala de espera, vestida de roupa social. Tinha outra pessoa branca, acredito que aluna da faculdade, e que não estava vestida com roupa social. Então, a pessoa que me chamaria saiu da sala e falou ‘Thalita, vamos lá?’, se direcionando à outra pessoa branca. E eu falei ‘eu sou a Thalita’. É comum as pessoas se assustarem, elas leem o meu currículo, mas não veem minha cara, e quando veem, ficam ‘nossa, é você?!’”, enfatiza.

Jeane Tavares (foto acima) pontua que o racismo científico reforça a invisibilização das pessoas negras, enquanto Cida Bento (foto abaixo) destaca que branquitude é um lugar de privilégio.

Inquieta, fui atrás de mais histórias e encontrei a psicóloga Jeane Tavares, professora adjunta da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e pós-doutoranda com o tema Sofrimento psíquico e adequação cultural da clínica psicoterápica à população negra, que relatou a sua descoberta como mulher negra na pré-adolescência. “Eu estava passando bronzeador nas costas de uma amiga branca, eu tinha entre 11, 12 anos. Vi minha mão contra o sol e percebi a diferença da minha mão para a pele dela. Eu vim a descobrir agora a pouco o horror da cena, o horror que foi, para mim, me descobrir tão diferente. Eu vi minha mão como a garra de um animal”, ela relata. “Se nossas vivências constroem nossa subjetividade, como ela é estruturada em uma sociedade racista? Como se dão essas relações de poder historicamente? Há os que digam que o racismo acabou, afinal, não somos todos humanos?!”, questionou Thalita durante a conversa. A psicóloga alerta que nem todas(os) são tratadas(os) humanamente. “Esse argumento de que somos todos humanos é insuficiente, é pobre, muito simplista. Nós usamos o conceito de raça em um sentido sociológico. Os estudos genéticos já comprovaram que não há grandes diferenças entre os grupos populacionais, mesmo com diferenças fenotípicas, que são os traços que nós temos. Então, a diferença não é biológica, a diferença é social, política, ela é cultural”, explica. Ser negra(o) é estar em constante estado de alerta, silenciamento, privações de direitos e ser o alvo da violência. 12

As estatísticas comprovam. A cada 23 minutos, um jovem negro é morto no Brasil, conforme dados divulgados pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Como entoa a grande cantora brasileira Elza Soares, “a carne mais barata do mercado é a carne negra”. O historiador e educador popular Joaquim Emídio, de 29 anos, conta que, desde muito novo, tinha consciência de sua identidade racial; no entanto, tentava se encaixar no mesmo padrão que seus amigos brancos. “Na época a moda era ter o cabelo liso. Então, para ser aceito nesse circuito de amigos, eu alisei o meu cabelo. E em uma dessas situações, provoquei em mim uma queimadura muito forte no couro cabeludo, que fez o cabelo cair. É uma coisa muito dolorosa pensar que o racismo, a predileção, os padrões de beleza, fizeram eu me machucar, não só no meu coração por achar que eu sou diferente, mas uma ferida física, que me lembrava como o racismo era ruim.


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Era uma coisa que eu olhava todo dia e pensava ‘meu Deus, eu precisei ter uma queimadura química para ser aceito’. O racismo causa grandes traumas na mente da pessoa preta porque ele faz nós acreditarmos que somos errados em sermos negros, não é a sociedade que está errada em ser racista. Então, nós nos sentimos mal, inferiores, nos sentimos feios”, relata. Ainda na infância, Joaquim sofreu discriminação na escola durante uma brincadeira com seus colegas de turma, lembrança latente até hoje. “Tinha uma garotinha que ficava carimbando os braços dos meninos. Eu cheguei nela e falei ‘você pode carimbar o meu braço também?’ e ela carimbou, mas na hora não apareceu direito porque minha pele é escura, não era igual à pele clara do resto das crianças. Ela olhou para mim e falou ‘você não pode brincar porque você é preto’”, relembra.

Não é possível falar dessa realidade sem entender a referência universal que detém a “branquitude” e seu impacto na manutenção de um sistema sociopolítico, econômico, cultural e patrimonial racista. Quem são os protagonistas das telenovelas? A família do café da manhã nas propagandas? Os grandes empresários? Os médicos nos hospitais? Qual cor eles têm? E como essas representações impactam todas(os) nós? Cida Bento, autora da tese Pactos narcísicos no racismo: branquitude e poder nas organizações empresariais e no poder público, diz: “muitos autores não entendem que branquitude é identidade, é uma visão de mundo, um lugar de privilégio. Ela nasce como uma resposta ao posicionamento negro, diferentemente da identidade negra. A identidade negra remete a uma construção ancestral da qual não é possível fugir”. Para Thalita, “a branquitude é esse dispositivo de colocar tudo que é referente ao branco, à brancura, à branquitude como parâmetro universal para todos os grupos sociais. A referência de beleza, inteligência, desenvolvimento é calcada na branquitude. É você nomear o que não é branco como diferente, como específico. Então, o branco é universal e o resto é resto. Isso é branquitude”, enfatiza. Além disso, pergunta: “Tendo em vista que o profissional da Psicologia auxilia na compreensão das questões da subjetividade, como ser e ter uma prática antirracista nesse contexto?”.

FAZER PSICOLOGIA “A diferença entre os grupos populacionais não é biológica. É social, política e cultural”, afirma Thalita Rodrigues.

OLHOS FECHADOS PARA O RACISMO “O contexto histórico racial no Brasil é de negação do racismo. O mito da democracia racial é o imperante ainda, muito presente, que é a ideia de que, no Brasil, nós tivemos um processo diferenciado de racismo, que foi mais brando e teve o encontro das três raças – o branco europeu, o indígena e o africano negro – e que isso foi um encontro feliz, gerando essa miscigenação. A miscigenação é um dispositivo utilizado para invisibilização da violência e do racismo no Brasil”, explica Thalita. “É por isso que algumas pessoas dizem ‘não, essa discussão racial vai nos dividir’, como se algum dia nós estivéssemos unidos”, afirma Jeane.

Conhecimento é sinônimo de poder e as universidades são lugares de produção de conhecimento. Se quem detém esse poder nos espaços de ensino são, majoritariamente, pessoas brancas, principalmente quando falamos de cargos importantes como os de gestores, coordenadores e professores, qual narrativa está sendo falada? Segundo pesquisa apresentada, em maio deste ano, pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), 51,2% dos estudantes das universidades federais são negros(as). No entanto, a representatividade dessa população nos cargos administrativos ainda é muito baixa: apenas 16% das(os) professoras(es) se autodeclararam pretos ou pardos, conforme dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em 2017. Existe um provérbio português que diz: “Quem não é visto, não é lembrado”; o mesmo serve, então, para “Quem não é mencionado, não é estudado”. Autoras(es) importantes como Virgínia Bicudo, Izildinha Batista Nogueira, Frantz Fanon, dentre outras(os), passam invisíveis para muitas(os) estudantes de Psicologia durante a graduação. “Falta muito para a Psicologia como um todo entender a importância 13


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do debate racial e como ele estrutura, inclusive, a própria Psicologia. Nossas pesquisas acadêmicas e as leituras na graduação e na pós-graduação não consideram o debate racial na grade curricular”, critica Thalita. É extremamente importante debatermos sobre raça e a racialização da escuta, afirma Jeane, mas é necessário entender que ser negra(o) é o que estrutura uma pessoa enquanto ser humano, e que ela só é o que é porque é negra, não se trata de um recorte. “Quando nós usamos o termo recorte, nós estamos supondo que existe um padrão, e desse padrão eu vou fazer algo diferente. É uma forma de manter a invisibilidade do que é ser negro na sociedade”, argumenta. A mesma invisibilização acontece depois da graduação, já que o termo recorte racial abstém muitas(os) profissionais de debaterem raça. “O profissional pode dizer assim ‘ah, mas eu não conheço sobre esse recorte’, e os pesquisadores dizem ‘não, esse recorte não faz parte da minha pesquisa’. Mas, se você tem na amostra pessoas negras, não é para fazer recorte, é para considerar uma característica essencial e estruturante para aquela pessoa”, destaca Jeane. Para ela, o racismo científico reforça a invisibilização das pessoas negras. “Outro retrato desse descaso é a negligência com as pesquisas no Brasil sobre a população negra, que tem um número maior de casos de transtornos mentais – psicoses, depressão e transtornos mentais comuns”, acentua Jeane. A psicóloga também afirma que a doença falciforme é a metáfora do racismo, sendo a população negra a mais atingida e a mais desassistida. Em certo evento, ouvi a psicóloga Tainã Vieira falar a seguinte frase: “Privilégio branco é ter direito à subjetividade, porque quando as teorias psicológicas não se racializam, elas não falam de uma subjetividade não branca.” De acordo com o dicionário, privilégio significa direito, vantagem, prerrogativa válida apenas para um indivíduo ou um grupo, em detrimento da maioria. Se historicamente um grupo foi impedido de acessar espaços de formação e de poder, como atuar no atendimento sem revitimizar a pessoa? Cida Bento aponta a necessidade da conscientização da(o) profissional sobre sua identidade racial. Menciona a psicóloga Fúlvia Rosemberg, que dizia sobre a importância do estágio de contato dessa(e) profissional com sua própria identidade, para que consiga cuidar do outro. “A maneira como ela(e) lida com a sua história ajuda a interpretar e a contribuir quando a(o) paciente traz questões relacionadas com seu corpo, com suas relações. As relações raciais atravessam tudo que nós fazemos no cotidiano, então, a todo tempo, isso estará implícito ou explícito nessa relação”, diz.

Já Thalita destaca a escuta atenta e a não negação e individualização do relato por parte da(o) profissional com o sujeito e, para evitar mais traumas e adoecimentos. “Há um despreparo das(os) profissionais em escutarem, legitimarem e atuarem tendo um direcionamento clínico sobre a leitura que essas pessoas conseguem fazer. Eles falam ‘você está sendo paranóico, vitimista... isso é coisa da sua cabeça, racismo não existe’”, cita. Estudar e participar ativamente da discussão racial são pontos enfatizados por Jeane. “Se essa(e) profissional da Psicologia não conhece o que a população negra passa, suas potencialidades, e não conhece os limites que nós sofremos e temos hoje na sociedade, ela(e) fatalmente vai reproduzir o racismo. A(O) psicóloga(o) precisa conhecer como é a militância negra no Brasil e o que é o movimento negro”, destaca. A psicóloga, hoje com seu projeto de extensão Relatório de Atenção Psicológica a Pessoas com Condições Crônicas, que desenvolve com estudantes de Psicologia da UFRB, alegra-se ao contar das experiências que a população do Recôncavo Baiano proporcionou a ela. “Eu tenho um amor imenso a esse trabalho porque o perfil de clientela não está nos livros de Psicologia e eu tive que adaptar toda a tecnologia de atendimento que aprendi durante toda minha vida profissional. Nós já atendemos uma costureira e fizemos o Genograma com botão e linha; já fizemos atendimentos a pessoas que sofreram perda de visão por diabetes usando macarrão e algodão”, relatou. Para ela, isso não é fazer um recorte ou uma adequação da clínica à população, mas saber como funciona a sociedade em que está inserida. Ao final de mais uma narrativa contada, volto ao meu questionamento inicial. O que me torna negra? A antropóloga brasileira Lélia Gonzalez destacou que falar o nome e o sobrenome de pessoas negras é um ato político, já que essas tiveram suas identidades retiradas por séculos. Pensando nisso, em primeiro momento, lembro-me dos meus avós paternos, Terezinha Ferreira Coelho e Wilson Geraldo Coelho, e o significado que trazem para mim sobre ancestralidade. Ser negra é me identificar e me sentir acolhida ao lado de outras mulheres negras. É entender a importância de pessoas como Djamila Ribeiro, Bell Holks e Rosa Parks. É, de fato, resgatar minha história e recriar-me em minhas potências. Como afirma Angela Davis: “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela.” E, por fim, pergunto, o que te torna você? E o que você tem feito para ser uma pessoa antirracista?

Saiba mais: Conteúdos extras desta matéria podem ser encontrados no site

www.crp04.org.br/revista

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ARTIGO | REVISTA CRP-MG

ALEITAMENTO

MATERNO ENTRE mulheres usuárias de CRACK:

CONTRAINDICAÇÃO OU OPORTUNIDADE? Edson Borges de Souza No Brasil, um estudo publicado pela FIOCRUZ em 2013 mostrou que 0,8% da população referiu uso regular de crack e/ou similares nos últimos 6 meses. Uso regular foi definido como o uso de droga por pelo menos 25 dias nos últimos 6 meses, sendo esta uma definição da Organização PanAmericana de Saúde (OPAS). 20% dos usuários eram mulheres e 10% estavam grávidas. Aplicando esses índices à população de Belo Horizonte, teríamos cerca de 400 gestantes/ano com relato de uso regular de crack nos últimos 6 meses, o que equivale a cerca de 1,15% das gestantes. O uso de substâncias, em particular o crack, por mulheres grávidas e lactantes representa enormes desafios para os cuidadores. O primeiro deles está relacionado com a nutrição do recém-nascido. Esse bebê pode ser amamentado? O segundo aparece no momento da alta hospitalar. Essa mulher será capaz de cuidar do seu filho com segurança? Frequentemente, cuidadores respondem negativamente a essa pergunta e suspendem o aleitamento. Nos últimos anos, em Belo Horizonte, numerosos bebês foram separados de suas mães por determinação judicial. Em alguns casos, de fato, medidas excepcionais, incluindo a separação, podem ser necessárias. Todavia, isso não pode ser uma regra e nem mesmo uma rotina. O aleitamento materno apresenta inúmeros benefícios tanto para o bebê quanto para a mãe. Qualquer decisão de interromper o aleitamento em função do risco potencial da

passagem de substâncias para o leite deve considerar, também, os riscos dos substitutos do leite humano. Segundo a OMS, o uso de substâncias ilícitas representa uma das “condições maternas durante as quais o aleitamento pode continuar, embora represente um problema de saúde preocupante”. A OMS recomenda o seguinte:

“As mulheres devem ser encorajadas a não usar estas drogas e receber oportunidades e apoio para manterem-se abstinentes. Aquelas que escolherem continuar o uso dessas substâncias ou não forem capazes de manterse abstinentes devem receber aconselhamento individual sobre os riscos e benefícios do aleitamento, conforme suas circunstâncias individuais. Para aquelas que fazem uso esporádico, considerar a suspensão temporária do aleitamento após o uso dessas substâncias.” (OMS, 2009). Infelizmente, muitas mulheres não conseguem manter-se abstinentes durante a gravidez. Assim, compete aos cuidadores utilizar habilidades clínicas não apenas para identificar, en-tre aquelas mulheres que continuam consumindo substâncias, aquelas que podem também amamentar; mas também para aproveitar este período sensível e promover a abstinência. Não é possível estabelecer regras gerais para o manejo desses casos, mas pelo menos dois princípios parecem razoavelmente estabelecidos e podem auxiliar.

Médico obstetra no hospital Sofia Feldman; coordenador da residência médica em Ginecologia e Obstetrícia dessa instituição. Consultor em aleitamento materno; apoiador da Rede Cegonha e Projeto APICE ON. Palestrante no Brasil e no exterior em temas relacionados ao aleitamento materno e humanização do nascimento. MBA em Gestão Empresarial pela FGV.

O RISCO DE INTOXICAÇÃO AGUDA NAS PRIMEIRAS 24-48 HORAS APÓS O NASCIMENTO É MUITO BAIXO, INDEPENDENTE DA DROGA UTILIZADA E DA INTENSIDADE DO CONSUMO. O ALEITAMENTO MATERNO E O CONTATO MÃE-BEBÊ SEMPRE DEVEM SER ESTIMULADOS NESSE PERÍODO.

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O volume de leite ingerido pelo recém-nascido nas primeiras 24-48 horas de vida é bastante variável mas, em geral, é baixo. Segundo um dos estudos disponíveis, a ingestão média de colostro nas primeiras 24 horas de vida entre recém-nascidos de termo, sadios, foi de 37 g (desvio padrão ± 43 g). Apenas no terceiro dia de vida, com a descida do leite, é que os volumes ingeridos pelo lactente ultrapassaram os 100 g. Outros estudos mostraram resultados semelhantes. No primeiro dia de vida, o volume estimado de colostro ingerido em cada mamada situa-se entre 2-10 ml e no segundo dia, entre 5-15 ml. Assim, ainda que o colostro/leite possa apresentar elevada concentração da droga utilizada, é pouco provável que a quantidade total de substância transferida para 15


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o bebê atinja nível suficiente para causar intoxicação aguda. Não foram encontrados relatos de casos de intoxicação aguda após ingestão de colostro/leite entre recém-nascidos de termo e sadios, colocados em contato pele a pele imediatamente após o nascimento e amamentados nesse período de vida.

OS CASOS NÃO SÃO TODOS IGUAIS. A PRESERVAÇÃO DO VÍNCULO E DO ALEITAMENTO PODE AJUDAR MULHERES COM HISTÓRIA DE USO DE DROGAS A SE MANTEREM ABSTINENTES.

2

Na caderneta de pré-natal distribuída pelo Ministério da Saúde desde 2013, existe um quadrado “Outras drogas”

para ser assinalado com um “X”. É um modelo que não reconhece diferenças. Mulheres que fizeram uso no passado, ou fazem uso ocasional, e mulheres que fazem uso abusivo são todas classificadas como usuárias. Uma vez classificadas – ou rotuladas –, pouco se faz para ampliar o conhecimento a respeito dessas mulheres; adotam-se atitudes preconceituosas e condutas que nem sempre correspondem à realidade daquela mulher e seu filho, com grave prejuízo para ambos. É preciso reconhecer que os casos não são todos iguais e que o comportamento, tampouco, é estático. As mulheres frequentemente demonstram intenção de interromper o uso e se esforçam para isso, então

PIRÂMIDE DE RISCO PARA AVALIAÇÃO DO USO DE SUBSTÂNCIAS DURANTE O PUERPÉRIO

ANAMNESE DURANTE O PRÉ-NATAL E/OU PÓS PARTO IMEDIATO

compete aos profissionais de saúde apoiar esse esforço. Abordagens terapêuticas baseadas na teoria do apego mostram que a preservação do vínculo diminui a probabilidade de desenvolvimento de apego mãefilho inseguro e, possivelmente, transtornos infantis de apego. Dessa forma, a continuidade do aleitamento teria finalidade terapêutica para a mulher usuária; e a segurança do bebê poderia ser garantida, mesmo nos casos mais graves, por supervisão multiprofissional cuidadosa e compreensiva. A pirâmide de risco para avaliação do uso de substâncias, adaptada para o pré-natal e puerpério, é um instrumento útil para orientar o manejo desses casos.

Alto risco Uso atual, preenche critérios de Transtorno de Abuso de Substância (TAS)

Risco moderado Uso de alta intensidade no passado, incluindo tratamento recente; interrompeu uso tardiamente na gravidez; persiste em uso de baixa intensidade

Baixo risco

Acompanhamento no Serviço de Saúde Mental, CAPS-AD ALEITAMENTO SOB SUPERVISÃO Intervenção breve; Entrevista motivacional; seguimento com consultas frequentes BREVE INTERRUPÇÃO DO ALEITAMENTO APÓS O USO Conselho breve; Orientações escritas ALEITAMENTO SEM RESTRIÇÕES

Sem história de uso prévio ou atual; Uso de baixa intensidade; interrompeu antes da gestação ou imediatamente após o diagnóstico da gravidez

Adaptado de: Wright TE, Terplan M, Ondersma SJ, Boyce C, Yonkers K, Chang G, Creanga AA, The Role of Screening, Brief Intervention and Referral to Treamtment (SBIRT) in the Perinatal Period, American Journal of Obstetrics and Gynecology (2016).

O QUE OS PROFISSIONAIS DE SAÚDE DEVEM FAZER Os profissionais de saúde, no pré-natal, na admissão à maternidade, ou após o nascimento (no alojamento conjunto ou na Unidade Básica de Saúde), devem buscar conhecer, de maneira integral, a mulher e sua rede de apoio. Informações importantes incluem identificação completa (renda, escolaridade, emprego, moradia); identificação de sua rede de apoio (incluindo a importância e o papel de cada uma das pessoas para a paciente); presença de doenças psiquiátricas e infecções (DST, HIV); e uso de medicações e de outras drogas, incluindo as lícitas (álcool e tabaco). A entrevista deve ser realizada em ambiente que garanta privacidade e sem a presença de pessoas não 16

autorizadas pela mulher. O profissional deve adotar tom de voz e palavras adequadas, compreensivas e isentas de julgamento. É importante que a identificação de condições adversas não seja utilizada para criar obstáculos adicionais ao aleitamento ou reforçar estereótipos, mas para auxiliar no estabelecimento do projeto terapêutico. O apoio da equipe multiprofissional, incluindo médico, psicólogo e assistente social, sensibilizados para o manejo integral desses casos, é fundamental. Interromper a amamentação e separar o bebê de sua mãe devem ser ações reservadas para situações excepcionais.


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Considerações iniciais acerca do COACHING

R E A L I Z A D O P O R P R O F I S I O N A I S D E P S I C O L O G I A Muito se discute atualmente a respeito do Coaching e, em diversos momentos, a sensação é que estamos falando de um processo antiético e pouco consistente. Uma das causas dessa visão é o fato de ser comum profissionais associarem o processo, de forma simplista e mercadológica, a conceitos como “rapidez”, “promessa de alcance de objetivos”, “receitas para o sucesso” etc. A partir dessa distorção do que é de fato o Coaching, pessoas criam expectativas irreais, se afastam ou criticam - de forma precipitada - tal metodologia. Visando refletir a esse respeito, o texto discutirá alguns desses equívocos e apresentará argumentos que sustentam a possibilidade ética dessa prática. O Coaching é um processo mais rápido que outros processos de desenvolvimento? Essa concepção é bastante comum e ora é utilizada para apontar um diferencial positivo do processo, ora uma possível deficiência. Independente da perspectiva, essa noção traz equívocos.

Ghoeber Morales Psicólogo pela UFMG (2003), mestre em Análise do Comportamento pela PUC/SP (2006), membro do Institute of Coaching (filiado à Harvard Medical School - USA) e da International Society for Coaching Psychology (Londres).

Samuel Silva Psicólogo (2010) e especialista em Terapia Comportamental (2013) pela PUC Minas e coach (2014). É membro da Comissão de Psicologia, Gênero e Diversidade Sexual do CRP-MG e profissional dedicado à temática LGBTQI+. Ambos são trainers da Formação em Coaching Psicológico, da Academia do Psicólogo.

Quem ataca o Coaching com esse argumento, geralmente justifica seu ponto de vista associando essa rapidez à certa superficialidade. E, nesse quesito, duas novas implicações surgem: por ser rápido/superficial acredita-se que não são elaboradas questões essenciais e, consequentemente, os resultados são efêmeros e não se mantêm. Por outro lado, há quem defenda essa dita “rapidez” como um diferencial competitivo de mercado. Inclusive, essa lógica sustenta a argumentação de que o Coaching não é como as estratégias de desenvolvimento convencionais por utilizarse de ferramentas que produzem resultados mais rápidos. Se comparado com outras metodologias de desenvolvimento humano, como a maior parte das terapias por exemplo, de fato o Coaching pode ser considerado um processo com curto prazo de duração. Mas, ao contrário do que muitos pensam, isso não implica superficialidade nem eficiência. Isso corresponde simplesmente à organização metodológica da intervenção. “Grant e Stober (2006), por exemplo, o descrevem como uma relação colaborativa e igualitária, entre um cliente e o seu coach; há um objetivo acordado e é adotado um processo estruturado para atingi-lo” (REIS, 2013, p.35, grifo nosso). Nota-se um dos pontos centrais da intervenção: o foco em um único objetivo. Todo o processo de Coaching é estruturado para que o coachee atinja um objetivo bastante específico. 17


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Portanto, aqui reside uma das explicações para que esse seja um processo de duração menor e pré-determinada, uma vez que não se trabalha com a vida da pessoa como um todo, mas sim com um recorte dela. Nesse sentido, apesar de breve, a intervenção consegue sim superar a superficialidade ao aprofundar-se no aspecto escolhido. Além disso, outro ponto fundamental que ancora a “rapidez” do processo está relacionado às pessoas a quem ele se destina. Em função do Coaching “estar na moda”, é comum que profissionais recebam muitos clientes querendo passar pelo processo. No entanto, nem sempre o Coaching é o serviço mais indicado e recomendado para aquela pessoa naquele momento da vida. Pessoas que apresentam demandas significativas quanto a sofrimento subjetivo (seja psicopatológico ou não) não se configuram como público-alvo para essa intervenção. Isso acontece porque tal metodologia não se destina a tratar ou acolher níveis

elevados de sofrimento psíquico. O risco, portanto, além de não funcionar, é a possibilidade de agravar o quadro de sofrimento. Isso implica num aspecto esclarecedor. Pessoas aptas a passarem por um processo de Coaching estão num patamar de desenvolvimento emocional e cognitivo que as colocam numa posição privilegiada: seu funcionamento subjetivo possibilita que lidem melhor com pressão e prazos e, consequentemente, permite que se impliquem com maior afinco e eficácia em ações que vão sendo construídas durante o processo. A noção de que o coaching é mais “rápido”, portanto, deve ser sempre contextualizada. Aqui rapidez não remete à superficialidade, nem a uma eficiência maior num tempo reduzido; mas sim corresponde ao fato de ser um processo focado em um aspecto bastante específico da vida e lidar com pessoas num estado emocional que as possibilita envolverem-se com maior intensidade.

“ É de suma importância que seja realizada uma avaliação inicial para identificar se a pessoa está apta a passar por um processo de Coaching naquele momento da vida.

O

COACHING ESTÁ ADOECENDO AS PESSOAS?

Como dito anteriormente, o Coaching é uma metodologia de desenvolvimento humano que não é aplicável para todas as pessoas, em qualquer momento da vida ou para todos os tipos de demandas. É necessário um olhar cuidadoso do profissional para que este equívoco não acarrete danos para a pessoa. O coach ao entrar em contato com uma demanda inicial deve sempre levar esse fator em consideração. Grant (2006 e 2011) preocupa-se com coaches que são treinados de maneira inapropriada e que tendem a conduzir intervenções de Coaching baseadas em abordagens únicas e ateóricas e, consequentemente, alerta para a possibilidade de causar danos aos clientes, particularmente àqueles 18

que têm questões de saúde mental não reconhecidas. Não se trata da metodologia do Coaching como responsável pela intensificação de determinados quadros de sofrimento, mas sim da sua aplicação irresponsável e pouco comprometida com o rigor técnicoético necessário. Nesse sentido, é de suma importância que seja realizada uma avaliação inicial para identificar se a pessoa está apta a passar por um processo de Coaching naquele momento da vida ou se outros serviços, como por exemplo a psicoterapia, são mais indicados. O principal problema observado é que nem sempre o coach (especialmente

o não-psicólogo) é um profissional preparado para fazer essa triagem com acurácia. A identificação de tal necessidade parece facilitada quando o coach é, também, um psicólogo(a). Nosso percurso teórico e prático ao longo da graduação em Psicologia e fora dela, nas pós-graduações e/ou no mercado de trabalho, nos coloca numa posição vantajosa. Vale compartilhar o posicionamento do Parecer Sobre Coaching da Ordem dos Psicólogos Portugueses (em Portugal este é o órgão equivalente ao Conselho Federal de Psicologia) ao recomendar, desde 2014, que sempre que processos de Coaching passarem por questões de desenvolvimento cognitivo e emocionais significativos, o coach deve ter formação em Psicologia.


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PSICOLOGIA

MAS A PRECISA DO COACHING?

De acordo com Grant (2006), há muito tempo a sociedade aponta a necessidade da Psicologia, como ciência responsável pela explicação e compreensão do comportamento humano, expandir seu conhecimento de forma prática para que o público em geral possa fazer uso de seus achados científicos e aplicá-los ao seu cotidiano. Psicólogas e psicólogos têm argumentado que não é necessário se tornar um coach para que possamos desempenhar nosso trabalho e para que consigamos ajudar as pessoas em seu desenvolvimento e crescimento pessoal e profissional. Até porque, de fato, observa-se algumas vezes que como profissionais da Psicologia eventualmente nós já adotamos práticas típicas de um coach.

Anthony Grant, da Universidade de Sydney (Austrália), é conhecido como um dos pioneiros no estudo da área denominada Coaching Psychology. Em 2002, ele inaugurou um grupo de interesse e estudos em Coaching Psicológico na Universidade de Sydney e, desde então, tem pesquisado sobre o tema juntamente com outros profissionais. De acordo com ele,

Qual foi então o solo fértil que serviu para o crescimento e a consolidação do Coaching como metodologia de desenvolvimento humano focado em potencialidades? De certa forma, uma brecha deixada pela própria Psicologia. Portella (2013), citada por Timm, Stobäus e Mosquera (2014), destaca que a Psicologia parece ter negligenciado o cuidado com aspectos positivos da subjetividade humana ao dedicar seus estudos e práticas ao adoecimento. Isso marca um lugar de extrema relevância da Psicologia na sociedade, mas, por outro lado, parece ter jogado sobre ela um estigma que, em certa medida, perdura nos dias atuais: o status de ciência focada no adoecimento. Isto, portanto, abriu uma enorme brecha para que profissionais de outras áreas pudessem assumir este lugar e atender um público cada vez mais ávido por crescimento, desenvolvimento e potencialização daquilo que já possuem de positivo. Observou-se o Coaching ganhando força ao se posicionar como alternativa dentro desse viés. Então, no lugar de travar uma batalha contra o Coaching e com o espaço que ele tem obtido no âmbito do desenvolvimento humano, parece mais relevante apropriarse dele. Ou seja, esta é uma oportunidade para fortalecer a Psicologia no cenário nacional, visto que o Coaching conseguiu ocupar um lugar na representação social que a Psicologia não foi tão efetiva: o de uma prática apta a potencializar o que existe de melhor nas pessoas. A junção dos saberes apresenta-se como um caminho que traz benefícios não só para a sociedade, mas também para a Psicologia ao propor atualizações e estratégias diferenciadas. Chegamos, portanto, ao Coaching Psicológico.

Coaching Psicológico é um ramo da Psicologia que leva em consideração a aplicação sistemática da ciência comportamental da Psicologia para a melhoria da experiência de vida, da performance no trabalho e do bem-estar de indivíduos, grupos e organizações. O Coaching Psicológico concentra-se em facilitar o alcance de metas e aumentar o crescimento e desenvolvimento pessoal e profissional das pessoas. Não se destina a tratar diretamente doenças mentais significativas ou níveis anormais de angústia. (MOORE, JACKSON e TSCHANNEN-MORAN, 2016, p. 11). Segundo Palmer e Whybrow (2005, p. 8), o Coaching Psicológico é uma prática voltada para psicólogos e que tem suas raízes na Psicologia como forma de integrar os seus conhecimentos sobre o ser humano a fim de desenvolver formas de intervenção que promovam o bemestar e o desempenho tanto individual quanto de grupos e organizações. Para os autores, trata-se da “[...] aplicação de princípios e teorias psicológicas para apoiar a prática de Coaching”. A partir dessas conceituações pode-se dizer que o Coaching Psicológico é o Coaching praticado por profissionais com formação em Psicologia. Logo, cabe destacar a Nota Orientativa sobre Coaching do Conselho Federal de Psicologia (2019) que reconhece a possibilidade do Coaching na prática profissional de psicólogas e psicólogos e afirma que esse trabalho deve ser conduzido com base nos conhecimentos técnicos, científicos e éticos da Psicologia.

Em inglês a terminologia utilizada é Coaching Psychology.

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CONSIDERAÇÕES

FINAIS

Entender que a Psicologia e o Coaching são campos independentes não invalida o fato de ser possível a Psicologia encontrar contribuições e novas perspectivas ao dialogar com o Coaching, e vice-versa. Sabemos o quanto é importante buscar atualizações, ampliar técnicas de trabalho e abrir a mente para novas formas de atuação. O Coaching Psicológico pode contribuir nesse aspecto ao apresentar-se como uma ferramenta valiosa para fomentar a sistematização e o alcance de objetivos e, somada ao conhecimento de áreas distintas, potencializar os processos de autoconhecimento e desenvolvimento pessoal e profissional. Nós, psicólogos e psicólogas que também somos coaches, continuaremos dispostos a refletir, debater e construir o Coaching Psicológico. Faremos isso não porque a Psicologia ou o Coaching “precisam” disso para continuar existindo, mas porque podemos avançar na elaboração de conhecimentos e práticas eticamente responsáveis e atualizadas a partir dessa interface.

Referências Nota

PALMER, Stephen;WHYBROW,Alison.The proposal to establish a Special Group

2019.

in Coaching Psychology. In: The Coaching Psychologist. n. 1, p. 5-12, July, 2005.

GRANT, Anthony M. A personal perspective on professional Coaching

REIS, Germano Glufke. Da experiência ao aprendizado: a prática reflexiva

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como recurso no processo de Coaching de Executivos. In: Revista de

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GRANT, Anthony M. Developing an agenda for teaching coaching psychology.

TIMM, Jordana Wruck; STOBÄUS, Claus Dieter; MOSQUERA, Juan José

In: International Coaching Psychology Review. v. 6 n. 1, p. 84-99, Mar., 2011.

Moriño. Psicologia Positiva e bem-estar docente: Estado de Conhecimento. Educação por Escrito. Porto Alegre: [S. N.], v. 5, n. 2, p. 228-239, jul.-dez. 2014.

Ordem dos Psicólogos Portugueses. Parecer sobre Coaching. Lisboa, 2014. MOORE, Margaret; JACKSON, Erika; TSCHANNEN-MORAN, Bob. Coaching Psychology Manual. 2 ed. Philadelphia: Wolters Kluwer, 2016.

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PSICOLOGIA E RELIGIOSIDADE Na história da Psicologia temos vários exemplos da aproximação com o fenômeno religioso: Carl G. Jung e Willian James são dois clássicos nesse sentido. Durante muito tempo, no entanto, a associação entre Psicologia e religiosidade ficou comprometida por conta da secularização da ciência na modernidade; um

processo doloroso, mas necessário em seu tempo histórico para que o pensamento se libertasse da condução intransigente de uma Igreja que dominava o conhecimento de forma dogmática. O tempo passou, como é próprio de sua estrutura, mas parece que ele se repete, como nos demonstra Eliade.

Miguel Mahfoud Doutor em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da USP, professor associado do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG. Membro do GT Psicologia & Fenomenologia da ANPEPP.

Reinaldo da Silva Júnior Psicólogo. Doutor em Ciência da Religião. 21


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Como sociedade e mesmo como comunidade psi, vivemos, agora, um momento cultural de grande efervescência: intensa defesa do direito à expressão religiosa de matriz africana, fazendo frente à crescente intolerância para com diversas minorias; interesse por religiosidades orientais mirando nova relação da pessoa consigo mesma, com o outro e com o meio ambiente; curiosidade e receio para com o Islamismo ao oferecer estrutura forte em meio à sociedade líquida; o Papa Francisco afirmado como defensor dos Direitos Humanos em contraste com grupos dentro do próprio Catolicismo; receio de que tomadas de posição públicas, explicitamente religiosas, por parte de evangélicos mais radicais, resulte em novo colonialismo das consciências; agnósticos afirmando terem direito, também eles, a uma religiosidade própria; denúncias de que o campo religioso esteja desbordando de seu foro íntimo e ocupando indevidamente o âmbito público e político. O que esse vasto, tenso e, por vezes, contraditório campo de questões está indicando? O que apontam quanto aos desafios contemporâneos de nossa atividade profissional? Como dar conta dele em nossa sociedade e em nossas consciências? Estaríamos novamente entrando num ambiente de disputa onde o pensamento laico e o pensamento religioso se enfrentam numa arena, defendendo quem deve ter direito ao poder e à verdade? E como esta possível disputa impacta em nossa subjetividade e saúde? A Psicologia contemporânea não pode se furtar a essas reflexões; um saber sobre o ser humano, nos tempos atuais, passa por um saber sobre o ambiente religioso no qual o mesmo está se formando. A perspectiva de uma vida sem religião ficou presa naquele momento utópico que inaugurou a modernidade ocidental, mas, hoje em dia, esta não é mais uma possibilidade. Um refrão repetido sistematicamente nos debates e embates cotidianos, em nossa atividade profissional, é que vivemos em um Estado laico e que a Psicologia, como ciência e profissão, 22

é laica. A tensão que acompanha o refrão é, no mais das vezes, ligada à legitimidade da religiosidade como campo de saber. Uma primeira dificuldade se apresenta quando a laicidade é reafirmada no sentido de impedir a compreensão da experiência religiosa como estruturante da vida social, ou para justificar (às vezes acobertando) uma antirreligiosidade. Essa perspectiva de uma laicidade que bane a religiosidade da vida social só agrava o conflito, se tornando mais um motivo de sofrimento e adoecimento. De fato, nosso Estado é laico e essa conquista social, cultural e constitucional se refere à defesa da liberdade de toda e qualquer expressão religiosa, inclusive a não religiosa. Cabe ao Estado garantir o direito à expressão de todas elas, defendendo uma perspectiva democrática perante a diversidade religiosa. Isso comporta uma característica bem importante de nossa sociedade brasileira: Estado laico de sociedade multirreligiosa; o Estado é laico para que a sociedade possa ser livremente religiosa e as pessoas possam, em um ambiente de respeito à diversidade, desenvolver sua dimensão espiritual sem culpa ou receio de retaliações; para que as diversas experiências contribuam na construção do corpo social em comum. É com essa visão da laicidade que precisamos trabalhar para consolidar a garantia dos direitos em nosso país. Esse diálogo entre Psicologia e religião é difícil, mas necessário se entendemos a complexidade do ser humano que estudamos e se reconhecemos a espiritualidade como dimensão existencial que compõe nossa subjetividade. Esse entendimento já conduz o olhar da OMS para definir a saúde humana, o que impõe à Psicologia, enquanto ciência, uma necessidade de adaptação, sob o risco de ficar fora da construção desse campo do saber. Por que difícil? Uma das razões se liga ao fato de que a experiência religiosa vem sendo sistematicamente banida de nossa formação de psicólogos nas universidades sob justificativa de que a Psicologia – como ciência e profissão – é laica. Um resultado bastante

Como se em algum momento da história o tivesse largado. A separação do campo religioso da política é um tema que deve ser amplamente questionado, mas não é assunto para este artigo.


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desalentador é a falta de habilidade de psicólogos para lidarem com temas religiosos muito frequentemente trazidos pelas pessoas atendidas em todos os campos da Psicologia. Assim, temos uma demanda sempre crescente quanto à elaboração do tema por parte da população e uma categoria profissional habituada a não valorizá-lo como experiência autêntica, reservando para si mesma apenas o lugar de desconstrução da experiência dos sujeitos. Outra consequência é que profissionais da Psicologia vêm se privando de utilizar práticas já incorporadas por outras profissões e ciências da saúde (como Medicina, Enfermagem, Fisioterapia), o que acaba por promover um movimento de desregulamentação de nossa profissão, deixando espaço para pessoas despreparadas e até mesmo mal intencionadas assumirem lugar de destaque no atendimento psicológico em nosso país. Essa posição histórica da Psicologia científica provoca, ainda, um novo problema: a apropriação de alguns autores da Psicologia para defender visões fundamentalistas da religião, chegando a uma pseudo Psicologia dita religiosa. A conjugação da Psicologia com a religião, para defender valores moralistas, dogmáticos, com ataques à liberdade, vem se tornando mais frequente em nossa sociedade.

Daniele Hervieu Leger apresenta bem esse cenário em seu livro O peregrino e o convertido.

A Profa. Marília Ancona-Lopez, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da Universidade Paulista, desenvolve, há anos, pesquisas sobre o tema juntamente a seu grupo de pesquisa.

Não faltam pesquisas científicas brasileiras acerca da dificuldade vivida pelos psicólogos diante da falta de formação profissional sobre o tema das religiosidades – inclusive pesquisas sobre suas diversas soluções tácitas (às vezes incoerentes). O que tem faltado – e felizmente começa a ser superado – é abertura cultural à elaboração da experiência religiosa como âmbito de constituição de subjetividades em nossa própria sociedade. A recusa da legitimidade da experiência religiosa na constituição da subjetividade transparece nas linhas psicológicas como colonialismo cultural, que elas mesmas denunciam nas religiões; não raro, a tomam de

antemão como ilusórias, inautênticas, subprodutos de processos psíquicos neuróticos, contrários à liberdade do experienciar mesmo. Felizmente temos, no Brasil, sinais claros da superação desse estreitamento de que todos somos, em alguma medida, herdeiros. Autores como Mauro Amatuzzi, Geraldo José de Paiva, Gilberto Safra, Willian Castilho Pereira, Adriano Holanda, dentre tantos outros, trabalham arduamente nesse sentido. Depois de um longo período, em que a cultura ocidental se preparou para a profetizada sociedade plenamente secularizada, em que a religiosidade não mais teria significado estruturante para a vida social e nem mesmo para a formação pessoal, emergiu em todo o mundo, pelo contrário, um grande interesse por diversas formas de religiosidade. Incluíram-se aí novas formas de experiência religiosa de cunho pós-moderno, vivas numa sociedade sempre mais plural. Além de religiosidades sem pertença a alguma religião formalizada, passam a conviver, lado a lado, também a busca de ancestralidade em religiões tradicionais, o reconhecimento de raízes religiosas de conceitos considerados como laicos e fundamentais para todos, etc. Na Psicologia, em nosso país, não faltam elaborações científicas significativas sobre, por exemplo, a importância da experiência de interioridade pessoal e suas raízes na obra de Teresa D´Ávila; as concepções de subjetividade ou processos de subjetivação e suas raízes em Agostinho; o conceito de pessoa humana com sua complexidade própria, enraizado na concepção de Trindade (intrínseca relação entre as Pessoas Divinas); a noção de ampliação da consciência e suas práticas de meditação a partir de raízes budistas; a concepção de direitos humanos além de sua condição econômica, social, sexual, racial, como antídoto aos abusos de poder, etc. Todas apontam para ganhos culturais importantíssimos para a psique de qualquer ser humano, para seu processo de formação, para as possibilidades de elaboração da experiência disponíveis a todo brasileiro. Nascendo de tematizações religiosas, não se limitaram àquele 23


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âmbito. Pelo contrário, contribuíram para uma consciência de pessoa e sociedade humana, de horizontes possíveis; tornaram-se patrimônio de nossa cultura, enraizado no que chamamos de intersubjetividade. Se, por um lado, a matriz cultural chamada de pós-moderna tornou fluidos e mutantes os limites entre os diversos âmbitos de cultura na vida cotidiana, solicitando novas concepções de subjetividade, sexualidade, comunidade, nação; por outro lado, ela também abriu nossos olhos para a complexidade própria de nossa cultura, para a multiplicidade de que ela é composta. Assim, somos chamados, pelo momento histórico mesmo, a reconhecer que convivemos com diversidades, que temos raízes diversas e múltiplas, que os âmbitos de vida se intercalam. Também nós, psicólogos, como cientistas e profissionais, somos chamados a contribuir com toda a sociedade, neste momento histórico, com a abertura intelectual que permita acompanhar os sujeitos em seus desafios de elaboração da experiência, inclusive da experiência religiosa. Somos também chamados ao consciente intercâmbio entre os diversos âmbitos do saber, inclusive os saberes de origem religiosa. Essas interfaces começam, inclusive, a provocar a reflexão sobre as técnicas que nós, psicólogos, devemos e podemos utilizar em nossa prática: em que medida podemos incorporar, no

fazer da Psicologia, procedimentos que vêm de outras racionalidades, como por exemplo as práticas integrativas complementares, já incorporadas no SUS, e técnicas produzidas dentro de tradições religiosas. São questões ainda polêmicas, mas que já ganham visibilidade nas discussões em congressos e espaços de pesquisa e formação. Que essa flexibilização nos torne mais aptos, inclusive, a lidar com abusos de poder que vemos sempre reeditados ao longo da história. Que possamos estar mais atentos e prontos a colaborar com a superação de injustiças que vão se tornando mais claras aos nossos olhos. Que a liberdade diante da experiência religiosa nos torne mais livres para a contribuição própria dos psicólogos para o crescimento da capacidade de elaboração da experiência, a ponto de favorecer a consciência verdadeiramente pessoal em todos os âmbitos, inclusive para chegar à crítica dos diversos abusos de poder – religioso, político, relacional e, também, científico. Nesse campo, a função social dos Conselhos e a responsabilidade dos psicólogos se associam perfeitamente. Que possamos não perder o trem da história para que, também, a Psicologia possa beber das grandes tradições culturais, favorecer o crescimento, ampliação e flexibilização da consciência de si, realizando seu papel nesse momento

histórico dramático. Uma Psicologia comprometida com a garantia dos direitos e, principalmente, com a liberdade humana, precisa se aproximar da religiosidade e defender a expressão espiritual das pessoas como caminho para o encontro com a diversidade e a promoção da saúde em toda a sua amplitude e complexidade. É pensando nesse caminho que nos desperta para o amor e, aqui, entendendo o amor como instrumento de transformação do sujeito e da sociedade que vislumbramos, uma Psicologia aberta à espiritualidade humana, pronta para reconhecer a importância desta dimensão existencial e sua função na promoção da saúde coletiva e individual. Tal Psicologia precisa repensar seus paradigmas e, como nos demonstra Kuhn, entender que a ciência não se fecha em um saber hermético mas, antes, abre as possibilidades de compreensão da realidade, produzindo revoluções que estão sempre modificando a maneira como enxergamos a vida. Direitos Humanos, laicidade, liberdade religiosa e espiritualidade são elos de uma mesma corrente, que precisam estar fortes e unidos na construção de um mundo justo, onde a dignidade da vida seja respeitada e garantida. Entendemos que a Psicologia, enquanto ciência e profissão, tem muito a contribuir com esta nova utopia que nos guia como horizonte de sentido.

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24

JUNG, Carl Gustav. Psicologia e religião ocidental e oriental. Petrópolis: Vozes, 1983. KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. 13ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2018. MASSIMI, Marina; MAHFOUD, Miguel (Orgs.). Diante do mistério: Psicologia e senso religioso. São Paulo: Loyola, 1999. PAIVA, Geraldo José de (Org.). Entre necessidade e desejo: diálogos da psicologia com a religião. São Paulo: Loyola, 2001. PAIVA, Geraldo José de; ZANGARI, Wellington (Org.). A representação na religião: perspectivas psicológicas. São Paulo: Loyola, 2004. PEREIRA, Willian. A formação religiosa em questão. Petrópolis: Vozes, 2004. SEGRE, Marco; FERRAZ, Flávio Carvalho. O conceito de saúde. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 31, n. 5, oct. 1997, p. 538-542. Disponível em: <http://www. scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89101997000600016&ln g=en&nrm=iso>. Acesso em 19 jul. 2019. http://dx.doi.org/10.1590/S003489101997000600016. WONDRACEK, Karin H. K. et al. (Orgs.). Perdão: onde saúde e espiritualidade se encontram. São Leopoldo: Sinodal, 2016.


VIDAS VIDAS VIDAS

extintas.

atingidas.

suspensas. COMO A PSICOLOGIA, IMPLICADA NA PRODUÇÃO DE SAÚDE, TEM ATUADO NUM ESTADO VITIMADO PELA ATIVIDADE ECONÔMICA QUE O ORIGINOU Texto: Eliziane Lara e Lucas Wilker Fotos: Brumadinho - Lucas Wilker / Mariana - Larissa Pinto / Macacos - Nádia Nicolau

Maria Aparecida prepara uma galinhada na horta comunitária que fica na sede de Mariana. Antes do rompimento da barragem de Fundão, ela vivia no distrito de Paracatu.

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Gente, casas, hortas, terreiros, currais, grupo escolar, nascentes, córregos, peixes. Escritório, refeitório, almoxarifado. Antes, tinha tudo isso. Agora, não tem mais. O rompimento de barragens de rejeitos resultantes da extração do minério de ferro (e a ameaça iminente de novos episódios) criou um “depois” com consequências devastadoras e ainda difíceis de serem mensuradas para Minas Gerais. O primeiro caso de grande repercussão se deu em 2015, com o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana. Três anos e dois meses depois, rompe a barragem da Mina do Feijão, no município de Brumadinho. 22 dias depois, as sirenes soam em Macacos, distrito de Nova Lima. O nível de risco de rompimento de inúmeras barragens aumenta. Comunidades inteiras, em 26

municípios como Barão de Cocais e Congonhas, passam a viver sob um risco que até então não tinha alcançado tamanhas proporções. Psicólogas(os) têm sido convocadas(os) a trabalhar nesses cenários, no atendimento emergencial aos atingidos e em ações de reparação. Entrevistamos profissionais que atuam em Brumadinho, Macacos e Mariana para conhecer as questões que têm se apresentado e as ações em curso.

LUTOS 25 de janeiro de 2019. O rompimento da barragem da Mina do Feijão leva violentamente vidas humanas, animais, plantações, casas... Exatos seis meses depois, 248 corpos tinham sido identificados e 22

continuavam desparecidos, em um doloroso processo de ciclos que não se fecham. A psicóloga e coordenadora da Comissão de Psicologia de Emergências e Desastres do Conselho Regional de Psicologia - Minas Gerais (CRPMG), Lilian Garate, explica que, em Brumadinho, parte das famílias enfrenta o luto presumido e, por um mecanismo de sobrevivência, criarão estratégias para que seja possível seguir adiante. “O luto no caso de desaparecimentos não fecha totalmente. A criação de recursos simbólicos acontecerá no tempo de cada família, não pode ser imposta”, afirma. Outra experiência singular de luto é vivida nas comunidades em situação de iminência de desastre. Como define a psicóloga e moradora do distrito de Macacos, Andréa Silveira, é como se um rejeito invisível


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A barragem não se rompeu, mas o luto existe pela perda de projetos de vida. A diretora do Departamento de Saúde Mental de Nova Lima, Ana Maria Matoso, explica que as atividades econômicas de Macacos não estão vinculadas à mineração, mas ao turismo. Muitas pessoas foram morar na região em busca de um modo de vida diferente, ligado à natureza. Assim, a ameaça de rompimento da barragem afeta de modo central a identidade do lugar.

Participar da horta comunitária é uma forma encontrada por José Marques de relembrar parte da rotina que vivia no distrito de Bento Rodrigues, antes do rompimento de Fundão.

“Não há imagens de destruição, mas nós sabemos que uma parte da vida das pessoas foi ceifada. Muitas não vão voltar para suas casas. É recomeçar sem ter sido um desejo da pessoa”, explica a psicóloga da saúde mental na Atenção Básica, Anali Ferreira. Segundo a Secretaria de Desenvolvimento Social de Nova Lima, até o dia 18 de junho de 2019, 253 moradores de Macacos ainda estavam fora de suas casas.

MODOS tivesse soterrado, ou pelo menos provocado a suspensão, por tempo ainda indeterminado, de planos para o futuro. A noite do sábado, 16 de fevereiro de 2019, foi de terror para moradoras e turistas que estavam no distrito. A sirene soou e alertou a população para o risco real de rompimento da barragem Mina Mar Azul, que passou do nível 1 ao 2 nos termos de classificação de risco. A ordem era de evacuação imediata. “Ninguém sabia qual seria o local seguro. O trânsito ficou congestionado porque as pessoas tentavam fugir, mas não sabiam para onde. Foi uma experiência de guerra para essas pessoas. À noite e com chuva”, relata Andréa. Naquele dia, não havia placas de sinalização e os moradores não tinham passado por treinamento de fuga.

DE VIDA

No barranco, à beira da horta, José cava um pequeno buraco, coloca pedras e tijolos nas bordas, põe as lenhas e acende o fogo. Maria Aparecida traz as panelas e começa a refogar os temperos. O cardápio daquele 3 de julho de 2019 é galinhada, oferecida por eles à equipe do Conviver, dispositivo coordenado pela Secretaria Municipal de Saúde de Mariana, que acompanha as pessoas que sofreram deslocamento forçado para a sede do município quando houve o rompimento da barragem de Fundão, em 5 de novembro de 2015. Maria Aparecida Simão morava no distrito de Paracatu e José Marques da Silva, em Bento Rodrigues. A psicóloga referência técnica do Conviver, Maíra Carvalho, explica que a horta é uma das intervenções psicossociais realizadas pela equipe

de saúde mental junto aos atingidos. A iniciativa acontece num terreno cedido pela Apae e procura atender a uma das primeiras demandas daqueles que foram forçados a sair da zona rural e a viver no meio urbano: poder cultivar alimentos. Segundo Maíra, a busca pelo espaço físico para a execução da horta durou cerca de um ano. O desejo de ter uma horta e fazer a galinhada ali, de modo semelhante ao que acontecia nos distritos em que moravam, dão pistas de uma das principais consequências geradas por rompimentos da magnitude de Fundão: a extinção de modos de vida. O que significa que, além de bens materiais, os rejeitos também tragaram formas de organização, relações e manifestações culturais. A psicóloga e assessora técnica das comunidades de Mariana atingidas pelo crime da Samarco, Cecília Ribeiro, explica que a Psicologia tem muito a colaborar no levantamento das perdas que não são materiais. “Precisamos pensar em formas de reparação para os danos morais, que vão desde um álbum de fotografias, até práticas culturais. É tudo o que perpassa o modo de vida”, realça. Em Mariana, o processo de cadastramento e levantamento das perdas tem sido feito pela Assessoria Técnica, que começou a atuar em outubro de 2016, quase um ano após o rompimento da barragem. “A assessoria foi criada a partir do entendimento de que era necessária uma equipe multidisciplinar para poder apoiar os atingidos na luta pela garantia da reparação integral”, explica Cecília. Em Mariana, a Assessoria Técnica atende as comunidades de Bento Rodrigues, Borba, Camargos, Campinas, Paracatu de Baixo, Paracatu de Cima, Pedras e Ponte do Gama. As(Os) profissionais que atuam no campo psicossocial da Assessoria Técnica são das áreas de Psicologia, Serviço Social e Direito. “A Psicologia contribui muito no olhar para a comunidade, ao pensar nas formas 27


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de organização e nas relações afetivas e comunitárias que dão sentido à vida das pessoas, à sua identidade individual e coletiva”, reforça. A psicóloga Maíra Carvalho relata que após o rompimento da barragem, foram realizadas muitas mobilizações em solidariedade às populações rurais atingidas. No entanto, houve mudanças com o passar do tempo. “As rupturas sociais intensas e os impactos na economia local, provocados pela paralisação das atividades da Samarco no município, geraram conflitos sociais”, explica. Segundo Maíra, os atingidos relatavam que eram vítimas de xingamentos ao serem vistos no comércio com o cartão por meio do qual passaram a receber o auxílio financeiro emergencial. “O cartão não era reconhecido como direito, mas como benefício”, avalia. O auxílio emergencial é de um salário mínimo por família, acrescido de 20% por dependente. A hostilização também se manifestou no espaço escolar. “Recebemos crianças que estavam em sofrimento, não queriam ir para a escola, tinham insônia, vários sintomas. Nós levamos essas questões para mediação no Fórum Intersetorial, que discutia impactos da mineração para Mariana e construía estratégias de acolhimento às famílias atingidas. Entendemos a importância de envolver múltiplos atores, pois as

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demandas extrapolavam dimensões individuais”, relata Maíra. A comunidade decidiu que as escolas de Bento Rodrigues e de Paracatu deveriam funcionar em espaços físicos próprios, apenas com crianças e professores desses distritos, em locais alugados pela Fundação Renova – organização responsável pela reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, mantida por recursos da Samarco, BHP Billiton e Vale.

TRABALHO

VOLUNTÁRIO A coordenadora da Comissão de Psicologia das Emergências e Desastres, Lilian Garate, afirma que uma das lições aprendidas a partir de Brumadinho é a importância de se dedicar atenção ao voluntariado. “Em Mariana tinha uma queixa dos atingidos serem abordados por sete psicólogas(os) diferentes. Em Brumadinho, houve relatos de mais de 20. É algo absolutamente desnecessário e complicado”, alerta. Segundo Lilian, o caminho para evitar esse tipo de violação está em validar a rede pública como agente principal na coordenação dos fluxos de atendimento, e foi essa premissa que norteou a atuação do Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais

(CRP-MG) em Mariana e Brumadinho. O psicólogo referência técnica da saúde mental de Brumadinho, Rodrigo Chaves, explica que trabalhadoras(es), parceiras(os) dos governos municipais, estadual e federal, e voluntárias(os) que realizaram atendimentos, foram organizadas(os) em grupos de modo que houvesse sempre um profissional de Brumadinho, por ter conhecimento sobre a população, o território e a rede. “Trabalhamos todo o tempo para que os grupos tivessem informações seguras e tranquilizadoras à população e segurança técnica nos cuidados clínicos”, afirma. Na avaliação do psicólogo, a capacidade da equipe de saúde mental do SUS de dar uma resposta imediata foi fundamental para a qualidade dos primeiros cuidados psicológicos ofertados. “Elaboramos estratégias de cuidados e de presença efetiva em todos os pontos de atendimento, transmitindo à população a segurança de que a equipe estava de prontidão”, relata. Mesmo com esses esforços, houve excessos. “Alguns grupos de voluntárias(os), ONGs e profissionais individuais resistiam a se submeter à coordenação da rede pública, de se inteirar dos fluxos. As famílias foram extremamente invadidas. Algumas pessoas disseram ‘hoje bateram 10 vezes na minha porta


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para perguntar se preciso de ajuda, não suporto mais’. Estamos com grupos de trabalho sobre questões diversas, como o luto patológico, e as pessoas estão resistindo em participar, ainda não querem”, relata. Lilian Garate enfatiza que voluntárias(os) também devem se atentar aos autocuidados: “sabemos de voluntárias(os) que tinham ido à Mariana, mas decidiram não ir à Brumadinho exatamente porque tinham consciência das sequelas emocionais que viveram”. Outro aspecto importante de ser considerado é que voluntárias(os) também precisam de comida, água e abrigo, recursos que geralmente já estão comprometidos em contextos de desastres.

ATENDIMENTOS PSICOSSOCIAIS Em Brumadinho, Rodrigo Chaves conta que a procura pelos serviços de saúde mental passa a registrar crescimento cerca de três meses após o rompimento. “Tem gente que chega aqui dizendo que não foi afetada, mas está com choro frequente, insone. A pessoa diz que não foi atingida porque a lama não chegou na casa dela, não perdeu um familiar, mas é importante frisar que a população como um todo foi afetada”, aponta. Segundo o psicólogo, os sintomas se manifestam em pessoas de várias idades, inclusive crianças e adolescentes, e convergem com o que estudos sobre situações de emergências e desastres apontam: depressões e ansiedades mais agudas, tentativas de suicídio, violência doméstica e aumento do consumo de álcool e outras drogas. Uma das iniciativas adotadas no município diante desse novo cenário é a ampliação da rede de cuidados. O Centro de Atenção Psicossocial I (CAPS I) foi ampliado para CAPS II e credenciado junto ao Ministério da Saúde. O mesmo aconteceu com o serviço infantil municipal, que passou a ser um Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSi). Segundo Rodrigo, o credenciamento permite a ampliação da capacidade de atendimento dos serviços.

Obras, sinais de alerta, restaurantes vazios: ameaça de rompimento traz mudanças profundas para o cotidiano de Macacos, em Nova Lima.

ATUAÇÃO no IML

Psicólogas(os) voluntárias(os) atuaram no Instituto Médico Legal (IML), a partir de uma demanda da Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais. O grupo contou com a participação de integrantes da Comissão de Psicologia de Emergências e Desastres do CRPMG, de universidades e de outras instituições. As atividades tiveram início na manhã seguinte ao rompimento da barragem em Brumadinho. As(os) psicólogas(os) trabalharam em duas frentes: no acolhimento às famílias que chegavam ao IML e nas equipes de coleta de DNA. “As pessoas tinham dificuldade de sair dali, pois buscavam informações concretas”, relata a psicóloga Lilian Garate. Segundo ela, existia uma fantasia do que é o reconhecimento do corpo, assim muitas se prontificavam a ver os corpos e auxiliar na identificação. Um dos trabalhos das(os) psicólogas(os) foi explicar como funciona o processo de reconhecimento e os danos emocionais provocados tanto pela exposição à situação, quanto pela possível ocorrência de um equívoco. “O recurso visual é o último utilizado no caso de reconhecimento. As pessoas têm dificuldade de realizar uma identificação objetiva quando estão comovidas”, afirma. Lilian explica que o fluxo de pessoas foi diminuindo ao longo dos dias, pois foi garantido às famílias que elas seriam as primeiras contatadas no caso de um ente ser encontrado. Segundo ela, para além da dor da espera, há outro agravante no caso de Brumadinho: a grande violência imposta aos corpos. “Isso pode despertar uma série de fantasias, desde que a identificação pode não ter sido correta, à questão de imaginar em que estado o corpo está, no quanto a pessoa sofreu, onde foi parar o resto do corpo. Então, sem dúvidas, isso agrava a dor”, pontua.

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Além disso, foram criadas equipes intermediárias no território. Em Mariana, a principal iniciativa no campo do atendimento psicossocial às famílias que foram removidas para a sede foi a articulação do Conviver, previsto no plano de ação elaborado pela Secretaria Municipal de Saúde. A equipe conta com profissionais de Psicologia, Psiquiatria, Terapia Ocupacional, Serviço Social e Arteterapia. Maíra Carvalho relata que, de 2016 a 2019, as atividades eram realizadas em apoio à Atenção Primária à Saúde, nos equipamentos da rede pública e em espaços culturais e comunitários. Atualmente, a equipe tem um espaço próprio e se organiza como um dispositivo específico e de referência na Rede de Atenção à Saúde para atendimento das demandas em saúde mental e atenção psicossocial dos atingidos. Maíra afirma que essa reestruturação é importante para criar um espaço de referência destinado aos atingidos e potencializar as ações. As ações do Conviver também estão previstas após o reassentamento das comunidades. “Quando se pensa em saúde mental no contexto de desastre, é necessário extrapolar a visão biomédica ou só da patologia. Muito do sofrimento que aparece demanda um cuidado pragmático, em diálogo com a Assistência Social, com o Ministério Público, com a Assessoria Técnica. Têm chegado para os atendimentos quadros ansiosos, depressivos, mas que estão intrinsicamente relacionados às rupturas provocadas pelo desastre e ao desejo de ter a própria casa, a própria horta”, avalia Maíra. O fator tempo é também fonte de sofrimento em Mariana. Quase quatro anos após o rompimento, as famílias que optaram por viver nos reassentamentos coletivos, que estão sendo reconstruídos, ainda não receberam suas casas e a vida na moradia de aluguel é provisória. “Onde moro não posso colocar um prego na parede e não dá para ter nenhuma criação, é tudo de cimento 30

e cerâmica”, lamenta José Marques. “É importante compreender que as vivências dos sujeitos nesse processo são singulares, existem famílias que optaram por não morar nos reassentamentos coletivos. O fundamental é que as intervenções psicossociais acompanhem e respeitem as diferentes decisões dos indivíduos e famílias, e estejam atentas às novas construções de projeto de vida”, completa. Para o distrito de Macacos, a Prefeitura de Nova Lima articulou um plano de ação que está em fase de tramitação e também prevê a formação de um dispositivo multidisciplinar de atendimento aos atingidos. “Precisamos de uma rede de suporte para auxiliar a população a ressignificar esse sofrimento, mas sabemos também que não são todos que vão demandar tratamento. É uma população engajada e nossa aposta é de que isso é um motor de recuperação”, afirma Ana Maria. A assessora técnica das comunidades atingidas de Mariana, Cecília Ribeiro, também identifica, no envolvimento na luta por direitos, a oportunidade de produção de saúde. “Percebemos que há cansaço, mas também acontecem muitas ressignificações. O processo de se reconhecer enquanto pessoa atingida e participar da luta coletiva também tem sua potencialidade de construir saúde, de propiciar sujeitos críticos e emancipados”, avalia.

ASSISTÊNCIA SOCIAL

Uma política pública que tem passado por grande reorganização em Brumadinho, devido aos novos cenários trazidos pelo rompimento, é a de Assistência Social. Foram implantados no município a Vigilância Socioassistencial e o Programa de Atendimento Especializado à Calamidade, que conta com uma unidade no Parque da Cachoeira e uma no Córrego do

Feijão, áreas muito atingidas pelo rejeito. “Outras duas equipes volantes atendem regiões mais distantes e que não sofreram diretamente o impacto, mas estão com direitos difusos violados”, explica o coordenador da Vigilância Socioassistencial, Felipe Brandão. Todas as equipes contam com psicóloga(o). Também houve reforços nas equipes dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS e CREAS). Ao todo, foram contratadas(os) 27 novas(os) profissionais, de várias áreas. Outra providência foi a instalação de todos os serviços da Assistência Social em um mesmo prédio, no centro do município, para facilitar o acesso da população. A psicóloga do CREAS de Brumadinho, Rhúbia Paiva, relata que


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para famílias que moravam em Brumadinho à época do rompimento. A previsão atual é de que os valores sejam pagos pelo período de 25 de janeiro à 25 de dezembro de 2019. As equipes de assistência social observam que o recebimento do auxílio emergencial tem permitido que mulheres saiam de relacionamentos abusivos e arquem com o pagamento de alugueis de moradias para si e os filhos, mas também há dúvidas sobre como esses novos arranjos serão sustentados quando cessar o pagamento do auxílio.

Em Brumadinho, atos em memória das vítimas são realizados todo dia 25. As imagens registram o ato organizado em 25 de junho de 2019.

As(os) psicólogas(os) de Brumadinho que ouvimos para essa reportagem não têm dúvidas de que todos os moradores foram atingidos, mas manifestam preocupação com a forma como a situação tem sido conduzida. “Há um deslumbre pelo consumo na cidade, não há um processo de empoderamento e transposição de vulnerabilidade”, avalia Felipe Brandão. “Temos observado uma suspensão do luto. Já era um luto muito difícil, sem corpos, de buscas prolongadas e agora vem uma euforia consumista. É a linha de raciocínio do capital de misturar tudo. O luto da cidade como um todo está diluído nesse consumismo”, alerta Rodrigo Chaves.

o pagamento de auxílio emergencial a todos os moradores do município também tem gerado repercussões na política de assistência social, pois muitas famílias deixaram de comparecer aos serviços por não se enquadrarem mais na situação de vulnerabilidade econômica. A Vale paga um auxílio emergencial no valor de um salário mínimo por adulto, meio salário por adolescente e um quarto de salário por criança

Um aspecto que merece atenção no caso de Brumadinho é que os profissionais envolvidos nas ações de resposta à tragédia também estavam profundamente afetados pela perda de familiares e amigos. A então secretária de Desenvolvimento Social, Sirlei Ribeiro, foi uma das vítimas da tragédia. “Nos primeiros dias, trabalhávamos em plantões de 12 horas. Sentimos não só cansaço físico, mas emocional. Foi e ainda tem sido um desafio conseguirmos nos articular e definir como vai ser o trabalho”, relata a psicóloga Rhúbia Paiva.

FORMAS DE CUIDADO Passados quase quatro anos do rompimento da barragem de Fundão, a atuação do Conviver e da Assessoria Técnica em Mariana sinalizam que os cuidados construídos em territórios atingidos por barragens passam pelo envolvimento com as questões vivenciadas pelos moradores, com acompanhamento das diferentes demandas que extrapolam o período emergencial e pela construção de estratégias de atenção a médio e longo prazo. Estratégias que se materializam, por exemplo, na busca pelo espaço da horta; na mediação junto às escolas diante do sofrimento relatado pelas crianças; na participação em reuniões e audiências que discutem os processos de reparação; e em ações aparentemente simples, mas muito significativas, como a adesão ao convite de Maria e José de fazer a galinhada na horta. “Um cuidado que se realiza no encontro com os sujeitos, que em alguns momentos é mais pragmático, em diálogo com parceiros e a rede de apoio aos atingidos, mas sempre sensível às demandas do sofrimento social inerentes ao contexto”, define Maíra Carvalho. Para Cecília Ribeiro, o contexto das barragens demanda o reconhecimento da vertente da Psicologia capaz de fortalecer as comunidades. “A atuação da Psicologia não deve ser só enquanto um remédio, depois que a situação aconteceu vem a Psicologia para cuidar da saúde mental. Temos teorias, métodos e ferramentas que podem contribuir na perspectiva do fortalecimento das comunidades, da luta por direitos”, defende.

Saiba mais: Conteúdos extras podem ser encontrados no site

www.crp04.org.br/revista

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Psicologia e as Tecnologias da Comunicação e Informação: uma junção possível

Texto: Comissão de Orientação e Fiscalização do CRP-MG Elaborado por Vanessa de Almeida Santana (psicóloga fiscal), com a contribuição da equipe de Orientação e Fiscalização/COF. 32


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casos de urgência e emergência, além das situações nas quais atendimento por meio de TICs é vedado, de acordo com a Resolução CFP nº 11/2018.

As Tecnologias da Comunicação e Informação (TICs) estão presentes em vários âmbitos das nossas vidas. Podemos optar por fazer compras online, sem sair de casa, ou pagar um boleto sem precisar enfrentar as temidas filas de banco. A Psicologia, por sua vez, também já se encontra no contexto virtual. É possível que alguns serviços psicológicos sejam prestados por meio dessas tecnologias. No entanto, a ética deve ser companheira inseparável de qualquer trabalho desenvolvido pelas(os) psicólogas(os). Por esse motivo, temos uma normativa que regulamenta o serviço prestado por meio das TICs, a Resolução CFP nº 11/2018. Se você é psicóloga(o) e quer prestar serviços mediados por essas tecnologias, é importante avaliar se está preparado teórica e tecnicamente para a realização do serviço de Psicologia que pretende oferecer, e se possui conhecimento adequado das TICs que serão utilizadas. Apesar de a temática “Psicologia e TICs” ser relativamente recente, já existem estudos científicos sobre esse assunto. Importante salientar que a prestação de serviços psicológicos por meio das TICs se trata apenas de um meio para oferecer os serviços próprios da Psicologia e não uma técnica nova, como alguns profissionais estão divulgando. Desse modo, é muito importante que a(o) profissional, caso não tenha conhecimento, procure se informar e se capacitar, para que o serviço prestado seja realmente de qualidade e respaldado nos referenciais ético, teórico e técnicos. Além disso, alguns aspectos práticos precisam ser observados. Primeiramente, é obrigatório que

a(o) psicóloga(o) faça seu cadastro no e-Psi, através do site do Conselho Federal de Psicologia, que será avaliado pelo Conselho Regional onde a(o) profissional possui sua inscrição principal. Um ponto importante nesse cadastro é que a(o) profissional faça uma descrição dos serviços que serão ofertados, relacionando-os com as tecnologias a serem utilizadas, além da fundamentação teórico/técnica e ética do trabalho, incluindo os cuidados tomados para manutenção do sigilo, tendo em vista o recurso utilizado e sua fragilidade . É importante mencionar que prestar serviços psicológicos através de TICs sem a devida aprovação do cadastro é caracterizado falta disciplinar. A lista das(os) profissionais cadastradas(os) no e-Psi e que, portanto, têm permissão para realizar os atendimentos, pode ser acessada diretamente na Plataforma e-Psi. Outro ponto que merece destaque é a responsabilidade da(o) profissional frente ao sigilo dos atendimentos realizados, tendo em vista a vulnerabilidade inerente aos meios tecnológicos. Desse modo, a(o) profissional deve tomar cuidados para que o sigilo seja preservado, propiciando um ambiente físico adequado para ocorrer a prestação de serviços e adotar meios tecnológicos de proteção como, por exemplo, antivírus, criptografia, etc. Ademais, os usuários dos serviços devem ser orientados sobre a responsabilidade que estes também possuem em relação à adoção de cuidados para a manutenção do sigilo. A(o) profissional também deve estar sempre atenta(o) para os casos nos quais o atendimento psicológico online não é recomendado, como em

Salienta-se, ainda, que não existe obrigatoriedade de se ter um site para prestar serviços por meio das TICs. No entanto, a(o) profissional, caso tenha interesse, pode manter um site para divulgação do seu trabalho. Nesse caso, devem ser observadas todas as orientações sobre publicidade profissional constantes no Art. 20 do Código de Ética Profissional da(o) Psicóloga(o) (CEPP), destacando-se a vedação quanto à utilização do preço como forma de propaganda, à divulgação sensacionalista do trabalho e à previsão taxativa de resultados. Além disso, tem sido frequente que profissionais realizem cadastros em plataformas que divulgam o trabalho ofertado por psicólogas(os), que possuem um padrão de contrato de prestação de serviços e que servem como ferramenta para esta. Nesse sentido, reforçamos que não é obrigatória a vinculação em tais plataformas. Caso a(o) profissional opte por fazê-lo, ela(e) deve estar ciente que também é responsável pela observância do Código de Ética Profissional por parte da plataforma, tanto no sentido de orientar quanto ao cumprimento das normatizações do Sistema Conselhos, quanto em relação ao seu dever de se desvincular da mesma em caso de irregularidades, sob pena de poder sofrer processo disciplinar. Quanto ao registro do trabalho da(o) psicóloga(o), ele deve ser realizado da mesma forma que nos atendimentos presenciais. Sendo assim, devem ser mantidos os prontuários psicológicos dos usuários, obedecendo ao disposto nas Resoluções CFP nº 01/2009 e nº 05/2010. Por fim, independente do meio que a(o) profissional utilize, seja presencial ou através de TICs, os aspectos éticos, técnicos e legais precisam ser sempre observados e devem sustentar o trabalho desenvolvido pela(o) psicóloga(o).

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REGISTRAR

É PRECISO Tarefa fundamental para qualificação do trabalho, a documentação do atendimento garante segurança à(ao) profissional

Registrar em Psicologia é fazer um escrito manual ou informatizado de forma objetiva, clara e técnica sobre a assistência prestada, criando uma memória que possa ser resgatada para avaliação, reflexão e condução do trabalho; bem como para fins de pesquisa e constituição de provas documentais, devendo estar à disposição do Conselho de Psicologia. Trata-se, portanto, de uma tarefa fundamental para qualificação do trabalho, mas que tem se configurado como um desafio para as(os) psicólogas(os) frente à complexidade do seu objeto, de uma história frequente de não sistematização das atividades, somadas à ausência do ensino na graduação e à escassez de reflexões/produções acadêmicas sobre esse registrar. Considerando esse cenário, mas sem a pretensão de esgotar a complexidade dessa tarefa, em 2009, o Conselho Federal de Psicologia expediu uma Resolução (RES CFP nº 01/2009) tornando obrigatório esse procedimento em todas áreas de atuação da(o) psicóloga(o), trazendo orientações sobre o registrar, quais tipos e em que condições este deve ocorrer. Quanto aos tipos, cabe explanar que o registro em Prontuário Único deve ser realizado quando há um trabalho em equipe multiprofissional configurando um instrumento de comunicação da equipe; e o registro em Prontuário Psicológico quando o trabalho ocorrer isoladamente, ou quando se considerar a necessidade de fazer um registro que não deva ser compartilhado com outras(os) profissionais. Cabe ressaltar que tanto o Prontuário Único, quanto o Prontuário Psicológico, devem estar em local que garanta sigilo e privacidade das informações, sendo de acesso exclusivo dos profissionais e dos usuários do serviço – e no caso de menores de idade, também dos respectivos responsáveis legais. Observa-se que esse direito inclui, também, o de realização de cópia dos registros. Por outro lado, o Registro Documental – registro que fica em pasta de acesso exclusivo da(o) psicóloga(o) – somente irá

Texto: Comissão de Orientação e Fiscalização do CRP-MG Elaborado por Liziane Karla de Paula (psicóloga fiscal), com colaboração da equipe do setor de Orientação e Fiscalização/CRP-MG.

ocorrer quando há razões para o usuário/beneficiário do serviço não ter acesso a esse conteúdo, como, por exemplo, no caso de material decorrente da utilização de instrumentos privativos/testes psicológicos ou outros que contenham informações mais específicas e detalhadas sobre o serviço. A guarda desses registros e dos documentos psicológicos (contemplados e normatizados pela RES CFP nº 06/2019) caso não haja normativa ampliando, deverá ocorrer por um período mínimo de 5 anos, e a responsabilidade por esta é da(o) psicóloga(o). No caso de instituições, é uma responsabilidade compartilhada destas com a(o) responsável técnica(o) e/ou outras(os) representantes da instituição. Quanto ao conteúdo dos registros, especialmente nos prontuários psicológico e multiprofissional, estes deverão conter: a identificação do usuário e/ou instituição; a avaliação da demanda e definição dos objetivos do serviço; os procedimentos técnico-científicos adotados; e os registros evolutivos que permitem o acompanhamento do trabalho. Lembrando que materiais privativos devem ser guardados na pasta de acesso exclusivo da(o) psicóloga(o), motivo da expedição da RES CFP nº 05/2010. Evidente que tais orientações são essenciais, mas não esgotam todas as dúvidas dos profissionais sobre esse registrar, especialmente quanto ao conteúdo, sendo importante destacar a necessidade do constante processo de reflexão considerando o objetivo do trabalho e do registro, as pessoas que podem ter acesso a esse material, bem como as possíveis repercussões – inclusive judiciais. Assim sendo, salienta-se que o Código de Ética Profissional do Psicólogo (RES CFP nº 10/2005) é um instrumento balizador para essas reflexões, destacando-se, neste caso: o dever de sigilo profissional e a possibilidade de quebra em vista do menor prejuízo; o de compartilhar com outros profissionais apenas informações relevantes para qualificar o trabalho; e o de informar ao usuário, desde o princípio, os meios de registro e observação do serviço.


ÉTICA | REVISTA CRP-MG

Os meios de solução consensual de conflitos no Sistema Conselhos de Psicologia Autonomia das partes para a resolução das questões apresentadas e a ampliação da produção de justiça se constituem nas principais vantagens da mediação

O Sistema Conselhos de Psicologia incorporou os meios de solução consensual de conflitos, no âmbito da Comissão de Ética, como uma possibilidade ofertada e, portanto, facultada às partes, em caso de denúncia de falta de ética cometida em exercício profissional por uma(um) psicóloga(o). Trata-se de uma ampliação do paradigma jurídico, ainda novo para os Conselhos de Psicologia, mas que em muito pode contribuir com a alteração de posturas adversariais nos processos. Tais meios

apostam na autonomia das partes para resolução das questões apresentadas, se apresentando como ampliadores da produção de justiça. Foi em 2016 que o Conselho Federal de Psicologia (CFP), por meio da Resolução CFP nº 007/2016, instituiu a mediação e outros meios de solução consensual de conflitos como recursos alternativos para os processos disciplinares éticos, regulamentando a criação da Câmara de Mediação no âmbito das Comissões de Ética,

Texto: Comissão de Orientação e Ética do CRP-MG Elaborado por Silvana Bueno (psicóloga de referência técnica) e Carina Maciel, (estagiária) com a colaboração da conselheira Letícia Gonçalves e Flávia Santana, gerente técnica 35


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alterando também a Resolução CFP nº 006/2007, que institui o Código de Processamento Disciplinar (CPD). A partir dessa nova diretriz, em 2017, o Conselho Regional de Psicologia - Minas Gerais (CRP-MG) construiu e publicou a Resolução CRP/04 nº 004/2017, que criou a Comissão de Solução Consensual de Conflitos Regional, no âmbito da Comissão de Ética Regional com fulcro na Resolução do CFP nº 007/2016. Como método, a mediação pode ser usada em qualquer tipo de conflito se guardadas as condições de voluntariedade, capacidade de compreensão e equilíbrio de poder entre as partes. As formas consensuais de solução de conflitos visam proporcionar diminuição do desgaste, seja emocional ou de outras ordens, inclusive reduzindo a duração temporal dos processos, que podem se alongar por anos. Por valorizar o diálogo, favorecendo o desenvolvimento da autonomia, aponta a possibilidade de se gerar condições de melhoria nas relações. O mediador facilita a relação entre os envolvidos, porém não julga nem sugere soluções. Atua como intermediário na comunicação, buscando identificar as necessidades objetivas e subjetivas, a fim das partes resolverem as questões e apontar soluções, encontrando aquela mais adequada a todos os envolvidos. No âmbito do exercício profissional, propicia a reflexão e a retificação da conduta, com potencial favorecimento da qualificação dos serviços posteriormente prestados

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à sociedade. Neste sentido, a implementação no Sistema Conselhos de Psicologia cumpre com seu papel de disciplinar o exercício profissional. Segundo o Relatório Final do I Encontro Nacional de Psicologia: Mediação e Conciliação publicado pelo CFP em 2006, a “mediação de conflitos – o mais popular dos meios consensuais de resolução de controvérsias – é uma prática que valoriza e facilita a inovação, e provoca mudanças em procedimentos baseados na autonomia da vontade”. Sendo assim, a proposta de mediação dos casos processuais que passam na Comissão de Ética (COE) se apresenta como responsabilidade das(os) profissionais da Psicologia que têm, diante da categoria e da sociedade, a partir da norma de regulação profissional, a possibilidade de, na presença do mediador, prestarse ao equilíbrio das relações e na manifestação para que possa tomar consciência da desigualdade, buscando a mudança no sentido pela equidade nas relações. Reforçando o compromisso com a sociedade no desenvolvimento do lugar social da Psicologia, a questão do processo de mediação interessa à categoria de psicólogas(os) na medida que, para além das partes, pode construir uma solução para seus conflitos, de forma que isso se projete em outras ações. Convidamos a todas e todos a conhecerem as normativas que orientam a implementação dos meios de solução consensual de conflitos no âmbito do Sistema Conselhos de Psicologia e colaborem com sua ampla divulgação.


IDEIAS E IDEAIS

INSTITUCIONAL | REVISTA CRP-MG

NÓS, HUMANAS: A pluralidade da PSICOLOGIA na promoção dos Direitos Humanos

A Campanha “Nós” sintetizou a mensagem do XV Plenário.

DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS SE CONSOLIDA COMO FOCO DE ATUAÇÃO DO CONSELHO Nos três anos da gestão do XV Plenário, as diversas comissões temáticas e permanentes colocaram como premissa o compromisso social da Psicologia O desejo de valorizar a contribuição da(o) psicóloga(o) na promoção dos Direitos Humanos e de ocupar todos os espaços possíveis na sociedade nortearam o XV Plenário do Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais (CRPMG), de setembro de 2016 até setembro de 2019. Tal atuação teve como horizonte a redução do sofrimento dos sujeitos, o fortalecimento das políticas públicas e a busca de soluções para que o país seja mais justo e igualitário. “O momento histórico e político nos demandou coragem para discutir a importância dos Direitos Humanos, reverberando tanto para as(os) profissionais quanto para a população de modo geral”, assinala Stela Maris Bretas de Souza, presidenta do CRP-MG. Segundo ela, abordar o tema tem destacado o modo como a Psicologia é dinâmica, problematizadora e possui um saber que lhe ampara no entendimento sobre as questões sociais sem a interferência de juízos de ordem moral, religiosa ou de preferências pessoais. Nessa perspectiva, conforme exemplifica Claudia Natividade, que esteve à frente da Diretoria no primeiro ano de gestão do Conselho, o XV Plenário optou por manter na presidência

NÓS, DIVERSAS:

A pluralidade da PSICOLOGIA na promoção dos Direitos Humanos

NÓS, IGUAIS:

A pluralidade da PSICOLOGIA na promoção dos Direitos Humanos

somente mulheres de olho no enfrentamento aos obstáculos de acesso a lugares de poder e visibilidade. “Tal postura imprime a discussão das questões de gênero na gestão”, afirma.

COMPROMISSO SOCIAL DA PSICOLOGIA

O sentido da atuação desse plenário reflete o compromisso social da Psicologia. “É muito importante dizer que não tem a ver com ser contrário à prática clínica psicoterápica. Historicamente, a atuação clínica, individual, elitizada e patologizante se destacava. Hoje buscamos, também, a atuação em contextos coletivos, sempre com respeito à diversidade, às diferenças, às singularidades dos sujeitos. Temos o cuidado de, inclusive, promover essa discussão com as psicólogas clínicas”, pondera Stela Maris. Na visão do conselheiro secretário Délcio Fernando Guimarães, “a categoria faz essa leitura do momento sócio-históricocultural com foco na defesa dos Direitos Humanos, e a Psicologia Clínica, especificamente, tem sido convocada a olhar por essa perspectiva”. Na prática, entre as principais ações do Conselho no âmbito desse compromisso, o conselheiro tesoureiro Felipe Tameirão ressalta a participação, em 2017, na inspeção nacional em comunidades terapêuticas, identificando diversas situações de violações de direitos; e nas atividades de orientação às(aos) psicólogas(os) que atuaram no município de Brumadinho após o crime da Vale. Essas iniciativas foram realizadas pelas comissões de Orientação e Fiscalização (COF), Orientação e Ética (COE), Saúde, Psicologia e Política de Assistência Social, Saúde Mental e Emergências e Desastres. “É interessante ver como essa marca do Conselho, focalizada nos Direitos Humanos, se dá de forma muito orgânica, abrangendo todas as comissões. Nesse sentido, a atual gestão se apropriou de uma construção inicial e fez um processo de evolução e intensificação das ações. Tudo o que chegou como demanda, tanto por parte da sociedade como das(os) psicólogas(os), nós acolhemos. Discutimos todas as temáticas propostas pela categoria. Foi se dando no dia a dia e ocupando todos os espaços”, pontua Aparecida Cruvinel, conselheira vice-presidenta.

INTERIORIZAÇÃO DAS AÇÕES

O alinhamento à face contemporânea da Psicologia, por meio da ampliação do debate e aproximação com a 37


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categoria e estudantes nas comissões temáticas”, merece destaque segundo Dalcira Ferrão, conselheira que ocupou a presidência no segundo ano de gestão. Em três anos, entre outras realizações, ocorreram 396 eventos, sendo 214 em Belo Horizonte e 182 no interior do estado, planejados e executados por meio das 56 comissões, que também estabeleceram um cronograma de encontros periódicos e que renderam 990 reuniões. Muitas dessas atividades, somadas às reflexões no período, frutificaram em publicações de relevância técnica e orientativa para a categoria. As comissões se tornaram a estratégia dos últimos plenários para organizar a atuação plural. Na região Central foram criadas, nesta gestão, seis novas frentes: Psicologia e Clínica; Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas; Psicologia e Relações Étnico-Raciais; Psicologia e Juventudes; Sistema Prisional e Socioeducativo; e Psicologia, Laicidade, Espiritualidade, Religião e Outros Saberes Tradicionais. No entanto, a maior parcela se concentra no interior do estado, onde, atualmente, funcionam 39 grupos. “Com um número maior de comissões e conselheiras(os) no interior de Minas, a gestão avançou no seu projeto de interlocução e interiorização das ações. o que enriqueceu a atuação do Conselho”, realça Dalcira Ferrão. A chegada em cidades além de onde há subsedes fixas, se tornou um marco para a categoria. Águas Formosas, na região Leste, por exemplo, trouxe como contribuição um novo olhar para pensar a(o) psicóloga(o) no Sistema Único de Assistência Social. Marcele Caldeira, coordenadora da comissão local, avalia que “a experiência de estar mais próxima do Conselho tem sido muito importante para a troca de experiências com os pares, pela oportunidade de estar nos espaços de militância e de discussão sobre o conhecimento psi, sobre questões ético-políticas e de aprofundamento sobre o fazer da Psicologia”. Elaine das Dores, coordenadora da Comissão de Psicologia e Clínica de Araxá – cidade localizada a 180 Km de Uberlândia, onde está a subsede Triângulo –, pontua que essa se tornou a principal oportunidade de diálogo e de orientação para a categoria local. “Dentro do grupo vamos discutindo várias angústias e melhorando nossa profissão como um todo. Ganhamos um espaço de discussão, de desenvolvimento profissional”, afirma. “A aproximação permitiu entender o próprio Conselho”, completa. “Conhecer um pouco mais de como se organiza o CRPMG, e também o Sistema Conselhos, me fez ampliar meu entendimento sobre a Psicologia como ciência e profissão, sobre a importância de uma profissão comprometida com a sociedade e atenta às transformações do nosso contexto histórico e social”, explica Lívia de Paula, coordenadora da Comissão de Psicologia e Política de Assistência Social da subsede Centro-Oeste. Ela é enfática ao dizer da importância da participação da categoria. “Espaços como este podem nos qualificar para o exercício da profissão”.

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VIÉS ORIENTATIVO

Na sede do CRP-MG estão estabelecidas as comissões permanentes de “Direitos Humanos”, “Orientação e Fiscalização”, “Orientação e Ética” e “Análise de Título de Especialistas”, que tiveram intensa produção no período: foram realizadas, entre outras, mais de 15 mil orientações e cerca de 600 fiscalizações, e ainda foram concedidos 387 títulos de especialista. Um dos pontos de destaque na atuação da Comissão de Orientação e Fiscalização (COF) foi a análise dos cadastros de psicólogas(os) no Sistema e-Psi, instituído como cadastro obrigatório junto ao Conselho Federal de Psicologia (CFP) para a prestação de serviços psicológicos por meio de Tecnologias de Informação e Comunicação, as TICs. O CRP-MG também contribuiu com a elaboração da nova Política de Orientação e Fiscalização do Sistema Conselhos, que propiciou, conforme conta o presidente da COF, Túlio Picinini, “um trabalho mais preventivo, podendo ser realizado coletivamente para alcançar mais profissionais”. O Setor de Orientação e Fiscalização, por meio da equipe de psicólogas(os) fiscais, na sede e nas subsedes, desenvolveu diversas ações, realizou encontros com grupos, tais como de avaliação psicológica no contexto do Trânsito, Formação Profissional, de Política de Assistência Social e de Saúde; além de promover debates sobre violação de Direitos Humanos, laicidade, relações étnico-raciais, questões de gênero, esporte, saúde mental e emergências e desastres. O trabalho da Comissão de Orientação e Ética culminou em um maior número de audiências prévias, principalmente com a escuta das(os) psicólogas(os) representadas(os), no intuito de obter mais informações acerca do teor da representação e ter mais elementos para a formação de convicção. Destaca-se, também, a realização do primeiro levantamento de casos passíveis de mediação. Em 2016, o Conselho Federal de Psicologia instituiu a mediação e outros meios de solução consensual de conflitos como recursos alternativos para os processos disciplinares éticos, regulamentando a criação da Câmara de Mediação no âmbito das Comissões de Ética. “A mediação marca uma alteração de paradigma na condução de processos éticos”, lembra Letícia Gonçalves. O CRP-MG criou, a partir da Resolução 004/2017, a Comissão de Solução Consensual de Conflitos no âmbito da Comissão de Ética Regional. “A solução por métodos consensuais visa a participação do engajamento das partes na solução dos seus conflitos. A dimensão ética do problema também é tratada por meio de reflexão crítica da(o) psicóloga(o), culminando em repensar o lugar e o fazer da Psicologia”, assinala Túlio Picinini.

Confira todas as ações do XV Plenário do CRP-MG no relatório de gestão, disponível no www.crp04.org.br




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