Eduardo Queiroga
ABRiL 2009
aos leitores
As mudanças... Tão excitantes quanto assustadoras. Com elas, propomos agitar a água, varrer a poeira que cobre os móveis, trocar objetos, quebrar paredes, mover, movimentar, olhar as coisas de um ponto que pouco ousamos ou que escanteamos. Mudar é também rever o passado, cascavilhá-lo, criticá-lo, acariciá-lo. Só mudamos aquilo que já existe, porque outra coisa é a invenção. Mudamos também, tantas vezes agradecidos, sem necessariamente sairmos do lugar. Assim entendemos esta reforma que operamos na revista Continente. Porque ela quer preservar os méritos que a publicação conquistou e manteve, nos seus oito anos de existência, mas admite a necessidade de inserir em seu contexto novas formas de observar e produzir cultura, de pensar o mundo, de empreender um jornalismo cultural que se pretende informativo, reflexivo, dinâmico. A rigor, não saímos do lugar, estamos aqui fincados, buscando a solidez e a permanência, mas supomos que para isso precisamos nos mexer, transformar. A primeira medida foi pensarmos um projeto editorial que tornasse viáveis nossas inquietações, etapa compartilhada por todos que fazem a revista hoje e que também levou em consideração opiniões de leitores que nos acompanham à lupa. Em seguida, convidamos o diretor de arte espanhol, hoje radicado nos Estados Unidos, Guillermo Nagore, para desenvolver o projeto gráfico, no qual contou com a colaboração do designer português Vasco Ferreira.
Março foi certamente um mês agitado aqui na Redação, com todos instigados pelas novidades, desdobrando-se na procura de assuntos palpitantes, colaboradores afinados com os temas aprovados, ajustando o sonho de mudança à ação de torná-la real. Entre as novas seções que propomos, o leitor perceberá a intenção de dinamizar o ritmo de leitura, de oferecer múltiplos entendimentos sobre cultura, ampliando seu repertório temático. Que valorizamos o encanto das imagens, a fotografia bem-executada, o refinamento no acabamento gráfico. Mas perceberá, também, que jamais negligenciamos a importância do texto mais denso, que demanda tempo de fruição e leitura. Ou seja, como uma revista cultural mensal vendida em bancas, a Continente se insere nas problemáticas de quem pratica o ofício, não por acaso, tema que trazemos como matéria de capa desta edição comemorativa. Com o intuito de rever o passado recente, no qual esta publicação se insere e que dele tem sido partícipe, perscrutamos os acontecimentos marcantes deste início de milênio, propondo uma matéria especial, na qual contamos com a colaboração valiosa de pensadores contemporâneos, como Zygmunt Bauman e Roland Walter. Este número 100 da Continente é como uma estreia. Estamos felizes e ansiosos. Esperamos que o leitor compartilhe de nossas inquietações e goste do que vai encontrar nas páginas seguintes.
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O caso eu conto como o caso foi
O escritor, advogado e ex-deputado federal Paulo Cavalcanti resumiu suas memórias em quatro volumes sob o título genérico “O caso eu conto como o caso foi”. A obra, agora relançada em primorosa edição, é um corajoso repositório de confissões, denúncias e revelações sobre 50 anos de lutas políticas e sociais em Pernambuco e no Brasil. Esta nova edição, três décadas depois do lançamento do primeiro volume, reafirma a importância deste testemunho, sobretudo para o conhecimento das novas gerações.
Nas livrarias ou pelos fones: 3183.2744 / Fax.31832750 *A obra completa pode ser adquirida em caixa especial ou separadamente. Anuncio_PC_4.indd 1
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sumário entrevista
Paulo Caldas 10
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Online + cartas
18-19
24-25
28-29
44-45
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Legítima defesa A história corrente de que Euclides da Cunha foi assassinado é contestada
70-73
Perfil
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Visuais
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Matéria Corrida
86-87
Sabores
88-91
Claquete
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Sonoras
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Leitura
100-102
Palco
Balaio
Sinal de fumaça Crise chega aos grandes jornais diários e não poupa nem o The New York Times
Peleja
Protecionismo cultural O Estado deve atuar como defensor das culturas e tradições locais?
Em primeira mão Mombojó O grupo está em fase de produção de seu terceiro CD
Bússola
Ronaldo Correia de Brito Escritor cearense fala sobre suas preferências — na alta e na baixa cultura
Conexão
Literatura em rede Dicas de sites literários em Pernambuco, no Brasil e no mundo
História
Paulo Santos A vingança de Dom João VI contra a Revolução Pernambucana de 1817
Baú
A propriedade é um roubo Há 200 anos, nascia JeanPierre Proudhon, o pai do anarquismo
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Edson Nery da Fonseca A intensa vida intelectual de um criador de gatos — e de livros
Exposição A influência do muralismo mexicano na arte latinoamericana
Cineasta diz que já não é mais um cinéfilo e que suas principais influências criativas vêm da música, da fotografia, da literatura e, principalmente, do jornalismo
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José Cláudio Céu azul e urubus
Maria Lectícia Cavalcanti Exaltação da mistura étnica na culinária pernambucana
Costa-Gavras Novo filme do diretor grego toca na delicada questão da imigração na Europa
Heavy metal Cena metaleira do Estado ainda é desconhecida do grande público
Will Eisner Mestre dos quadrinhos ensina como fazer histórias com conteúdo e qualidade
Antunes Filho Um dos maiores encenadores do país vem ao Recife com Nelson Rodrigues na bagagem
Saída
Ricardo Noblat A vocação do jornalista e as razões para escrever
Portfólio Origami
A arte japonesa de dobradura de papel ganha um toque brasileiro nas modulações precisas de Eva Duarte
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especial
História de uma breve década Do 11 de Setembro à crise financeira internacional: a Continente reflete sobre esse período que coincide com a existência da própria revista. Zygmunt Bauman (foto) e Roland Walter fazem uma análise global desses oito anos
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Pernambucanas Capela dourada
Passeio pelo interior da nave barroca revela uma época de fausto, quando parte importante da vida social ocorria dentro de igrejas católicas
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capa
cardápio
Divididos entre divulgar a agenda da indústria cultural e suscitar debate de temas mais aprofundados, os profissionais da área discutem os caminhos e alternativas para o segmento
Mistura de mercearia e botequim, o estabelecimento funciona como ponto de encontro para artistas e boêmios no sítio histórico de Olinda
Jornalismo cultural
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Bodega de Véio
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Ministério da Educação
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André Forastieri
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Jornalista. Colabora com
Ilustrador e chargista do Correio
Diretor executivo de
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em teoria literária
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E MAIS Alexandre Figueirôa • Ana Bizzotto • Anco Márcio Tenório Vieira • Breno Laprovítera • Débora Nascimento • Eduardo Queiroga • Flávio Lamenha • Jarbas Domingos Kleber Mendonça Filho • Leo Caldas • Marcelo Costa • Mariana Camarotti • Paulo Santos de Oliveira • Rafael Gomes • Roland Walter
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online+e-mails Uma nova revista, um site mais atuante e interativo
destaques Vídeos, fotos, textos e muito mais conteúdo, você encontra em
o site da continente foi lançado em 2003, dois anos após a criação da revista.
Durante cinco anos, funcionou como um simples reprodutor do conteúdo impresso. A cada mês, as matérias publicadas eram editadas e ganhavam a rede. Através da versão online, muitos leitores no Brasil – e até mesmo fora dele – tiveram seu primeiro contato com esta revista produzida e realizada no “continente” Pernambuco. A importância de se fazer presente na internet de forma mais eficiente e dinâmica, mais próxima dos leitores, levou, em agosto de 2008, à primeira reformulação do site. A idéia era criar uma página na web que, além dos conteúdos da versão impressa, tivesse seus próprios produtos, fazendo uso de recursos que o papel jamais poderia oferecer. Desde então, a equipe da revista vem tentando torná-la mais interativa e dinâmica, com áudios, vídeos, trechos de livros, promoções, enquetes relacionadas a temas culturais, sempre dialogando com o material da edição impressa. Agora, ao chegar ao número 100, o site se adapta ao novo projeto gráfico e editorial e reafirma sua vocação de se aproximar mais e mais dos leitores habituais e de outros navegantes.
Injustiça
Pudor na mídia
Na edição de janeiro da revista Continente (pág. 79) há uma referência a Euclides da Cunha entre escritores que foram “assassinados”. Ora, o que dizem os autos do processo é que Euclides foi “morto” por Dilermando de Assis em legítima defesa, já que este tinha quatro balas no corpo quando só então atirou no escritor. Dilermando foi absolvido por unanimidade do alegado crime, por júri popular.
Parabéns pela matéria sobre o pudor (dezembro, 2008). O material foi muito esclarecedor dentro da perspectiva analisada. Mas acho que vocês poderiam ter explorado mais a forma como os meios de comunicação, o jornalismo e a publicidade atuam como construtores da realidade social, também contribuindo para a construção desse conceito.
Geraldo Holanda CavalCanti rio de Janeiro — rJ
Abrangência Procurei um assunto para sugerir, mas a revista já fala de tudo um pouco. Parabéns por esta sempre excelente publicação. alberto S. MoutinHo Juiz de Fora — MG
Vídeo
stará disponível durante todo E o mês, no site, uma entrevista gravada pela equipe do Café Colombo com Edson Nery da Fonseca e um vídeo no qual o escritor pernambucano declama poesias de Manuel Bandeira.
MÚSicA
banda pernambucana Mombojó A está em São Paulo gravando seu terceiro disco, que deve ser lançado este ano. Escute uma das faixas deste que será, segundo a banda, o mais dançante de seus trabalhos.
você faz a continente com a gente
natália de Souza Jaboatão doS GuararapeS — pe
Dom Helder A Revista Continente, edição de fevereiro, como sempre, está lindamente realizada, na forma gráfica e no conteúdo. A matéria sobre mim está excelente. Fiquei felicíssimo com ela. Passei uma vista rápida em toda a edição e fiquei encantado. A matéria sobre
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Dom Helder é magnífica. Meus parabéns a todos que fazem esta belíssima revista, na minha opinião a mais bela e importante no gênero em todo o país. MarloS nobre rio de Janeiro — rJ
Caro leitor, esperamos que goste do novo projeto gráfico e editorial da Continente. O nosso objetivo é fazer uma publicação cada vez melhor e, para isso, contamos com você. Envie suas críticas, sugestões e opiniões.
tel. (81) 3183 2700 Fax (81) 3183 2750 redacao@revistacontinente.com.br
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PAULO CALDAS Um cineasta que deixou de ser cinéfilo O diretor afirma que não consegue encontrar a quantidade de filmes bons que gostaria de ver e fala sobre sua visão engajada de pensar o cinema atualmente texto Marcelo Costa
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Entrevista
considerado um marco da retomada do cinema pernambucano, ao apresentar um olhar moderno sobre o cangaço, o Baile perfumado (1997) foi o primeiro longa-metragem dirigido por Paulo Caldas, numa codireção com Lírio Ferreira. De lá para cá, Paulo Caldas se estabeleceu no Rio de Janeiro e se dividiu entre videoclipes, programas de TV, filmes publicitários, campanhas políticas e o cinema. Em 2000, em codireção com Marcelo Luna, lançou seu segundo longa-metragem, o premiado documentário O rap do pequeno príncipe contra as almas sebosas, que de certo modo antecipava a discussão da violência e do cinema-favela que eclodiria na produção nacional. De volta ao Recife, o cineasta partiu para o primeiro projeto solo, intitulado Deserto feliz. Lançado no Festival de Berlim, o filme participou de mais de 40 festivais nacionais e internacionais, acumulando 21 prêmios; entre os
quais os da crítica, do júri popular e de melhor diretor em Gramado 2007. Após quase dois anos de espera, o filme foi finalmente lançado no Brasil e comprovou o interesse do cineasta por personagens marginalizados. Através de Jéssica, uma menina envolvida no sexo-turismo, que se apaixona por um alemão, Deserto feliz constrói um conto de fadas às avessas. Na Urso Filmes, onde desenvolve o próximo projeto – um documentário sobre Reginaldo Rossi –, Paulo Caldas falou sobre a carreira e a visão engajada de pensar o cinema no seu cenário atual. continente Baile perfumado, além de ser considerado um marco da retomada do cinema em Pernambuco, sugere uma nova forma de representação do cangaço, diversa da visão consolidada no cinema brasileiro. Em que contexto isso foi pensado? PAULo cALDAS Existiam vários filmes feitos com o tema do cangaço
e o peso de Deus e o Diabo, de Glauber Rocha, como uma sombra pairando sobre nossas cabeças. Na pesquisa, tivemos a colaboração fantástica de Frederico Pernambucano de Mello e o que mais nos atraiu foi a questão do aburguesamento do cangaço, a vaidade de Lampião de criar uma moda, um cabelo, varrendo o sertão vestindo roupas coloridas e medalhas. Ele bebia uísque escocês, via as revistas da época, ia ao cinema, gostava de perfume francês; daí os bailes perfumados – no duplo sentido da festa, mas também da batalha com as volantes. Por isso ele se deixa filmar por Benjamin Abraão. Outro ponto fundamental é a ideia da reconstituição atualizada. A gente pensou em exagerar até o limite de não prejudicar o filme, mas o contemporâneo inunda aquela história. O aspecto mais evidente disso se dá na música, porque naquele momento existia um fenômeno
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Flora Pimentel
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na música pernambucana. Outros aspectos da linguagem também colaboraram, como os planossequência, a gramática cinematográfica utilizada, as aéreas, os movimentos de câmera, os ângulos inusitados, para dar uma contemporaneidade, uma visão atualizada do que foi o fenômeno do cangaço. continente O rap do pequeno príncipe contra as almas sebosas toca em temas que se tornaram recorrentes no cinema nacional. Hoje, diante do debate sobre o fetichismo da violência e da miséria no cinemafavela exportado pelo Brasil, como você avalia essa questão? PAULo cALDAS Hoje não faria um filme na favela, até porque já fiz naquele momento e porque sinto, a partir da presença no exterior, que existe uma clara imagem do país e do cinema brasileiro como algo diretamente relacionado com
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PAULo cALDAS O que me chamou a atenção é a indignação ao ver bem mais situações limites do que as que os filmes mostram. Na pesquisa, a gente entrevistou um caminhoneiro que falava de meninas de 10 anos de idade se prostituindo por R$ 1 nos postos de gasolina. O choque que isso causa, o sentimento de revolta mesmo, de necessidade de mudança muito me impressionaram, e acho que aos outros diretores também. O filme envolve a questão da violência sexual doméstica, o que leva a maior parte dessas meninas à prostituição. No meu caso, há também a questão do sexo-turismo. No Festival de Berlim, um alemão perguntou por que o personagem era alemão e dei uma resposta que gerou polêmica. Eu disse, “Não fui eu que escolhi os alemães, foram os alemães que escolheram as meninas do Recife”. Talvez tenha sido um pouco agressivo, mas queria que entendesse que o problema existe porque existe o turista sexual, não é um problema só nosso. Só pelo fato dele ser o colonizador, o prostituidor, o cara de poder econômico, não quer dizer que não tenha responsabilidade grande.
Entrevista a violência. Isso não é à toa: tiros, bandidos, polícia, ação, são elementos extremamente cinematográficos. A própria cenografia da favela, o vocabulário, a mise-en-scène, o bailado, a coreografia, isso tudo continua atraindo muitos cineastas. Mas, realmente, sinto a necessidade de buscar outros temas porque acho fundamental que a gente abra o cinema brasileiro cada vez mais para o exterior. O cinema pernambucano, particularmente, tem uma história recente de sucesso, talvez, maior no exterior do que no Brasil. Então, é importante que a gente consiga fazer um cinema que não seja o cinema- favela, com outros temas, com outras histórias, com outros brasis, e continuar esse trabalho, desenvolvê-lo e aprofundá-lo em relação ao mercado exterior. continente Dentro do enfoque no sexoturismo, Deserto feliz aborda a exploração sexual da mulher e a prostituição – temas que também estão presentes em filmes como Baixio das bestas, de Cláudio Assis, e O céu de Suely, de Karin Aïnouz. Por que esse tema tem atraído tanto os realizadores nordestinos?
continente Depois de exibido no Festival de Berlim, o filme demorou quase dois anos para estrear. Como você vê a questão da distribuição no Brasil e até que ponto ela atrapalhou a trajetória do filme? PAULo cALDAS Desde o primeiro processo industrial mais forte, a relação dos filmes com o público, com exceção de alguns momentos de paixão e de encontros bem-sucedidos, é a maior questão do cinema brasileiro. Acho que isso envolve a quantidade de salas; precisa haver um aumento do número de salas, sobretudo no interior do país. Enquanto não existir de novo essa rede de cinemas populares, com ingressos mais baratos, a gente vai continuar nessa situação insolúvel. Quando entro no espaço do multiplex, sinto-me como se estivesse dentro de um filme americano. Isso é proposital, é uma estratégia movida por eles. Os filmes da gente não se parecem em nada com isso. Realmente, não vejo como esse público de shopping center vai se encontrar com esses filmes. É claro que a gente reconhece que existe uma crise maior,
existe uma retração no mercado. Mas, no caso de Deserto feliz, ele sofreu com o atraso do lançamento, a distância da premiação em Gramado, quando foi consagrado. O filme, exibido em cópias provisórias, não tinha os recursos para a finalização. Mas ali era o momento para lançá-lo, ele teria outra carreira completamente diferente. continente O filme investe no uso de planos longos, num ritmo lento e na alternância de planos estáticos e câmera na mão, o que pode provocar certo estranhamento. A
“Quando entro no espaço do multiplex, sinto-me como se estivesse dentro de um filme americano. isso é proposital, é uma estratégia movida por eles. os filmes da gente não se parecem em nada com isso”
linguagem foi concebida dentro da idéia de desconforto vivido pela personagem? PAULo cALDAS A palavra desconforto não sei exatamente, a não ser na sequência da violência sexual. Ali, a idéia era deixar evidente a violência física, psicológica, moral e sexual no rosto dos atores, era que o desconforto supremo dela se estendesse ao espectador, como uma necessidade de chegar à própria intenção cinematográfica. No momento do Deserto, voltei-me muito para ver filmes orientais, porque achei que teria alguma relação com o tempo do sertão, aquela maneira do sertanejo falar pouco, como diz João Cabral de Melo Neto, como se estivesse mastigando, cuspindo pedras. Durante o processo
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vermelho, foi pensada na intenção de criar um universo cinematográfico particular para aquela história e fugir ao máximo dos clichês que povoam os filmes de prostituição: cores quentes, batom, radiola de fichas, o bar, o brega, as mulheres vestidas de chita. Ao ver o filme, vem-me a sensação de que esse universo criado artisticamente acabou construindo um universo dramático tão forte que o distanciou um pouco do documentário. Embora ainda exista a questão do processo de filmagem. Na
encontrar a quantidade de filmes bons que eu gostaria de ver. Talvez o critério da avaliação, o ponto de vista crítico tenham aumentado com o tempo. O que me chama a atenção no cinema é fazer. O Manoel de Oliveira fez 100 anos e se apresenta “Manoel de Oliveira, estudante de cinema, prazer”. É uma prova de humildade diante da grandeza do cinema enquanto linguagem. É um aprendizado constante, tem sempre uma novidade. A experiência é claro que vale, mas tem esses aspectos Fred Jordão/Divulgação
criativo, a idéia era de que esse sertão inundasse e transbordasse para o Recife e Berlim, com suas características, com a ausência de diálogos. No sertão, você tem a noção clara de que o dia flui num tempo mais lento. Em outros projetos, em publicidade, videoclipes, a edição é frenética; a própria montagem americana é frenética, a televisão é cada vez mais picotada, tudo tende a essa velocidade. De repente, presumo que existam pessoas que queiram um momento cinematográfico mais contemplativo, o tempo de absorção
daquela imagem, de compreensão, de diálogo com a imagem. Aí entra a questão da câmera na mão, esse quase-personagem, o espectador que está ali acompanhando tudo e todos na intimidade da alcova.
ficção, você tem um sistema quase comum a todos os diretores, porque obedece a uma lógica do desenho de produção estabelecido no país ou na região. E, nos documentários, cada cineasta tem um esquema de filmagem absolutamente particular. continente Essa linguagem próxima do Então, mais forte do que a linguagem documentário, reforçada por uma montagem sem do documentário na ficção é o extravagâncias e com pontos de virada pouco processo de filmagem, o processo de evidentes, é uma tendência na sua forma de montagem que seguem um percurso pensar o cinema de ficção? diferente da ficção clássica. PAULo cALDAS No começo, a gente falava da mescla entre a linguagem de continente Diante dessa preocupação documentário e ficção, mesmo porque com a linguagem e com o processo narrativo, meus filmes anteriores trabalham que tipo de cinema inspira e instiga você a com essa mistura. Mas a concepção da consumir e fazer cinema? arte, a fotografia azulada, esverdeada, PAULo cALDAS Não sou um cinéfilo. a ausência de cores quentes, do Já fui, mas não sou mais. Não consigo
“no Festival de Berlim, um alemão perguntou por que o personagem era alemão e dei uma resposta que gerou polêmica. eu disse, ‘não fui eu que escolhi os alemães, foram os alemães que escolheram as meninas do Recife’ ” todos da linguagem, do desafio. As minhas influências vêm de outras coisas que não o cinema; da música, da fotografia. Todo o material iconográfico me interessa muito, a literatura também. As coisas relacionadas ao jornalismo são a principal fonte de pesquisa e de interesse. Eu sou um leitor de jornal, de revista e um espectador de telejornalismo. A informação, o que está acontecendo me atrai muito, o mundo ali girando diariamente. As viagens são outra fonte imensa de pesquisas, de idéias, de inspiração. Conhecer outras culturas, outros povos, outras geografias, outros climas, também é fundamental para o tipo de cinema que quero fazer.
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TEMPOS PÓS-MODERNOS Jovens começam a dizer que “e-mail é coisa de velho”. Moderno mesmo é mandar torpedos pelo celular, que alguns ainda mais prafrentex já chamam de “móbile”. Por falar nisso, quem ainda usa o “velho” fax (1988-2008, R.I.P.)? A exemplo do telégrafo e do telex, definitivamente aposentados, deve estar a caminho de encerrar sua missão por estas bandas largas. (Fred Navarro)
EROTISMO EM ALTO NÍVEL
Anúncio na capa do NYT Que os jornais diários andam em crise todo mundo sabe. E que a crise é maior entre as empresas norte-americanas, também, a ponto de alguns veículos estarem adotando medidas, como reduzir drasticamente tiragens, estabelecer parcerias interestaduais mais estreitas para compartilhamento de material jornalístico, ou simplesmente verter investimentos para as suas versões on-line. O tradicional The New York Times deu sinal de fumaça ao liberar, no início deste ano, sua antes intocável primeira página à venda de anúncios. Avisa porém aos interessados que se trata apenas do rodapé, negociado a preços não divulgados à plebe. Enquanto no NYT a venda de espaços na capa causa sensação, no #44 Brasil, a prática da comercialização da primeira página em jornais de grande circulação, como a Folha de S.Paulo e o Estadão, já ocorre desde os anos 1990. Em contrapartida, as empresas tupiniquins estão agora acordando para uma possibilidade de negócio que existe há muito tempo no país de Tio Sam: o investimento em periódicos de circulação gratuita. O grupo Abril anuncia para este maio o lançamento do jornal esportivo Placar, que deverá ter tiragem diária de 80 mil exemplares, distribuídos na rua e com notícias do tamanho de um piscar de olhos. (Adriana Dória Matos)
CON TI NEN TE
Fotos: Reprodução
A FRASE
“Não acredito que haja uma causa pela qual valha a pena levar um tiro” John Lennon
Um mestre da literatura japonesa está tendo boa parte de sua obra publicada no Brasil pela editora Estação Liberdade. Trata-se de Yasunari Kawabata, prêmio Nobel de 1968. Fugindo do Realismo e optando pela narrativa impressionista, Kawabata destacou-se pela abordagem do mundo feminino, com toda a sua carga de sensualidade e fantasia, que imortalizou em romances como A dançarina de Izu, O país das neves e principalmente A casa das belas adormecidas. (FN)
Balaio “SALVO MELHOR JUÍZO” João Guimarães Rosa não publicou em vida o seu único livro de poesia, Magma, que só chegou às livrarias em 1997. Com o pseudônimo de Viator, inscreveu-o no Concurso de Poesia de 1936 da Academia Brasileira de Letras. Guilherme de Almeida, relator do concurso, mostra que percebeu a imensa diferença da obra para os demais trabalhos: “É, pois, meu parecer que seja o 1º prêmio do Concurso de Poesia de 1936 concedido ao livro Magma, de João Guimarães Rosa; e que não seja a ninguém, neste torneio, conferido o 2º prêmio, tão distanciados estão do primeiro premiado os demais concorrentes. Tal é, salvo melhor juízo, o meu parecer.” (Diogo Guedes)
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LORCA SAI DO ARMÁRIO Em Lorca e o mundo gay, livro recentemente publicado (ainda não traduzido para o português), o hispanista Ian Gibson resgata, segundo ele mesmo, “O poeta que foi, não aquele que calaram e obscureceram com meias verdades”. Gibson já havia escrito sobre o escritor espanhol em Vida, paixão e morte de Federico García Lorca, de 1997. Nesta nova obra, o pesquisador argumenta que é preciso levar em conta a homossexualidade de Lorca – fato amplamente conhecido, mas tratado como um tabu – para se compreender certos aspectos de sua obra artística e também o seu assassinato, que não teria somente motivações políticas. (Eduardo Cesar Maia)
CRIATURAS
POESIA MARGINAL Nos anos 1980 circulava nas bancas de revistas a coleção Literatura comentada, em que pesquisadores do campo das Letras compilavam temas e autores. Foi num desses títulos, Poesia jovem – Anos 70, hoje peça de sebo, que colhemos o poema Idílica estudantil – III, do carioca Alex Polari, que expressa, com o lirismo peculiar à época, como os jovens enfrentavam os anos sombrios do regime militar: Nossa geração teve pouco tempo começou pelo fim mas foi bela a nossa procura ah! moça, como foi bela a nossa procura mesmo com tanta ilusão perdida quebrada, mesmo com tanto caco de sonho onde até hoje a gente se corta
Flora Pimentel
PIRATA URBANO
O artista plástico Félix Farfan hasteou bandeira insurgente em sua varanda, na Boa Vista. Perguntado a que se devia o ato, disse, lacônico: “Marcação de território”.
Glauber Rocha, 70 anos (1939 – 1981) Por Cau Gomez
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A ARTE DO ORIGAMI Por eva Duarte
TexTo: Adriana Dória Matos FoToS: Breno Laprovitera Passatempo, terapia, oferenda, brincadeira, ornamento, matemática, arte. Se não separarmos estes atributos em categorias estanques, aí teremos um conjunto de qualidades das dobraduras de papel a que os japoneses chamam de origami. Objeto que chegou ao Brasil pelas mãos de migrantes, o origami aqui se aclimatou e encontrou vários fins. O que neles destacamos é o atributo artístico, pelo trabalho da origamista olindense Eva Duarte, que desde 2003 dedica-se à produção de esculturas dobradas em papel. Ela conta que o que a atraiu à técnica foi a possibilidade de criar formas variadas pela modulação. As esferas que ela produz, também chamadas de kusudamas, são dobradas com algumas transgressões às regras da tradicional dobradura japonesa. Também Eva refere-se ao “origami de guerrilha”, feito com materiais possíveis. Se não tem papel importado, guizo e cordão de seda, usa-se matéria-prima local, como chocalhos, barbantes, especiarias e papéis personalizados, o que confere a suas peças características próprias e originais. Seu trabalho pode ser encontrado no ambiente virtual, no blog http://dobrinhas.blogspot.com.
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Página anterior 01 kusudamas Na tradição oriental, são como talismãs, ofertados quando se deseja cura Nestas Páginas 02 simbologia Origamis são cercados de significados. Borboleta expressa transformação; grou (tsuru), saúde, fortuna; tartaruga, longevidade
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Parceiros A convite da origamista, o ilustrador João Lin desenvolveu a série de desenhos O cão e seu dono, com a qual Eva Duarte estampou variados kusudamas
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bom Presságio Entre os decorativos, os origamis de animais podem ser compostos em móbile e adornar ambientes, como quartos de bebês
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teráPicos Enquanto dobra e repete módulos, Eva Duarte diz entrar em estado meditativo, no qual importa a escolha das cores e texturas dos papéis
@ continenteonline Confira outras imagens dos origamis de Eva Duarte no site www.revistacontinente.com.br 05
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RoGeR De RenoR
Deve caber ao Estado o papel de proteger as manifestações culturais tradicionais de seu povo?
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Para responder à pergunta acima, a continente convidou duas pessoas com pontos de vista diametralmente opostos. Roger de Renor, produtor cultural, apresentador e agitador da vida artística recifense, defende o Estado protetor das culturas economicamente mais frágeis. Na outra trincheira, Pedro Sette Câmara, editor-assistente do site OrdemLivre.org e colunista da revista Dicta & Contradicta, acredita que o Estado só alimenta corporativismos e arbitrariedades quando atua nesse âmbito
É claro que esse tipo de proteção não cabe tão-somente ao Estado, mas cabe principalmente a ele, afinal é uma de suas obrigações – que não pode ser preconceituosamente confundida com o paternalismo ou conservadorismo romântico dos que tentam preservar por congelamento as tradições e bens culturais. Antes de tudo, busquese a justiça... Ou o máximo possível dela. Se esse mercado mundializado e covarde da produção, difusão e consumo de produtos culturais – que podem ser entendidos como a alma ou o espírito de um povo –, é gerido por monopólio ou por oligarquias de comunicação, compete, sim, ao Estado, através de nossos representes eleitos, a responsabilidade de proteger, no sentido de garantir o direito à formação, informação, visibilidade e independência, e através disso garantir à população o acesso àquele bem cultural para que, aí, sim, ele seja vivido, sampleado, transformado ou mesmo esquecido, mas nunca negado ou sumariamente condenado à exclusão por um mercado manipulado por uma elite burra e poderosa que pratica nos dias atuais um regime de censura tão grave quanto à do regime militar – a censura do poder econômico. Então, é dever do Estado também, além de garantir à população o acesso aos bens culturais, a construção de uma política pública que assegure e proporcione mecanismos para que não fiquemos subordinados aos atuais detentores dos instrumentos de produção e difusão, responsáveis pela mercantilização generalizada dos nossos bens culturais. Temos no Nordeste alguns exemplos práticos de verdadeiras chacinas culturais em nome da lógica do consumo desenfreado, medida e adotada com números ditados pelo Ibope, e um deles é o Carnaval. A excessiva exploração comercial desse evento tão típico por iniciativas privadas e a criação dos chamados “carnavais fora de época” são demonstrações da omissão estatal na responsabilidade de proteção das manifestações próprias do seu povo. Essa prática fez com que a rica herança cultural de regiões de suma importância à nossa identidade nacional fosse praticamente varrida do mapa em nome da última moda financeira. Fortaleza, Maceió, Paulo Afonso, Aracaju e João Pessoa renderamse a um sedutor lucro imediato, promovido por um falso axé predatório e manipulado, que até hoje ainda dificulta a visibilidade da verdadeira diversidade musical feita na Bahia. No Recife, e agora em Pernambuco, a participação do Estado na garantia e proteção de nossos bens imateriais durante o carnaval foi fundamental, e agora vem sendo usada como exemplo para outros estados e cidades e tem despertado o interesse de empreendedores privados dispostos a uma relação estratégica de entendimento e respeito às nossas identidades e bens culturais, aumentando ainda mais o seu valor. Se Darcy Ribeiro definiu bem cultural como, “Herança de uma comunidade humana”, faço questão de que o Estado, como instituição, garanta que eu, meu filho e meu neto possamos receber nossa parte dessa riqueza.
“É dever do estado a construção de política que assegure não ficarmos subordinados aos detentores de produção e difusão”
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Roger de Renor
peDRo sette câmaRa Sempre que alguém sugere que o governo deve subsidiar alguma coisa, gosto de reformular a sugestão em termos mais claros: “Então você está dizendo que quer pagar com o seu próprio dinheiro para que uma instituição ineficiente e corrupta financie uma certa atividade? Aliás, você acha essa atividade tão importante a ponto de justificar que todos sejam forçados a pagar por ela, mesmo que não tenham o menor interesse em seus frutos?” A idéia de que o governo deve subsidiar algo sempre esconde o corporativismo. Os maiores beneficiados pelos subsídios são os produtores. Naturalmente, estes, sejam agricultores ou cineastas, sempre dirão que seus produtos são fundamentais para a sociedade, e sua retórica será mais convincente de acordo com sua natureza. Um produtor de trigo pode assustar as pessoas com a possibilidade da falta de pão, mas vai ser difícil alguém nos assustar com a possibilidade da falta de filmes nacionais. Na verdade, pão e cinema podem ser viabilizados por seus consumidores; cabe a eles “subsidiar” estes produtos. Ao contrário do que se pensa, a maior beleza das relações livres de trabalho está em ter de prestar atenção no outro; você atende à necessidade de outro, e recebe por isso. Por que receber por um produto que ninguém quer? E quanto mais abstrato se torna o produto subsidiado pelo governo, mais difícil se torna justificar o subsídio. Já falei do cinema porque boa parte dos filmes pode depender de patrocínio para existir – digo isso como uma constatação e certamente não como uma prescrição. Permanece a questão moral: por acaso, ao desejo de alguém fazer filmes, corresponde a minha obrigação de pagar por eles? A idéia de preservar e subsidiar produtos culturais está particularmente ligada à idéia de identidade nacional, que, por sua vez, é obviamente uma abstração concebida a posteriori e não uma essência metafísica que antecede e molda os produtos culturais de um determinado lugar. A identidade nacional não é um valor no mesmo sentido em que a vida e a proprieadade são. As gerações futuras não estão obrigadas – nem moral nem materialmente – a conformar-se a uma certa identidade que prescrevamos hoje, assim como as gerações passadas talvez não caibam nessa identidade. Cada geração e cada indivíduo tem o direito de montar sua própria identidade e o dever de arcar com seus custos. Se é levantada a questão de se o governo deve proteger formas “tradicionais” de cultura que não podem competir nem mesmo no mercado interno com produtos estrangeiros, cabe novamente reformular a questão: deve a burocracia forçar toda uma população a pagar por aquilo que uma elite intelectual palaciana considera importante, mas que essa mesma população não considera? Afinal, se a população valorizasse aquele produto cultural, pagaria livremente por ele. Também eu pago feliz por meus livros e nunca achei que “o país” deveria dá-los a mim. O fato simples e escandaloso de que sempre se quer fugir é esse: se você acha algo importante, você mesmo paga. Se você acha importante e quer que os outros paguem, está apenas inventando uma modalidade elegante de achaque.
“permanece a questão moral: por acaso, ao desejo de alguém fazer filmes, corresponde a minha obrigação de pagar por eles?”
Pedro Sette Câmara continente Abril 2009 | 25
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no estúdio Com mais tempo para o terceiro rebento Apontada como uma das melhores bandas da nova geração musical do país, Mombojó grava de forma independente disco que fica pronto em junho texto Débora Nascimento foto Flávio Lamenha
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Em primeira mão
Amigo do tempo. Este é o título poético que a banda Mombojó vai dar ao terceiro disco, previsto para ser lançado em junho deste ano. O CD, que sucede os elogiados e premiados Homem-espuma (2006) e Nadadenovo (2004), começou a ser gravado em janeiro, no Recife, e agora segue para São Paulo, onde a banda fincou moradia há um ano. O disco vem sendo gravado com recursos próprios, já que o contrato com a Trama não foi renovado. Pela gravadora paulista, lançaram Homemespuma, que teve vendagem de duas mil cópias, bem inferior ao disco de estreia (realizado com recursos do Sistema de Incentivo à Cultura), que vendeu 10 mil, sendo encartado na revista OutraCoisa, com distribuição nacional. Nadadenovo foi beneficiado por fatores como: ser a “estreia da banda”, que recebeu críticas positivas da imprensa de todo o país (além da divulgação “boca-a-boca”); estar agregado à “revista-manifesto de Lobão” e também porque o processo de download não estava tão massificado como hoje. Enquanto Homem-espuma, contrariando todos os itens anteriores,
foi concebido dentro do “velho esquema de distribuir e de operar de uma gravadora”, chegando ao consumidor final por um valor em torno de R$ 30. É bom considerar também que a Mombojó não espera pela ação dos “piratas” ou dos nerds: é a primeira a colocar seus discos disponíveis para downloads gratuitos. Sem a chancela de uma gravadora, o terceiro disco, segundo a banda, tem a vantagem de ser gravado com mais tempo. O anterior, por exemplo, foi agendado para ser registrado em dois meses (a produção ficou a cargo de Lúcio Maia, da Nação Zumbi, e Daniel Ganjaman, do Coletivo Instituto). Com Amigo do tempo, a Mombojó tem menos pressa nas gravações, testa mais possibilidades, discute os resultados e aprende com essa autoprodução. Mas isso não quer dizer que a banda não queira o nome de um bom produtor na ficha-técnica. Por enquanto, conseguiram fechar com Pupillo (Nação Zumbi e 3naMassa) a produção de seis músicas e estão pensando em Kassin (apontado como um dos melhores novos produtores do país) para burilar outras. “A ideia é que o produtor trabalhe, pelo menos,
algumas faixas”, conta o vocalista Felipe S. Não ter à mão orçamento suficiente para pagar a produção musical é uma das desvantagens de estar sem “chefe”. Por conta disto, o grupo afirma que vai tentar o apoio de “alguma lei de incentivo” para viabilizar o pagamento dessa e de outras fases de realização do disco. Em contrapartida, segundo o grupo, um proveito de não estar atrelado a nenhuma gravadora é que se tem liberdade para escolher produtores, participações especiais, dar entrevistas, sem ter que passar pelo crivo da empresa. “Algumas vezes, a gente dava entrevistas. Depois a assessoria de imprensa ligava reclamando, porque tudo tinha que passar por lá”, conta Felipe. Com ou sem contrato, vendendo discos ou não, o certo é que a banda está sempre fazendo shows, pois conta com um exército de fãs. Só no Orkut são mais de 20 mil, incluindo aqueles mais fiéis, que divulgam as datas de shows, novas músicas e letras, como
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o que eles fizeram nadadenovo Disco de estreia da banda, lançado em 2004. O compacto, gravado de forma independente, foi distribuído na revista Outracoisa e teve repercussão nacional.
Homem-espuma Segundo disco da Mombojó, foi lançado em 2006, sob a tutela da gravadora Trama, com produção do guitarrista Lúcio Maia, da Nação Zumbi.
faixas Segundo o grupo, este será seu disco mais dançante
a citada Amigo do tempo – uma das que estão na compilação do CD e DVD Sintonizando o Recife, projeto da MTV, lançado em fevereiro. Os shows, hoje, acontecem mais fora da cidade natal. “Fazemos mais shows em São Paulo e no Rio do que no Recife, onde tocamos pouco em lugares fechados”, afirma Felipe, lembrando que a última apresentação com bilheteria aconteceu em agosto de 2008, no Armazém 14. Cada um dos músicos teve lucro de R$ 100. “Pelo menos, a gente não teve prejuízo”, ameniza. Além disso, as apresentações na região sudeste vêm ocorrendo mais com a Del Rey, brincadeira surgida há quatro anos, cujo sucesso e longevidade surpreendem até os músicos. Só em dezembro, a banda tocou em três casamentos e, até agora, é difícil não ter um mês sem trabalho. O cantor Roberto Carlos é, em parte, numa análise bem-humorada, “responsável” pela gravação desse CD, pois a banda vem conseguindo se manter na capital paulista com
os cachês do bem-sucedido projeto paralelo Del Rey, cujo repertório é baseado nos hits do rei. “É o que sustenta a gente”, garante Felipe. O projeto iê-iê-iê foi uma das atrações do Tim Festival em 2007 (um ano depois da Mombojó ter estreado no evento). Mas, devido ao temporal que caiu no Rio, a Del Rey não pôde se apresentar. Ao contrário das outras bandas escaladas nessa noite, os integrantes disseram que não estavam nem aí para o cancelamento, aproveitando para curtir as regalias e o cachê recebido sem esforço. Os shows constantes com a Del Rey, segundo os músicos, ajudaram a Mombojó não só financeiramente, mas também colaboraram para que a banda ficasse mais à vontade com o público, mais coesa no palco e no estúdio e influenciaram na atmosfera das composições novas. “Esse será o disco mais dançante da banda até agora”, afirma o baterista Vicente Machado. “O primeiro era mais sambinha, o segundo mais Stereolab. Este está mais rhythm’n’blues, Burt Bacharach,
Ratatat...”, entregam Felipe, Samuel (baixo) e Chiquinho (teclados). Apesar da saída do violonista Marcelo Campello e da morte precoce do flautista O Rafa (em 2007, com 24 anos), o grupo afirma que este disco terá mais variação de instrumentos. A gravação vem sendo feita com a ajuda do Reason, um dos softwares mais utilizados pelos artistas independentes, e burilada, claro, no Protools, software que permite a modificação da gravação de instrumentos e vozes. Pelo que a reportagem ouviu (metade das 18 faixas, ainda sem as vozes), está para sair, possivelmente, o melhor disco da Mombojó, previsão nada ruim para uma banda que ganhou da APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte), por duas vezes (em 2004 e 2006), o prêmio de melhor grupo musical do país.
@ continenteonline Escute a faixa Amigo do tempo do projeto Sintonizando o Recife, no site www.revistacontinente.com.br
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o que fazer depois de um dia
difícil, quando você perde as chaves, o telefone e nem mais sabe direito onde está? “continue dançando, tudo vai dar certo”, era o que aconselhava a música número 1 nos estados Unidos, quando barack obama foi eleito presidente. o sucesso Just dance, da cantora lady Gaga, selava de vez a relação estreita que o império americano mantém com as pistas de dança em tempos de crise. A quebra das bolsas em 1929 ajudou a alastrar a onda de campeonatos de dança, com os participantes arriscando tudo, por dias seguidos, em busca de algum trabalho (qualquer um), como retratou o romance Mas não se matam cavalos?, de Horace Mccoy. Mais recentemente, no auge da recessão dos anos 1970, a América se refugiou sob a luz estrobo das discotecas... Apenas dois exemplos de como a crise faz você dançar. literalmente. Se a década de 1990 viveu sob o signo da incerteza do futuro (lembre-se das angústias da chamada Geração X e sua demanda “quem sou eu e para onde eu vou?”), os anos 00 instauraram a paranoia. Há sempre um inimigo à espreita (o conflito oriente x ociente, a pressão nas filas dos aeroportos), alguém observando (a comédia da vida privada exposta em Youtube, reality shows, a vitória triunfal do Grande irmão), uma dura cobrança em relação ao corpo como um lugar de perfeição (um mundo com menos açúcar e mais botox) e a desconfiança total em relação ao ar que você respira (os dados alarmantes dos ecologistas, o aquecimento global incontornável etc.). não é fácil viver com tantos medos. A década que começou virtual (o bug do milênio), acabou extremamente real, com o crack das bolsas e várias pulgas atrás da orelha: “Quem são nossos inimigos?”, “estamos seguros?”, “Qual a razão de tantos medos?”, “Vale a pena continuar dançando?” Da fratura daquele 11 de Setembro a uma recessão mundial aguda, chegamos ao finzinho dos anos 00 de olhos esbugalhados e ainda mais incertos quanto ao futuro. Para marcar o número 100 da revista continente (criada em 2001, ou seja, produto e agente desta época), convidamos o sociólogo polonês Zygmunt bauman e o crítico alemão, hoje radicado em Pernambuco, roland Walter, a comentarem o atual momento mundial, em que novas reflexões se assomam. eles observam o papel dos estados-nações nesse cenário, interpretam nossos receios em amar e cruzar fronteiras, nossa dificuldade em lidar com culturas “estranhas” e a ingenuidade derradeira em continuar, como apontou bauman, “Dançando ao som das melodias alegres sem prestar atenção à pouca espessura do gelo”. (Schneider carpeggiani)
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só que continuamos a patinar alegremente e a dançar ao som das melodias alegres e animadas que saem dos alto-falantes, sem prestar muita atenção à pouca espessura do gelo... Há mais ou menos 10 anos, Jacques Attali atribuiu a extraordinária popularidade do filme Titanic à nossa premonição de que, agora, como naquele dia, em algum lugar na escuridão, alguns icebergs estão à nossa espera, e como os passageiros do Titanic há 100 anos, logo estaremos afundando ao som da música... Só quando o gelo da riqueza imaginária, emprestada, finalmente se partiu, descobrimos, como aconteceu com os passageiros do Titanic atingido pelo iceberg, que não há suficientes botes e coletes salva-vidas para todos e que a maioria de nós descobrirá que a nossa suposta segurança (“se você não pode pagar esse empréstimo, faça outro”) é enganadora.
parecemos estar prontos para retornar a um cenário que os nossos pais e avós consideraram restrito e ineficaz. embora não seja possível dizer se, desta vez, ao contrário do passado, o “meiotermo dourado” será encontrado Inspirado por Ralph Waldo Emerson, escrevi que, sobre o fino gelo, a velocidade parece ser a única salvação: entretidos como estávamos em acelerar, e não interromper o ritmo de uma vida de compra e venda, e tentando compensar a escassez de meios com o aumento do ritmo da sua circulação, falhamos ou preferimos não ver as fendas sob os nossos pés. Há duas qualidades primordiais, sem as quais uma vida humana decente, para não dizer satisfatória, é impensável: liberdade e segurança.
Precisamos de ambas, mas elas nos parecem muito difíceis e, o que é pior, impossível tê-las ao mesmo tempo. Segurança sem liberdade equivale à escravidão, enquanto liberdade sem segurança suficiente significa uma vida arriscada de contínua incerteza; para obter maior segurança, precisamos abrir mão de parte de nossas liberdades, ao passo que o preço de mais liberdade tende a ser uma crescente insegurança. Nenhuma dessas perspectivas é atraente e, assim, a busca por um melhor equilíbrio entre liberdade e segurança faz lembrar mais um pêndulo do que uma linha reta. Há 40 anos fomos exortados a nos liberar da dependência, o desagradável aspecto da segurança, e ouvimos a promessa de que, uma vez liberados, reconstruiríamos, facilmente, a segurança perdida com recursos individuais – habilidade, engenho, inteligência e dinheiro. Agora, depois de todas as recentes frustrações causadas pelos excessos dos bancos “liberados” e dos supostamente livres consumidores, o pêndulo começa a se movimentar na direção oposta... Segurança ao preço de mais coação e restrições à liberdade é o slogan do momento. Parecemos estar prontos para retornar a um cenário que os nossos pais e avós consideraram restrito e ineficaz. Embora não seja possível dizer se, desta vez, ao contrário do passado, o “meio-termo dourado” será encontrado...
Confira alguns temas que foram destaque na Continente desde 2001 Imagens: Arquivo Continente
estamos frágeis há muito tempo,
Globalização “O problema da globalização não é que ela ponha as identidades nacionais em risco; às vezes ela até as acentua indevidamente, já que a cultura é por essência aquilo que pode transpor fronteiras e estigmas. O problema é que ela pulveriza critérios, propaga rótulos, dilui valores. Mas isso não vem dos últimos 10, 15 anos. A globalização é complexa e exige leitura de sua complexidade. A cultura precisa de sua energia até mesmo para resistir a ela.” Daniel Piza Continente nº 58, outubro 2005
Falsas proteções
Em todas as épocas, os governos sentiram a necessidade de ser vistos como tomadores de conta dos seus governados, protegendo-os contra perigos reais ou imaginários, sempre aterrorizantes, capazes de oprimi-los e destruí-los caso não contassem com essa proteção. Durante 30 anos de pós-guerra, os governos prometeram defender os cidadãos, impedindo que caíssem na pobreza, perdessem a sua posição social, ou fossem vítimas do infortúnio... Por uma série de razões, os governos dos estados-nações já não são capazes ou não estão dispostos a cumprir essas promessas: deixaram aos homens e
américa latina “O que historicamente distingue a América, todas as Américas, é um poder colonial genocida e o cristianismo como sua cabeça espiritual. Há uma fundamental diferença entre a América do Norte e a do Sul, que é a distinção entre o feudalismo contra-reformista ibérico e a Europa reformista e ilustrada. Esta diferença é a que configura as indiossincrasias ‘latinas’, e as distingue do imperialismo protestante ilustrado.” Eduardo Subirats Continente nº 72, setembro 2006
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israel-palestina “O grande paradoxo, no conflito histórico, perene e insolúvel desde o ponto de vista da geopolítica e da militarização do conflito que abala a Terra Santa, é que os dois lados têm razão. É essa razão não unívoca que equivoca os analistas da guerra permanente entre árabes e judeus pela posse de Israel-Palestina.” Caesar Sobreira Continente nº 10, outubro 2001
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11 de setembro “A destruição do World Trade Center apenas projetou a sombra do Gulag, de Auschwitz, de Hiroshima e do Vietnã sobre Manhattan. Não se pretende, com essa afirmação - é óbvio! -, justificar aquele ou qualquer outro atentado terrorista, venha de onde vier. Muito ao contrário. Pretende-se, apenas, situar o debate no seu lugar concreto: a história.” José Arbex Júnior Continente nº 35, novembro 2003
mulheres, individualmente, a tarefa de se defenderem dos problemas criados pela sociedade. Assim, de que maneira poderiam os governos demonstrar que o destino dos seus governados faz parte das suas preocupações, que cuidam deles e os protegem? Substituindo os perigos contra os quais dizem proteger os cidadãos – a queda do seu padrão de vida, o desemprego, a perda de posição social e da dignidade humana, a deterioração dos serviços de saúde, a falta de habitação decente e acessível, as inseguranças da velhice – pelos riscos que ameaçam homens e mulheres individualmente, seus corpos, suas propriedades, as ruas por onde andam... Limpeza é a ordem do dia. Limpar os corpos de substâncias venenosas (como a fumaça do cigarro ou o álcool), e as ruas da ameaça de malfeitores (como pedintes importunos, estrangeiros suspeitos, terroristas conspiradores...).
o Futuro do ocidente
As fronteiras e a substância do “Ocidente”, uma invenção original europeia, mais tarde exportada para as suas bases de operações ultramarinas (as duas Américas, Austrália, Nova Zelândia, partes da Ásia e da África), atravessam, no nosso cada vez mais globalizado e “diasporizado” planetamosaico, um processo acelerado de desaparecimento... Imaginar o futuro do “Ocidente” em termos de “guerra”, um tipo de pensamento que pressupõe dois corpos separados, coesos e profundamente antagonistas em combate, é um vestígio da era do imperialismo e das conquistas territoriais – e uma moldura cognitiva cada vez mais ultrapassada e enganadora. O futuro não é pré-delineado e não pode ser pré-dito, mas, muito provavelmente, será decidido não pelos exércitos e não nos campos de batalha, mas nas fábricas e institutos de pesquisas, postosavançados comerciais e trilhas de migração humana, itinerários de capitais e de conhecimento – e nos locais onde diferentes estilos de vida se encontram, entram em conflito e negociam o seu modus
vivendi. Os principais atores desse jogo da história não serão a entidade imaginada chamada “Ocidente” e o seu igualmente imaginado inimigo consolidado (comunista, islâmico ou qualquer outro nome inventado) – mas os muitos centros de inovação e de revisão dos padrões de vida que herdamos; além dos velhos atores, países como a China, a Índia, o Brasil e outras diligentes estufas de novos pensamentos e padrões de vida na América Latina, talvez a emergente Confederação Europeia, e, certamente, muitos outros que temos sido muito lentos em localizar e identificar. Chegamos a um ponto de nãoretorno na estrada que vai da era dos impérios e hic sunt leones (aqui há leões), “blocos” e “campos”, a uma humanidade de múltiplos centros. É hora de nos livrarmos dos óculos protetores que, vistos mais de perto, não são muito mais do que instrumentos de camuflagem, que servem apenas para não nos deixar contemplar a agonia e a morte das ambições, divisões e relações do velho poder.
Fronteiras imaGinárias
As principais atividades destinadas à obtenção e preservação da segurança consistem em demarcar e proteger as fronteiras entre lugares, épocas e povos; a sua principal vítima colateral é a liberdade de movimento. O direito de cruzar fronteiras (mais exatamente, o direito de ignorar a fronteira), uma questão associada ao conceito de classes, torna-se um dos temas mais calorosamente contestados, ao passo que a capacidade de desafiar e contornar a proibição de atravessá-las torna-se uma das principais armas da dissensão e resistência contra a hierarquia de poder existente. O que resulta em um notável paradoxo: no nosso planeta em rápido processo de globalização, a diminuição da eficácia das fronteiras (sua crescente porosidade, conjugada com o decadente valor defensivo da distância espacial) coincide com um rápido aumento no significado que lhes é atribuído. No mundo de interdependência global, de livre movimento de capitais e das estradas de informação, as
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no nosso planeta em rápido processo de globalização, a diminuição da eficácia das fronteiras coincide com um rápido aumento no significado que lhes é atribuído
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exorbitantes quantias investidas pelos governos na fortificação dos postos de triagem (check-points) e na elaboração de formas de controle do tráfico humano contribuem muito pouco, ou nada, para eliminar ou mesmo desacelerar a diminuição dos poderes de divisão/separação/aprisionamento das fronteiras. As fronteiras dividem espaço; mas não são, pura e simplesmente, barreiras. São também interfaces entre os lugares que separam. Assim, constituem potenciais focos de conflito e locais de tensão. Há poucos muros, se é que existem, sem portões ou portas. Os muros são, em princípio, transitáveis – embora os guardas em cada lado do muro
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intolerância Desde o ataque ao World Trade Center, a entidade “Ocidente” (EUA) entrou em conflito com seu inimigo imaginado, o Islã
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GloBaliZaçÃo O grande fluxo migratório põe em contato culturas e modus vivendi completamente distintos
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Guerra santa O conflito entre israelenses e palestinos está produzindo guetos ou “áreas guetonizadas” — alguns se posicionam contra esse confronto
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Fronteiras “O muro enquanto entidade abstrata é um reflexo de nossa civilização. Como podemos derrubá-lo? Queremos fazê-lo? Um muro é sempre construído, e isso diz bastante, do muro e de nós. É produto da vontade humana, seja uma cerquinha entre vizinhos ou uma muralha de centenas de quilômetros de comprimento, como a que se levantou na China, séculos atrás, como as que surgem na Cisjordânia, nos Estados Unidos e na Espanha, em pleno século 21.” Fábio Lucas Continente nº 39, março 2004
identidade “É inegável que um incessante fluxo de informações por todo o globo está dando um novo formato às diversas culturas, mas isso não significa uma perda. Numa perspectiva mais otimista, pode se argumentar que a cultura não é um cárcere, um sistema fechado de valores invioláveis. A vida cultural de um povo, pelo contrário, alimenta-se de mudanças e conflitos com outras culturas.” Eduardo Cesar Maia Continente nº 70, outubro 2006
procurem, de maneira geral, frustrar as tentativas de travessia, cada um tentando tornar a osmose – a permeabilidade e a penetrabilidade da fronteira – assimétrica. A assimetria é completa ou quase completa no caso de prisões, campos de detenção e guetos ou “áreas guetonizadas” (Gaza e a Margem Ocidental constituem os mais espetaculares exemplos da atualidade), onde apenas um conjunto de guardas controla a passagem; mas as notórias “áreas interditas” nas cidades norte-americanas ou europeias (conhecidas como mean streets ou rough districts) aproximamse, ou tendem a se aproximar, desse padrão extremo, justapondo a atitude “Não vamos entrar” (We won’t go in), dos que estão fora, com a condição “Não podemos sair” (We can’t go out), dos que estão dentro. Nada na história é pré-determinado; a história é um vestígio deixado
no tempo por escolhas humanas múltiplas, dispersas e díspares, raramente, ou mesmo nunca, coordenadas. Ainda é muito cedo para prever qual das duas funções inter-relacionadas das fronteiras irá, eventualmente, prevalecer. De uma coisa, no entanto, podemos estar certos: nós (e os nossos filhos) nos deitaremos na cama que fizemos, coletivamente, para nós mesmos (e para eles). É por meio da demarcação de fronteiras e da negociação das normas de vida nas terras fronteiriças que essas camas são feitas.
o amor em tempos líquidos Amar e ser amado são ótimos exemplos da artificialidade da oposição otimismo-pessimismo. Amar e ser amado significa, simultaneamente, antecipar a contínua alegria de estar juntos e temer a perda do ser amado. O
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Reprodução Bloqueios A crescente porosidade das fronteiras as torna potenciais espaços de disputas e tensões
amor, afinal, é o arrebatamento contínuo e o igualmente contínuo esforço, empenho e autossacrifício pelo bem do outro. Ser amado é tão indispensável à experiência do amor como amar – mesmo que muitas vozes nos tentem a perseguir o primeiro e evitar o segundo. Emily Dubberley, autora de Breves encontros: O guia da mulher para o sexo casual (Brief encounters: The women’s guide to casual sex), diz que obter sexo hoje é como “encomendar uma pizza... Hoje em dia você pode entrar online e encomendar genitália”. Já não é preciso namorar ou conquistar um parceiro, não há mais necessidade de se esforçar para obter a aprovação do parceiro, não é preciso fazer tudo para merecer e obter o seu consentimento, insinuar-se aos olhos dela/dele e esperar muito, talvez infinitamente, para que todos esses esforços frutifiquem... Isto significa,
podemos estar certos: nós nos deitaremos na cama que fizemos, coletivamente, para nós mesmos. É por meio da demarcação de fronteiras e da negociação das normas de vida nas terras fronteiriças que essas camas são feitas
no entanto, que desapareceram todas as coisas que costumavam fazer de um encontro sexual um acontecimento tão excitante, porque incerto, e dessa busca um evento tão romântico, arriscado, uma aventura cheia de armadilhas. Alguma coisa se perdeu... Já ouvimos muitos homens, e também muitas mulheres, dizerem que o que ganharam compensa o sacrifício. O que ganharam foi conveniência – reduzindo o esforço ao mínimo absoluto; rapidez – reduzindo a distância entre o desejo e a sua satisfação; e segurança contra as consequências – que, raramente, podem ser totalmente antecipadas e, muitas vezes, podem revelar-se desagradáveis. A velha sabedoria popular nos aconselha a “não contar com o ovo na galinha”. Bem, a galinha da nova estratégia de vida da alegria instantânea já produziu ovos em
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ciberespaço “Para Baudrillard, crítico costumaz da pós-modernidade, o novo indíviduo virtual nada tem em comum com o herói singular tradicional, que lutava consigo mesmo e com a sociedade. Ao contrário, ele é uma partícula disposta a se conectar ao cyber-universo. A conjunção da lógica do mercado com a interação online das redes cria uma dinâmica de desmaterialização de todas as relações humanas, o que pode conduzir a uma catástrofe antropológica, um estado de megaentropia radical. É uma nova forma de terror.” Luciano Trigo Continente nº 31, julho 2003
utopia “A utopia assumiu, nos dois últimos séculos, a forma do socialismo, de uma sociedade pós-capitalista. Este século representa o mundo do dinheiro, da riqueza, do consumo e, também, o das armas, do poderio da força. Qualquer utopia, desde então, assumiu a forma da negação do capitalismo e de seus valores. Foi assim com os chamados comunismos ou socialismos utópicos, com o anarquismo, com o socialismo e com o comunismo. A esquerda se definia como anticapitalista.” Emir Sader Continente nº 56, agosto 2005
profusão, e temos todo o direito de começar a contá-los. Uma dessas contagens foi feita pelo psicoterapeuta Phillip Hodson, e suas conclusões apresentam os resultados da fase “internet” da atual revolução sexual como uma vantagem bastante duvidosa... Hodson identificou o paradoxo do que chama “uma cultura de jogar fora, de gratificação instantânea” (ainda não universal, mas em rápida expansão): pessoas que numa noite podem namorar (eletronicamente) com mais pessoas do que os seus pais, para não falar dos seus avós, poderão descobrir mais cedo ou mais tarde que, como no caso de todos os outros vícios, a satisfação obtida pode diminuir a cada nova dose da droga. O sexo através da internet acaba privando as parcerias humanas de muito do seu encantamento e reduzindo o número de sonhos... Os laços estreitados através da internet tendem a ser mais fracos e mais superficiais do que os laboriosamente construídos na vida off-line real e, por isso mesmo, mais (ou, mesmo, totalmente) insatisfatórios e indesejados. Hoje, mais pessoas podem “fazer sexo” com maior frequência, mas, paralelamente ao aumento desses números, cresce o número das pessoas que vivem sozinhas, sofrem de solidão e vivenciam terrivelmente dolorosos sentimentos de abandono. Esses sofredores buscam desesperadamente escapar desse sentimento e levados pela promessa de encontrar mais sexo online – acabam descobrindo que, longe de saciarem a sua fome de companhia humana, este alimento preparado e servido pela internet só torna a sua perda mais conspícua e os fazem sentir ainda mais humilhados e solitários... (Tradução — Sílvio Rolim)
Já não é preciso namorar ou conquistar um parceiro, não há mais necessidade de se esforçar para obter sua aprovação, não é preciso fazer tudo para merecer e obter o seu consentimento
Sobre Zygmunt Bauman
O sociólogo polonês Zygmunt Bauman tem 84 anos e é professor emérito de sociologia das universidades de Leeds (Reino Unido) e Varsóvia (Polônia). É famoso por usar o termo “líquido” para designar o estágio da modernidade (da qual é um dos seus maiores críticos) em que vivemos. Suas obras são lançadas no Brasil pela Editora Jorge Zahar, entre elas Modernidade líquida e Amor líquido. A mais recente é A arte da vida.
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aFetos Sexo através da internet acaba privando as parcerias humanas de muito do seu encantamento
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ceGueira Para Bauman, a humanidade caminha alegremente por uma fina camada de gelo, sem conseguir enxergar sua fragilidade
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Artigo
Roland walteR
Flora Pimentel
CRiSe da ideia de nação, impaSSe da demoCRaCia
uma nação é delimitada de maneira
artificial pelas suas fronteiras geográficas. Ela é uma entidade social continuamente moldada, pensada, imaginada e revisada por suas forças sociais, diversos grupos, classes, partidos e movimentos políticos de suas regiões. A luta pelo poder entre estes elementos, isto é, a interação complexa de forças e práticas hegemônicas e contra-hegemônicas, forma a base do desenvolvimento e imaginação heterogêneos e abertos da sociedade e da consciência nacional. Ou seja, qualquer nação é imbuída de várias fronteiras internas colocadas na sociedade, na história e no Estado. Além disso, a nação é também uma entidade transfronteiriça, na medida em que suas relações sócio-políticas e econômicas externas influenciam as suas questões internas e, neste processo, formam as suas fronteiras internas. Esses fatores solapam a ideia da nação como “comunidade imaginada”, examinada pelo cientista político Benedict Anderson. Em vista dos conflitos étnicos, do ódio racial e do uso de diferentes línguas que devastam as sociedades pós-coloniais por todo o mundo, é altamente questionável que
essas sociedades sejam caracterizadas por “uma camaradagem profunda e horizontal”, como alega Anderson. Essa crise da nação – vivida/ imaginada de maneira diferente em diversos contextos socioculturais – torna-se mais aguda na fase contemporânea da globalização e mundialização tardias. O uso cada vez mais comum na crítica sociocultural de termos como “pós-nacional” e “transnacional” testemunha um suposto enfraquecimento da nação e da episteme nacional devido aos crescentes fluxos disjuntivos de pessoas, capital, tecnologia, imagens e ideologias. A nação é cada vez mais fronteirizada/diasporizada por sua heterogeneidade etnorracial, religiosa e cultural dentro de diversas cronotopias. Entendo a cidadania transnacional enquanto dança no/sobre/através do hífen que liga e separa diversas nações. Ao contrário, o pós-nacional designa aquele cidadão – com sua “cidadania flexível” – que flutua em cima das fronteiras nacionais; o nômade independente (em termos financeiros) que se move pelo espaço cosmopolita. A nação, porém, está longe de ser um objeto passivo nas mãos do império econômico. Enquanto parece que corporações transnacionais/multinacionais tenham dissolvido as fronteiras nacionais, o Estado-nação, tendo diminuído seus deveres perante os cidadãos devido às privatizações, continua exercendo suas funções de controle e dominação interna e externa. Mesmo quando parece que as redes transnacionais que traficam armas, diamantes, drogas, órgãos e trabalhadores de sexo, só para mencionar aqueles campos que crescem de maneira exorbitante, tenham solapado as estruturas jurídicas das nações, as polícias e o sistema
judiciário são órgãos do Estadonação que combatem o crime (trans) nacional. Resumindo, vivemos uma fase caracterizada por diversos e alternantes circuitos nacionais, transnacionais e pós-nacionais enquanto encruzilhadas glocais onde políticas de localização em/por raça, classe, etnicidade, religião, história, idade, gênero, sexo, entre outros, dançam de rosto colado com políticas globais de natureza inter e transcultural. A meu ver, a crise nacional e cultural/identitária que vivemos é também uma crise da democracia. José Saramago, tanto em Ensaio sobre a cegueira (1995) quanto em Ensaio sobre a lucidez (2004), problematiza alegoricamente o retrocesso democrático que caracteriza o progresso esquizofrênico da era consumista-neoliberal contemporânea. Em Cegueira, um homem para perante a luz vermelha de um semáforo e, de repente, se torna cego. É o primeiro sinal da “cegueira branca” que se dissemina numa velocidade fulgurante; ou seja, o convite de Saramago para seus leitores refletirem sobre o suicídio da democracia; suicídio no sentido de um sistema chamado democrático se destruir por deixar a economia (e o implícito sistema consumista) determinar a política. Saramago, em Lucidez, continua essa crítica às democracias ocidentais enquanto “fachadas políticas do poder econômico” embrulhadas em “cores”, “bandeiras” e “discursos” que abordam diversos assuntos, salvo a própria democracia. A democracia é um dogma intocável, as eleições são “representações de uma comédia absurda” com baixa porcentagem de participação. Segundo Saramago, a democracia está se tornando um objeto morto, fechado como aqueles exibidos em museus. Qual o sentido de votar em candidatos que prometem o paraíso na terra mediante discursos que em vez de abordar assuntos que tocam o bem-estar dos cidadãos são escritos por aconselhadores de campanha para pontuar contra o adversário? Votar em branco. É isto que mais que 70% dos habitantes de uma pequena aldeia, chamados às urnas para votarem em seus representantes, fazem. O
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governo, presumindo uma conspiração internacional de um grupo subversivo, repete as eleições. Desta vez, 80% votam em branco, manifestando novamente seu descontentamento com os partidos e seus candidatos e, dessa forma, recusando-se a fazer parte desta mascarada que legitima a hegemonia existente. Em outras palavras, desmascaram a hegemonia democrática enquanto farsa que nunca se realizou como convivência pacífica baseada em liberdade, justiça e igualdade. O ato de desobediência civil desencadeia medidas drásticas do governo contra o povo: a democracia demonstrando sua cara ditatorial, ou seja, sistêmica e intolerante. Por que a democracia está em crise? Principalmente, por causa da personalização do poder. Hoje em dia se vota menos em um partido com seu programa do que em personalidades carismáticas que correspondem a uma
imagem. O perigo reside na ideia de que a diversidade de um povo pode se resolver numa expressão particular. Ao se encarnar em uma pessoa, a vox populi – de onde emana na democracia a legitimidade dos poderes públicos – reduz-se a uma expressão única, que é uma distorção radical e perversa de sua natureza multivocal. As contradições de interesse, ou seja, as ideologias que delimitam o campo da episteme de uma sociedade/coletividade nacional e simbolizam a hegemonia social, devem encontrar sua tradução institucional e somente o Parlamento pode e deve representar essas contradições e tensões. E, para lembrar, não existe contrato social sem contradições e tensões. Não há democracia sem confrontos; sem pluralidade de opiniões e atitudes. Desta forma, a personalização do poder é fascista, especialmente quando ela abrange a mídia. Em vez de
representar o corpus social – mediante referendum enquanto fonte de política legítima, por exemplo – a democracia atual é um jogo de simulação imagética. Se, segundo Baudrillard, uma simulação é diferente de uma mentira ou ficção no sentido de não somente representar uma ausência enquanto presença, o imaginário como o real, então também mina qualquer contraste com o real, absorvendo o real dentro de si. Esta hiper-realidade consumista e despolitizada que é produzida, entre outros, na e pela mídia enquanto flashes fragmentados sem contexto histórico e sociocultural, tem consequências concretas no sentido de aumentar a alienação e atomização do ser humano enquanto sujeito de um coletivo social. Caracterizada pela tirania do autêntico vivido e autobiográfico que substitui o sentido e a significação pela sensação, esta hiper-realidade reduz a comunidade e verdade às emoções fragmentárias e transitórias. A massificação da cultura não se deve confundir com um processo de democratização. Enquanto sistema econômico, que ao pornografar o corpo/mente/relações afetivas se apresenta cinicamente como sinônimo de democracia e liberdade, a cultura massificada constitui uma profunda crise de valores morais e éticos, ou seja, da interioridade humana e do contrato social. O Estado, em vez de civilizar a barbárie capitalista-consumista mediante regras e normas, muitas vezes se torna um elo atuante dela. Assim, o Estado em muitos casos abre as pernas para gozar dos fluxos de capital que lhe penetram e fecha os braços perante seus cidadãos e sua biota, deixandoos desprotegidos e poluídos. Desta forma, a destruição da natureza e a proliferação dos guetos/favelas das cidades aumentam a violência em geral e, em particular, a inter-relação entre os fluxos de capital e os diversos tipos de comércio ilícito. Resultado: a multifacetada rede social se desfaz e a pobreza selvagem toma conta. Este artigo é parte do ensaio Diversidade cultural e cidadania glocal: Nação e narração em transição, publicado em: II Cidadania cultural: Diversidade cultural, linguagens e identidades. Vol I. Org. Sébastien Joachim. Recife: Elógica/LivroRápido, 2007. p. 69-78.
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UM HOMEM DE MUITOS DONS.
Dom da Paz, Dom da Justiça, Dom da Coragem. Dom Helder Camara, que em 2009 completaria 100 anos, foi uma das mais importantes personagens da Igreja Católica no século 20. Assumindo a Arquidiocese de Olinda e Recife 12 dias após ser instaurada uma ditadura militar no país, posicionou-se a favor dos excluídos, denunciando a repressão e a tortura contra os perseguidos e presos políticos. Teve intensa atuação nos bastidores do Concílio Vaticano II, que levou a Igreja latino-americana a assumir a opção pelos pobres e a tomar partido pela justiça social. Durante o Concílio, escreveu cerca de 600 cartas a seus auxiliares do Rio de Janeiro e de Pernambuco, tratando do conclave, de seus projetos como missionário, de ecumenismo e outros temas. São estas cartas que a Cepe Editora publica agora, sob os títulos Circulares Conciliares e Circulares Interconciliares.
Lançamento Dia: 14 de abril de 2009 Horário: 19h Local: Paço Alfândega – Rua da Alfândega, 35 Bairro do Recife – Fone (81) 3424.1400 Pedidos pelos fones: 3183.2749 / Fax. 3183.2750
Local: Noooonono
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mart pet
Flora Pimentel
cearense, nascido no
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Bússola
Ronaldo coRReia de BRiTo O escritor e médico pernambucano Ronaldo Correia de Brito, autor de livros como Galiléia, Faca e O livro dos homens, apresenta aos leitores o que lê, ouve e consome atualmente
sertão do Inhamuns, e radicado no Recife desde os 17 anos, o escritor e médico Ronaldo Correia de Brito é mais conhecido como autor dos elogiados livros de contos Faca e O livro dos homens. Recentemente lançou pela editora Alfaguara seu primeiro romance, Galiléia, considerado pela crítica um dos melhores livros do ano passado na literatura brasileira. Foi convidado para ser escritor residente e professor visitante na Universidade de Berkeley (Califórnia), em 2007. Mas suas atividades não param por aí: realiza curadorias, envolveu-se na produção de diversos filmes, tal como Lua Cambará (1977), baseado em um conto seu. Além disso, trabalha no teatro como dramaturgo e encenador. Seu espetáculo mais famoso, criado em parceria com Assis Brasil e Antonio Madureira, chama-se Baile do menino Deus, que há 25 anos é encenado por todo o Brasil; e que este ano será editado em braille, pela Companhia Editora de Pernambuco - Cepe. Escreveu, durante seis anos, a coluna Entremez nesta Continente. Colabora com o portal Terra, com edições especiais da revista Entrelivros e com o jornal Estado de S. Paulo. Atualmente, está trabalhando em novo romance ambientado no Recife, no qual diz que incorpora a maneira de falar de seus personagens e a paisagem urbana da cidade dos dias de hoje.
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Televisão
caminho das Índias
Cinema
O limoeiro (Lemon tree) Salma, uma viúva palestina, vive de um sítio de limões. Um dia, o ministro de Defesa de Israel se instala numa casa ao lado do seu plantio. A segurança acha necessário botar os limoeiros abaixo. Salma procura um advogado palestino e começa sua luta para preservar a herança do seu pai. Trata-se de mais um filme sobre os conflitos entre Israel e Palestina. O diretor é israelense, mas consegue não tomar partido, criando uma história comovente, com interpretações magníficas.
o significado do canibalismo Mussa tem se especializado em recontar histórias. No seu novo livro, Meu destino é ser onça, ele adapta para uma linguagem literária os mitos dos índios tupinambás e traduz as narrativas de importantes cronistas que visitaram o Brasil. Finalmente pude compreender o que significa canibalismo. As crônicas de André Thevet me deixaram sem vontade de comer carne por mais de um mês. E olha que era carne de boi... Reproduções
Todas as noites faço meu curso intensivo de hinduísmo. Glória Perez é um talento, escreve sozinha enredos em que se misturam gafieiras do Rio de Janeiro com vacas e elefantes do Rajastão. Aprendi com Shankar que preciso viver de acordo com minha própria verdade. Difícil tem sido convencer minha empregada a sair para o meio da rua com uma tigela de leite, sempre que vou realizar um negócio importante. Segundo a novela, sem o leite pode dar tudo errado.
Narrativa
Discos
cânticos e rock As pessoas imaginam os escritores como intelectuais incansáveis, sempre à procura de coisas novas. Não é o meu caso. Sinto preguiça de revirar bibliotecas, lojas de CD e DVD. Boa parte do que leio, escuto e assisto devo a Avelina, ela, sim, uma pesquisadora. Meu filho, Tomás, é outro pesquisador. Graças a ele pude conhecer o Radiohead, embora ele sempre ache que não ouço bem os discos e que o meu conhecimento de rock, blues e jazz é superficial. Concordo. Mas juro que minhas incursões pelos Cânticos à Virgem Maria, da monja alemã do século 12, Hildegard von Bingen (foto), são minuciosas. Também foi minha mulher quem me apresentou Hildegard.
Gastronomia
Livros
Um romance russo O francês Carrère (foto) constrói seu romance autobiográfico com três fios narrativos que se misturam e convergem para um final único. Enquanto narra a história de um soldado húngaro, que após a Segunda Guerra Mundial ficou 55 anos num manicômio de uma cidadezinha dos confins da Rússia, ele também escreve sobre o avô desaparecido na França, supostamente por ter colaborado com o exército alemão. E entremeando tudo, Carrère conta seus infortúnios amorosos numa linguagem erótica e psicanalisada. Um livro que prende o leitor e o deixa sem fôlego do início ao fim. Contraindicado para quem sofre de asma.
A parede no escuro Escreveram que o Brasil possui um único escritor: Machado de Assis. É porque ainda não leram A parede no escuro, o romance de estreia de um jovem escritor gaúcho. Gosto de livros que incomodam, provocam transtorno. Altair Martins (foto) transforma em narrador cada um dos seus personagens. Todos se narram. De início, ficamos confusos, mas a desorientação passa ligeiro. A trama gira em torno do atropelamento de um homem idoso, narrado de forma tão angustiante que nos sentimos como se um carro tivesse passado por cima de nós.
café
Não falo do Café Savoy, de Praga, onde Kafka passava as tardes e eu comi uma torta excelente. Nem do Café Jacu, aquele produzido em São Paulo: as aves comem os grãos, descomem, os fazendeiros produtores apanham os grãos descomidos, lavam e torram. Os baristas acham o resultado excelente. O escritor Ricardo Lísias convidou-me para experimentar, quando estive em São Paulo. Não deu. Mas recomendo o café produzido em Taquaritinga do Norte, espécie arábica, maturação na sombra, inteiramente orgânico. Preparado em cafeteira italiana é perfeito. Pena que os grãos são quase todos exportados. Com licor de jabuticaba Triunpho e sequilhos de goma e gergelim é uma iguaria fina.
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Flora Pimentel
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imprensa
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imprensa aonde vai o jornalismo cultural? Muitos desafios se impõem aos que têm hoje a responsabilidade de produzir na mídia impressa um jornalismo cultural de qualidade. E muitos impasses. Em primeiro lugar, perguntar-se o que de fato deseja o leitor: o aprofundamento dos temas considerados eruditos, a exemplo do que se fazia há poucas décadas nos cadernos literários, ou que o foco dos cadernos seja dirigido à prestação de serviços, impositiva diante da força da indústria cultural que, diariamente e implacavelmente, oferece centenas de produtos e opções, num ritmo alucinante? Frente a essas constatações, resta aos editores enveredar pelo caminho do meio, ou seja, tentar, ao mesmo tempo, agregar à prestação de serviços uma atuação como agente formador de opinião e valores culturais. Um malabarismo único, que os obriga a mostrar as centenas de opções disponíveis – desde Watchmen, mais uma adaptação dos quadrinhos para as telonas, até o cultuado cinema iraniano – conciliando uma escrita clara e atrativa com um necessário rigor analítico e crítico. texto Danielle Romani
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malabarismo O processo de seleção de notícias para consumo massivo deve contemplar desde a cultura pop, a “novidade”, o “cult”, as tradições locais até o panorama internacional
além de tudo isso, os responsáveis
pelo jornalismo cultural impresso têm que concorrer com a velocidade e o imediatismo de uma nova tecnologia, um novo e poderoso canal de informação: a internet, com seus sites, blogs e milhares de fóruns de discussões virtuais. Aliada ou inimiga? Sem dúvida, uma ferramenta poderosa e positiva, defende Jotabê Medeiros, professor, jornalista e crítico do Caderno 2 do jornal O Estado de S. Paulo, ressaltando como extremamente benéfico o debate cultural que está sendo ampliado e estimulado pela e na internet. “Ela multiplica as discussões e democratiza o conhecimento e a informação. Antes, havia uma espécie de ‘reserva de mercado’ dos bens
culturais a certos articulistas; discos e livros só chegavam a poucos. Hoje, há maior distribuição e a internet permite, inclusive, ampla troca musical.” Se a internet é vista como mais uma aliada, Jotabê Medeiros também não vê problemas com a qualidade dos cadernos produzidos hoje. “Havia bons articulistas nos jornais do passado? Sem dúvida. Mas hoje também os há, e até os mais antigos ainda estão na ativa, como Ferreira Gullar, João Ubaldo Ribeiro, Luiz Fernando Veríssimo... Além deles, há muitos jovens talentos, como Xico Sá, Marcelo Rubens Paiva, Daniel Piza, José Simão”, enumera. Há 12 anos atuando na área cultural, o editor do EM Cultura do Estado de Minas, João Paulo Cunha, compartilha
do entusiasmo pelas novas possibilidades trazidas pela web, mas crê que é preciso calma e prudência para conciliar tantas inovações. “O jornalismo cultural mudou, como mudou tudo no jornalismo. A indefinição de rumos com as novas tecnologias afeta todas as áreas, inclusive a nossa, que lida com muitos elementos visuais e sonoros, que são a base dos novos modelos de informação preferidos por fatias importantes dos novos leitores”, diz o editor mineiro, que faz mais ponderações sobre o passado e o futuro da área. “Muita gente gosta de comparar o jornalismo cultural de hoje com o de 50, 60 anos, dizendo que havia mais profundidade. Mas é preciso lembrar que se tratava de
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Opinião
andré forastieri sem fronteiras, sem perdão O jornalismo cultural que eu tento exercer desde 1988 é o jornalismo crítico. Ele tem uma única premissa: compromisso total com o leitor e nenhum com a obra ou seu criador. Fã é fã, jornalista é jornalista. Fã perdoa tudo. Jornalista não perdoa nada, ou não deveria. As perguntas que o jornalista cultural tem de responder são só duas: primeiro, o objetivo da obra tem algum mérito? Segundo, o objetivo foi alcançado? Só. O resto é perfumaria. Vale para o impresso, vale mais ainda para a web. Até porque, na rede, não é preciso descrever a música; qualquer um baixa. Não é preciso listar a filmografia do diretor, ou sua história etc. Basta linkar para as melhores fontes de informação. E contribuir com o que interessa: uma visão pessoal, única, e implacável. Jornalismo crítico do século 21: sem fronteiras, sem piedade. É uma atitude radical. Exemplo: implica arrasar com a mais recente (e ruim) obra de um artista velhinho, respeitado e amado. Não interessa seu currículo. Interessa a obra. O jornalismo crítico pode ser exercido na grande imprensa ou num blog lido por cinco pessoas. Não requer muito mais que saber escrever, curiosidade, uma cultura geral razoável. Não precisa saber tocar piano para escrever sobre música. É uma maneira de ver as coisas e se posicionar. Copiar o que a assessoria de imprensa mandou não é jornalismo. Ecoar o consenso que compensa não é jornalismo. Esconderse no que pega bem não é jornalismo. Copypaste não é jornalismo. Álvaro Pereira Jr., comentando o livro Pós-tudo (uma espécie de almanaque sobre a história da Ilustrada, da Folha de S.Paulo, o mais influente caderno cultural da história da imprensa nacional, que cresci lendo e onde trabalhei entre 1988 e 1990), cutuca a preponderância do “jornalismo amigo e construtivo, participante de cena que cobre”. Este mestiço jornalista-fã frequentemente tem papel catalisador em novos movimentos culturais. O problema é que esta postura se tornou a característica dominante do nosso jornalismo cultural. Em outros países não é assim.
O que me fez querer ser jornalista é o jornalismo crítico. Ele estava presente na Ilustrada nas entrelinhas do “jornalismo amigo e construtivo” da fase Matinas Suzuki Jr/ Marcos Augusto Gonçalves (que queriam construir a obra junto com o artista, construir a política cultural junto com o governo etc.; “Você era crítico e participante ao mesmo tempo”, Matinas, pág. 118 de Póstudo) e sua continuação, que veio dos anos 1990 para frente. A não-Ilustrada era, em uma palavra, crítica. Uma meia dúzia de gatos pingados por década. Às vezes fazia barulho suficiente para estourar os tímpanos de quem estivesse de ouvidos abertos. Na minha adolescência, Paulo Francis e Pepe Escobar. Mas a imprensa cultural dominante é e sempre foi a dos jornalistas artistas, ou jornalistas que são amigos de artistas ou sonham ser. Alguns poucos são brilhantes e catalisadores. No mesmo texto, Álvaro cita Erika Palomino, cronista da noite e da moda, uma militante engajada na construção da cena, dos personagens e do negócio. Lúcio Ribeiro é o outro grande exemplo desta abordagem, em música, e muito forte na internet, com seu site Popload. Nossas cenas de moda e música seriam menos interessantes sem estes dois, que considero amigos. São certamente os jornalistas mais influentes da geração 1990 da Ilustrada. É uma pena que em vez de se espelhar no talento admirável de Lúcio e Erika, muita gente ignore a parte “jornalismo” de “jornalismo amigo e construtivo”. Muitos blogs estão cheios de posts pagos, o crítico ganha uma grana extra como curador, a editora faz frila para a assessoria, todo mundo pega o seu com o governo, todo mundo se virando etc. Tudo beleza, se você consegue manter a independência de espírito. Não é tarefa simples. O Brasil precisa de mais jornalismo crítico, e não só na área cultural. Tem gente boa pintando, principalmente na internet, e tenho esperança de que apareça mais. Torço por uma explosão de seguidores de Kenneth Tynan, que Paulo Francis me apresentou na Ilustrada. Tynan uma vez esculhambou um filme de Michelangelo Antonioni assim: “Nove décimos do trabalho do crítico é demolir o ruim para abrir caminho para o bom. Antonioni está bloqueando a rua”. Nada a acrescentar.
“a informação nem sempre é qualificada, muitas vezes é enganosa” Daysi bregantini (Cult)
“Havia bons articulistas nos jornais do passado? mas hoje também há” Jotabê medeiros (Estadão)
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Entrevista
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claudio tognolli rápido no gatilho
Ele coleciona prêmios de jornalismo, publicou diversos livros e não tem papas na língua. Repórter, escritor, professor universitário, Claudio Tognolli é profissional que não tem medo de dizer o que pensa. Suas opiniões sobre o jornalismo cultural soam polêmicas, mas não perdem a honestidade, como se lê na entrevista abaixo. (DR) Dentro da trajetória do jornalismo cultural no Brasil, que momentos de mudanças você destacaria como importantes? Quem foram os grandes personagens do jornalismo cultural brasileiro? clauDio tognolli O grande
suplementos semanais, com poucas páginas. Os grandes críticos tinham muito espaço e escreviam belos textos. Não seria possível manter este modelo com a força da indústria cultural de hoje, com centenas de lançamentos semanais”, avalia João Paulo, alertando que não se pode nivelar por baixo, mas não há como repetir o modelo de tempos passados.
permeabiliDaDe
E o atual modelo, acredita Carlos Marcelo, editor-executivo do Correio
personagem foi Paulo Francis. Errava muito. Morreu por ter errado, e acusado a Petrobras de manter uma conta de US$ 500 milhões na Justiça. Ele iria tomar uma ação indenizatória de milhões de dólares. Mas ele é o pai de ideia de independência. Entrevistei há dez anos Jim Davis, cartunista, pai do Garfield. Perguntei o que ele achava do politicamente correto. Ele condenou isso. Disse que o humor nasce da diferença. Eu gostava muito também de Casimiro Xavier de Mendonça, ex-editor da Veja, que rodava o Brasil buscando novos personagens. Hoje, as assessorias de imprensa tomaram conta de tudo, ninguém sai mais das redações. Temos coisas como aquele lixo que é a Flip, em Paraty. Atualmente, a polêmica é escassa no jornalismo cultural contemporâneo. A que se deve esse clima de pouco debate? clauDio tognolli Jornalistas viraram reprodutores de press releases. Ou passaram a cultuar uma submissão abjeta a autores gringos. Veja a Flip: as grandes editoras trazem autores nada brilhantes, em geral. Jornalistas os entrevistam e botam ainda, digamos, “Falou com exclusividade ao Estado, à Folha”, e por aí vai. Por que não torram sola buscando novos autores Brasil adentro? Não espanta que a maioria desses críticos culturais tenha barrigas pontudas, barriga de delegado velho. Não tira os fundilhos da cadeira. Em troca, recebe traduções de grandes
Braziliense, não é bom nem ruim. É preciso, porém, estar atento para que, em nome da democratização, os cadernos não se esqueçam de procedimentos básicos do bom jornalismo, como a realização de reportagens com conteúdo. “O jornalismo cultural tem se mostrado permeável: procura a diversidade de temas e parece disposto a fugir do bairrismo, abrindo espaço generoso para a produção cultural contemporânea de todo o país. Falta, porém, maior investimento
editoras, que lhe pagam. É um toma lá, dá cá, dos diabos. Como você avalia as atuais seções culturais dos jornais? Elas estão preocupadas com o apelo fácil ou com a informação do grande público? clauDio tognolli Estão interessadas em jabaculê, em receber em troca algo, que não é dinheiro: é inserção social por parte de jornalistas de classe média que babam para ascender socialmente. Lembro, quando vejo essa gente, da frase de Beethoven: “Cuidado com os poetas, eles gostam de lantejoulas”. O babaculê precisa ser criminalizado. Nos EUA, ele, chamado de payola, é crime federal desde os anos 1950. Meu quinto livro, Mídia, máfias e rock and roll, traz um capítulo sobre isso. Há cerca de uma década, você denunciou a existência de máfias. Pode citar casos e situações? clauDio tognolli Precisamos criminalizar donos e rádios que cobram jabaculê. Quiseram cobrar 1,5 milhão de reais de um amigo meu para que seu disco virasse primeiro lugar numa rádio. A situação que cito é: tem de haver uma CPI que apure o jabaculê nas rádios. Nesses pacotes de um milhão de reais estão inclusos: o pagamento do artista e, ainda, a realização de shows para a rádio à qual ele pagou. Precisamos botar a Polícia Federal em cima das rádios, numa força tarefa com o Ministério da Cultura. Quem terá colhões? Ninguém.
em reportagens diferenciadas, surpreendentes, arrojadas. E coragem de dimensionar a agenda de eventos da semana, dando a ela o espaço merecido, não um tratamento dispensado a partir de moldes préfabricados, em piloto automático, que só entediam o leitor. É preciso surpreender o leitor, oferecer nas páginas impressas o que não está ainda disponível na internet”, pondera o editor do jornal brasiliense. E é exatamente nesta diferenciação, na busca de um maior padrão de
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Ana Bizzotto
“Vejo um retorno ao formato tradicional, ao jornalismo autoral” Joao gabriel de lima (Bravo!)
“os blogs criam uma verdadeira banalização do jornalismo cultural”
pablo miyazawa (Rolling Stone)
reDação Nos jornais diários e revistas, os profissionais vivem uma rotina que inclui pesquisas, contatos com fontes e produção de textos
qualidade, inclusive para temas que digam respeito ao universo pop, que aposta Pablo Miyazawa, editor da revista Rolling Stone. Admirador da velocidade e democratização proporcionada pela internet, afirma, entretanto, “irritar-se”, incontáveis vezes, com a falta de responsabilidade dos críticos de última hora. “Os blogs criam uma verdadeira banalização do jornalismo cultural. Qualquer um se torna crítico de música, e passa a falar uma porção de bobagens que viram verdade instantânea! Temos
a obrigação de nos impor e trazer para nossos veículos ainda mais conteúdo. Só assim o leitor poderá pontuar e constatar os ganhos que tem, pautando-se no que é escrito por um profissional sério e bem-informado”. Responsável por uma das publicações mais respeitadas na área cultural, a revista Bravo!, o jornalista João Gabriel de Lima também aposta suas fichas na diferenciação, e diz que exatamente devido à democratização e ao acesso fácil permitido pela internet, a tendência é que haja, em breve,
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nos meios impressos, um retorno aos formatos tradicionais de jornalismo: a entrevista, a reportagem, o perfil. “O leitor que acessa a web já tem a informação mais imediata e utilitária. Ele quer, num jornal ou revista, um texto mais profundo, que o surpreenda pelo estilo e visão particular de um autor, que o faça refletir sobre um assunto. A leitura dos jornais ingleses como Guardian, Independent e Times e de revistas como Vanity Fair e New Yorker, levam-me a crer que estamos num período de retorno do chamado “jornalismo de autor”. No Brasil, alguns jornais e revistas já despertaram para esta realidade e diria que títulos como Continente, Bravo! e Piauí fazem parte deste movimento”, afirma o editor.
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outra perspectiVa
A revista Cult é uma referência para os que apreciam o jornalismo cultural de qualidade. Mas apesar do alto conceito de que goza, a publicação, segundo sua editora Daysi Bregantini, passa por dificuldades desde que foi criada há 11 anos. Talvez por este motivo ela tenha uma visão menos otimista das perspectivas de mercado e do cenário para as publicações culturais. “O Brasil é grande e tem muitas culturas. Existem a diversidade e o imperialismo. As publicações nacionais acreditam mais na Madonna do que no teatro popular. Isso empobrece. Quem cobre o factual, cobre o eixo Rio-São Paulo e acha que está tudo certo. Não está. É um olhar equivocado, desagregador. O jornalismo cultural precisa ser discutido inclusive no âmbito acadêmico, porque é na escola que tudo começa”, afirma Daysi, que questiona até mesmo a função dos jornais de informar bem o leitor. “Os jornais informam, mas a informação é instrução apenas no caráter semântico. Nem sempre é qualificada, muitas vezes é enganosa, não tem relação com a verdade e não encaminha para lugar algum”, sentencia. Editor da revista Massangana, produzida integralmente no Recife, pela Fundação Joaquim Nabuco, Sidney Rocha também é cético quanto ao futuro e ao modelo a ser adotado pelos cadernos e revistas da área. “O jornalismo cultural brasileiro nem é
VariaDos meios O leitor de cultura tem hoje à disposição diversos veículos especializados, tanto impressos como no ambiente virtual
de alta, nem de baixa nem de média cultura, considerando-se que a cultura está cada vez mais inserida na sociedade do espetáculo, do consumo imediato, da superficialidade das abordagens. O jornalismo brasileiro está mais para o nobrow (sem classificação), como chamam os americanos”, classifica.
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Opinião
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daniel piza existe público, sim
O jornalismo cultural vive um momento contraditório. Há vários aspectos da vida contemporânea que apontam para sua valorização, mas o que de fato se vê é a perda de seu tônus, de sua qualidade. O principal aspecto é a presença cada vez maior das atividades culturais no cotidiano das pessoas de diversas classes. Dos anos 1990 para cá, com DVD, CD, mp3, internet e outras tecnologias, as artes como a música e o cinema fazem companhia a elas nas situações mais inusitadas do diaa-dia. A quantidade de eventos em grandes cidades é tal que os leitores, ouvintes e espectadores querem do jornalismo que os oriente, que os ajude a filtrar o que ver ou não ver. Mas ele tem falhado. Está alinhado com a mentalidade publicitária, da “divulgação”, e rebaixado à prestação de serviço, de escassa criatividade. Lembro um tempo, nos anos 1980, em que a TV dava as novelas e em seguida os enlatados americanos (Magnum, Casal 20 etc.). Hoje, há vários programas brasileiros de boa qualidade, de A grande família até minisséries literárias, e a TV por assinatura oferece dezenas de canais com algumas séries americanas ou até europeias de muita qualidade, como Roma ou John Adams, da HBO. A TV
melhorou muito. O número de salas de cinema, ao contrário dos prognósticos, voltou a crescer. Com os iPods da vida é possível baixar músicas de todos os gêneros para escutar no carro, na ginástica, no metrô. As grandes exposições são frequentes nas capitais do mundo todo, assim como os shows e concertos dos melhores intérpretes internacionais. E a internet permite acesso não apenas ao que é feito hoje, mas também a quase tudo que já se fez, com vídeos no You Tube, bibliotecas digitais etc. Ter acesso a ótimas publicações estrangeiras, como livros e revistas, também ficou ao alcance do mouse. No entanto, o jornalismo cultural não consegue dar conta dessa oferta quantitativa e qualitativa de produtos e acontecimentos culturais. As resenhas se limitam a fazer resumos comentados por meio de alguns adjetivos. As colunas adotaram o tom da crônica, da conversa “engraçadinha”, e são em geral escritas por personalidades, não por intelectuais ou jornalistas realmente cultos. A reportagem cultural praticamente saiu do mapa, exceto por um perfil aqui, outro ali. Mesmo revistas que se pretendem sofisticadas, no Brasil, demonizam o ato da opinião, a postura crítica; preferem contar histórias pitorescas. E a internet, que seria a libertação das pequenas e dissonantes vozes abafadas pela “mídia mainstream”, não tem nada que se pareça com o jornalismo independente ou nanico dos anos 1970; no fundo, parecem todos ressentidos pelo fato de não estar numa grande vitrine de papel. Mas no cenário internacional há muitos exemplos de resistência, de um jornalismo cultural que não faz concessões ao tal “leitor médio”, esse desconhecido. É um jornalismo que parte do princípio de que nomes como Shakespeare, Rembrandt ou Beethoven não são verbetes de enciclopédia, mas criadores vivos que muitas pessoas continuam a absorver e admirar com fervor – porque sentem prazer diante da riqueza e vivacidade de suas obras, não porque é obrigatório ou chique. Antigos bastiões como New Yorker, Times Literary Supplement e New York Review of Books continuam mantendo
seu alto padrão. Mesmo a internet tem sites como More intelligent life, Edge e Slate, além de blogs temáticos ou generalistas. No caso da New Yorker, revista que dá ênfase aos textos, isso tem significado um aumento de vendas: são mais de um milhão de exemplares por semana. E por quê? Entre outros motivos, porque tem poucos concorrentes. E porque seleciona seus assuntos, de modo cético e charmoso. O nome disso costumava ser jornalismo cultural. Você pode alegar que, apesar da explosão de mídias e acervos, as pessoas continuam ou estão cada vez mais preguiçosas intelectualmente, apressadas demais para ler algo que tenha mais que quatro parágrafos ou trate de assuntos que exigem dos miolos. Mas sempre foi assim e a tarefa do grande jornalismo cultural é exatamente contrapor esse conformismo, seduzir o leitor e fazê-lo pensar sob diferentes ângulos. Os exemplos estão aí para mostrar que isso é possível. Um crítico como James Wood, agora atuando na New Yorker, é um antídoto contra aquele tipo de frase que diz: “Não existem mais Edmunds Wilsons” ou, na versão brasileira, “Ottos Marias Carpeaux”... Existem, sim, com as diferenças de tom e abordagem que a mudança dos tempos exige. Mais importante ainda é que o jornalismo cultural perceba que não está à altura nem mesmo da produção cultural de sua época. Em todos os momentos fundamentais da cultura, o debate em revistas e suplementos foi causa e efeito desses momentos. Desde a Inglaterra do início do século 18, quando a Spectator era lida por todos os homens e mulheres civilizados de Londres, até o movimento modernista de 1922, que se espelhava na Klaxon, o jornalismo refletia o vigor das artes e ideias. Hoje existe, sim, um público beminformado e requintado que leva uma vida cultural ativa – ouve jazz no mp3, vai a exposições em outros países, frequenta as grandes livrarias, assiste a documentários no cinema – e que pode, portanto, ser capturado pela crítica bem-elaborada, pela entrevista bem-pensada. Desde, naturalmente, que elas sejam feitas.
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publicações notáVeis
nanicas, panfletárias, audaciosas, elas mudaram o conceito de fazer jornal e revista
O PaSquim Em plena vigência do AI-5, decretado meses antes, era lançado O Pasquim, um jornal sem “patrões”, em que os colaboradores podiam escrever o que quisessem. Reuniu um elenco dos mais talentosos jornalistas e cartunistas brasileiros. Revolucionou a linguagem jornalística e, apesar da censura, sobreviveu até 1991.
BOndinhO No vácuo dos exílios e prisões, no silêncio da censura, uma revista feita originalmente por um supermercado tornou-se, em 1972, um espaço atuante de invenção e reflexão da imprensa nacional. Durou apenas 13 edições, mas registrou um período de transição e balanços culturais após eventos marcantes da década anterior.
VERSuS Ao fundir jornalismo, fotografia, desenho, HQs, literatura e poesia, além de matérias políticas, o jornal Versus, lançado em 1975, em São Paulo, propunha o debate cultural como forma de ação política. Publicou textos e reportagens de autores como Carlos Fuentes, Gabriel García Márquez, Júlio Cortázar, Augusto Boal.
“Às vezes sinto que vivemos a mesma era que viveu o jiu-jitsu brasileiro. A era Gracie, a do valetudo. Ele atende às necessidades mercadológicas, pois é o mercado, não o leitor nem o Estado, quem paga a conta do jornalismo cultural”, alfineta Sidney, também coordenador da editora que leva o mesmo nome da revista. Se os prognósticos dos que fazem jornalismo cultural são diversos, oscilando entre o total otimismo e o completo pessimismo em relação ao futuro, há, pelo menos, um aspecto em que todos concordam: apesar da existência de pesquisas atestando que os cadernos culturais estão entre os mais lidos e procurados pelos leitores de todas as regiões do país, as diretorias das próprias redações normalmente discriminam e consideram a área cultural como “perfumaria” e bobagem. “As pesquisas realizadas mostram que sim, as páginas de cultura estão entre as mais lidas do jornal. Além disso, o jornalismo cultural é uma grande porta de entrada para leitores jovens – e atrair leitores jovens é o grande desafio dos jornais atualmente”, explica Claúdia Laitano, editora de cultura do Zero Hora, de Porto Alegre.
FOlhEtim Criado e dirigido por Tarso de Castro no final dos anos 1970, o suplemento dominical da Folha de S.Paulo, Folhetim, seguiu os passos dO Pasquim, e se propunha a ser o primeiro caderno cultural “alternativo” dentro da grande imprensa no Brasil, recheado de humor, irreverência e uma certa “marginalidade”.
lEia liVROS Fundada em 1977, pelo editor Caio Graco Prado, da Brasiliense, a Leia Livros contribuiu para promover não somente a cultura brasileira como também trazia um balanço sobre a atualidade estrangeira em publicações e novidades literárias. Teve como editores Caio Fernando Abreu, José Maria Cançado e Luciano Trigo.
Ela, no entanto, é forçada a admitir: “Existe um certo preconceito nos jornais a respeito da notícia cultural, que muitas vezes não é avaliada com a dimensão que tem, nas capas dos jornais. A menos que a notícia tenha a ver com o mundo das celebridades, esta, sim, a fatia do jornalismo cultural que facilmente ganha manchetes”. Apesar da distância geográfica, o depoimento da gaúcha faz coro com o do colega paraibano William Costa, editor de cultura de O Norte. “O espaço dado ao jornalismo cultural aqui se resume à manutenção de um caderno; só em casos muito especiais chegamos às manchetes principais da primeira página. No geral, contentamo-nos com uma chamadinha”, resigna-se. Outro problema recorrente para os que lidam com a produção do jornalismo cultural é o assédio e manipulação de algumas assessorias, que, ao enviarem centenas de brindes e produtos para as redações, sentem-se no direito de cobrar matéria, retaliar ou bombardear os autores que falam mal dos seus assessorados. Em casos mais extremos, os próprios repórteres mantêm uma excessiva aproximação com as fontes, na ânsia de receber brindes e presentes. O professor e jornalista Marcelo Coelho, crítico e repórter do caderno
Cult Com 12 anos de existência, é um marco no jornalismo cultural brasileiro pela qualidade e profundidade. Os assuntos são geralmente sobre autores literários e produção literária. Depois do número 57 passa a se chamar Revista Brasileira de Cultura e tratar de outros temas como música, teatro e cinema.
BRaVO! No mercado há 11 anos, traz reportagens sobre artes plásticas em geral (pintura, escultura, gravura, fotografia), o cinema, a música, o teatro, a dança, a literatura, mas também cobre o universo pop, sem abrir mão da qualidade. Entre seus colaboradores estão Sérgio Augusto, Ariano Suassuna e Jorge Caldeira.
Ilustrada, da Folha de S.Paulo, admite que é comum não exatamente este excesso, mas acontece, frequentemente, a existência de “laços” entre jornalistas e fontes.“Há quase uma promiscuidade na linguagem, na medida em que o elogio a determinado filme realmente bom às vezes corre o risco de parecer propaganda do mesmo filme. Fora isso, a rede de relações pessoais na cultura brasileira ainda é muito cerrada, agravando um risco de que todos nós, eu inclusive, nem sempre conseguimos dissipar”, pondera o jornalista. No caso da editora do Caderno C do Correio Braziliense, Maria Clara Arreguy, as represálias vieram ainda no início da carreira. “Quando era crítica de teatro, precisei de alguns anos e muitas críticas para ter meu trabalho respeitado. Artistas costumam confundir crítica ao trabalho com críticas a eles, às pessoas. Gostando ou não de determinado artista, noticiamos o que avaliamos como sendo notícia, e não uma ação entre amigos para “dar uma força”.
@ continenteonline Leia as entrevistas na íntegra com os editores de cultura e especialistas em jornalismo cultural no site www.revistacontinente.com.br
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eles fizeram história o suplemento dominical do Jb e a ilustrada viraram referência entre os impressos Quando se fala no jornalismo cultural da segunda metade do século 20, impossível não citar dois cadernos que marcaram época, lançaram tendências e novas linguagens, e fizeram a cabeça de gerações: o carioca Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, o SDJB, editado entre junho de 1956 e junho de 1960, e a paulistana Ilustrada, que ainda está em circulação, mas que teve seu auge do início ao fim dos anos 1980, deslocando o foco cultural do Rio para São Paulo. O SDJB é considerado um marco para o jornalismo cultural brasileiro não só por ter sido o instrumento difusor das estéticas concretistas e neoconcretistas, mas pelo desencadeamento de um processo de revisão cultural de toda a trajetória da arte brasileira e estrangeira. “O SDJB não cobria a cultura, ele era a própria cultura. Tanto que suas páginas, de uma diagramação revolucionária, estão reproduzidas em qualquer livro sobre artes plásticas no período”, enfatiza a jornalista, catedrática, editora e escritora Cristiane Costa, que ganhou a bolsa Vitae de Literatura, em 2001, para produzir o livro Pena de aluguel: Escritores no Brasil 1904-2004, que saiu pela Cia das letras. Além de ser referência para toda uma geração, o Suplemento teve um início, no mínimo, curioso, pois pode ser apontado como o primeiro “suplemento virtual” do país. Quem explica o “fenômeno” é o próprio Reynaldo Jardim, jornalista, escritor e editor do SDJB durante toda sua curta existência. “Dirigia a rádio Jornal do Brasil e nela criei um programa, aos domingos, de crítica e comentários de artes literárias, cinéticas, cênicas. O JB não editava nada
similar, pois era basicamente um jornal de classificados.”, lembra Reynaldo. Encantada com o programa radiofônico, a condessa Pereira Carneiro, diretora e proprietária da rede JB, encarregou Reynaldo de redigir uma coluna que recebeu o nome de Literatura Contemporânea, e que começou a atrair muitos elogios de seus amigos. “Envaidecida, ela me deu mais espaço. Acabei tomando um caderno inteiro”, diverte-se o escritor que hoje, aos 82 anos, mora em Brasília e continua empenhado em produzir livros e jornais. A primeira edição do SDJB impressa saiu em 3 de junho de 1956. A partir daí, o jornalismo cultural jamais seria o mesmo. Nos meses e anos seguintes “jovens” como Mário Pedrosa, Ferreira Gullar, Mario Faustino, os irmãos Haroldo e Augusto Campos, Décio Pignatari, Clarice Lispector, Sergio Rouanet, José Carlos Oliveira começam a colaborar e a mudar a história do jornalismo cultural. “O dia 3 de fevereiro de 1957 é um marco. Em página inteira, a terceira do caderno, publicamos um poema concreto do Gullar, caracterizado por um distanciamento das teorias dos poetas concretistas do grupo paulista. É a semente do Neoconcretismo”, recorda o editor. Em junho de 1957, saía a primeira colaboração de Clarice Lispector, com a publicação do conto O crime do professor de matemática. O ano de 1959, segundo Reynaldo, marca o período em que o suplemento atinge sua melhor e mais revolucionária forma gráfica. É o ano em que o jornal recebe as primeiras colaborações de Paulo Francis, Dalton Trevisan, Lygia Clark, Carlos Heitor Cony, além de jovens como José Guilherme Merquior.
a experiência do JB foi um marco e um instrumento difusor dos concretistas
o caderno da Folha trouxe ares cosmopolitas ao cenário pós-ditadura
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No mês de maio de 1960, o SDJB começa a agonizar, com a mudança de formato e de periodicidade. “Nesta época, Glauber Rocha fez um levantamento crítico do cinema que estava sendo produzido. A essa nova linguagem ele batizou de BossaNova, uma referência ao movimento musical. Mas estava em seu artigo o pensamento norteador do que, depois, ficou conhecido como Cinema Novo”, explica Reynaldo. O fechamento do caderno, conta o artista e jornalista, se deveu, em parte, ao fato de a condessa ter-se mudado para a Europa. “O Nascimento Brito, que era casado com a filha dela, era contra o Suplemento. Dizia que gastava muito papel. Eu passei dez anos no JB, seis no Suplemento. Neste período, ele foi contra o caderno”, lamenta.
pÓs-moDerniDaDe
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A Ilustrada completou 50 anos em 2008. É um dos cadernos mais conceituados do jornalismo cultural brasileiro da atualidade, mas perdeu o vigor e o fôlego que ostentou durante os anos 1980, quando conseguiu sintetizar movimentos, tendências nacionais e mundiais, e apresentar-se como um veículo vivo, repleto de novidades e informações do exterior. Cosmopolita. A mudança que transformou o caderno paulistano num dos principais veículos culturais dos anos 1980 se deveu principalmente à abertura política, que distensionou a redação da tradicional Folha de S.Paulo. Se, no
Reprodução
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suplemento Do JB Reynaldo Jardim foi editor do semanário carioca, nos anos 1950
primeiro caderno, as campanhas pelos direitos políticos e Diretas Já e o retorno de vários jornalistas do exílio tornaram a Folha um jornal de leitura nacional – que esgotava em qualquer banca do norte ao sul – , não foi diferente no caderno cultural. Aos intelectuais que voltavam do exílio e que passaram a assinar suas páginas, como o impagável Paulo Francis, juntaram-se jovens paulistanos, antenados, modernos, chamados jocosamente pelos mais velhos de “geração menudos”. Gostese ou não dos yuppies de óculos de aros grossos e diplomas de pós-graduação na USP, eles definitivamente fizeram história: Matinas Suzuki Jr., Pepe Escobar, Barbara Gancia, Luiz Antônio Giron, Marco Augusto Gonçalves,
José Simão, só para citar alguns nomes, mesclaram temas nacionais com velhos e novíssimos mitos de Hollywood, apresentaram bandas de rock de muitas vertentes, misturaram Nouvelle Vague com artes sequenciais, enfim, trouxeram ares cosmopolitas para o cenário jornalístico tupiniquim, rompendo com um nacionalismo atrasado que teimava em se fazer presente, apesar do final da ditadura militar. Além das famosas polêmicas entre Paulo Francis e muitos desafetos – o velho Francis não poupava ninguém, desde o comunismo até os nordestinos –, outros, como Caetano Veloso e Arnaldo Jabor, também contribuíram para a Ilustrada tornar-se leitura diária de toda uma geração.
talentosos e polêmicos profissionais que mudaram os rumos do jornalismo cultural no brasil
millôr FernanDes Jornalista, escritor, cartunista, teatrólogo, tradutor, criou a coluna Pif-Paf, em O Cruzeiro. Foi um dos colaboradores e editores de O Pasquim. Escreveu e desenhou para diversos jornais e revistas . Assina coluna na revista Veja.
paulo Francis Jornalista polêmico, editou a revistas Diners e Senhor e fez parte da patota que criou O Pasquim. Como correspondente nos EUA, criou para a Folha de S.Paulo a famosa coluna Diário da Corte. Foi comentarista da TV Globo em Nova York.
tarso De castro Um talento para criar projetos editoriais. Foi um dos fundadores de O Pasquim e o responsável pela imagem debochada do semanário. Trabalhou com Samuel Wainer no Última Hora. Criou o caderno Folhetim, na decada de 1970.
Zuenir Ventura Jornalista e professor universitário, trabalhou nas revista Visão, Veja e IstoÉ e em vários jornais cariocas. Reformulou a Revista do Domingo, do Jornal do Brasil, e criou o semanário Idéias. Em 1999 mudou-se para o jornal O Globo.
sérgio augusto Trabalhou em praticamente todos os principais jornais e revistas do país. De 1981 a 1986 foi repórter especial e crítico de cinema da Folha e um dos principais criadores da revista Bravo! Escreve hoje para O Estado de S. Paulo.
ruy castro Autor de obras sobre cinema e música, além de biografias como as de Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmem Miranda, Ruy Castro colaborou em O Pasquim, Manchete, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo, Status, Veja, Playboy e Isto É.
matinas suZuki Foi diretor da Folha de S.Paulo nos anos 1980 e editor do caderno Ilustrada. Na TV Cultura, apresentou durante três anos e meio o programa de entrevistas Roda Viva. Também foi diretor editorial na Editora Abril e copresidente do IG.
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Conexão sites sobre
literatura em pernambuco
no brasil
no mundo
www.vacatussa.com
rascunho.rpc.com.br
www.mcsweeneys.net
Criado em Curitiba, o jornal literário Rascunho é distribuído nacionalmente. No site é possível ler colunistas de cepas variadas, como a estreante Adriana Lisboa e Luiz Ruffato.
O site (em inglês) é da editora americana McSweeney’s, que publica a revista literária The Believer, além de ser especializada na revelação de novos autores.
Formada por ex-integrantes da Oficina de Literatura de Raimundo Carrero, a revista/zine Vacatussa conta com três edições e um site bematualizado com críticas e produções literárias.
AndAnçAS viRtuAiS lugares para ver e rever o que de bom a web tem para mostrar
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eScRitA
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tRiLHA Ao AveSSo
todoprosa reúne comentários e textos colecionados por Sérgio Rodrigues
Narrativas visuais misturam beleza, inteligência e ironia
Escola virtual dá dicas sobre processos da fotografia digital
asofterworld.com
digital-photography-school.com
Editora virtual, a Mojo Books parte da música para estimular a criação ficcional
isturando fotografia e escrita, o M Softer World (em inglês), com imagens de Emily Horne e texto de Joey Comeau, é uma bela mistura entre um humor aguçado e frases poéticas. O mais interessante da proposta é o bom uso da imagem, que faz muito mais do que meramente ilustrar enunciados. O site ainda abriga outros quatro projetos: I am other people, em que Joey entrevista seus amigos, I blame the sea, reunindo fotos e legendas de Emily, Overqualified, uma série de cartas bizarras que Joey enviou a empresas para tentar conseguir um emprego, e, por fim, One bloody thing, uma história de terror feita pela dupla.
uito além de turmas, professores, M provas e custos, a Digital Photography School propõe-se a ajudar os donos de câmeras digitais a tirar o máximo proveito de seus equipamentos. Para isso, o site é dividido em três grandes seções, representando os três principais parâmetros da fotografia digital: tutoriais e dicas para o ato fotográfico, câmeras e equipamentos e pós-produção. A página é responsabilidade de Darren Rowse, que não se define como um fotógrafo profissional, mas, sim, como um amador, a quem cabe mais o registro das ocasiões especiais da família e dos amigos. Além das dicas de Darren, há ainda um fórum onde se podem compartilhar fotos, tirar dúvidas e trocar informações.
colunistas.ig.com.br/sergiorodrigues
blog do escritor e jornalista Sérgio O Rodrigues, hospedado pelo portal Último Segundo, é um lugar bom de visita. Além das suas colunas na Revista da Semana, tratando de assuntos em voga, Sérgio publica também periodicamente a sessão Começos Inesquecíveis, em que coloca o trecho inicial de uma obra e comentao em seguida (um exemplo, retirado do livro O quarto de Giovanni, de James Baldwin: “Estou em pé à janela de um casarão no sul da França enquanto a noite cai, a noite que me conduzirá à manhã mais terrível da minha vida”.). As atualizações do blog são praticamente diárias.
mojobooks.virgula.uol.com.br
“ Se música fosse literatura, que história contaria?”, esta é a proposta do site da Mojo Books, criado em 2006 por Ricardo Giasseti e Danilo Corci. A ideia é que a pessoa escute um CD e, a partir dele, faça um livro no formato específico da Mojo. Qualquer um pode escrever para o site e quem não quiser fazer uma história tão grande pode tentar um single, ou seja, um pequeno texto inspirado em uma música. Enviando sua proposta, a Mojo Books trabalha como uma editora virtual: lendo, corrigindo, formatando e, possivelmente, negando seu livro. Depois de todo o processo, ela disponibilizará os livros para serem baixados em formato PDF e, assim como os livros normais, é calculada uma tiragem para a obra, que pode se esgotar nas “prateleiras”.
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fotogRAfiA
Imagens: Reprodução
brevidades ciBeRARte file.org.br
O Festival Internacional de Linguagem Eletrônica (File), em sua quarta edição no Rio de Janeiro, acontece no Oi Futuro, até 19 de abril de 2009. No site do projeto é possível conferir a programação do evento e acessar o arquivo de textos, vídeos, imagens sobre as atividades anteriores do File. Ainda existe a File script magazine, que reúne matérias e entrevistas sobre web arte e cultura eletrônica em geral.
BALAnço tiagodoria.ig.com.br
impRimA você meSmo Funcionando como uma biblioteca, o Zine Library disponibiliza na rede zines, antes distribuídos exclusivamente de mão em mão zinelibrary.info
os fanzines, normalmente feitos com colagens e xerocados para distribuição
local, foram, até pelo menos a virada do milênio, um elemento essencial para o surgimento e manutenção dos movimentos culturais alternativos e das manifestações políticas apartidárias e radicais. Com a popularização da internet, que também permite a expressão e ainda potencializa o alcance, é esperado que o volume dessas produções tenha diminuído, dando espaço a blogs e sites de pequenos grupos. Para reunir a produção que ainda existe de fanzines e divulgá-los em meio digital foi criado o Zine Library (em inglês), que armazena centenas de publicações no formato PDF. A ideia é simples: baixe os arquivos e imprima-os você mesmo. É possível navegar em assunto de sua preferência, escolhendo, por exemplo, entre arte, ecologia e meio ambiente, quadrinhos e anarquismo. As edições incluídas no site podem aparecer em nove línguas, mas a ampla predominância é dos fanzines em inglês. Não há nenhuma produção brasileira, mas existem três portuguesas: dois zines com traduções de textos dos pensadores Richard Heinberg e Fredy Perlman e o Boletim anarcossindicalista, da Associação Internacional dos Trabalhadores. (Diogo Guedes)
blogs
O relatório anual americano The state of news media divulgou o resultado de suas pesquisas em um documento de 800 páginas. O blogueiro Tiago Dória resume em um post as principais conclusões, que incluem o maior crescimento dos portais de notícias que agregam informações dos leitores e a preferência dos usuários por acompanhar indivíduos (característica chamada de “jornalismo individual”), em detrimento de grandes marcas já consagradas na área.
fecHAdA gizmodo.com.br
A comunidade do Orkut, “Discografias”, que partilhava endereços para download de discos completos de artistas, foi fechada por pressão da Associação Antipirataria Cinema e Música (APCM), segundo os seus donos. Neste ano, o site Legendas.tv, que disponibilizava legendas para séries, também saiu do ar por influência da entidade. Como informa a notícia do Gizmodo, já nasceu uma possível sucessora da comunidade, a “Discografias – a volta por cima”.
AutoRAS
ARteS pLÁSticAS
cRÔnicA
www.escritorassuicidas.com.br
christinamachado.blogspot.com
www.estuario.com.br
Mais de três dezenas de mulheres (e homens que assinam como tal) reúnem-se neste espaço, como a (o) enigmática (o) Ro Druhens, que só tem uma certeza: a da morte.
Cristina Machado é artista pernambucana que ganhou recente visibilidade com o trabalho Artérias, em que colou lambe-lambes pelo Recife. No blog é possível conhecer também a sua produção em cerâmica.
A grandeza das pequenas coisas é retratada no blog de Samarone Lima. O escritor e jornalista mostra ter, em seus textos autobiográficos, sensibilidade no olhar, percebida nas suas descrições do cotidiano.
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Pernambucanas
barroco capela Dourada Escondida atrás do Convento de Santo Antônio, no centro do Recife, a edificação é lembrança de um tempo em que a vida social se dava dentro da igreja texto Bernardo Valença fotos Leo Caldas
Quem vem andando pela rua do Imperador, no centro do Recife, e entra na igreja conventual de Santo Antônio, não percebe que, por trás da humildade dos frades franciscanos e do singelo convento decorado por azulejos portugueses e holandeses, se esconde um tesouro. Dentro da igreja, os passos apressados de quem vem da rua se tranquilizam. O olhar também se torna mais lento e, na calmaria da observação, os olhos se fixam no contraste do simples com o ostentoso. O que faz esse contraste é a rica Capela Dourada, separada do convento por um portão gradeado que realça a obscuridade da nave. O robusto portão é fechado a cadeado e a entrada da Capela só se dá pelo Museu
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A cAPeLA A pedra fundamental foi lançada em 13 de maio de 1696, sendo a nave aberta ao público em 15 de setembro de 1697, mas com o trabalho de construção mantido até 1724
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noSSA SenHoRA DA AJUDA Abaixo do Cristo Crucificado, está a padroeira dos noviços, vestígio da época em que a capela era dedicada aos que iniciavam na Ordem Terceira
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Pernambucanas Franciscano de Arte Sacra, ao lado do Convento. Pertencendo à Venerável Ordem Terceira de São Francisco do Recife, a Capela Dourada recebeu esse nome devido aos entalhes de cedro folheados a ouro 22 quilates que a revestem. Em estilo lusitano, ela combina azulejos portugueses com pinturas em madeira, talhas douradas, bancos e balaústres feitos de jacarandá e um grande vitral no teto, sendo uma referência da arte barroca no Brasil. Mas essa relevância não impede que ela seja desconhecida pelos recifenses. “Muita gente daqui vai conhecer as igrejas da Europa, antes de saber da existência da nossa capela”, diz Roberto Vilela, diretor administrativo da Ordem Terceira. O luxo da Capela Dourada remete ao apogeu econômico provido pela cana-de-açúcar em Pernambuco. O dinheiro doado para a construção e ornamentação da igreja veio dos grandes senhores-de-engenho e comerciantes locais. Com sua área de 168 metros quadrados e, aproximadamente, sete metros de
altura, a nave impressiona os turistas que vêm de todos os lugares para visitá-la. No local não são celebradas regularmente missas, batizados e casamentos, há mais de 40 anos. Mesmo os bancos de oração foram retirados para facilitar o fluxo mensal de 1.200 turistas. A capela restringiu sua programação a eventos especiais – como foi o caso da missa comemorativa aos 300 anos do lançamento da pedra fundamental da capela, celebrada em 13 de maio de 1996. Desde 28 de setembro de 1974, a Capela Dourada funciona como um dos atrativos do Museu Franciscano de Arte Sacra, que tem um acervo diversificado de objetos barrocos, pertencentes à Ordem Terceira de São Francisco. A interrupção das liturgias foi motivada pela busca de preservação do patrimônio, que estava sendo depredado, com atos como o de pessoas que arrancavam as lâminas de ouro que cobrem o madeiramento da construção e seus adornos. Deixando a capela, permanece o sentimento causado por uma beleza
RoteiRo De viSitA Ladeada pelo Convento Franciscano de Santo Antônio e pela Igreja da Ordem Terceira de São Francisco, a Capela Dourada tem sua entrada pelo Museu Franciscano de Arte Sacra, mas também pode ser vista através do portão que a separa do Convento de Santo Antônio. O horário de visitação da capela e do museu é de segunda a sexta, das 8h às 11h30 e das 14h às 17h, e, aos sábados, apenas pela manhã. Para entrar em ambos, paga-se uma taxa de R$ 2, com direito a um catálogo que detalha sobre as obras expostas no museu e conta um pouco da história da edificação. Endereço: rua do Imperador Dom Pedro II, no Bairro de Santo Antônio (Centro). Fone: (81) 3224.0530.
que entristece. O visitante segue pensativo, lembrando a história cravada nas paredes, os santos católicos nas suas comoventes representações e as passagens bíblicas ilustradas nos quadros de madeira e na bela azulejaria. Percebendo, principalmente, como nos sentimos pequenos em lugares como esse.
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RetRAtoS Santa Isabel, prima de Maria (E), Santo Ivo — patrono dos advogados —, feito no estilo santo-de-roca, e o Cristo na Coluna carregam a melancolia do Barroco
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tALHAS DoURADAS Esculpidas em madeira cedro e espalhadas por toda a capela, as uvas representam o vinho, sangue de Cristo. Detalhe expressa exuberância do Rococó
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vitRAL No teto da capela, ao centro, cena representa São Francisco de Assis quando recebeu as cinco chagas de Cristo, evento comemorado em 17 de setembro pelos franciscanos
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JAcARAnDÁ Os bancos e balaústres da capela são feitos da madeira nobre e detalhados com anjos que simbolizam a santidade
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1817 A vingança do príncipe D. João contra um bando de inconfidentes Os motivos do regente para decretar a autonomia das Alagoas como punição pela Revolução de 1817, evento que marcou a história nacional e gerou a Data Magna texto Paulo Santos de Oliveira
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História
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Vingança é um prato que nem
sempre se come frio. Quando o príncipe D. João mergulhou o bico da pena no tinteiro, para com ela assinar o decreto que separava as Alagoas de Pernambuco, no dia 16 de setembro de 1817, as cinzas ainda fumegavam. Fazia apenas seis meses que o gás inflamável da Liberdade ateara fogo em um imenso território que se estendia da raia norte da Bahia ao sul do Ceará, no qual vivia um terço dos três milhões e meio de “almas” brasileiras. A independência e a república tinham sido lá proclamadas por um bando de inconfidentes malvados – na maioria militares, padres e comerciantes maçons –, e um formidável incêndio ardera por 74 dias, até ser debelado. Mas o regente sabia que as brasas da revolta ainda viviam por baixo daquelas cinzas, e elas precisavam ser extintas. Urgia não apenas amassar
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Reprodução
o orgulho dos facciosos que tinham pretendido virar o mundo de cabeça para baixo, quanto prevenir futuros atentados contra a sua soberania. Era necessário, mais que punilos, aterrorizá-los, dobrar-lhes o espinhaço. Para isso vinham servindo os milhares de prisões, sequestros de bens, açoitamentos públicos e condenações ao desterro e à morte, seguida de esquartejamento. E agora ele impunha mais este duríssimo castigo aos pernambucanos: a perda de uma das suas comarcas mais valiosas!
desforra
Aliás, deitar o jamegão naquela folha de papel, além de útil, também estava lhe saindo muito agradável. Ao fazê-lo, prolongava a sua desforra, desagravava a si mesmo, pois o susto e a humilhação sofridos por ele haviam sido terríveis.
A notícia do levante de seis de março, no Recife, chegara rapidamente ao Rio de Janeiro. Quem primeiro a trouxera fora um comerciante – por coincidência, alagoano. Como o sujeito não soubera dar detalhes nem explicar o que por lá acontecera, lançaram-no na cadeia por terrorismo e agitação. As notícias ruins, contudo, quase sempre se verificam, e já no dia 19 do mesmo mês arribava uma sumaca de apenas dois mastros, com um estranho pano branco tremulando num deles, à guisa de bandeira. O barquinho viera de Pernambuco; o pano branco era a bandeira provisória do governo provisório lá instalado; e aquele sucesso deixara em polvorosa os corações dos milhares de fidalgos portugueses e seus aderentes, arranchados naquela cidade há nove anos, desde que a corte fugira da Europa.
Confirmava-se, portanto, o que dissera o terrorista alagoano. Pior: os navios nortistas já adentravam a baía da Guanabara! Os revoltosos estavam chegando para expulsá-los do Rio, assim como as tropas de Napoleão os tinham corrido de Lisboa! Até ser aclarado que a embarcação navegava solitária, trazendo apenas o ex-governador Caetano Pinto de Miranda Montenegro, despachado pelos pernambucanos, fora grande o consumo de água com açúcar, álcool alcanforado e sais de cheiro. Mas o medo permanecera e crescera ainda mais com chegada de outra nova: a Paraíba e o Rio Grande Norte haviam aderido àquela horrível inconfidência! Para D. João, o quadro era tenebroso. Bastaria, então, que a Bahia – uma das três mais ricas e populosas capitanias luso-americanas, ao lado de Pernambuco e do Rio de Janeiro – aderisse ao movimento
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independentista, e a Coroa perderia sua jóia mais preciosa, o Brasil. E era das rendas desta colônia que praticamente vivia Portugal naqueles tempos de penúria, devastado por longos anos de guerras. Além do mais, os rebeldes agiam como jacobinos frenéticos. O seu primeiro ato de governo fora decretar a igualdade nos tratamentos. Aboliram o vosmicê e o senhor, destinados às pessoas de qualidade, e todos passaram se chamar apenas de vós e patriota, acabando, assim, com o respeito devido a quem o merecia e instaurando o germe da dissolução social. E o mais grave de tudo: andavam de braço dado com negros! Flertavam com o perigo, pois aqui havia um imenso número deles, mais robustos do que os brancos, nos trópicos, com a força física de sua parte. O exemplo recente do Haiti, de onde os brancos tinham sido
clero infiel
Para completar os desgostos do regente, grande parte dos religiosos também o traíra. Metade dos 120 padres que havia naquela província, e mais 10 frades acabaram presos na devassa. Como isto fora possível? Não era a cruz o baluarte do trono? Não era no direito divino, num mandato outorgado por Deus, que se apoiava seu governo? E não era a Igreja que avalizava esse mandato?
História eliminados ou expulsos, apavorava os proprietários do continente; os nortistas rebeldes, porém, chegaram a pôr no papel que “todos os homens eram iguais, independentemente de terem a pele mais ou menos tostada!”. Aquelas almas de lama, portanto, mereciam esse castigo. Tirar-lhes as Alagoas seria o último ato de revanche do príncipe, por conta dos sobressaltos pelos quais passara. E, também da vergonha, do vexame, da ignomínia de uma derrota sem precedentes. Ora, desde a fundação do reino de Portugal, em 1140, o poder absoluto dos seus monarcas jamais sofrera uma afronta daquelas. Derrotas houvera para poderosos inimigos externos, mas da porta de casa para dentro a Coroa lusitana ainda não tinha sofrido tamanho revés. Aqui e acolá, nas últimas décadas, verificaram-se alguns ensaios de revolta no Brasil: nas Minas Gerais, em 1776; no Rio, em 1794; na Bahia, em 1798; em Pernambuco, em 1802. Mas, coisas de letrados ociosos, apenas, sob a influência das “ideias francesas”. O
Todo esse alvoroço obrigara D. João a abandonar sua conhecida lerdeza. Ele, que só saía do paço para assistir a alguma cerimônia religiosa na capela real, passara a visitar diariamente o arsenal da marinha, acompanhando o aparelhamento de uma frota a ser despachada contra os revoltosos. O conde dos Arcos, governador da Bahia, também agira com prontidão, e logo, logo o porto do Recife fora bloqueado pelas naus monarquistas que zarparam do Rio e de Salvador. O céu escuro começou, então, a clarear. Os pernambucanos não dispunham de oficiais capacitados para pilotar os navios que chegaram a armar, pois os portugueses jamais haviam permitido que brasileiros fizessem carreira na marinha de guerra. E como aquela província dependia economicamente das exportações de algodão e açúcar, além de importar praticamente tudo que consumia – especialmente os Imagens: Reprodução
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poder real nunca fora ameaçado de fato. Meia dúzia de prisões, algumas sentenças de degredo, uns poucos enforcamentos, e voilá, tudo como dantes, nos domínios da Casa de Bragança... Daquela vez, porém, fora muito diferente: Pernambuco chegara a ter governo próprio, laço, bandeira, exército, marinha, polícia, constituição e até mesmo embaixador nos Estados Unidos.
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alaGoas eM GUerra
Página anterior 01 paço iMperial Sede da monarquia retratada pela litografia aquarelada de Karl Robert, barão de Planitz, por volta do século 18 Nestas páginas
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9 de Março de 1817 O Governo revolucionário pernambucano toma posse e, numa homenagem a Deus, suas bandeiras são abençoadas
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d. João Vi A revolta provocou um tremendo susto no regente, que rapidamente tratou de sufocar os insurgentes
Formada por terras férteis, planas, cobertas de matas e abundantemente irrigadas, a comarca das Alagoas era o que de melhor havia no mundo para o plantio da cana-de- açúcar; e os senhores-de-engenhos lá instalados sempre tiveram pendengas com os governos sediados no Recife. Sentiamse abandonados pelas autoridades, especialmente no caso das revoltas de escravos. O quilombo dos Palmares, por exemplo, os ameaçara e atazanara por mais de um século, antes de
ser finalmente liquidado. Quando a república fora proclamada, eles ficaram, em sua maioria, de resguardo, na espera, a ver para onde sopraria o vento. E ao perceberem que ele corria a favor da monarquia, imediatamente se puseram sob a bandeira real. Declararam-se independentes da província-mãe; formaram um governo provisório; correram listas de subscrições para arrecadar fundos para a guerra; açularam o povo pobre e os índios contra os republicanos, acoimando-os de ateus impiedosos; e alistaram-se nas tropas baianas enviadas pelo conde dos Arcos para combater os rebeldes. E aos poucos patriotas de lá infligiram terríveis perseguições, prendendo, matando e esquartejando vários deles, sem nenhum julgamento. Fizeram por merecer, portanto, a sua autonomia definitiva. O príncipe assinou o decreto e ficou espiando o seu secretário lançar farinha sobre o papel, para secar a tinta. Agora, sim, a crista daqueles pernambucanos atrevidos seria abaixada de vez. Eles jamais ousariam se lançar de novo numa empreitada semelhante. Sete anos depois, o seu filho Pedro estaria repetindo o gesto do pai, tirando de Pernambuco a comarca do São Francisco – equivalente à metade do atual território da Bahia –, como castigo à rebeldia dos que se ergueram contra ele na Confederação do Equador...
PERDAS TERRITORIAIS DE PERNAMBUCO CEARÁ
RIO GRANDE DO NORTE PARAÍBA PERNAMBUCO
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De acordo com a Carta de Doação passada por D. João III, a capitania de Pernambuco se estendia entre o rio São Francisco e o rio Igaraçu, abrangendo todo o atual Estado de Alagoas até a fronteira com o atual Estado de Minas Gerais.
Infográfico: Renata Cadena
os senhores-deengenho da comarca das alagoas sempre tiveram pendengas com os governos sediados no recife, principalmente nas revoltas de escravos
alimentos, como o charque e o feijão –, a situação da republiqueta criada por eles tornou-se dramática, rapidamente. Inexperientes em política e embriagados pela liberdade recémconquistada, querendo fazer valer no seu país os Direitos do Homem e do Cidadão, há pouco proclamados na França, os novos governantes também não souberam lidar com os inimigos internos. Mesmo em estado de guerra não usaram a mão pesada contra os lusitanos lá residentes e os proprietários de escravos insatisfeitos. Não tardou para que o seu movimento, a princípio tão impetuoso, se perdesse. O Recife caiu no dia 20 de maio, e o príncipe pôde de novo respirar. Desde então se ocupava em castigar os maus súditos e a recompensar os que se mantiveram fiéis à sua pessoa. Tal era o caso dos alagoanos, que há muito sonhavam com a autonomia.
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Comarca de São Francisco (PE)
Comarca das Alagoas (BA)
BAHIA
Comarca de Sergipe Del Rei (BA)
A Revolução que explodiu em 6 de março de 1817 durou 70 dias. A punição do rei aos revoltosos incluiu a mutilação do território da província. Pernambuco perdeu a Comarca das Alagoas.
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A perda da Comarca de São Francisco ocorreu como uma punição ao desencadeamento do movimento separatista denominado Confederação do Equador. Dom Pedro I anexou-a "provisoriamente" a Minas Gerais e, em 1827, também “provisoriamente”, ao Estado da Bahia.
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PROUDHON 200 anos do anarquista
Fotos: Reprodução
no dia 15 de janeiro de 1809, nascia aquele que seria considerado o pai do anarquismo, o político e revolucionário francês Pierre-Joseph Proudhon De família humilde, composta de camponeses e artesãos, Proudhon baseou muitos de seus valores nas observações que, ainda criança, fazia da vida coletiva, do trabalho, da propriedade privada e das relações econômicas. Libertário e individualista radical, esse pensador versátil e incansável propagava a ideia de que, numa sociedade justa, as relações entre as pessoas não deveriam ser baseadas em leis ou no mando de autoridades – nem despóticas nem eleitas –, mas no consentimento recíproco. O conjunto dos valores sociais deveria estar sempre em revisão e nunca fechado dogmaticamente, respondendo aos anseios dos indivíduos, ao progresso e às exigências de uma vida livre e autônoma para cada pessoa: “Nenhum homem governaria outro homem”, escreveu. A afirmação de que “toda propriedade é um roubo” é, sem dúvida, sua frase mais conhecida e propagada. Morreu em 19 de janeiro de 1865. Proudhon e o pai do socialismo alemão, Karl Marx, mantinham, a princípio, uma boa relação, mas isso não durou muito. O francês foi capaz de antever o risco autoritário de um socialismo estatal. Eis o recado dado por ele ao autor de O capital: “Depois de haver demolido todos os dogmas a priori, não caiamos, por nossa vez, na contradição de teu compatriota Lutero; não pensemos nós também em doutrinar o povo; mantenhamos uma boa e leal polêmica. Vamos dar ao mundo o exemplo de uma sábia tolerância: já que estamos na cabeça do movimento, não nos transformemos em chefes de uma nova intolerância, não nos situemos como apóstolos de uma nova religião, ainda que esta seja a religião da lógica”.
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PRotoanaRquistas
Alguns estudiosos apontam o taoísmo chinês como uma das fontes ancestrais de valores e atitudes anarquistas. Contudo, posteriormente, em fins do século 19 e durante o século 20, os taoístas adotaram o marxismo como ideologia política. Fala-se que o Princípio da Mutação Perpétua, de Lao-Tsé, e a Teoria da Revolução Permanente, de L. Trotski, assemelham-se em muitos aspectos. Valores anarquistas podem ser remontados a filósofos da Grécia Antiga, tal como Zenão, fundador do estoicismo; e Aristipo, defensor da ideia de que o sábio não deveria confiar sua liberdade ao Estado. Entre os precursores religiosos protoanarquistas, destacam-se a stregheria (século 14), o livre espírito (Idade Média), os anabatistas (século 16) e os protestantes inconformistas. As corporações artesanais da Idade Média, baseadas no princípio de autogestão, também são frequentemente relacionadas aos ideais do anarquismo. O primeiro uso conhecido da palavra anarquia aparece na obra Os sete contra Tebas (467 a. C.) de Ésquilo. No drama, Antígona se nega a aceitar o decreto do governante Creonte de deixar o corpo de Polinice sem sepultamento, como castigo por sua participação no ataque a Tebas. A frase “Faz o que queiras”, inscrita no pórtico da abadia de Thelème, de autoria de Rabelais (século 16), é gêmea do mote anarcopunk “Faça você mesmo!”.
“nem monarquia, nem aristocracia, nem mesmo democracia, pois que este terceiro termo implicaria um governo qualquer, agindo em nome do povo, e dizendo-se povo” Pierre-Joseph Proudhon
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inDiviDualismo RaDical
na liteRatuRa bRasileiRa
A vida de uma família de imigrantes italianos é contada no livro memorialista Anarquistas, graças a Deus, de Zélia Gattai, publicado em 1979. No ano passado, foi lançada em DVD a adaptação feita para a TV em 1982. O livro também foi reeditado recentemente pela Cia. das Letras. É um dos poucos relatos ficcionais sobre a presença de anarquistas no Brasil.
Max Stirner (1806-1856), autor de O único e sua propriedade era o pseudônimo de Johann Kaspar Schmidt, um educador e filósofo alemão cujo pensamento era uma defesa apaixonada do egoísmo e do solipsismo moral contra o autoritarismo do Estado na sociedade prussiana.
o anaRcocomunista
O príncipe P. A. Kropotkin (1842-1921) é considerado um dos principais teóricos do anarquismo. Foi geógrafo e seu pensamento político foi responsável pela fundação da escola anarcocomunista (uma espécie de comunismo libertário). Ficou conhecido como “príncipe anarquista”.
o anaRcocaPitalista
Murray N. Rothbard (1926-1995) pertenceu à escola liberal de economia austríaca. A partir das teses da ordem espontânea no livre mercado e do rechaço à planificação central e do estatismo, chegou a conclusões semelhantes às dos pensadores anarcoindividualistas do século 19. Para ele, as funções do Estado são duas: “Aquelas que precisam ser eliminadas, e aquelas que precisam ser privatizadas”.
Baú
“qualquer um que ponha a mão sobre mim para me governar é um usurpador, um tirano, e o declaro meu inimigo” Pierre-Joseph Proudhon
anaRquia musical
O movimento punk enfatizou a liberdade criativa e a iniciativa individual, valores muito próximos dos preceitos anarquistas. Os Sex Pistols (ao lado), quando compuseram a famosa música Anarchy in the U.K., não estavam promovendo seriamente um modelo social – era uma crítica caricata e burlesca contra o convencionalismo da Inglaterra e os medos dos conservadores. Mas a canção não deixou de causar certa “anarquia” entre os súditos da rainha.
o DiscíPulo e o mestRe
O russo M. A. Bakunin (1814–1876), contemporâneo de Marx, foi um dos mais conhecidos pensadores anarquistas. Defendia o coletivismo e se referia a Proudhon como o “mestre de todos nós”.
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EDSON NERY Um oblato que cultiva jardins, quer dizer, livros Dono de memória prodigiosa e erudição de quem dedicou a vida aos livros, Edson Nery da Fonseca conviveu com grandes intelectuais, brasileiros e do exterior texto Anco Márcio Tenório FotoS Rafael Gomes
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Perfil
Foi na tarde de 16 de agosto de
1983 que vi Edson Nery da Fonseca pela primeira vez. O fato se deu numa reunião ordinária do Seminário de Tropicologia, que então se realizava na sede da Fundação Joaquim Nabuco, ainda sob a coordenação de Gilberto Freyre, e que tinha, naquele dia, como conferencista, a escritora Rachel de Queiroz. Confesso que o meu interesse por ver e ouvir a escritora cearense (e, por extensão, poder avistar pela primeira vez Gilberto Freyre) sobrepujava a curiosidade em saber sobre os demais membros efetivos do seminário. No entanto, aquele senhor alto, de porte aristocrático, voz firme, gestos elegantes, de pele muita clara, que recitara Manuel Bandeira (Louvado) de memória, quando dos seus comentários à palestra da conferencista, chamou a minha atenção. Quase sete anos depois voltei a avistá-lo novamente. Era julho de
1990. Estava no aeroporto do Recife e me preparava para embarcar para São Paulo, onde ia fazer pesquisas para a minha dissertação de mestrado. Na espera do embarque, encontrei-me com o amigo e poeta Orley Mesquita, que o acompanhava. Naquela ocasião, fui apresentado formalmente ao oblato que era considerado não apenas o papa da biblioteconomia brasileira, mas a maior autoridade do mundo na obra de Gilberto Freyre. E foi sobre livros e bibliotecas que versou nossa primeira conversa. Elogiei seus artigos publicados nos jornais do Recife e ele, por sua vez, me confidenciou que vinha escrevendo um novo livro sobre biblioteconomia. Livro este que revelava o quanto ele amava a literatura, pois cada capítulo trazia uma epígrafe de um poema. Esse livro, que seria publicado dois anos depois, era a Introdução à biblioteconomia. Obra fundamental não só para quem estuda a ciência da informação, como
para qualquer um que ame o livro e a sua história.
terceiro encontro
Nosso terceiro encontro (e inicio de uma amizade efetiva) se deu por ocasião de uma visita que eu e Orley Mesquita fizemos à sua casa, na rua de São Bento, em Olinda, em 1995. Se for verdade, como diz o ditado, que para se conhecer melhor uma pessoa faz-se necessário visitá-la na sua morada, creio que esse ditado se ajusta ao universo de Edson Nery da Fonseca. Sua casa encerra — através dos inúmeros quadros, móveis, livros, fotografias, santos, discos e os gatos que lá habitam — os registros da sua trajetória de vida, das coisas que lhe foram caras ao longo da sua existência de 87 anos. Ali estava a maior das suas paixões: o livro. Ou melhor, os seus mais de 12 mil livros. Reinando absolutos em todos os recantos da casa, aqueles volumes acusavam
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Rafael Gomes
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Fotos: Acervo Pessoal
“não eram os livros que honravam o seu dono (como acontece em muitas casas), mas era o seu dono quem dava dignidade aos livros”
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Perfil 03
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no maFuá do malungo Com Orley Mesquita, poeta de obra pouco difundida devido ao hermetismo de seus versos
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mestre e discípulo Grande conhecedor da obra de Gilberto Freyre, Edson Nery foi também amigo pessoal do sociólogo
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encontro real Apresenta ao Rei Juan e à Rainha Sofia livro que organizou sobre a presença espanhola no Brasil
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recordação Foto autografada pelo amigo José Lins do Rego
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homenagem No dia da inauguração da Biblioteca do Senac, que recebeu o nome do intelectual
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no da literatura – quase duas dezenas de livros, 19 opúsculos, além de ter colaborado em mais de uma centena de obras individuais e coletivas. Como se nada disso bastasse, foi verbetista de quase uma dezena de enciclopédias brasileiras e estrangeiras, tem mais de 200 colaborações em revistas acadêmicas e não acadêmicas e Rafael Gomes
não somente que estávamos na casa de um leitor ávido, mas de um leitor que amava o conhecimento no sentido mais amplo da palavra. Sua biblioteca cobria livros de literatura, biblioteconomia, antropologia, sociologia, história, arquitetura, livros religiosos e de arte, textos da dramaturgia universal, do cinema, volumes de memórias, biografias e autobiografias. A impressão diante de tão precioso acervo era de que os demais objetos da casa se constituíam apenas numa extensão ou mesmo num desdobramento daqueles volumes que compunham a biblioteca. Biblioteca que podia ser batizada de “jardim”, como bem denominou, em 1250, Richard de Fournival, chanceler da catedral de Amiens, ao comparar uma biblioteca com um lugar onde vamos colher os frutos do conhecimento. Se tudo no mundo existe para acabar em livro, como escreveu Mallarmé, tudo existe na casa de Edson Nery da Fonseca para terminar na sua biblioteca, ou girar em torno dela. Porém, no centro de tudo, encontra-se ele – o jardineiro –, aquele que cultiva e rega os canteiros do seu jardim. E não podia ser diferente. O que se espera de um jardineiro que criou, a convite de Darcy Ribeiro, o curso de biblioteconomia da Universidade de Brasília e, por extensão, a sua biblioteca central – resultado da compra de preciosas bibliotecas particulares; que iniciou os estudos de biblioteconomia em Pernambuco e escreveu os livros basilares sobre essa área do conhecimento; que colaborou em dezenas de jornais e revistas do Brasil e do exterior e foi editor de tantos outros periódicos; que organizou os arquivos da presidência da república, foi membro efetivo do citado Seminário de Tropicologia e exerceu, nos anos 1980, a convite de Gilberto Freyre, a superintendência do Instituto de Documentação, da Fundação Joaquim Nabuco – o maior e mais importante centro de documentação do Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil, com mais de dois milhões de documentos catalogados? Mais: que escreveu – seja no campo da biblioteconomia, seja
trajetÓria de um intelectual Edson Nery da Fonseca nasceu no Recife, em 1921. Diplomado em biblioteconomia, foi organizador e diretor do Instituto Brasileiro de Bibliografia e Documentação, ex-oblato (leigo que se oferece para servir em uma ordem religiosa) no Mosteiro de São Bento de Olinda, além de ser professor emérito da Universidade de Brasília (título que recebeu em 1997) e pesquisador emérito da Fundação Joaquim Nabuco (2002). Foi interlocutor de importantes intelectuais, como Gilberto Freyre, Álvaro Lins, Mario de Andrade, José Lins do Rego, Manuel Bandeira, entre outros. É autor do artigo Um livro completa meio século, premiado como o melhor ensaio sobre Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre no concurso do Banco do Estado de Pernambuco, em 1973. Sua excelente biblioteca foi comprada pelo Instituto Ricardo Brennand, localizado no bairro da Várzea. Livros publicados • Bibliotecas e bibliotecários da província (1959) • Roteiro para organização de bibliotecas universitárias (1967) • A biblioteconomia brasileira no contexto mundial (1978) • Um livro completa meio século (1973) • Problemas brasileiros de documentação (1988) • Introdução à biblioteconomia (1992) • Gilberto Freyre de A a Z (2000) • Em torno a Gilberto Freyre (2007)
mais de 400 artigos publicados em jornais brasileiros e estrangeiros, além de ter organizado mais de 20 obras individuais e coletivas (de nomes como Manuel Bandeira, Murilo Mendes e Gilberto Freyre). Isso sem falar dos filmes e discos que contaram com sua organização e participação.
memÓria prodigiosa
A diversidade de temas e autores abordados por Edson Nery da Fonseca ao longo da sua obra reflete muito bem a abrangência dos títulos que formam sua biblioteca. No entanto, como conhecia a obra, mas não o homem, constatei naquela tarde que não eram somente os seus textos que nos seduziam pelo estilo claro, fluente e elegante, mas também o homem: ouvi-lo tinha um quê de canto de sereia. Sua memória prodigiosa de quem tudo leu, viu ou ouviu (e principalmente de quem conviveu com as maiores personalidades intelectuais, políticas e acadêmicas do século 20, no Brasil e também no exterior) conseguia unir o conhecimento extraído daquelas páginas impressas com a sua própria experiência: seja como homem, seja como intelectual ou mesmo como o grande profissional que ele é. E foi essa a maior impressão que ficou daquela visita que lhe fiz em 1995: não eram os livros que honravam o seu dono (como acontece em muitas casas), mas era o seu dono quem dava dignidade aos livros. Como já dissemos, se tudo naquela casa da Rua São Bento existia para encerrar em sua biblioteca, também não era menos verdade que ela era uma extensão daquele que lhe soube dar um sentido maior: o de ser uma ferramenta para se construir novos saberes. Como microcosmo de uma existência, aquela casa da rua São Bento urde o homem, sua obra e os livros que por ele foram adquiridos ao longo de toda uma vida; e urde de forma que não raras vezes ficamos sem saber onde principia um e termina o outro.
@ continenteonline Escute Edson Nery da Fonseca declamando Manuel Bandeira e veja uma entrevista com ele feita pela equipe do Café Colombo no site www.revistacontinente.com.br
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Visuais vanguardas Muralistas e revolucionários
PARceiRoS A exposição reúne obras de Frida Kahlo, Los frutos de la tierra (1938), e Diego Rivera, Desfile del 1 de mayo en Moscou (1956) (página ao lado)
Coleção de grandes obras do início do século 20, em exposição no Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires, debate o modernismo mexicano texto Mariana Camarotti, de Buenos Aires
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Fotos: Divulgação/Malba
obras 1900 - 1960. colección pictórica del Banco nacional de méxico buenos Aires até 25 mai
Uma das mais frutíferas
Ao escolher uma temática cotidiana, o muralismo mexicano conseguiu se aproximar do público
expressões da arte latino-americana, o modernismo mexicano e a sua busca por uma identidade nacional, surgido na primeira metade do século 20, serviu de referência à pintura de toda a região, inclusive para os artistas brasileiros que decidiram fugir das escolas de belasartes e inovar. Depois de beber em influências europeias, a pintura daquele país voltou-se às próprias vertentes culturais e políticas; foi quando surgiu o Muralismo. Os artistas acreditavam que esse movimento pictórico, social e ideológico de grandes dimensões culminava na socialização da arte. A pintura mexicana funcionou como uma vitrine que chamava a atenção da crítica e dos vanguardistas europeus para o que estava sendo discutido e produzido por aqui. Uma importante coleção que reúne obras mexicanas do período está em exposição no Museu de Arte Latino-
Americana de Buenos Aires (Malba), referência em arte moderna no continente e que abriga o Abaporu, de Tarsila do Amaral e obras de Portinari. Com obras de Diego Rivera, David Alfaro Siqueiros, Frida Kahlo, Rufino Tamayo e José Clemente Orozco, a mostra Obras 1900 - 1960. Colección pictórica del Banco Nacional de México cobre o período atravessado pela Revolução Mexicana (1910), caracterizado pelos conflitos entre as vanguardas e as escolas tradicionais, entre o Muralismo e a pintura de cavalete, a tendência nacionalista e a vontade de se vincular a correntes internacionais.
qUeStionAmentoS
Depois da euforia do primeiro momento, a arte do México daquela época tornou-se ambígua à leitura do movimento modernista desenvolvido em outros países, que tiveram suas criações tachadas de “influenciadas”
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Visuais
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e “derivadas” daquele país. “O muralismo mexicano se transformou em um segundo filtro, depois da arte europeia. Então, costuma-se dizer que a arte moderna de países como o Brasil e a Argentina, é influenciada pelas vanguardas europeias ou pela mexicana. Mas não é assim”, pondera o curador do Malba, Marcelo Pacheco. Para ele, é impossível dizer que os quadros de grandes dimensões de Portinari são meramente influenciados pelos murais de Rivera e que a técnica de Antonio Berni, na Argentina, são derivadas de Siqueiros. Havia troca de ideias e experiências, afinal os artistas estudaram nas mesmas oficinas de arte na Europa e frequentavam os mesmos lugares em Paris. Além disso, tinham a intenção de criar uma linguagem nacional e vanguardista. “Em cada lugar houve uma autofagia cultural real. Mas a arte de Tarsila e suas pinturas de cactos só existem no Brasil, assim como os trabalhadores e os traços de
Portinari. É errado achar que é preciso entender Pablo Picasso ou Rivera para compreender Portinari”, defende. No Brasil, a efervescência gerada pela Semana de Arte Moderna reuniu vanguardistas em torno de um manifesto e da vontade de olhar para os temas tupiniquins. Da literatura à pintura, passando pela música, os artistas brasileiros se voltaram para romances regionalistas, poesias contraventoras e uma aquarela inconfundivelmente brasileira, que levava aos salões de arte trabalhadores rurais e negros estampados nos quadros. Ao contrário das vanguardas da Europa, que se distanciavam do público, ao escolher figuras populares e temas cotidianos, o muralismo mexicano conseguiu se aproximar do público. Uma das suas peculiaridades foi a aproximação com o Estado, desde que José Vasconcelos assumiu o Ministério de Educação Pública, após o fim da
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figURAtivo La chica – Retrato de mujer, Abraham Àngel, 1925
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ABAPoRU Tarsila do Amaral, assim como os mexicanos, foi buscar inspiração nas cores e expressões do seu país
fase armada da Revolução Mexicana. A aliança entre governo e artistas foi tão positiva, que dela nasceu o Muralismo, com a intenção de levar às ruas uma arte pública e educativa. Rivera, Siqueiros e Orozco foram os principais nomes desse movimento, embora tenham desenvolvido suas técnicas por caminhos diferentes. Rivera foi o que mais se nutriu das vanguardas europeias, por isso a sua “conversão” à arte nacional foi tão importante e vista como desejo de ser moderno, mas com uma linguagem pictórica que se identifica com o mexicano. Prova da originalidade de cada país em seu modernismo é que a pintura de grandes dimensões e a serviço do Estado só pode ser imaginada no México naquele contexto. No Brasil, onde não havia tal vinculação, é difícil pensar em uma área pública cedida a artistas transgressores. A partir dos anos 1950, o Muralismo foi contraposto por uma pintura de cavalete, afastada do oficialismo. Frida Kahlo e María Izquierdo expressaram suas ideias artísticas vinculadas ao popular, mas com um toque mais intimista e até de realismo fantástico. Na segunda metade do século, novos movimentos surgiram. Mas depois dos questionamentos e soluções estéticas das primeiras décadas, a arte latino-americana estaria para sempre transformada e personalizada.
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PauLO BrusCKY Conexão recife – Havana o artista plástico pernambucano volta a participar da Bienal de havana, com sala especial que reúne retrospectiva de sua trajetória artística texto Mariana Oliveira
Imagens: Arquivo Paulo Bruscky
AceRvo Entre as obras expostas estão Arte Correio, de 1976, e Entelivro de artista, 1982 (abaixo)
quando esteve pela primeira vez em Cuba, em 1995, junto com um grupo de artistas pernambucanos e alagoanos que fretaram um avião e rumaram para a ilha no Caribe, Paulo Bruscky visitou a Casa-Museu de Ernest Hemingway e inspirou-se no amor que o escritor americano dedicava aos gatos para esboçar um poema visual em sua homenagem. Agora, mais de 10 anos depois, o pernambucano retorna a Cuba para participar da 10ª Bienal de Havana, que segue até o dia 27 deste mês, sendo o único, entre os 15 brasileiros, a ter toda uma sala dedicada aos seus trabalhos.
Na bagagem, além do poema visual em homenagem a Hemingway, que o artista pretende deixar na ilha como uma doação, estão cerca de 150 obras selecionadas pela curadora Cristiana Tejo, que foi escolhida pela organização do evento para pensar o conceito da exposição. Das oito salas dedicadas a artistas específicos, sete trazem novos trabalhos e projetos. A sala de Bruscky traz um panorama dos seus 40 anos de trajetória artística. Para Bruscky, o atual interesse internacional em sua obra surge num contexto específico, em que críticos e curadores internacionais começam
a olhar com mais atenção a produção latino-americana da década de 1970. “Acho que o fato de ele ser o único artista com uma mostra retrospectiva atesta o reconhecimento de sua trajetória. É como se eles perguntassem: ‘Como a gente não conhecia isso?’”, afirma a curadora Cristiana Tejo. A seleção das obras privilegiou a pluralidade peculiar aos trabalhos do artista que, ao longo de sua carreira, trabalhou com os mais distintos suportes e técnicas. O público que visitar a 10ª edição da bienal cubana verá poemas visuais, arte-correio, xerografia, vídeos, livros de artista,
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Visuais HomenAgem A poesia visual em homenagem a Hemingway, de 1995, será doada a Cuba
Geometrismo direitistas vigentes na época, na América Latina. Segundo Bruscky, os organizadores do evento não impuseram nenhuma restrição, deixando livre a escolha das obras. “Onde tem censura, eu não entro”, resume o artista, que já havia participado da primeira Bienal de Havana, em 1984. Como o Brasil não mantinha relações diplomáticas com Cuba, Bruscky encontrou uma forma subversiva de enviar à ilha a série de poemas visuais Teste Poético, que ironizava a situação política e econômica do Brasil. Após o encerramento do evento, sua série ficou retida na alfândega brasileira, em São Paulo, por três anos. O trabalho de pesquisa da curadora, que já vinha se debruçando sobre a obra do artista há vários anos, vai gerar o livrocatálogo trilíngue Arte em trânsito e em todos os sentidos. Esta será uma das maiores retrospectivas individuais do artista, e sua segunda sala individual em bienais – a primeira foi na Bienal de São Paulo, em 2004. Este ano, em setembro, Bruscky deve participar da Bienal da Mercosul, em Porto Alegre.
CLAssifiCAdos de eudes MotA O artista Eudes Mota expõe, em sua primeira individual na Galeria Mariana Moura (marianamoura.com.br), a série inédita Classificados (até 9/5). Nela, o artista apresenta 15 pinturas, feitas sobre folhas dos classificados de diversos jornais, criando composições geométricas diversas. Em 2005, na série Cruzadas, Eudes já manifestava interesse em utilizar revistas e jornais na realização de obras. Porém, se no primeiro momento esses materiais eram levados para dentro das suas telas, agora o traçado quadriculado dos jornais torna-se o suporte em si. Walter Firmo/Divulgação
registros de performances e instalações. O local que recebe esse acervo é a Galeria Rubén Martínez Villena, situada dentro da Biblioteca Pública, no centro da cidade, rodeada por sebos e livrarias. Espaço ideal para receber obras de um artista/arquivista. Embora, segundo Tejo, tenha sido difícil mostrar, no espaço expositivo, obras que foram produzidas para a rua. Como o espaço físico da sala não é tão grande (cerca de 90m2), foi necessário pensar numa montagem que aproveitasse a arquitetura do ambiente. “Montamos alguns books para que as pessoas possam visualizar melhor os trabalhos em arte correio”, exemplifica a curadora. Outro critério que norteou a seleção das obras levadas a Cuba foi a especificidade do país e o tema da Bienal: Resistência e integração na era global. As obras com enfoque político e social ganharam destaque. Pesquisando em seu vasto arquivo, em parceria com a curadora, Bruscky encontrou obras da década de 1970, ainda inéditas, que carregam um forte tom social e político contra as ditaduras
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fotografia
A suBjetividAde do oLhAr de wALter firMo Até o dia 26 de abril, a Arte Plural Galeria abre espaço para a exposição Tempos de um mesmo olhar, do fotógrafo carioca Walter Firmo. Num total de 30 imagens (20 coloridas e 10 em preto-e-branco), o artista estabelece diálogo entre o jogo das cores e a sobriedade do claroescuro. Enquanto o colorido é transformado em abstração, a realidade é imposta à falta de cor, em tom documental. O fotógrafo afirma mais uma vez sua equação de perfeccionismo técnico e subjetividade do olhar. Sob curadoria de Simonetta Perischetti, a exposição mescla fotografias do início dos anos 1960 e produções mais recentes. Na Rua da Moeda, 140, Bairro do Recife, de terça a domingo, das 13h às 19h.
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pedimos ~ perdao atodos ´
~ acusados de abusos Padres catolicos sao sexuais cometidos nos ultimos anos ^ O escandalo choca o mundo e abala a igreja.
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Saber muda tudo. AlGOMAIS 3 ANOS.
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CÉU AZUL E URUBUS MATÉRIA CORRIDA José claudio
ARTISTA PLÁSTICO
Hoje bem cedo vi umas sombras passando na galharia alta do pé de sicupira atrás de casa. Predisposto a milagres, culpa da religião, inclinação pessoal, sempre na expectativa do maravilhoso, por isso inda não morri, pensei logo em algum bicho bonito, araras, gavião-real ou quetzal, aracuã como uma que era de seu Octavio e andava pelos muros lá de casa em Ipojuca cantando seu belo grito de glória e saudação à manhã e à vida: “Aracuã, aracuã!”; ou um bando de jandaias como as que até hoje ainda passam voando muito alto atravessando o quintal das freiras do Monte e a minha casa em Olinda porque, acredite se quiser, já vi nessa mesma sicupira: o último foi um azulão, cantando, por isso fui lá e vi-o; uma enorme arara vermelha; um bando de jandaias que lhe infestaram a fronde meio esgalhada na época como num outono europeu, caídas do céu na maior algazarra;
além dos habituais bem-te-vis todas as manhãs voando da sicupira para os coqueiros, dendezeiros e outras árvores de galhos, uma que se cobre de flores amarelas, feito as craibeiras do agreste, a imitar os dois pés de paubrasil ou pau-pernambuco do meu quintalzinho parco, estes de flores mais complexas e muitíssimo mais belas, amadas pelas abelhas. Rolinhas-caldode-feijão e pedrês gostam de andar na rua, na areia, na frente de minha casa, mas às vezes aparecem também na sicupira, o voo atrapalhado como quem está a debater-se para não cair: tem passarinho que gosta mais do chão do que dos ares, como as lavandeiras que também comparecem, no sol quente, na areia da rua, saltitando mais do que andando, diferentemente das rolinhas que andam sempre, os pezinhos ligeiros, meio lilases, e no mato os lambus (no Rio Madeira, o voo deles não dá para alcançar a outra
margem e eles caem no meio do rio: não sei se morrem, nadam ou ficam na água até levantar outro vôo). Para terminar a ornitologia do meu quintal e do sítio das freiras, além dos cagasibitos na goiabeira (frente da casa) e os sanhaçus, longos voos em linha reta e o silvo feliz, gaviões: rondam quase parados no ar e gostam de pousar e posar, heráldicos, hierárquicos, em geral vários, no dorso das palhas de coqueiros, vigilantes, às vezes olhando para mim sem cerimônia, me cubando, a ver se lhes sirvo de presa. Parece haver algum tipo de aversão entre gaviões e urubus. Deve ser porque um gosta de bicho vivo e o outro, morto. O céu limpo de gaviões, as sombras, fragmentadas e multiplicadas pela galhada da sicupira, parecendo maiores, eram dos urubus quando voando mais baixo. Não é a primeira vez que os vejo a rondarem quase parados no ar como se a meu
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respeito soubessem coisas que não sei, tal como os joões-de-barro podem prever a ocorrência ou não de chuvas no próximo inverno, dizem. Às vezes vejo-os como balestras apontadas para mim, ou como se eu já tivesse morrido, tresandasse o cadáver: mas àquela hora, seis da manhã, tinha acabado de sair do banho, cheirando a sabonete antibacteriano. Seriam eles mensageiros do além, anunciando do alto a evidência que me custa aceitar e que todos já viram menos eu? Será que já morri, não passando esse meu eu aqui de pura vaidade solta no ar com meus livros, com meus quadros, como o quarto de Manuel Bandeira? Ou como os urubus, embora estes não precisem de tantos artefatos? E lembro o filósofo grego que, exilado no seu país, já na poeira da estrada, somente com a roupa do couro, perguntado se não lamentava ter sido despojado de todos os seus bens,
Será que já morri, não passando esse meu eu aqui de pura vaidade solta no ar com meus livros, com meus quadros, como o quarto de Manuel Bandeira? respondeu: “Levo tudo que é meu.” E vamos e venhamos, nem a nossa carcaça é nossa, essa que interessa aos urubus. Aí me vem de fazer um inventário da minha verdadeira carcaça, do que é realmente meu, essa, sim, que o cupim não rói, nem os urubus, a começar pelas ilusões perdidas. Como, por exemplo, a de saber latim: mas não
esse latim decoreba de repetir frases de Cícero e Júlio César, que esse todo mundo sabe, e, sim, me expressar em latim como fazia Erasmo, ingenuidades desse tipo, ou traduzir um livro de Santo Agostinho, como Daniel Lima (só que perguntei a ele por que São Lucas era representado com o pé na cabeça de um boi e até hoje ele não me disse). Também não ter podido retribuir àqueles que muito me ajudaram. Até gente ruim, que me fez algum bem: por exemplo, tentar, daqui até morrer, nunca mais ter raiva. Cultivar, no lugar da raiva, as virtudes teologais: fé, esperança e caridade. Minha carcaça, meus versos de Castro Alves, os paraísos perdidos num quadro chinês do século 13 ou de Olinda hoje numa galeriazinha que para sobreviver aluga o sanitário durante o Carnaval. Quem sabe estou falando do além, feito Brás Cubas, do além do azul e dos urubus...
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bodega de véio Uma mercearia transfigurada em charmoso boteco O lugar é simples e cheio de personalidade. Não tem quase mesas ou cadeiras. Mas oferece simpatia, boa prosa e uma ótima cerveja gelada texto Bernardo Valença FotoS Yêda B. Mello
Cardápio A mercearia da rua do Amparo,
no sítio histórico de Olinda, vende de tudo, desde produtos de limpeza e higiene, penico, estilingue, ralador de coco até bebidas e frios. O cenário, com prateleiras lotadas desses itens, e outros, pendurados por barbante no teto, faz crer que estamos numa típica vendinha do interior. Mas trata-se de referência no roteiro gastronômico e boêmio de Olinda. Seu dono, Edival Hermínio da Silva, é o nono filho de uma família de 18
e, mesmo não sendo o primogênito, desde que se conhece por gente é chamado de Véio. Filho de Seu Miguel e de Dona Josefa, nasceu na cidade de Limoeiro, de onde saiu com 16 anos para trabalhar como empregado numa mercearia apelidada de Ratoeira. Em 1978, conseguiu comprar sua própria quitanda no bairro de Guadalupe. Mas essa não deu muito certo e no dia 5 de fevereiro de 1981 comprou de um primo uma bodega, na rua do Amparo, que viria a se tornar a Bodega de Véio.
Em 1998, uma associação no Amparo resolveu transformar a rua em pólo gastronômico — os estabelecimentos receberam um empréstimo para se aprimorarem e a bodega ficou carente de um nome para colocar na placa. O Véio conta: “Quando eu era pequeno, minha mãe sempre pedia, ‘Vá comprar sabão da bodega de seu fulano’, e todo mundo conhecia as bodegas desse jeito, então eu resolvi colocar Bodega de Véio”.
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Cardápio
na rua, tudo vira mesa, desde o meio-fio até o teto dos carros e as janelas dos vizinhos
Inicialmente, tinha o objetivo de fazer uma vendinha comum, igual às que conhecia quando criança, em Limoeiro, mas a sua Bodega foi tomando um rumo diferente. Hoje, ela é parte mercearia e parte boteco, sustentando-se mais pelo seu feitio de boteco, que faz sucesso em Olinda. Mas isso não abalou nem a simplicidade nem a fidelidade ao arquétipo de vendinha. O Véio continua trabalhando com sua mulher, dona Bernadete, diariamente, das 8h às 23h, dando-se ao trabalho de preencher as prateleiras com as miudezas da mercearia.
Quando chega perto do meiodia, o pequeno estabelecimento vai se transformando em barzinho. Na frente do balcão, os pedidos vão se confundindo entre quem quer comprar um detergente e quem deseja tomar uma das cervejas mais geladas da Cidade Alta. Os clientes ficam nas calçadas, conversando, bebendo e petiscando um pastrami com salaminho, azeitona e queijo do reino. Numa varandinha anexa à Bodega, existe um espaço para colocar até 12 mesas, para os que gostam do conforto de observar a rua sentados. Mas a
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Páginas anteriores AmBiente FAmiLiAR Como as vendinhas interioranas, na Bodega só trabalha quem é da família, os filhos ajudam nos serviços geridos pelo Véio e pela esposa Bernardete Nestas páginas tiRA-GoSto Dentro e fora, os clientes podem beber com o acompanhamento dos frios mais pedidos do local: pastrami, salaminho, queijo do reino e azeitona – tudo na ponta do palito
Esse tipo de tratamento diferenciado é, certamente, um dos motivos do sucesso da Bodega. Entre os clientes leais, o comerciário aposentado Manuel Anídio lembra que o local onde hoje funciona a Bodega já sediou dois estabelecimentos anacrônicos às demandas do consumo atual: “Quando eu era menino, lembro que essa casa onde é a Bodega já foi, ao mesmo tempo, uma barbearia e a alfaiataria de Seu Godofredo. Eu a prefiro agora”.
QUinQUiLHARiAS
maioria das pessoas que frequenta o a gente pode discutir filosofia e rever local fica do lado de fora mesmo. Na figuras que passamos a semana com rua, tudo vira mesa, desde o meio-fio a ânsia de encontrar”, argumenta o até o teto dos carros e as janelas dos artista plástico Zé Barbosa. vizinhos. A falta de ter onde sentar O dono do negócio estabelece não incomoda os fregueses. “As mesas relação de proximidade com alguns estabelecem fronteiras”, diz o artista fregueses: conhece muitos pelo nome e plástico Ricardo Silva, conversa cordialmente “Aqui, sem perceber, com todos eles. “O BoDeGA De VÉio você está conversando bom do Véio é o fiado Rua do Amparo, 212, Olinda com pessoas que que ele faz para os Tel. (81) 3429 0185 nem conhece”. Essa amigos”, diz sorrindo (81) 9975 2189 conversa informal é Sérgio Vila Nova, Aberto das 8h às 23 h Fechado aos domingos o espírito da Bodega. artista plástico, freguês “É o único lugar onde e vizinho da mercearia.
A boa música e a ambientação peculiar são elementos de atração na Bodega de Véio. No teto, nas paredes e por trás do balcão há uma desordenada e divertida exposição de arte, em que figuram pinturas, fotografias, poemas, cordéis e os mais variados objetos do cotidiano que também ganham status de ready-mades, como borrifadores de repelente, cordas, funis e pregos, estrategicamente ajuntados como coleções. “Aqui existe uma aglutinação natural das coisas, o bom gosto é natural, fluido”, opina o cineasta Cláudio Assis, especulando sobre como aparecem tantos produtos artísticos de qualidade na Bodega: “O pessoal pede para ele pendurar um quadro, vender um CD e ele aceita, acho que vou até botar meu filme nessas prateleiras”. De todos os artistas que já apareceram nos arredores da Bodega de Véio, o favorito da casa era Mestre Salustiano. “Salu era a pessoa que mais divulgava a Bodega, muitas vezes tocou de graça aqui, eu até oferecia dinheiro, mas ele nunca aceitava”, conta o Véio que, como troca de favores, divulgava a Casa da Rabeca. “Acabamos virando amigos e depois virando compadres, eu sou o padrinho da sua última filha”. Detrás do balcão, o Véio foi construindo sua história. A Bodega foi se tornando um local saudosista, que conta sua história nas paredes, repletas de memórias, e reúne artistas de todos os calibres, pessoas de todas as classes e discussões sobre todos os assuntos. Um lugar que pode servir de refúgio para quem está cansando da cidade, pois é reflexo dos ares interioranos da Olinda histórica.
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sabores Lectícia cavalcanti Monteiro Professora
despedidas “A medida, o equilíbrio, a temperança que Nabuco sentia no próprio ar de Pernambuco, parece exprimir-se no que a cozinha pernambucana tem de mais característico e de mais seu: na sua contemporização quase perfeita da tradição européia com a indígena e com a africana.” Gilberto Freyre, Açúcar
os sabores pernambucanos foram nascendo aos poucos, do especial relacionamento com o meio ambiente e do fino equilíbrio entre nossas três cozinhas – a indígena, a portuguesa e a africana. Tudo na medida certa e com muita harmonia. Diferente dos
estados do Norte, onde prevalece a influência indígena; diferente da Bahia e arredores, onde se afirma a africana; e diferente da cozinha do Sul, miscigenada, que incorpora sabores de tantos povos. Aqui, tudo se fez naturalmente. Aceitando experiências de outras culturas; mas, quase sempre, moldando essas experiências a traços específicos de nosso caráter. Assim foi se formando também nossa própria alma. Na imagem de Ronald de Carvalho, feita “da saudade portuguesa adoçada pela sensibilidade ibérica, da inquietação indígena e do travo do sentimento resignado dos africanos”.
Primeiro foram nossos índios, para o colonizador português só “negros da terra” – dessa que os nativos, evocando suas palmeiras, chamavam Pindorama. Alimentavam-se quando tinham fome e aproveitavam tudo o que a terra lhes oferecia. Folhas não apreciavam. Para eles, era comida de brincadeira – leve, sem sabor, sem sustança. Colhiam frutas, mas não as plantavam. Doce era apenas mel de abelha – que conheciam por eira ou eiruba. Consumido puro, como simples gulodice; ou misturado a raízes e frutas, no preparo de bebidas fermentas – aluá, ietici, tikira, cauim. Raramente cozinhavam alimentos em água. Carnes costumavam assar no moquém – espetos paralelos, sobre a brasa, precursores dos churrascos de hoje. Viviam em territórios razoavelmente determinados. Não se
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Fotos: Arquivo Continente
deslocavam à procura de alimentos, salvo raríssimas exceções – como nas safras de cajus, disputados em todas as praias do Nordeste. E cozinhar era tarefa das mulheres. Depois veio o colonizador português, que tentou reproduzir, na terra a que primeiro chamou de Vera Cruz, os ambientes de alémmar. Com ele trouxe curral, quintal e horta, quase tudo que não havia por aqui. Com as damas portuguesas vieram também suas cozinhas, tal e qual funcionavam em Portugal – com alguidares, almofarizes, caldeirões, chaminés francesas, fogões de chapa de ferro com três bocas, fornos abobadados, fumeiros, fôrmas de bolo, potes e tachos pesados de cobre. Mas não as usaram assim por muito tempo. Logo fizeram grandes adaptações. Começando pela beira do fogão, que passou democraticamente a ser dividido com índias e mucamas negras. Assim conhecemos hábitos alimentares que eram já resultado das muitas marcas deixadas por outros povos, que sucessivamente dominaram a Península Ibérica: romanos, no séc. 2 a.C.; bárbaros germanos, no séc. 5; e mouros, árabes que habitavam o norte da África, a partir de 711. O grande império português, com as grandes navegações, ia se construindo à beira do mar: Angola, Brasil, Cabo Verde, Goa, Guiné, Macau, Moçambique, Timor. Com fortes semelhanças, em todos esses lugares. Nas festas: Entrudo,
Páscoa, São João, Natal. Nos alimentos, com variações apenas de ingredientes e temperos. E na maneira especial de receber, sempre em volta de mesa farta. Por fim, os negros: não conseguiram, no Brasil colonial, reproduzir inteiramente os sabores da África distante. Era, com todas as limitações da condição social a que estavam reduzidos, uma culinária de senzala. Carnes conservavam com sal, ervas aromáticas e pimenta – mastigada pura ou esmagada no prato, em caldos de carne ou peixe. Frutas comiam de todo tipo – sobretudo banana, até um cacho por vez. Mas preferiam mesmo o alimento dissolvido, que acreditavam fosse mais forte. E mais próprio, também, a bocas desdentadas. Dominavam técnicas de assados, cozidos, evaporados, defumados e grelhados. Escravas – só as mais limpas, bonitas e fortes – iam para as casas-grandes dos engenhos e se destacaram sobretudo na cozinha. Comer, para aquela gente, acabava sendo momento de festa, em meio a tanta dor. Com os pratos na mesa se misturando a cantos e danças das terras distantes, batuques, lamentos, zoadas, crenças, chocalhos, saudades. A mistura de sabores, experiências e técnicas dessas três culturas resultaram numa culinária única – simples e generosa, delicada e forte, criativa e rebelde. Imagem e semelhança de nossa gente. A coluna Sabores Pernambucanos foi concebida como
uma tentativa de conhecer melhor essa culinária – os pratos que reproduzimos a partir de suas receitas originais; os que se alteraram e as razões dessas adaptações; e aqueles autenticamente nossos. Para conhecer também, em um novo mundo tropical, como se interligaram essas culturas tão diferenciadas. No fundo era o desejo de, a partir dos sabores, compreender melhor nossa identidade. Como escreveu Renato Carneiro Campos, “Se tivesse que escolher um Estado da Federação para representar Dom Quixote, este seria Pernambuco – não lhe faltam magreza, loucura e sonho para tanto”. P.S. Foi bom, durante todo esse tempo. E dessa tarefa, enormemente prazerosa, nasceu um livro – História dos sabores pernambucanos, parceria do Sebrae e da Fundação Gilberto Freyre, que estará sendo lançado por esses dias. Em certo sentido, filho da Revista Continente e do compromisso da Cepe com a cultura pernambucana. Mas é como se a trajetória estivesse cumprida. Faltando agora só agradecer: a Mário Hélio, que a concebeu, pelo convite para escrever desde o primeiro número; a todos que a dirigiram, nesses 104 artigos e quase oito anos de colaboração – Carlos Fernandes, Homero Fonseca, Marco Polo; a Leda Alves, queridíssima amiga e presidente da Cepe, pela insistência para que continuasse a escrever; e sobretudo aos leitores, por palavras de incentivo e carinho. A todos, com o coração, muito obrigada.
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Divulgação
Claquete Costa-Gavras Um olhar para a Europa contemporânea O éden é no Oeste, que abre este mês a edição 2009 do Cine PE Festival do Audiovisual, no Recife, traz à cidade o diretor grego Costa-Gavras, que surgiu no cenário internacional em 1969, com o thriller europeu Z texto Kleber Mendonça Filho
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13º cine Pe
Centro de Convenções recife
www.cine-pe.com.br 27 Abr-03 Mai
@ continenteonline Assista ao trailer do filme O éden é no Oeste e a programação do Cine PE 2009 no site www.revistacontinente.com.br
constantin costa-Gavras, o cineasta grego radicado na França, sempre se mostrou um autor peculiar com pelo menos dois pontos de interesse na sua obra: primeiro, as temáticas políticas que investigam o uso do poder, e que são sinônimas do seu cinema. Em segundo lugar, seu estilo ágil de filmar, causador de um estranhamento positivo por ser ele filho de um cinema europeu conhecido por tempos mais dilatados. Seu estilo veloz, composto por um tiroteio de planos, também virou munição de detratores que o acusam de comungar de uma estética hollywoodiana. Curiosamente, seu último filme, Eden à l’Ouest (O éden é no Oeste), que abre este mês a edição 2009 do Cine PE, no Recife, permite mais uma vez esses olhares, nas mais variadas medidas. Aos 76 anos, Gavras tem uma trajetória notável no sentido mais clássico possível, reconhecido com Oscars, Césars, a Palma de Ouro em Cannes e o Urso de Ouro em Berlim. Surgiu no cenário internacional em 1969, com o thriller europeu Z, ainda um dos seus filmes mais potentes, obra-síntese do seu cinema. Z, que ganhou o Oscar de filme estrangeiro em 1970, parecia traduzir com precisão o clima de questionamentos políticos daquele tempo, da mesma forma que o fizera três anos antes A Batalha de Argel (La Battaglia di Algeri, 1966), de Gillo Pontecorvo, ou Medium cool, de Haskell Wexler, em 1969. O filme de Gavras, que está completando 40 anos, investiga desdobramentos que afetaram o cenário político na Grécia, em 1963, quando o líder da oposição – Gregorios Lambrakis – foi morto num acidente de automóvel. A investigação desse acidente nos leva à revelação de um assassinato político e aos dilemas entre justiça e poder. A imagem final de uma Irene Papas reagindo a um desfecho que, num filme americano seria triunfal, talvez ajude a entender a ressonância do filme até hoje. O efeito moral e político de Z gerou discussões inflamadas não apenas sobre o poder que o cinema pode ter ao questionar um estado de coisas, mas também na forma como o filme foi capaz de servir de reflexo para os problemas políticos de cada sociedade,
num mesmo tempo. Na Grécia, por exemplo, Papas e o próprio Gavras foram banidos do país, junto com o filme. Nos EUA, Z foi tido como antiamericano e, no Brasil, censurado pela junta do governo militar. A década de 1970 confirmou Gavras como autor de thrillers políticos como Estado de sítio (État de siège, 1972) e Sessão especial de justiça (Section spéciale, 1975), dois outros favoritos da censura no Brasil da época. As associações internas feitas entre os seus filmes começaram a ficar claras, especialmente com o filme que o levou à Palma de Ouro no Festival de Cannes de 1982 (e a outro Oscar – roteiro adaptado), Desaparecido – Um grande mistério (Missing). Feito com dinheiro de Hollywood (da Universal Pictures), Missing, filmado no México, volta a tema abordado inicialmente em Estado de sítio, em que o papel dos EUA como sombra amiga de governos de direita é ilustrado.
talvez seja a primeira vez que um personagem seu revela-se passivo, sem a aura de catalisador de mudanças No filme de 1972, um funcionário de uma agênciaamericana é sequestrado por guerrilheiros no Uruguai, e seu interrogatório é o eixo dramático da narrativa. Em Missing, um pai (Jack Lemmon), cidadão americano de direita, vê-se num país não identificado da América Latina (claramente o Chile, durante o golpe violento de Pinochet) para tentar descobrir o que teria ocorrido com o seu filho, tido como desaparecido nos túneis violentos da repressão. Se a transformação do comerciante americano de direita num homem mais sábio e de esquerda sugere algo fácil, o talento de Gavras para filmar o horror político é memorável em Missing. Ele traz toques precisos – como um torturador que fala português do Brasil numa das sequências mais brutais, comentário curioso sobre a troca de experiências entre governos de linha dura dos anos 1970.
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Claquete 1989), filme que ganhou o Urso de Ouro no Festival de Berlim, sobre a gradual descoberta de uma advoga da americana (Jessica Lange) sobre o passado do seu pai (Armin MuellerStahl), na Hungria da Segunda Guerra Mundial. O tema da descoberta e da Segunda Guerra voltou em Amém (2002), um dos seus filmes mais friamente recebidos, sobre o oficial nazista Kurt Gerstein, químico por trás do gás Zyklon-B, usado nas câmaras de extermínio dos campos de concentração sem que ele soubesse, inicialmente.
Aos 76 anos, Gavras tem uma trajetória notável no sentido mais clássico possível, reconhecido por várias premiações Controvérsias surgiram em torno do filme, uma vez que Gerstein teria tentado informar o papa Pio XII sobre as atrocidades do 3º Reich, e o filme acusa o Vaticano de não ter reagido. Eden à l’Ouest, que encerrou o último Festival de Berlim, marca a fase atual de Gavras, que parece estar olhando para a Europa contemporânea e seus contrastes sociais como fonte de inspiração. No seu filme anterior, O
corte (Le couperet, 2005), a França atual é um lugar onde um pai de família desempregado, e chegando aos 40, não consegue achar emprego, uma situação bem-estabelecida por Gavras como limite. Isso leva o profissional frustrado a eliminar a concorrência, literalmente, espécie de serial killer do neoliberalismo mórbido. Já em Eden à l’Ouest há um detalhe marcante, principalmente ao olharmos para o conjunto da obra de Gavras. Talvez seja a primeira vez em que um personagem seu revela-se passivo, sem a aura de catalisador de mudanças. Essa figura é um imigrante que não fala grego, italiano ou francês, de um país não identificado (Albânia?), interpretado por Ricardo Scamarcio, e que vai alcançar a praia de um rico resort, já em terras europeias, depois de abandonar um navio. Seu sonho é chegar a Paris, cidade-luz. Gavras, em Berlim, apresentou seu filme como se tivesse sido construído a partir de peças avulsas de A odisséia (filme começa no Mar Egeu), mas Elias, o imigrante quase mudo, seria composto por traços de um Buster Keaton que apenas reage freneticamente aos contatos prepotentes dos europeus que, em grande parte, não entendem que ele é um corpo estranho no espaço. O filme tem o inesperado tom de uma cascata filmada, uma sequência ininterrupta de pegadinhas, com a presença imprevista e relativamente absurda de misteriosas equipes de TV com câmeras e microfones, provável referência ao mundo cão da mídia que Gavras filmou em O quarto poder (Mad city, 1997), outra experiência sua em Hollywood. Sobre Elias, exploram-no como empregado, como bobo e michê, uma alma inocente. São aspectos que talvez deponham contra o filme, cuja visão do imigrante não parece ultrapassar a do bom selvagem com gestual de uma bola de fliperama percorrendo os obstáculos impostos pelo filme (ou pela Europa rica). Nesse sentido, o Eden à l’Ouest impressiona pelo seu ritmo alucinado, velocidade imposta por um autor maduro que disse em Berlim se ver claramente em Elias, “um estranho que, para mim, não tem nada de estrangeiro”.
filMoGrAfiA PreMiADA Divulgação
A relação de Gavras com Hollywood consolidou-se em filmes seguintes, nos quais seu estilo pareceu fundirse bem com os tons narrativos defendidos pelos americanos, em obras capitaneadas por personagens que lidam com a descoberta de uma grande verdade. Atraiçoados (Betrayed, 1988), por exemplo, apresenta-nos uma investigadora do FBI (Debra Winger) imersa numa comunidade de neonazistas, filme em que a naturalidade do mal é algo que choca e fica com o espectador. Tema semelhante Gavras abordou em Muito mais que um crime (The music box,
oscar de Melhor Filme Estrangeiro (1968)
Z
Este thriller trata dos desdobramentos que afetaram o cenário político da Grécia, em 1963, quando o líder da oposição, Gregorios Lambrakis, foi morto num acidente de automóvel politicamente planejado.
Palma de ouro em Cannes (1982)
Desaparecido, um grande mistério Em Missing, um cidadão americano de direita viaja a um país da América Latina (possivelmente o Chile) para tentar descobrir o paradeiro do seu filho, tido como desaparecido político, nos anos de ditadura militar.
Urso de ouro (1989)
Muito mais que um crime Neste filme, o diretor apresenta a história de uma advogada americana que descobre gradualmente o passado do seu pai na Hungria da Segunda Guerra Mundial.
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INDICAÇÕES Drama
a vIDa Dos oUtros
De Florian Henckel Von Donnersmarck Com Martina Gedeck, Ulrich Mühe, Europa Filmes
Documentário
atravEssaNDo a PoNtE De Fatih Akin imovison/Sonopress
Animação
PErsÉPoLIs De Marjane Satrapi Sony internacional
Anos 80, Berlim, últimos estertores da RDA. Um dramaturgo e sua namorada atriz passam a ser vigiados dentro de casa pelo serviço secreto comunista, sob suspeita de subversão. A ação oculta a obsessão do ministro da cultura pela atriz e seu desejo de destruir o dramaturgo, seu rival. O que não se esperava era que o espião acabasse enternecido pelo estilo de vida do casal. Roteiro dirigido pelo próprio autor, interpretações irretocáveis. Oscar de melhor filme estrangeiro de 2007.
Há várias formas de se conhecer uma cidade. A encontrada pelo alemão Alexander Hacke foi a música. Junto com ele, ouvimos uma Istambul rica e diversa, que se expressa entre a tradição e a novidade, fenômeno tão próximo do encontrado, por exemplo, na cena musical pernambucana pósmanguebeat. Assim como aqui, a música turca repete o rap, o rock, o eletrônico, mas apresenta ao mundo sons que somente aquela metrópole dividida entre o Ocidente e o Oriente é capaz de produzir.
Grande sucesso dos quadrinhos, Persépolis ganha uma versão animada que traduz o universo criado pela autora Marjane Satrapi. Baseado na vida da autora, a trama revela as mudanças e traumas que afligem uma jovem independente, tendo como pano de fundo a revolução iraniana e suas ramificações no cotidiano de seu povo. Sem cair na autopiedade, o filme retrata de maneira simples e sóbria os conflitos de Marjane e do Irã, e torna-se algo mais que um simples desenho animado.
Documentário
Clássico
Comédia
MIrÓ – PrEto, PoBrE, PoEta E PErIFÉrICo De Wilson Freire Com Miró, Jommard Muniz de brito, André Teles, lucila Nogueira, França Cabra Quente Filmes
Miró anda pelas ruas do Recife recitando seus poemas, em que destaca as injustiças sociais. Esses percursos e seus sentidos poéticos estão no documentário roteirizado e dirigido por Wilson Freire, com produção da Cabra Quente Filmes (www.cabraquentefilmes.com.br). Nele, há habilidade em costurar a performance do poeta às locações, enquadramentos e horários de filmagens. Destaque para o trecho em que Miró conta que foi surrado.
rEPULsa ao sEXo
De roman Polanski Com Catherine Deneuve, ian Hendry Amazonas Filmes
É difícil classificar em algum gênero específico essa obra tão particular de Roman Polanski: um thriller de terror ou um drama psicológico são definições adequadas a um filme, no melhor sentido da palavra, estranho. A história de uma manicure que possui uma aversão patológica aos homens e que começa a enlouquecer dentro de seu apartamento é narrada de forma perversamente detalhista.
sEGUraNDo as PoNtas
De David Gordon Green Com James Franco, Seth rogen Columbia Tristar b-r
Os roteiristas Seth Rogen e Evan Goldberg, responsáveis pelo retrato mais fiel da adolescência nos anos 2000, Superbad, trazem seus diálogos e cenas marcadas pela irreverência e naturalidade para o universo dos filmes policiais. Após testemunhar um assasinato, Dale Denton (Seth Rogen) passa por uma série de desventuras, no melhor estilo noir, mas tudo filtrado por uma estética semelhante a filmes como O grande Lebowski.
Drama
PIaF – HINo ao aMor
De Olivier Dahan Com Marion Cotillard, Gerard Derpadieu Europa Filmes
A força e a dramaticidade das interpretações da cantora francesa Edith Piaf, abandonada ainda criança pela mãe, parecem ser um reflexo dos dramas vividos por ela ao longo de sua vida. Marion Cotillard, ganhadora do Oscar por sua interpretação, dá vida a essa que foi uma das maiores intérpretes da música francesa. Impossível não entender a relevância e o simbolismo da interpretação do clássico Non je ne regrette rien, já no fim da sua carreira.
Animação
a QUasE traGÉDIa DE MaNÉ
De ricardo Mello Escola Oi Kabum!
Primeiro foi o cordel, criado em parceria por Ricardo Mello e pelo ilustrador Samico. Depois, foram oficinas de criação na Escola Oi Kabum!. O resultado é o vídeocordel que narra a história de um homem em busca de celebridade. O trabalho tem valor pelo seu caráter experimental e coletivo, do qual participaram não apenas os autores mencionados, mas jovens de baixa renda (Ilha 1 Animation) e atores que emprestaram suas vozes aos personagens, além de toda a equipe técnica.
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Sonoras
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o primeiro semestre de 2009
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HEAVY METAL Ovelha negra do rock
Turbinada pelo influxo de bandas internacionais, cena metaleira do Estado permanece desconhecida do grande público texto Diogo Guedes
é para nenhum metaleiro botar defeito. Com os shows de Morbid Angel, da gigantesca Iron Maiden e da presença de Motörhead – que, mesmo não tocando propriamente metal, aproxima-se muito do estilo – no Abril Pro Rock (APR), é impossível não imaginar os soturnos bate-cabeças (fãs de metal) eufóricos. No entanto, ao mesmo tempo em que parece não faltar público para as atrações de fora, é difícil para quem é pouco familizarizado com a cena local citar o nome de bandas do gênero formadas em Pernambuco. Existem alguns motivos para o lapso. A cena pernambucana de heavy metal começou a se consolidar na década de 1980, tendo como precursora a banda Herdeiros de Lúcifer, reconhecida como a primeira de Pernambuco, mas que nunca chegou a ter a estrutura de movimentos como o Manguebeat. Durante aquela década, começaram a surgir outros grupos, como Vermelhos de Lúcifer, Arame Farpado, Fire Worshipers, Cruor, Realidade Encoberta, Necropsia, Dark Fate, The Ax, Cérbero e, já no início dos anos 1990, Decomposed God – única banda do estilo escalada para tocar no APR, na noite de abertura do evento –, Wild Fact e Malkuth.
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decomPosed God Banda lançou recentemente o elogiado Bestiality e programa turnê pela Europa para o ano que vem
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darK Fate Formado em 1990, o grupo passou por um hiato de 15 anos até voltar à ativa em 2008
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raÍZes Banda mineira Chakal toca na terceira edição do histórico festival Mauristad, em 1987
O marco para o nascimento e amadurecimento dessas bandas foi, além do lançamento do CD de Sepultura, Schizophrenia, em 1987, a vinda de nomes de outros estados e até de outros países. “Quando a turma ia para esses shows, começava a gostar. Daí, os laços foram se estreitando”, comenta Ervel Lundgren, conhecido como Alemão, produtor musical de importância inquestionável para a cena e ex-dono da casa de shows Dokas. As apresentações, que normalmente contavam também com participação de bandas de hardcore (estilo de punk extremamente acelerado, surgido no começo da década de 80), juntavam cerca de 200 ou 300 pessoas. “Eram, na maioria das vezes, os mesmos caras”, lembra Wilfred Gadêlha, jornalista, vocalista da Cruor e baixista da Dark Fate, “A gente ia a um show no Ibura e voltava de bacurau. Íamos para Barra de Jangada, Cavaleiro, Prazeres — tinha um clube lá chamado Prazeirinho, que, se você não tocasse nele, era como se não fizesse parte da cena”, situa. Os principais eventos do metal no fim dos anos 1980 – excetuando a vinda de Sepultura para a cidade – foram as cinco edições do Mauristad, sediado no Sítio da Trindade. “Pelas minhas lembranças, foi o primeiro grande festival de rock pesado daqui”, diz o organizador do evento, Alemão. No primeiro ano, 1985, Herdeiros de Lúcifer, Kristal, Arame Farpado e Cruor participaram e, nos anos seguintes, vieram de outros estados as bandas Viper, Attomica e Chakal. Os principais responsáveis pela derrocada da cena na década de 1990 foram o aparecimento do grunge para o mundo – com efeito maximizado pela chegada da MTV ao Recife – e o surgimento do movimento Manguebeat. Os dois tiveram efeitos avassaladores sobre a produção local de metal.
No APR, existe espaço cativo para as bandas de heavy metal, que dividem a “noite pesada” com o hardcore e o punk. Para Wilfred, enquanto a edição de 2007 foi memorável para o gênero, com shows de Sepultura, Korzus e Ratos de Porão, 2008 foi um ano “estranho”. As apresentações de Gamma Ray e Helloween, separadas do resto do evento, “Pareciam que eram um Abril Pro Rock Plus”, dada a ausência do clima típico de festival.
maioridade
“A cena do metal recifense deu uma esfriada violenta”, opina o produtor Paulo André, organizador do APR, comentando a ausência de novos nomes da cena na programação – a Decomposed God já tem 18 anos de estrada e toca pela segunda vez. Não é exatamente a visão de Wilfred, que aponta diversas bandas da nova geração que considera de qualidade:
Terra Prima, Silent Moon, Project 666 (estas três já com passagem pelo APR), Infested Blood, Unscared, Lethal Vírus e Stormblood. Marco Duarte, guitarrista da Decomposed God, enxerga um crescimento na cena, sustentado pelo aumento do público metaleiro, e pela grande quantidade de shows internacionais. “Uma das mudanças que eu vejo é o avanço da tecnologia”, conta, defendendo que as facilidades da internet e da produção caseira facilitam a circulação de todos os estilos de música. De todo modo, o APR, por sua importância nacional, é considerado um marco para a cena do metal local. “Voltar a tocar no festival é excelente”, comemora Marco, afirmando que a participação em 2002 rendeu bastante mídia para a banda. Wilfred, que viu a Decomposed ensaiar em sua casa, pensa mais longe: “Acho que a cena precisa é de um festival de grande quilate para o metal, como existia antigamente o Mauristad”.
isolamento
abril Pro rock Com o formato reduzido pela crise econômica – o festival perdeu o posto de evento convidado da Petrobras -, o Abril Pro Rock neste ano consolidou sua programação em apenas dois dias e enxugou o número de bandas. Na sexta (17/4), o principal destaque é Motörhead, com abertura, dentre outros, de Matanza (RJ). No sábado (18/4), os nomes importantes são Marcelo Camelo, Heavy Trash (EUA), Móveis Coloniais de Acaju (DF) e Mundo Livre S/A. A novidade de 2009 é a exposição de gravuras na Livraria Cultura, durante o mês de abril, reunindo trabalhos de nomes como Mascaro, João Lin, Derlon, Shiko (PB, foto), Juliana Notari e do coletivo Bicicleta sem freio (GO).
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Confira a programação do Abril Pro Rock no site www.revistacontinente.com.br
Um dos fatores que contribuem para o isolamento do metal em Pernambuco – a ponto de quem não gosta do estilo praticamente não ter nenhum acesso à produção das bandas – é o estereótipo formado do metaleiro, visto normalmente como alguém fechado para escutar e conhecer outros gêneros musicais. Mesmo admitindo a existência de casos assim, Wilfred chega a incluir Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro dentre o que gosta. “O fã de heavy metal é como um fã de qualquer outro tipo de música, só mudando uma coisa: há um preconceito com o estilo”, afirma Wilfred. Para Marco, o pior é o falta de apoio dos veículos de imprensa: “Se não fosse a mídia especializada, seria bem pior. O heavy metal só tem vez quando há um grande evento ou uma grande banda envolvida”. Portanto, os novos e veteranos grupos seguem lutando por mais espaço; não só para conquistar fãs para as bandas e para o gênero musical, mas pelo menos para terem seu nome fortalecido e, quem sabe, transcenderem as fronteiras da desconhecida cena do metal pernambucano.
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AMP Roupagem simples e potência sonora Banda da cena independente pernambucana lança primeiro disco depois de um 2008 rodado e com respaldo do APR texto Diogo Guedes
não tem muito mistério.
Guitarras potentes, roupagem simples, som cru e vibrante. A fórmula é até relativamente gasta – o que só aumenta o mérito da música continuar divertindo. Pelo poder sonoro das gravações, mesmo apenas uma simples audição se torna uma experiência próxima à de um show: não dá para ficar parado. É bem verdade que a banda chega para o seu segundo Abril Pro Rock (APR) bem mais experiente. Se no primeiro, no ano passado, foram escolhidos a partir da votação popular do concurso Link Virtual e impressionaram pela qualidade da
Sonoras apresentação, agora serão recebidos como convidados, depois de terem passado 2008 percorrendo diversos festivais país afora. Segundo a Associação Brasileira de Festivais Independentes (Abrafin), a banda foi a segunda que mais tocou nos 32 eventos vinculados à entidade, perdendo apenas para a principal revelação do ano no Brasil, a cuiabana Macaco Bong. “Nós tocamos, pelo país, no Porão do Rock, em Brasília, com o Muse, e participamos do Goiânia Noise (GO). Também nos apresentamos no Bananada, que também é em Goiânia, no Tome (sigla de Tocantins Música Expressa), em Palmas, e no Calango, em Cuiabá. No Nordeste, a gente tocou em Salvador há pouco tempo, no Groove Bar, também no Aumenta que é rock, em João Pessoa, e no DoSol, em Natal”, enumera Eduardo
Bivar (voz e guitarra), que prefere ser chamado de Capivara, completando: “Esses foram os principais”.
inÍcio
Os integrantes da AMP já se conheciam quando a banda foi fundada em 2006. “A amizade já existia. Estudei com Djalma (voz e guitarra) no colégio, Cristiano (bateria) é meu primo e o Dudu (baixo) estudou com Cristiano”, conta o músico. Logo após o primeiro show, só de covers, o grupo decidiu começar a gravar o seu primeiro CD, que deve ser lançado antes do APR. Chamado Pharmakodinamica, o disco conta com produção de Iuri Freiberger, da banda de rock alternativo Tom Bloch. As influências para a banda são bem homogêneas, visto que os integrantes têm um gosto bastante parecido. A comparação com o stoner rock – estilo marcado pelos fortes riffs de guitarra e pela psicodelia – da banda americana Queens of the Stone Age é ainda mais natural depois de declarada a influência.
Segundo Capivara, os outros grupos escutados durante o processo de gravação do disco foram Led Zeppelin, The Hellacopters, Strung Out, Foo Fighters, Faith No More e as brasileiras Macaco Bong e Black Drawing Chalks (GO), esta última também escalada para tocar no APR. Falando sobre a emoção de abrir o show para Motörhead, Capivara se anima: “Eu já ia pro APR independentemente de a gente tocar”. Assim que soube do convite, o produtor da AMP ligou dizendo ao músico: “Gosta de Motörhead?” A resposta, claro, foi que sim. “Ele falou: ‘Vocês vão abrir o show deles’, e aí eu fiquei louco”, conta.
Planos
Para este ano, a agenda ainda não está tão cheia. Além do APR, os roqueiros devem tocar no Goiânia Noise e estão tentando se classificar para participar do festival canadense North by Northeast. Outras oportunidades devem vir à medida que os eventos independentes forem confirmando seus patrocínios e, consequentemente, seus orçamentos. É interessante notar que a banda ainda nem lançou o primeiro trabalho e já está com a cabeça mergulhada no segundo. Agora, está começando a pensar nas parcerias com produtores, para que cada música seja feita com um nome. “Temos oito músicas prontas para o próximo disco”, anuncia Capivara, ironizando com a demora para o lançamento do Pharmakodinamica: “A gente brinca que ele vai sair até antes do primeiro”.
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INDICAÇÕES INSTRUMENTAL CHORO
OS INGÊNUOS 35 anos de choro
DE PURO GUAPOS Com a corda toda lua Music
É com espírito de congraçamento que os baianos de Os ingênuos apresentam disco que marca os 35 anos de formação do grupo, responsável pela manutenção do movimento de choro em Salvador. As composição vêm em compilação inédita, sob direção musical e arranjos de Edson 7 Cordas, que comanda com competência domadores de cavaquinho, bandolim, violões, pandeiro e flauta.
Segundo álbum desta que se intitula uma Orquestra Típica de Tango, Com a corda toda reúne 12 músicas que enfocam os anos 1940, época de ouro do gênero rio-platense. De Puro Guapos é um octeto formado em 1999 por dois músicos argentinos e seis brasileiros, que expressam vigor e energia musical tocando violinos, violoncelo, viola, contrabaixo, clarinete, piano e o personalíssimo bandoneon. Os músicos interpretam clássicos de Horacio Salgan, Julian Plaza, Aníbal Troilo e Eduardo Arolas, entre outros.
TRADIÇÃO
ERUDITO
Garimpo
MPB
VIOLA TEM qUE VIOLAR A poesia imagética de Siba Veloso se cruzou com o virtuosismo instrumental de Roberto Corrêa. Bacharéis em música, os dois lançaram recentemente o CD Violas de bronze, resultado de estudos e de uma proposta que levou oito anos para se concretizar. A sonoridade do disco é limpa, sendo apenas composta por instrumentos de corda e vozes. Roberto Corrêa, compositor e pesquisador, toca viola caipira e viola de cocho. Esta última tem barbantes revestidos com cera de abelha como corda e, segundo Corrêa, “reproduz um som de água”. Tocando viola dinâmica e viola elétrica, Siba reinventa esses instrumentos, que são habitualmente usados por repentistas com apenas dois acordes na manga. A rabeca também surpreende, seu som está mais suave e se mostra um bom acompanhamento para viola. O disco tem músicas instrumentais e canções. Nas a obra é mais do que letras, encontramos a graça um encontro entre da poesia popular nordestina um pernambucano na música Big brother mental que, segundo Siba, “começa e um mineiro autobiográfica e termina numa palhaçada”. Depois, deparamo-nos com um tango de Roberto Corrêa, Nos gerais, que tem o enredo baseado nas lendas mineiras. Siba anuncia a chegada da chuva em Procissão da chuvada e, em Casa de reza, ele entoa uma poesia que descreve a experiência de sonhar voando. A única composição em parceria se chama Cara de bronze, na qual letra e melodia são inspiradas no conto homônimo de Guimarães Rosa. O disco termina com a doce Da espera, “uma música feita para um grande amor”, diz Siba. A obra é bem mais do que um simples encontro de um pernambucano e um mineiro, é um trabalho de dois artistas que, mesmo prezando por suas culturas, sabem entrar em comunhão com outras sonoridades. Além de revelar mais um lado de Siba e Corrêa, Violas de bronze também revela a versatilidade desse instrumento que é, muitas vezes, subestimado.
AMÉRICA CONTEMPORÂNEA Um outro centro Núcleo Contemporâneo
O grupo América Contemporânea surgiu para abrir caminhos na “cordilheira dos Andes” musical que divide o Brasil dos outros países sul-americanos. Criado pelo pianista Benjamim Taubkin, o conjunto agrega nove músicos, de sete nações, que trazem composições próprias e canções e ritmos folclóricos de todos os pontos do continente.
JOHN NESCHLING – OSESP Heitor Villa-Lobos Choros Nº 2.3.10.12 biscoito Fino
A série de lançamentos dos Choros de Heitor Villa-Lobos, da gravadora Biscoito Fino, chega ao seu terceiro volume trazendo os choros no 2,3,10,12, com interpretação da Orquestra Sinfônica de São Paulo, e regência do maestro Jonh Neschling, então titular da orquestra, gravados entre 2003 e 2005. No encarte, o crítico Jorge Coli comenta os Choros e contextualiza a criação de cada um deles.
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Leitura
Quadrinhos aprendendo a fazer hQs com Will Eisner Mestre das graphics novels ensina técnicas para montar histórias criativas. Livro faz parte da trilogia de trabalhos teóricos escritos pelo autor norte-americano texto Danielle Romani
A Devir Livraria acaba de relançar
um clássico para os estudiosos das artes sequenciais: Narrativas Gráficas – Princípios e Práticas da Lenda dos Quadrinhos, assinado por Will Eisner, o norte-americano que nas suas oito décadas de vida ajudou a elevar as HQs ao status de “oitava” arte. O livro foi originalmente lançado no Brasil em 1996, quase uma década depois do lançamento do também clássico Quadrinhos e Arte Seqüencial, que se destina igualmente a ensinar leitores, profissionais ou não, a desenhar e escrever HQs. Se, no primeiro livro, o autor ensinava como os jovens desenhistas poderiam explorar diversas possibilidades gráficas da página,
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Imagens: Reprodução 02
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desde a aplicação dos retroquadros até a utilização correta dos recursos de luz e sombra – característica marcante na sua obra desde o lançamento de The Spirit em 1940 -, em Narrativas, Eisner continua a “aula”, e tenta ensinar ao seu público como contar histórias a partir de desenhos, com ênfase na exploração e otimização deles. Ou seja, este verdadeiro tratado abrange praticamente todas as etapas da narrativa gráfica até uma visão mais ampla de suas aplicações. Para os que jamais estudaram quadrinhos, um aviso: não precisa ter medo! A linguagem é didática, os exemplos são simples e ilustrados, obviamente, e as “lições” vão num crescente passo a passo, como num
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Lições Na página anterior, o mestre americano dá o passo a passo de como prender a atenção do leitor
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wiLL eisner Pai do personagem The Spirit, o artista foi também o criador dos romances gráficos, que alçaram as HQs ao status de arte
curso, que a cada dia se aprende e se Não por acaso, os dois livros vai um pouco mais à frente. – Narrativas... e Quadrinhos... - foram Preocupado em formar uma elaborados poucos anos depois de geração de desenhistas que tivesse ele ter criado, na década de 1970, as capacidade não apenas de desenhar, chamadas graphics novels, ou novelas mas também de narrar e comover os gráficas, nas quais mostrou que era leitores com o texto, aos poucos ele possível produzir, a partir das HQs, vai ensinando várias técnicas para dar romances densos, com conteúdo ritmo e sequência aos quadros. Detalha histórico, ou não, mas com qualidade como utilizar as fontes dos balões e das artística e literária. Algo bem distante falas para criar maior impacto, além do universo alienado dos super-heróis de ensinar como embutir suspense e das histórias infantis by Walt Disney. nos enunciados e como moldar a Os que quiserem conferir a força postura dos personagens. Enfim: a da narrativa de Eisner terão bons preocupação principal exemplos em Um do autor neste quase contrato com Deus e clássico das HQs é de Outras histórias de cortiço, ensinar a estudantes, também disponível artistas, ou até mesmo no acervo da Devir, veteranos, a contar em que ele retrata as uma bela história, agruras vividas por com profundidade e moradores do bairro qualidade. Tudo o que judeu em Nova York, ele sempre fez. justamente nos anos Aliás, para ensinar pós- depressão, os os seus “alunos” terríveis anos 1930. Eisner não se limita a Além desta utilizar suas próprias reedição, estão nos histórias, personagens planos da Devir narrativas gráficas e desenhos. a publicação de Will eisner Generosamente, ele uma nova tiragem Devir Livraria apresenta outros de Quadrinhos & Nas 176 páginas deste livro, autores que considera Arte sequencial e o a preocupação está na “mestres”, e que lançamento do inédito compreensão básica da narração na prática o são, a Anatomia expressiva, através de desenhos. Este livro examina a narrativa e pesquisa exemplo de artistas completando assim os fundamentos de sua aplicação do porte de Art a trilogia de livros no meio das histórias em Spiegelman, Al Capp, teóricos escritos quadrinhos. A reedição é da Devir Milton Caniff e Robert pelo mestre norteLivraria e custa R$ 40. Crumb. americano.
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Resenha
JosEF sTÁLin o oVo da sErPEnTE Eduardo Cesar Maia
Arte e Letra: Estórias
INTERESSE PELO CONTO E TRADUÇÕES INÉDITAS Em sua primeira edição, há um ano, os editores da revista curitibana Arte e Letra: Estórias fizeram a mesma pergunta de todos que se dedicam à literatura neste país: publicar para quem? Mas se a obstinação é uma arma quente, esse grupo cercou-se dos variados recursos, ao criar uma editora, uma livraria e uma revista, cumprindo todas as etapas do processo: produzir, vender e divulgar livros e literatura. Na revista, o foco vai para narrativas curtas, de preferência textos inéditos, ou fora de circulação. Também se diferenciam o trabalho de tradução e o design caprichado. A edição é trimestral e encontra-se na letra D.
Leitura
Dicta & Contradicta
REVISTA ACADÊMICA SEM ACADEMICISMOS Trata-se de um produto inusual no mercado editorial brasileiro. Como os editores mesmo definem, é uma “revista acadêmica sem academicismos”, no sentido de que todos os textos possuem um rigor conceitual e profundidade na abordagem, mas sem nunca perder a capacidade de serem claros e interessantes para o leitor não especializado. Com a ambição de pensar os grandes temas da cultura ocidental - seja no âmbito das artes, da filosofia, da ética ou da literatura -, a revista não faz concessões ao senso comum ou a ideias já estabelecidas. Sua publicação é semestral.
O nebuloso e pouco difundido período que compreende a infância e a juventude do líder soviético Josef Stálin foi minuciosamente investigado – com a utilização de documentos recentemente revelados –, no livro O jovem Stálin, do historiador britânico Simon Sebag Montefiore. Em A corte do czar vermelho, o pesquisador já havia apresentado novos elementos sobre o período em que Stálin liderou despoticamente a União Soviética. Esta nova obra abrange desde o seu nascimento, em 1878, numa pequena localidade georgiana chamada Góri, passando pela traumática relação com o pai alcoólatra e com a mãe superprotetora, o acidente e as doenças que o deixaram com marcas no corpo, os anos de formação intelectual, chegando até o início da vida política de Iosif Visarionovich Djugashvili, que somente depois assumiria o nome Stálin e se tornaria um dos tiranos mais sanguinários da história moderna. A opinião trotskista, assumida por muitos pesquisadores e historiadores, que caracterizava Stálin simplesmente como um bruto que chegou ao poder unicamente através da violência e de traições, é desmentida pela investigação de Montefiore: a juventude do futuro tirano foi marcada por brutalidades, sim, mas também por uma educação clássica num seminário rigoroso, no qual ele se
destacava como excelente aluno, bom poeta, orador e por episódios em que fica clara a capacidade intelectual desse grande e carismático estrategista. Foi também nesse período como seminarista que ele entrou em contato pela primeira vez com o marxismo. O livro acaba fornecendo uma perspectiva única e interessante a respeito da pré-história da URSS. O terrorismo revolucionário, as conspirações, a situação miserável dos camponeses e artesãos, a repressão da polícia czarista e todo o ambiente carregado de ideologias e de ações radicais são mostrados a partir da vivência desse personagem surpreendente que já prefigurava o líder supremo que governou com mãos de ferro por mais de 30 anos aquele país que se tornaria uma potência militar mundial. BIOGRAFIA
o jovem stálin
simon sebag Montefiore Companhia da letras
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INDICAÇÕES COLETÂNEA
FaBrÍCio MarQuEs (org.)
sebastião nunes UFMG
A posição do poeta e escritor Sebastião Nunes é semelhante à de um conspirador que tenta utilizar as armas do sistema contra o próprio sistema, no caso as linguagens da poesia, do jornalismo e mesmo da publicidade contra os valores da chamada “sociedade de consumo”. Nunes não se encaixa em nenhum rótulo – é um autor inventivo e completamente idiossincrático, que consegue estabelecer uma parceria orgânica e não forçada entre as linguagens poética e visual. Este livro, organizado por Fabrício Marques, reúne farto material biográfico, entrevista, fotos e textos inéditos.
BIOGRAFIA
POLICIAL
PhiLiP norMan John Lennon – a vida
JÔ nEsBo Garganta Vermelha record
Quem gosta de thrillers cheios de surpresas vai se envolver nas páginas de Garganta vermelha. Jô Nesbo, o autor, é o que se pode chamar de um cara polivalente: além de economista e músico, tornou-se um dos escritores mais bem-sucedidos da Noruega desde que enveredou pelo romance policial e criou o detetive Harry Hole, um cara durão, com poucos amigos, muitos problemas e uma mente capaz de solucionar crimes difíceis. Nesta narrativa, eleita em 2004 pelos noruegueses como o melhor romance policial de todos os tempos, o detetive se vê às voltas com oficiais nazistas que lutaram no front russo na Segunda Guerra, e com misteriosos assassinatos em série.
Companhia das letras
INFANTIL
PauLo sanTos oLiVEira seis de Março Comunigraf
O casamento do pernambucano Domingos Martins e da portuguesa Maria Teodora conduz a trama do único movimento de libertação genuinamente brasileiro, a Revolução Pernambucana de 1817, que proclamou a Independência e a República e libertou escravos, até ser dissolvido, três meses depois. O livro infanto-juvenil situa o contexto político mundial, resgata a importância do mentor do movimento, Domingos Martins, e da criação da bandeira de Pernambuco.
Dos Beatles, o líder, sempre o mais ferino, o mais irônico e o mais polêmico. Nem Jesus Cristo escapou de sua verve. Nesta biografia, um tijolaço com mais de 800 páginas, autorizada por sua musa (?) Yoko Ono (que depois desancou a obra), o jornalista e biógrafo inglês traça um perfil realista do astro em que são mostradas, além de sua genialidade musical com o parceiro Paul Mc Cartney, versões controversas de uma vida misturada com narrativas de incesto, homossexualismo, tragédias pessoais e uso indiscriminado de drogas. Vida tão agitada e dinâmica que acabou nas mãos de um louco na noite fatídica de 8 de dezembro de 1980.
onde encontrar a continente EM ARACAJU – SE BANCA BANESPA – Praça Olímpio Campos, s/n BANCA IMPERADOR – Praça Augusto Cardoso, s/n BANCA MACIEL – Praça Olímpio Campos, s/n BANCA JARDIM ATLÂNTICO – Rua Rafael de Aguiar, s/n BANCA IMPRENSA – Praça da Imprensa, s/n BANCA ATHENEU – Rua Vila Cristina, S/N EM FORTALEZA – CE BANCA O SOBRAL – Rua Major Facundo, 1092, Centro BANCA N. SRA. DE NAZARÉ – Praça Gustavo Barrosa s/n, Liceu BANCA O BENIGNO – Av. Pedro Borges,193, Praça Ferreira, Centro BANCA PAVAN – Av. Santos Dumont, 3665, Aldeota REVISTARIA BRUGUELO – Av. Pe. Antônio Tormas,199, Centro BANCA RIVIERA – Rua Senador Pompeu, 1570, Centro BANCA LÍDER – Av. Barão de Studart, 2015, Aldeota REVISTARIA VIDA BELA – Av. Pontes Vieira,1486, Lj 02, S. José Tauapé EM JOÃO PESSOA – PB BANCA VIÑA DEL MAR – Parque Solon de Lucena, 64, Centro BANCA VIÑA DEL MAR – Av. Alm. Tamandaré, 999, Tambaú
BANCA TAMBAÚ FLAT – Av. Marcionila da Conceição, 1500, Tambaú BANCA NOVA VIDA – Av. Gal. Edson Ramalho, 100, Manaíra BANCA TAMBAÚ FLAT – Av. Marcionila da Conceição, 1500, Tambaú BANCA FRANCISCO DE ASSIS – Av. Gov. Flávio Ribeiro,115, Manaíra BANCA BRASILCOMERCIO VAREJISTA DE REVISTA – Rua Manoel Arruda Cavalcanti, 805, Manaíra EM MACEIÓ – RN BANCA ARARAS – Av. Fernandes Lima, 3700, Farol BANCA REVISTA E CIA IGUATEMI– Av. Gustavo Paiva, 2999, Mangabeira BANCA SABOR DE LER – Av. Dep. José Lajes , 184, Ponta Verde BANCA PAJUÇARA – Av. Dr. Antônio Gouveia, S/N, Pajuçara BANCA CENTENÁRIO – Praça Centenário, S/N, Farol BANCA PORTO SEGURO – Av. Fernandes Lima, 08, Farol BANCA PARADA OBRIGATÓRIA– Term. Rodov. João Paulo II, Feitosa BANCA PONTA VERDE – Av. Álvaro Otacílio s/n, Ponta Verde BANCA VERDE VISTA – Av. Álvaro Otacílio, s/n, Ponta Verde BANCA PARQUE JATIÚCA – Av. Roberto Mascarenhas de Brito , s/n, Jatiúca BANCA NACIONAL – Praça Montepiu, s/n, Centro BANCA JATIÚCA – Av. Álvaro Otacílio, s/n, Jatiúca
EM NATAL – RN BANCA CIDADE DO SOL – Av. Eng. Roberto Freire, 8750, Ponta Negra REVISTARIA CULTURAL – Av. Eng. Roberto Freire, 02, Ponta Negra BANCA BOA LEITURA – Av. Senador Salgado Filho, 1656, Lagoa Nova REVISTARIA ATHENEU – Av. Campos Sales, 382, Petrópolis BANCA CIDADE DO SOL – Av. Afonso Pena, s/n, Petrópolis BANCA PRÁTICA – Av. Afonso Pena s/n EM SALVADOR – BA BANCA AEROPORTO – Av. Centenário, s/n, Aeroporto ESPACIAL – Av. Oceânica s/n, Ondina ESPAÇO. CP BARRA 02 – Praça Azevedo Fernandes, s/n, Barra EXPANSÃO – Av. Centenário, 2992, Barra FC REVISTA – Rua Recife, Barra FROES – Rua Amélia Rodrigues, Graça HIPER BOMPREÇO – Av. Antônio Carlos Magalhães, Pituba PAULO VI – Av. Paulo VI, Pituba PLACAFOR – Av. Otávio Mangabeira, Piata PLANETA – Av. Otávio Mangabeira, Boca do Rio SANTANA – Largo de Santana, Rio Vermelho UNIDA – Rua José Duarte, Tororó
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Palco antunes filho Referência incontornável na encenação brasileira Aos 80 anos, 60 dos quais dedicados ao teatro, ele se mantém um criador em constante questionamento e renovação, como se pode constatar no projeto O universo de Antunes Filho texto Alexandre Figueirôa
o nome de Antunes Filho, entre
os encenadores contemporâneos, paira sobre nossas cabeças como um sol oferecendo luz e energia ao teatro brasileiro. Ao completar 80 anos, 60 dos quais dedicados ao palco, ele permanece como uma referência incontornável, movido pela inquietação e o desejo de mostrar aos que trabalham com ele e veem seus espetáculos, o quanto o teatro pode nos ensinar a viver. Para Antunes, “A vida é a peça fundamental”, portanto, tê-lo entre nós, durante uma semana, graças à iniciativa de Simone Figueiredo e a Ilusionistas Corporação Artística foi, sem dúvida, um presente
ao qual devemos ser gratos. O projeto, intitulado O Universo de Antunes Filho, reuniu uma série de atividades entre as quais a estreia nacional de A falecida Vapt Vupt, de Nelson Rodrigues, o espetáculo Foi Carmen, três montagens do Prêt-à-porter – fruto das pesquisas do Centro de Pesquisas Teatrais (CPT) do SESC São Paulo –, além de oficinas, palestras, mostra fotográfica, vídeos e a única incursão do diretor no cinema, o longa-metragem Compasso de espera. A carreira de Antunes Filho legou ao teatro nacional alguns de seus momentos mais fascinantes em termos de renovação cênica. Teve início da década de 1950, quando
ingressou no Teatro Brasileiro de Comédia – TBC e trabalhou ao lado de diretores como Ziembinski e Adolfo Celi. Sua estréia como diretor foi em 1953 com a peça Week-end, de Noel Coward, encenada no Teatro Íntimo Nicette Bruno. Em 1960, viajou para a Itália onde realizou estágio no Piccolo Teatro de Milão, com Giorgio Strehler. No período compreendido entre 1953 e 1963, dirigiu diversas montagens de autores consagrados, como García Lorca e Arthur Miller, e foi pouco a pouco aprofundando as suas preocupações com o trabalho do ator e a pesquisa estética. Mas foi, em 1964, com a encenação de Vereda da salvação, de Jorge de Andrade, que o seu projeto autoral, efetivamente, surgiu com intensidade ímpar e delineou os contornos de sua trajetória. O espetáculo, montado no TBC, provocou fortes reações do público e da crítica, acendeu polêmicas, mas, segundo o próprio Antunes, “Foi ali que ele nasceu” e por isso considera o seu trabalho mais importante pela ruptura provocada na sua própria maneira de encarar o teatro. No ano seguinte, pela primeira vez ele levou para a cena, na Escola de Arte Dramática – EAD, um texto
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“estou com a videoarte na cabeça. É uma linguagem contemporânea que trabalha com sobreposições, só que levo isto ao palco sem efeitos eletrônicos, usando apenas os atores” de Nelson Rodrigues, exatamente A falecida, obra que ele voltaria a encenar nos anos 1980 ao lado de outro texto do grande dramaturgo pernambucano, Os sete gatinhos, num projeto intitulado Paraíso Zona Norte.
incursão no cinemA
Durante o período do regime militar, Antunes flertou com o cinema e realizou Compasso de espera, um filme de 1968, que trata das contradições do negro na sociedade brasileira. Antunes considera a obra interessante apenas pelo tema tratado, mas confessa que, do ponto de vista cinematográfico, é algo irrelevante. “Gosto muito de cinema e nele fiz algumas experiências, influenciado por Godard. Contudo, não é uma obra significativa para mim.” De volta ao teatro, ele dedicou-se a montagens importantes, mesclando autores brasileiros com estrangeiros e trabalhando com atores renomados como Cleide Yáconis, Maria Della Costa, Raul Cortez, Eva Wilma, Paulo Autran e Stênio Garcia — uma espécie de amigo-irmão com quem compartilha uma grande amizade e respeito mútuo desde Vereda da salvação. Nesta fase também fez televisão, tendo
trabalhado com teleteatro nas extintas TV Tupi e Excelsior, onde dirigiu Bibi Ferreira, e na TV Cultura, quando encenou diversos autores brasileiros a exemplo de Oduvaldo Viana e Paulo Pontes. Em 1978, mais uma vez Antunes deu uma guinada em sua carreira e realizou Macunaíma, fruto de uma oficina teatral em torno da obra de Mário de Andrade. Para críticos e estudiosos, este seria o trabalho mais importante do diretor, graças ao êxito do processo de elaboração de uma obra dramática a partir de um texto literário e pela consolidação do seu método de interpretação. O reconhecimento da montagem pode ser traduzido pelo fato de ela ter se tornado, na época, o espetáculo brasileiro mais visto no exterior e também pelos inúmeros prêmios recebidos. A partir dessa experiência, Antunes preferiu ter nas suas montagens atores por ele formados, algo que culminou com a criação do CPT, um projeto financiado pelo Serviço Social do Comércio – SESC e que deu ao diretor a tranquilidade e liberdade para desenvolver uma série de experimentos e formular um gesto brasileiro na composição do ator,
algo visto em todos os espetáculos que montou desde então, entre os quais Nelson 2 Rodrigues, Romeu e Julieta, de Shakespeare, A hora e a vez de Augusto Matraga, baseado na obra de Guimarães Rosa, A Pedra do Reino, de Ariano Suassuna, Senhora dos afogados, de Nelson Rodrigues. Com humor e a serenidade adquirida no hábito amadurecido por todos estes anos de pesquisa e trabalho em torno de um projeto estético em permanente construção, Antunes Filho revelase um criador em constante questionamento, como podemos constatar nas perguntas respondidas por ele durante a entrevista no lançamento do seu projeto no Recife. continente Esta é a terceira vez que você monta A falecida, de Nelson Rodrigues. O que o fascina nesta obra do dramaturgo? Antunes A sua simplicidade. As obras simples são ótimas para experimentações. Existem 360 maneiras de levar uma peça para a cena e, ao escolhermos uma linha, sinto o quanto é pequeno fazer de um jeito só. Na montagem de 1989, usei um tratamento inspirado no universo junguiano e, agora, em A falecida Vapt Vupt, pretendo buscar algo diferente.
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as coisas. Quero questionar a própria linguagem teatral, colocando o drama numa multiplicidade de pontos de vista. Não sei se depois serei o mesmo. Achei uma delícia exercitar esta curiosidade de colocar o corpo no lugar do eletrônico. Se não for bom, ao menos provocará discussões. continente Esta mesma curiosidade está presente em Foi Carmen? Antunes Esse espetáculo foi pensado para saudar o centésimo aniversário de Kazuo Ohno e o desejo meu de trabalhar com o teatro Butô. Enquanto em A falecida Vapt Vupt temos o tempo comprimido, em Foi Carmen uso a idéia de tempo dilatado. Trabalho com o inconsciente da plateia, eu queria ter portais de silêncio. É algo que exige do espectador estar apto a ver a montagem teatral como um poema. É uma experiência melancólica, anticomercial, mas que tem muito apreço com a ideia de que o teatro começa quando se baixa o pano. Acho que acertei, pois foi considerado por muita gente o meu melhor espetáculo. continente Você não pensa em voltar a fazer televisão? Antunes Não. O teatro
continente Você criou um método de trabalho. Como percebe a repercussão disso na cena brasileira contemporânea? Antunes Acho que o que fazemos no CPT é lançar sementes. Não importa se quem passa por lá vai necessariamente fazer teatro. Sou uma mão que indica, mas, quando trabalhamos o ator, fazemos isso de forma intensa. Eu sou chato, exijo muita leitura e discutimos muito. No CPT tem também um centro de dramaturgia, já montamos textos surgidos lá. O que me interessa no teatro são as estruturas e o autor de teatro tem que saber mostrá-las. O importante é que estamos sempre criando e um passinho no teatro é um oceano Atlântico. O difícil é começar. O projeto Prêt-àporter é um reflexo dessa busca, valorizando o gesto e a palavra, transformando coisas simples em fatos significativos, pois quando saímos do teatro percebemos que a vida é mais importante.
Em Festival
CAEtAnA Em livro E pAlCo Depois de um período de entressafra, a história da rezadeira Benta que, após ter encomendado diversas almas, encontra a Morte em seu caminho, retorna aos palcos. A peça de Moncho Rodriguez e Weydson Barros Leal, cuja estreia foi em julho de 2004, é convidada especial do Festival de Teatro Brasileiro (FTB). O Teatro Vila Velha, em Salvador, receberá o espetáculo nos dias 1º, 2 e 3 de maio. Aracaju terá duas apresentações no dia 5 de maio, no Teatro Tobias Barreto. Vencedora de seis prêmios no Janeiro de Grandes Espetáculos, em 2005, e com três indicações ao Prêmio Shell, a história de Caetana agora está documentada no livro Uma história do teatro pernambucano daqui pr’ali e de lá pra cá, com texto dramático na íntegra e um diário de bordo escrito pelas atrizes Livia Falcão e Fabiana Pirro (foto). Tuca Siqueira/Divulgação
Palco
que fiz na TV foi ótimo, pois tive, por exemplo, a oportunidade de dirigir Bibi Ferreira uma vez por semana. Na TV Cultura tinha mais tempo para elaborar as coisas, mas sempre encontrava dificuldades de experimentar, pois a produção sempre me dizia “Não me venha com ideias”. Fui para a TV Globo fazer teleteatro e foi uma loucura e disse a mim mesmo “Nunca mais”, não queria ficar com uma ponte de safena. Isto é uma posição. O Bráulio Pedroso viveu essa experiência, depois que a TV começou a podá-lo, ele foi ficando triste e definhou.
Fred Jordão/Divulgação
Estou com a videoarte na cabeça. É uma linguagem contemporânea que trabalha com sobreposições, só que levo isto ao palco sem efeitos eletrônicos, usando apenas os atores. O espectador vai achar estranha a simultaneidade de ações, mas para mim é uma maneira nova de ver
Festival ii
pEçAs pErnAmbuCAnAs Além de Caetana (ver nota acima), Salvador (30/4 a 18/5) e Aracaju (4/4 a 24/5) recebem mais 10 espetáculos pernambucanos dentro do 8º Festival de Teatro Brasileiro – Cena Pernambucana. A seleção, feita por uma equipe curatorial, escolheu nove trabalhos que pudessem formar um painel representativo da produção cênica do Estado, entre 39 inscritos. Os selecionados foram: Samba no canavial, Conceição, A chegada da prostituta no céu, Outra vez, era uma vez, Historinhas de dentro, Anjos de fogo e gelo, Angu de sangue (foto), Corra, Fio invisível da minha cabeça. A peça Castanha sua cor também é convidada especial. O projeto propõe um intercâmbio interestadual a partir da seleção de espetáculos de um Estado para apresentação em outro. No ano passado, o Recife recebeu uma seleção de peças baianas.
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Ricardo Noblat escrever para quê? escrevo porque gosto de contar histórias. Aprendi a gostar ouvindo algumas contadas por minhas tias, por vizinhas mexeriqueiras das ruas da minha infância, e declamadas por vendedores de folhetos da literatura de cordel na praça do Mercado de São José. O mercado ficava perto da casa onde morei até meus 16 anos. Notícia nada mais é do que uma história capaz de interessar a muita gente. Jornalista conta melhor histórias do que as escreve. Quando escreve, subtrai-lhes a graça, a cor, o clima, a ambientação, o ritmo e tudo mais que possa transformar seus protagonistas em gente de carne e osso. Tem que ser assim? Não. É assim porque aprendemos com a imprensa norte-americana, em meados do século passado, que assim deveria ser. Quem nos ensinou a fazer assim em nome da objetividade e do mito da isenção absoluta já mudou de ideia. Concluiu que texto que não emociona, inquieta, instiga, mexe com a imaginação das pessoas e ajuda a pensar não é lido ou é pouco lido. Tudo que eu queria era escrever como se conversasse com um amigo calma e displicentemente, se possível deitado numa rede olhando o mar de Porto de Galinhas... Aí, sim, talvez viesse a gostar do que escrevo. E por gostar, entendesse por que insisto com uma tarefa que tanto me martiriza. Em texto de 1947, traduzido por Eva Paulino Bueno, o escritor inglês George Orwell resumiu em quatro as razões que impelem uma pessoa a escrever:
Ricardo noblat é jornalista
• Completo egoísmo. Desejo de parecer esperto, de ser comentado, de ser lembrado depois da morte. • Entusiasmo estético. A percepção da beleza no mundo exterior, ou, por outro lado, nas palavras e no seu arranjo correto. O desejo de compartir uma experiência que se sente que é valiosa e não deveria ser perdida. • Impulso histórico. O desejo de ver as coisas como elas são, de descobrir os fatos verdadeiros e de guardá-los para a posteridade.
No mural do quarto do meu filho mais velho, André, tem uma frase escrita à mão num pedaço de papel em meio a fotografias dele com parentes e amigos. A frase é esta: “O homem escreve para matar a morte”. Quer dizer: escreve com a pretensão de se manter vivo depois de morto. Escrevo movido basicamente por impulso histórico e propósito político. À falta dos outros listados por Orwell, são esses os verdadeiros motivos que explicam por que um jornalista é um jornalista – não é um escritor. Ser reconhecido como jornalista está de bom tamanho para mim.
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Saída
Arquivo pessoal
• Propósito político. O desejo de levar uma palavra em uma certa direção, de alterar a ideia de outras pessoas sobre o tipo de sociedade à qual elas devem aspirar.
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