Recordar Geninha

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José Sepúlveda 2


Ficha Técnica

Título Recordar Geninha Autor José Sepúlveda Fotos de Família Recolha de José Sepúlveda Capa, Arranjos e Formatação José Sepúlveda Revisão Amy Dine

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O Autor José Sepúlveda, nascido em Delães, Vila Nova de Famalicão, hoje a morar em Vila do Conde. Começou a escrever poesia cerca dos doze anos. No decorrer da sua carreira profissional trabalhou primeiro, como funcionário público e depois, durante 35 anos, como empregado bancário. Publicou em alguns jornais e revistas ao longo da sua carreira, atividade que continua a manter. Amante da literatura, administra os grupos do Facebook Solar de Poetas, Poetas Poveiros e Amigos da Póvoa e Casa do Poeta. Apoia vários projetos literários, promovendo a edição de autores em início de carreira, organiza e participa com regularidade em Saraus e Tertúlias, organizando e dando o rosto ao programa Mar-à-Tona em poesia, dos Poetas Poveiros e Amigos da Póvoa. Tem prefaciado e apresentado alguns autores. Participou em diversas Antologias portuguesas, brasileiras e italianas. Publicou dois livros de poesia, em formato tradicional de papel, e possui na sua Biblioteca de E-books disponíveis mais de trinta livros seus (poesia, música, genealogia, história e outros), além de muitas coletâneas de poesia, que organizou e apoiou, através dos grupos que criou e administra no Facebook.

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Mantém ainda publicações nos seus Blogs O Canto do Albatroz e Família Sepúlveda em Portugal. Produziu alguns trabalhos pessoais e participou noutros coletivos com colegas da Universidade Sénior do Rotary Club da Póvoa de Varzim, aonde foi professor voluntário durante mais de dez anos. Divulga e apoia outros grupos e programas de rádio cuja temática seja poesia.

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Geninha e Armando

Armando era alfaiate, um homem santo, Geninha era “enfermeira”, se dizia. Chamavam-lhe enfermeira pelo encanto Que transmitia em tudo o que fazia. Viviam lá na aldeia. E entretanto, A crise intensa assim o exigia, Meu pai foi procurar outro recanto Aonde reencontrar sua alegria.

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Rumou para Lisboa. A vida dura Que ali foi encontrar tornou mais pura A relação que entre os dois havia. E, com suor e lágrimas, um templo Aos poucos construíram para exemplo De netos e bisnetos, algum dia.

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Geninha

Geninha, de seu nome Eugénia Correia da Silva, nasceu no seio duma família numerosa, humilde e laboriosa. Tinha sete irmãos e era constituída por operários fabris, trabalhadores rurais e pessoas que abraçaram ofícios simples, como alfaiate, barbeiro ou sapateiro que com o seu labor auguravam encontrar os meios para duma forma independente conseguir a subsistência da família. Apesar dessa condição modesta, a família gozava dum estatuto de idoneidade junto da população. Na ausência de um historial da família e através de registos ancestrais de batismo, casamento e óbito, recuei no tempo e tentei traçar um perfil biográfico-genealógico que permitisse conhecer melhor alguns dos seus ancestrais.

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Foi assim que cheguei à geração dos seus tetravós e dos seus descendentes, sobre quem irei escrever a seguir:

Igreja de Santa Maria Madalena (Mosteiro de S. Bento), Santo Tirso

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Ascendência materna

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Ancestrais maternos António Pereira nasceu em Famalicão (S. Cristóvão de Cabeçudos). Casou com Joaquina Francisco, natural de Santo Tirso (S. Martinho de Bougado). Tiveram: Clemente Pereira da Silva, nascido c. 1834, natural de Vila Nova de Famalicão (S. Cristóvão de Cabeçudos). Casou com Ana Joaquina Silva, nascida em Vila Nova de Famalicão (S. Marinha de Lousado), residentes em Santo Tirso. Tiveram: Clotilde Pereira da Silva, nascida a 23 de junho de 1887, em Santo Tirso (Santa Maria Madalena). Faleceu a 1 de março de 1963, em Santo Tirso, Santa Maria Madalena. Das suas gerações falaremos a seguir.

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Ascendência paterna

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Ancestrais paternos Tetravós Manuel Correia nasceu em Santo Tirso. Era filho de Mateus Correia e de Maria Silva. Casou com Maria de Sousa, filha de José Luís de Sousa e de Custódia de Sousa. Viveram no lugar de Vilalva, em Santo Tirso.

Trisavós Manuel José Correia de Miranda nasceu no dia 25 de março de 1783, em Santo Tirso (S. Maria Madalena) e foi batizado no dia 30 do mesmo mês e ano na Igreja de Santa Maria Madalena, do Mosteiro. Era filho de Manuel Correia e Maria Sousa, neto paterno de Mateus Correia e Maria Silva e materno de José Luís de Sousa e Custódia Dias. Eram assistentes nas azenhas do Mosteiro. Foram padrinhos o avô paterno, Mateus Correia, e a avó, Custódia Dias. Era jornaleiro. Casou com Gertrudes de Souza Festa, natural de Santo Tirso, filha de José Bento de Campos e de Ana Maria Festa.

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Registo de Nascimento de Manuel José Correia de Miranda

Bisavós Vicente Correia de Miranda nasceu a 14 de Maio de 1853, em Santo Tirso (S. Maria Madalena). Foi filho de Manuel Correia de Miranda, jornaleiro, e de Gertrudes de Sousa Festa, jornaleira, ambos naturais da freguesia de Santa Madalena, Santo Tirso, neto paterno de Manuel José Correia e de Ana Maria de Sousa e materno de José Bento de Campos e de Ana Maria de Sousa, jornaleiro. Casou com a idade de vinte e oito anos, no dia 18 de agosto de 1881, na Igreja de Santa Maria Madalena, em Santo Tirso, com Ana Joaquina, natural de Santo Tirso (Santa Maria Madalena), solteira, com vinte e três anos de idade, filha de Manuel

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Pinheiro e de Josefa Joaquina Campos, ambos moradores no lugar de Pinheirinho, em Santo Tirso, de onde eram naturais. Era neta paterna de António Pinheiro e de Quitéria Maria, da freguesia de Burgães e materna de Manuel José Pereira e de Tereza Maria, de Santo Tirso. Faleceu às cinco horas da manhã do dia 16 de outubro de 1879, no lugar do Penedo, freguesia de Santa Maria Madalena, com a idade de quarenta anos. Encontra-se sepultado no cemitério de Santo Tirso.

Registo de casamento de Vicente Correia da Silva

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Registo de óbito de Vicente Correia da Silva

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Avós Bernardino Correia de Miranda nasceu no dia 9 de setembro de 1862, às 11 horas da noite, e foi batizado no dia 14 na Igreja de Santa Maria Madalena. Primeiro filho de Vicente Correia de Miranda, jornaleiro e de Ana Joaquina, ambos naturais de Santo Tirso e residentes no lugar do Pinheirinho. Era neto paterno de Manuel Correia de Miranda e de Gertrudes de Sousa Festa e materno de José Benta de Campos e de Ana de Sousa Festa. Foi padrinho Bernardino Fernandes Viana, viúvo, caiador, natural de Santo Tirso, morador no lugar da Rua, e madrinha Maria Carvalha, casada, natural da freguesia de Sequeirô e moradora no lugar do Pinheirinho, em Santo Tirso. Faleceu a 8 de março de 1936. Casou a 31 de maio de 1885 na Igreja de Santa Maria Madalena, com Balbina Rosa de Miranda, nascida cerca de 1858, natural de S. Martinho de Sequeirô.

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Registo de Nascimento de Bernardino Correia de Miranda

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Registo de Casamento de Bernardino e Balbina Rosa

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Pais Luís Correia de Miranda nasceu às duas horas e meia da tarde do dia dezasseis de agosto do ano de 1886 e foi batizado no dia dezassete na Igreja Paroquial de Santa Maria Madalena, em Santo Tirso. Era filho de Bernardino Correia de Miranda, com a profissão de jornaleiro, natural da mesma freguesia, e de Balbina Rosa, também jornaleira e natural de Santo Tirso, nascida na freguesia de S. Martinho de Sequeirô, ambos moradores no lugar da Ponte Velha, neto paterno de Vicente Correia de Miranda e de Ana Joaquina e materno de Bento Machado e de Florinda Rosa. Foi seu padrinho José Maria de Sousa Azevedo Júnior, solteiro, solicitador e madrinha Francisca Rosa, jornaleira. Casou no dia 24 de novembro de 1906, na Igreja de Santa Maria Madalena, em Santo Tirso, com Clotilde Pereira da Silva, ele com a idade de vinte anos, solteiro, alfaiate, então morador na rua da Torrinha, freguesia de Cedofeita, no Porto, ela com a idade de dezanove anos, solteira, fabricante, natural de Santo Tirso e então moradora na Rua de S. Bento, filha de Clemente Pereira da Silva e de Ana Joaquina. Fez parte desde a sua fundação dos Bombeiros Voluntários Tirsenses (bombeiros amarelos), tendo ali assumido cargos que não conseguimos apurar. Faleceu pelas catorze horas do dia 28 de janeiro de 1940 e foi sepultado no cemitério local.

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Registo de Nascimento de Luís Correia de Miranda

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Registo de casamento de Luís e Clotilde

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Luís Correia de Miranda

Tu foste o avô que nunca conheci; Nasceste em berço humilde, muito honrado, Um homem te fizeste, enfim, por ti, Mas sempre com Clotilde do teu lado. Foi quando o teu espírito altruísta Ao corpo de bombeiros se entregou, Degrau após degrau, sem dar na vista, A cargos importantes te levou. Geninha, a tua filha, te seguia E nos bombeiros, sempre que podia, Naquele bar deixava o seu sorrir. E foi então que, no galgar do tempo, Tocaram a “sirene” e num momento O “Comandante” teu se fez ouvir.

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Clotilde Pereira da Silva, a sua esposa, nasceu no dia 23 de junho de 1887 e foi batizada no dia 4 de Setembro de 1887 na Igreja de Santa Maria Madalena.

Registo de Nascimento de Clotilde Pereira da Silva

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Avó Clotilde

O teu olhar tão triste, tão cansado, Me fala do sofrer que vive em ti E esse andar já trôpego, pesado, Me diz que o teu viver não te sorri. Ai, minha avó, eu sento-me ao teu lado E fico sem saber o que fazer E nem o meu abraço dedicado Te faz sorrir, te dá algum prazer! Saltito, brinco. dizes com carinho: - Ai, quem me dera ter, meu bom netinho, As pernas e a genica que há em ti! O meu corpito, frágil, delicado, Te abraça... E num silêncio apaixonado, Te diz: - Minha avozinha, estou aqui!

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Bombeiros Tirsenses O avô Luís esteve no início da formação dos Bombeiros Amarelos de Santo Tirso. Geninha, embora ainda jovem (doze anos) gostava de o acompanhar quando este ia para o quartel. Ali, dava a sua ajuda no funcionamento do bar. “A Associação Humanitária dos B. V. Tirsenses, usualmente conhecida pelos “Amarelos” que corresponde também à cor principal das suas viaturas, foi fundada em 31 de Dezembro de 1929 e reconhecida por alvará emitido pelo Governo Civil do Porto em 5 de Março de 1930. O seu batismo de fogo data de 31 de Dezembro de 1930 e curiosamente a Corporação acorreu a um sinistro deflagrado numa freguesia do vizinho Concelho de Vila Nova de Famalicão. O acorrer, constante, a todo o tipo de sinistralidade ao longo da sua existência têm exigido dos seus voluntários uma preparação física e técnica, que os obriga a uma constante e permanente instrução para uma melhor operacionalidade. A preparação física começa em 1931 apresentandose então para competir em provas de remo e natação. Em 1954 apresentam-se em vários torneios de ténis de mesa e, mais recentemente em provas de atletismo e futebol. No campo cultural a Associação promoveu vários espetáculos de teatro-revista que constituíram o gérmen para que a coletividade criasse o seu próprio

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grupo cénico, tendo levado à cena com êxito assinalável duas revistas – 1954 “Fogo Preso” e 1956 “Arco Íris”. Inscrita na Liga dos Bombeiros Portugueses em 1934, nesse mesmo ano fez-se representar na Grande Parada de Bombeiros, organizada pelo Jornal “Diário de Notícias” e realizada na cidade do Porto. Os Bombeiros Amarelos foram ao longo dos anos distinguidos com os mais variados louvores, sendo de destacar o primeiro em 01 de Dezembro de 1937 pela Associação Industrial e Comercial de Vila Nova de Famalicão, pela sua atuação num gigantesco fogo ocorrido em vários estabelecimentos comerciais daquela localidade. Pelas suas Bodas de Prata foi-lhe conferida a Medalha de Ouro de 2 estrelas, para, volvidos 5 anos ter tido a honra de ser visitada pelo então Ministro do Interior que condecorou o seu estandarte com a Comenda da Ordem de Benemerência. A nível concelhio possui a Medalha de Prata “Reconhecimento” e a Medalha de Ouro “Honra”, concedidas pela Câmara Municipal de Santo Tirso. Em 1979 iniciou-se a construção do novo QuartelSede pois as suas antigas instalações não permitiam aquartelar pessoal e material quer em termos de operacionalidade, quer em apoio logístico. Foi já nas novas instalações ainda inacabadas que se realizou a Sessão Solene do Encerramento do seu 50º Aniversário. Vicissitudes de vária ordem não permitiram a conclusão célere do novo quartel que só veio a ser inaugurado em 20 de Março de 1988 por S. Exª o Vice Primeiro Ministro Eng.º Eurico de Melo. A partir de 27


então a Associação restruturou-se e remodelou-se em quantidade e qualidade, sendo presentemente o único local disponível com auditório na Cidade de Santo Tirso, para uma capacidade superior a 500 pessoas. Presentemente dispõe um total de 38 viaturas de especialidades várias, sendo 18 viaturas de saúde e 20 viaturas de incêndio e outros. O Corpo de Bombeiros é atualmente composto por 160 elementos dos quais 120 são voluntários e 40 pertencem à n/ Fanfarra. Em 11 de Janeiro de 1997 a Associação Humanitária dos B. V. Tirsenses honrou por sua iniciativa Santo Tirso, ao organizar o Congresso da Liga dos Bombeiros Portugueses. Foi acontecimento ímpar e histórico para o Concelho de Santo Tirso. Entretanto a Associação veio a adquirir as instalações do seu antigo Quartel e aí instalou a “Clínica dos Tirsenses” que veio a ser inaugurada em 13 de Março de 1999. Aí funcionam várias áreas de saúde, convencionadas com o SNS, especialmente vocacionadas para destinatários de fracos recursos económicos.” Texto grifado extraído da página da Associação

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Luís e Clotilde tiveram oito filhos: 1. Albina Correia da Silva 2. Luís Gonzaga Correia da Silva. Casou com Maria Patrocínia Miranda. Viviam em Santo Tirso. Tiveram: 2.1. Fernando 2.2. Júlia 2.3. Fernanda 2.4. Carlos 3. Alfredo Correia da Silva. Casou com Albina Miranda. Viviam em Santo Tirso. Tiveram: 3.1. Luís 4. Maria Correia da Silva nasceu a 25 de setembro de 1909. Faleceu a 4 de janeiro de 2002. Casou a 1 de dezembro de 1937 com Manuel Francisco Ferreira Paciência. O marido faleceu a 24 de julho de 1993, em Santo Tirso, aonde viviam, Tiveram: 4.1. Manuela 4.2. Luís 5. Ana Correia da Silva nasceu a 17 de setembro de 1907. Faleceu a 14 de janeiro de 1972. Casou a 13 de janeiro de 1936 com Hilário Carvalho da Costa. Viviam em Santo Tirso. 29


Tiveram: 5.1. Armindo 5.2. Luís 6. Maria de Lurdes Correia da Silva. Casou com Armindo Bento Sineiro. Viviam em Vila do Conde. Tiveram: 6.1. António 6.2. Adelino 6.3. Manuel 6.4. Eugénia 6.5. José 7. Maria Celeste Correia da Silva. Casou com José da Silva Maia. Emigraram para França, onde faleceram. Tiveram: 7.1 Maria de La Salette 7.2. José Manuel 7.3. António 8. Eugénia Correia da Silva. Casou com Armando Sepúlveda. Viviam na Póvoa de Varzim (segue).

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Da sua geração falarei a seguir.

Santo Tirso, Parque D. Maria II

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Geninha, descendência Eugénia Correia da Silva (Geninha) nasceu no dia 29 de fevereiro de 1924, em Santo Tirso. Faleceu a 9 de março de 1975, na Póvoa de Varzim. Casou a 1 de dezembro de 1945, na Igreja de Santa Maria Madalena, em Santo Tirso, com Armando Sepúlveda, nascido em 1 de fevereiro de 1920, em Fafe, filho de Emília Sepúlveda e de pai incógnito (João da Silva Soares, que nunca o perfilhou). Faleceu a 9 de janeiro de 1994, na Póvoa de Varzim. Encontram-se sepultados no jazigo de família, no cemitério da Póvoa de Varzim. Tiveram os seguintes filhos:

Registo de Casamento de Eugénia Correia da Silva

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Ema Manuela Correia Sepúlveda 8.1. Ema Manuela Correia Sepúlveda nasceu a 18 de setembro de 1946, em Delães, Vila Nova de Famalicão. Faleceu a 4 de janeiro de 2017. Está sepultada no jazigo de família, no cemitério da Póvoa de Varzim. Casou com Joaquim Emídio dos Santos Costa, nascido a 10 de agosto de 1943, em Azurara, Vila do Conde.

Casamento de Ema e Emídio. Foto de Família

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Tiveram os seguintes filhos: 8.1.1. José Luís Sepúlveda Costa nasceu a 14 de maio de 1970, em Vila do Conde. Casou com Sidineia Yamagushi. Tiveram: 8.1.1.1. Melissa Yamagushi Costa nasceu a 3 de setembro de 2001, no Porto. 8.1.1.2. Mariana Yamagushi Costa nasceu a 27 de outubro de 2003. Divorciou-se de Sidineia e casou agora com Teresa. 8. 1.2. Maria Luísa Sepúlveda Costa nasceu a 16 de junho de 1973. Casou com Sharbel Malak Jabro, nascido a 12 de janeiro de 1980, na Síria. Tiveram os seguintes filhos: 8.1.2.1. Miguel Malak Costa Jabro nasceu a 22 de fevereiro de 2013, no Porto. 8.1.2.2. Ema Soad Costa Jabro nasceu a 12 de novembro de 2014, no Porto.

Bolo de Natal feito por Ema

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Maria Otília Correia Sepúlveda

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8.2. Maria Otília Correia Sepúlveda nasceu a 25 de outubro de 1947, em Delães, Vila Nova de Famalicão. Casou com Miguel Alberto Ferreira da Silva, nascido a 12 de novembro de 1945, em Angola (Bailundo). Tiveram os seguintes filhos: 8.2.1. Lígia Manuela Sepúlveda Ferreira da Silva nasceu a 8 de setembro de 1972, na Póvoa de Varzim. Casou com Guilherme José Rito Figueiredo. Tiveram os seguintes filhos: 8.2.1.1. Inês Sepúlveda Silva Rito de Figueiredo nasceu a 3 de julho de 2003. 8.2.1.2. Raquel Sepúlveda Silva Rito de Figueiredo 18 de dezembro de 2008. 8.2.2. Eugénia Maria Sepúlveda Ferreira da Silva nasceu a 18 de novembro de 1975. Faleceu a 13 de dezembro de 1975. Está sepultada no jazigo de família, no cemitério da Póvoa de Varzim. 8.2.3. Miguel Ângelo Sepúlveda Ferreira da Silva nasceu a 20 de novembro de 1976. Casou com Mónica Luísa Ribeiro da Silva, da qual se divorciou. Vive atualmente com Silvia Beti. Tiveram: 8.2.3.1. Diana Beti Sepúlveda Ferreira da Silva nasceu a 14 de abril de 2010. 8.2.4. Paula Alexandra Sepúlveda Ferreira da Silva nasceu a 23 de agosto de 1984. 36


Atrás: Miguel, Otília e Lurdes À frente: Paulinha e uma amiga

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Maria de Lurdes Correia Sepúlveda 8.3. Maria de Lurdes Correia Sepúlveda nasceu a 10 de outubro de 1948, em Delães, Vila Nova de Famalicão. Casou com João Albano Nunes Ribeiro, nascido a 7 de março de 1945, na Póvoa de Varzim.

Casamento de Lurdes e João

Tiveram: 8.3.1. João Albano Sepúlveda Ribeiro nasceu a 3 de outubro de 1973. Casou com Liliana Araújo Ramos Sequeira. Tiveram: 8.3.1.1. Gabriel Sequeira Sepúlveda Ribeiro nasceu a 22 de setembro de 2005, na Póvoa de Varzim. Gémeo de Rafael. 8.3.1.2. Rafael Sequeira Sepúlveda Ribeiro nasceu a 22 de setembro de 2005, na Póvoa de Varzim. Gémeo de Gabriel. 38


Divorciou-se. Viveu depois com Giovanna Marra, nascida a 20 de março de 1976. Tiveram: 8.3.1.3. Diogo Marra Moreira Sepúlveda Ribeiro nasceu a 28 de maio de 2010. 8.3.2. Nuno Sepúlveda Ribeiro nasceu a 13 de junho de 1975. Solteiro. 8.3.3. Maria de Lurdes Sepúlveda Ribeiro nasceu a 26 de junho de 1982. Casou com Hugo António Cerqueira Luz. Tiveram 8.3.3.1. Ana Lua Ribeiro Luz nasceu a 28 de Agosto de 2013. 8.3.3.2. Noa Ribeiro Luz nasceu a 7 de dezembro de 2017.

Bodas de Prata

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José Luís Correia Sepúlveda Árvore Genealógica

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Casamento de José e Anita

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José Luís Correia Sepúlveda 8.4. José Luís Correia Sepúlveda nasceu a 6 de abril de 1950, em Delães, Vila Nova de Famalicão. Foi empregado bancário. Casou com Ana Maria Dine Falcão Sincer, filha de José Pedro Falcão Sincer e de Maria Amélia Xavier de Brito Ghira Dine. Foi professora de desenho, francês e ciências naturais. Tiveram:

Luís, Miguel e Pedro

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José Luís Dine Falcão Sincer e Sepúlveda

Casamento de Luís e Nela

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8.4.1. José Luís Dine Falcão Sincer e Sepúlveda nasceu a 26 de outubro de 1974, em Vila do Conde. Exerce a profissão de enfermeiro. Casou a 28 de março de 1999, em Vila do Conde, com Maria Manuela de Oliveira Teles. Educadora de infância. Não exerce. Não têm filhos. Vivem em Valongo.

Luís e Nela

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José Miguel Dine Falcão Sincer e Sepúlveda

Casamento de Miguel e Telma Casamento de Miguel e Telma

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8.4.2. José Miguel Dine Falcão Sincer e Sepúlveda nasceu a 28 de dezembro de 1975, em Vila do Conde. Empregado de escritório. Casou a 14 de fevereiro de 1997 com Telma Cristina Meneses de Oliveira, nascida a 17 de abril de 1978 em Leiria. É doméstica. Vivem em Chão de Couce (Ansião). Tiveram: 8.4.2.1. Hugo Miguel de Meneses Sincer e Sepúlveda nasceu a 10 de novembro de 2004, em Coimbra. 8.4.2.2. Abigail de Meneses Sincer e Sepúlveda nasceu a 9 de setembro de 2014, em Coimbra.

Telma, Abigail, Miguel e Hugo

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José Pedro Dine Falcão Sincer e Sepúlveda

Casamento de Pedro e Eunice

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8.4.3. José Pedro Dine Falcão Sincer e Sepúlveda nasceu a 9 de abril de 1979, no Porto. Técnico de robótica e eletricidade. Casou com Eunice Maria de Sousa Pereira, nascida a 12 de abril de 1985, em Vizela. Doméstica. Vivem em Vizela. Tiveram: 8.4.3.1. Joana Pereira Sincer e Sepúlveda nasceu a 6 de outubro de 2005. 8.4.3.2. Martim Pereira Sincer e Sepúlveda nasceu a 7 de agosto de 2008. 8.4.3.3. Marcos Pereira Sincer e Sepúlveda nasceu a 4 de setembro de 2012. 8.4.3.4. Pedro Pereira Sincer e Sepúlveda nasceu a 10 de janeiro de 2016.

Atrás: Joana, Pedro, Eunice e Pedrito. À frente: Marcos e Martim

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Família de José Luís e Anita reunida em Guimarães, Natal de 2018

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Olga Fernanda Correia Sepúlveda

Casamento de Olga e Jorge

8.5. Olga Fernanda Correia Sepúlveda nasceu a 23 de dezembro de 1959, em Delães, Vila Nova de Famalicão. Foi empresária. Casou com Jorge Alexandre Batista Ferreira, nascido a 31 de janeiro de 1953. Tiveram: 50


8.5.1. Eugénia Marta Sepúlveda Batista Ferreira nasceu a 20 de fevereiro de 1981, na Póvoa de Varzim. Vive com Rui Batista, nascido a 4 de janeiro de 1968. 8.5.2. Carla Filipa Batista Ferreira nasceu a 30 de outubro de 1984, na Póvoa de Varzim. Vive com Luís Miguel Freitas Torres, nascido a 19 de janeiro de 1975. Tiveram: 8.5.2.1. Mariana Sepúlveda Ferreira Torres nasceu a 15 de dezembro de 2011. 8.5.3. Olga Alexandra Sepúlveda Batista Ferreira nasceu a 25 de dezembro de 1987, na Póvoa de Varzim. Vive com Bruno Lindo, nascido a 16 de junho de 1987. Tiveram: 8.5.3.1. Gonçalo Sepúlveda Lindo nasceu a 15 de março de 2018.

Bodas de Prata de Olga e Jorge

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Maria Paula Correia Sepúlveda

Casamento de Maria Paula e Manuel João

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8.6. Maria Paula Correia Sepúlveda nasceu a 20 de novembro de 1963, na Póvoa de Varzim. Casou com Manuel João Moreira Oliveira, nascido a 4 de setembro de 1956, em Angola. Tiveram: 8.6.1. (Acesso reservado). 8.6.2. Joana Sepúlveda Oliveira nasceu a 6 de junho de 1998, em Vila do Conde. Faleceu a 4 de Novembro de 2020.

Casamento de Maria Paula e João

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Joaninha O teu sorriso lindo, querubim, Que voa e pousa ainda em cada flor, Irá permanecer no tal jardim Que um grande amor criou ao teu redor. No teu perene voo, foste assim Enchendo o teu jardim de luz e cor, Beijaste o malmequer e o jasmim E espalhaste em nós um grande amor. E quando o sol poente enfim chegou E nesse mar imenso repousou, O teu sorrido lindo, delicado, Beijando o céu e a lua, noite dentro, Se transformou num terno pensamento, Que assim te faz presente ao nosso lado!

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Pirilampo O pirilampo é uma espécie rara Que vive entre a família da joaninha; Seu brilho a treva longa torna clara Nas horas em que a noite se adivinha. Assim, a Joaninha, que nos grita Do lar do seu silêncio e se insinua Num voo em liberdade onde se agita E junta a sua luz à luz da lua. O brilho desse imenso coração, Agora em sua paz, é a expressão Do mais genuíno amor que à dor resiste. Vá, lindo pirilampo, voa, voa, Agita as tuas asas, brilha à toa, Reflete em nós a luz que em ti existe!

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Geninha, uma História de Vida Quando folheio as páginas deste livro, é essa a imagem que quero manter dela: Olhar carinhoso, cheio de juventude, que tentava em todos os atos da sua vida manter uma postura de cordialidade, carinho e confiança, predicados que nos acompanharam no decorrer de toda a sua vida. Quanto sofrimento vivido na manhã daquele dia seis de abril, uma quinta feira, cerca das oito horas da manhã. D. Dália, a enfermeira que assistia ao parto, corria desenfreada de nossa casa para a casa de Bininha, o outro rebento que disputava comigo quem nasceria primeiro.

Vagidos magoados, Uma lágrima de alegria Vista nos olhos de quem sofreu… E acordei, Fui eu, O bafo da vida que te bateu… E do amor nasci!

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Delães O casamento Depois da morte da primeira esposa, Armando reconstituiu com Geninha a sua vida e foi ali que viveu, até se transferir para Lisboa e depois para a Póvoa de Varzim. Conheceu Geninha, em Santo Tirso. Seria ela a mulher que viria a ser a sua dedicada companheira ao longo da vida. Tão jovem ainda, chegara à Portela (Delães), para iniciar a sua nova etapa, uma vida a Geninha dois. Para trás, ficavam a vida simples que vivia em Santo Tirso, o trabalho fabril, os pais e irmãos. E os filhos não se fizeram esperar, seis ao todo. Juntou-se a essa prole, Esperança, minha tia paterna, que o meu pai veio a acolher e criou como se filha fosse. Só sairia lá de casa, quando um dia se casou.

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O Meu Nascimento Geninha conheceu no Areal, Em Santo Tirso. Dessa relação, Seis filhos lhes nasceram. No final, De todos, fui o único varão. A Ema, a Tila, a Lurdes - estas três E eis que vi chegada a minha vez! Entre o enorme rancho de filhos que Geninha e Armando geraram, apenas eu fui do sexo masculino. Cinco mulheres, três antes de mim, Ema, Otília e Lurdes, e duas depois, Olga e Paula. Na foto abaixo, a Paulinha ainda não tinha nascido. Só veio a nascer quando já estávamos a residir na Póvoa de Varzim.

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Milagre da vida

O sol já despontava nesse dia E a parteira sai toda afanada Para assistir com rasgo e ousadia Dois partos, ali mesmo junto à estrada. Com zelo imenso, ansiosa, se perdia, Correndo espavorida e apressada, P’ra ver qual a criança que nascia Primeiro nessa longa madrugada. E enquanto D. Dália não surgia, A pobre da Geninha se insurgia, Se contorcia em preces para o céu. Do outro lado, Rosa se esvaía Ao ver que a sua Bina não paria... E eis que de repente nasci eu!

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Momento

Perdido no tempo Em dado momento Em dores nascia Ali na Portela Na noite singela Geninha paria. Na porta do lado Passado um bocado Rosinha gemia Na noite perene Momento solene Balbina surgia. Perdidos no tempo Ao frio e ao vento Novas de alegria Coisas do destino Menina e menino Os dois num só dia.

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Geninha era um encanto. Trabalhava No Posto de Saúde - Auxiliar. Mas toda a gente, quando lá chegava, Por “enfermeira” a haviam de a tratar. O seu afável trato, delicado, Lhe dava o estatuto desejado. Depois, foi toda uma vida de constrangimentos e de preocupações. Mas Geninha estava sempre lá, atenta, presente, pronta a acorrer a qualquer situação que surgisse, qual mãe galinha que não abandona as suas crias. . Foi ela a mãe, a companheira, a amiga, às vezes a confidente, aquela que se fazia presente em todos os atos da nossa vida.

As Canseiras da vida Recordo-me de a ver naquele seu passo acelerado, do Posto Médico para casa, para verificar em que situação estavam as refeições que a Esperança (minha tia) tinha ficado a preparar lá na humilde casinha da Portela, e providenciar qualquer necessidade que viesse a surgir, de modo a que tudo estivesse bem quando o pai Armando viesse da alfaiataria, ali mesmo ao lado, para a merecida refeição e alguns momentos de descanso. Ali estava Tarzan, o nosso gato persa, de cor cinza, farto e peludo, à sua espera, a aguardar o momento de lhe saltar para o colo e com ele partilhar a refeição. Um ritual que se tornou indispensável podermos assistir com um sorriso largo. 61


Tarzan, o Nosso Gato

Tarzan, um gato persa avantajado, Duma cor cinza-escuro tão macia, Corria toda a casa e em todo o lado, Andava à solta, cheio de alegria. Mas entre as manhosices que ele tinha, Criou dentro de si esta mania Andar p'la capoeira da Geninha Fazendo dos seus frangos iguaria. Pobre Tarzan, num certo desvario, Levado foi pra longe, além do rio... E a paz voltou à capoeira em brasa. Eis senão quando, após uma semana, Cansado, remelado, mia e chama, E cheio de saudades volta a casa!

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Esperança Além da nossa prole, ainda havia Uma outra irmã sem ser que, na verdade, A Esperança era nossa tia Que meu pai adotou com tenra idade. Mas não foi nossa tia, tão-somente, Foi nossa irmã, p’ra nós, p’ra toda a gente. Esperança era a nossa tia. Embora apenas com mais cinco anos que a Ema, veio viver connosco e era acarinhada por todos como se de uma irmã se tratasse. Estávamos no limiar de 1946. O pai Armando, sempre que podia, dava um salto a Trás-os-Montes, a Boticas, ao Eiró ou a Sanguinhedo, na sua velha Pachancho, para matar saudades da família. Nunca soube se algum dia se voltou a encontrar com a mãe, que faleceu em 1951. Soube, sim, que Aurélio, o seu padrasto, proibiu a mãe de se voltar a encontrar com ele. Mas as saudades apertavam e ele às vezes sentia a necessidade de ir visitar a família. Certa vez, resolveu trazer consigo Esperança, a irmã mais nova a fim de lhe tentar proporcionar condições que lhe trouxessem um rumo diferente à sua vida. 63


E lá veio ela para Delães. Apenas existia Emita, nascida havia pouco tempo, Já que Fernanda, filha do primeiro casamento de Armando com Conceição, ficara a viver com a madrinha, a Mindinha do Talho, conforme pedido da mãe, antes de falecer. E Esperança ali cresceu connosco como se fosse nossa irmã. Os seus cinco anitos ainda incompletos não proporcionavam grande ajuda lá em casa, mas sempre ia acompanhando Emita, sob o olhar distante de Armando, que da oficina, na ausência de Geninha, ia vigiando como podia. Com o passar dos anos, acabou por ser um bom apoio lá em casa. Era ela que ia arrumando a casa e cozinhando, na ausência da Geninha. Naquele tempo, as refeições eram cozinhadas por norma numa pequena máquina que funcionava a petróleo, a qual tinha uma pequena bomba de pressão, para avivar ou atenuar a chama. Um dia, na tentativa de adiantar a cozedura dos alimentos, Esperança exagerou no uso da bomba e a pressão aumentou de tal forma que a máquina acabou por rebentar. Uma onda de chamas espalhou-se ao redor e a pequena foi apanhada no meio daquela confusão, tendo sofrido queimaduras graves. Alertado, Armando logo acorreu, procurando ajuda. O certo é que as marcas desse acidente acabariam por marcar toda a sua vida, deixando-lhe grandes cicatrizes num dos braços. Mesmo assim, quando se curou, Esperança continuou a dar a sua prestação para que lá em casa tudo corresse harmoniosamente.

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As Nossas Camisolas de Tricot

Quando era pequenino, a Saluquita Tinha uma camisola igual à minha Bordada, colorida, tão bonita E tricotada a mão pela mãezinha E ao passear na rua ou no jardim Com nosso pai, felizes, toda a gente Olhava para si e para mim Com outro encanto, carinhosamente! E o nosso pai, cheiinho de vaidade, Irradiava paz, felicidade, Por ter-nos a seu lado... Mas não só! No seu olhar, aquele olhar singelo Da nossa mãe à tricotar com zelo As nossas camisolas de tricot! 65


Geninha tinha uma visão larga e não se poupava a esforços para que tudo corresse bem, apesar dos apertos de vida que surgiam com tanta frequência, e tudo fazia para que à família nada faltasse. Sempre que tinha uns momentos livres, dedicava-se a tricotar camisolas, cujos grandes beneficiários eramos por norma eu e Saluca, que ela adorava ver a passear em Guimarães com camisolas iguais. Armando passeava-nos pela rua de mãos dadas, com um sorriso largo, cheio de orgulho e gostava de nos levar aos Domingos à Quinta das Aves, para ver os jardins e os pássaros que ali havia em abundância e para que todos pudessem ver como eram lindas as camisolas que Geninha nos fazia. Era aos Domingos. Oh, que belas tardes A passear ao longo da Avenida! Seguíamos para a Quinta das Aves P'ra ver, jardins, as aves, quanta vida! E dessas tardes, cheias de magia, Resta a saudade, a paz, e a alegria!

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A Cozinha da Aldeia A cozinha de Delães era pequenina, um tanto acanhada. La estavam o negro fogão a lenha e a velha máquina a petróleo. Era nela que se preparavam as refeições do dia a dia. O fogão acendia-se para ocasiões especiais ou no fim de semana, para que Geninha se pudesse aprimorar na refeição de domingo que normalmente tinha sempre por detrás um saboroso assado. Não havia frigorífico nem banheira. Os alimentos eram conservados de forma variada, em frascos, como conservas ou doces, ou resguardados nos lugares mais frescos da casa. Quando havia necessidade de bebidas frescas, tínhamos a água acabada de extrair do poço que havia no exterior, cuja bomba era movida por uma grande roda com uma manivela, perigosa no seu manuseamento mas que fazia as nossas delícias quando apanhávamos uma oportunidade de a fazer girar. Era desse poço que se entraía a também a água para cozinhar ou para o apoio nas lavagens na cozinha, resguardada em cântaros de barro que a mantinham mais fresca. Era também dele que se extraía água para alimentar as bacias enormes, metálicas e revestidas com madeira, de que nos servíamos para a higiene regular e os nossos banhos. Em todo aquele bairro, o nosso quarto de banho era o melhor. Era também na cozinha que em tardes de primavera às vezes fazíamos os nossos petiscos, com algumas aparas que o Quinzito trazia lá do talho, para que pudéssemos gozar de os nossos momentos diferentes de lazer e divertimento. Esperança estava como sempre 67


disponível para nos preparar esses pitéus que depois eram partilhados por todos, da família ou pelos miúdos que andavam no terreiro a brincar. Tudo isso, sem que os nossos pais se apercebessem (pelo menos, era isso que pensávamos). O Quim Teixeira vinha lá do talho Trazia umas aparas que fanava E a Esperança, com azeite e alho, Na máquina a petróleo, as preparava. Com broa e água-pé, pela tardinha, A malta devorava a merendinha!

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No Natal Recordo-me bem daqueles vinte e quatro de dezembro, em que numa azáfama desenfreada Geninha preparava tudo para que as noites de consoada fossem memoráveis. E como ficaram vincadas em nós! Tudo começava com o acender do fogão a lenha ainda bem cedo. O grelhar do bacalhau para o almoço, bem regado com aquele azeite especial que o pai Armando descobria não sei aonde e salteado de saborosa cebola. Depois, era aquela azáfama, a tarde inteira, a preparar toda a doçaria. O Gonçalo bufa, o padeiro, já tinha trazido de véspera os cacetes de véspera, para que ficassem ressessos (secos) para as rabanadas. Ai, aquelas rabanadas, douradas e saborosas, que por maior quantidade que se fizesse, eram sempre poucas no dia de Natal. Nos degraus da escada que saía da cozinha, os mais pequenos entretinham-se a quebrar os pinhões, as amêndoas, as nozes, as avelãs, para os formigos que Geninha, desembaraçada, preparava. Depois era o frenesim da preparação dos doces: a aletria, o leite creme, os ditos formigos – noutros lugares chamavam-lhe mexidos - os sonhos, tanta e tanta coisa! Todos estávamos à espera, ansiosos, do momento em que Geninha vinha à porta da cozinha e gritava: - Zezé, Dinhas, venham aqui! – E lá íamos nós a correr. Era o rapar dos tachos. Como ficávamos contentes! Os tachos eram enormes e nós fartávamo-nos de rapar até que estes ficassem completamente limpos. 69


Depois, eram os preparativos para a refeição da noite de consoada: batata cozida com couves, cebola, cenouras e o saboroso bacalhau, sempre do bom, que o pai Armando tinha adquirido com antecedência. Seguiase a preparação do molho para o temperar, o azeite fervido com cebola e um pouco de vinagre que ao jantar era servido em malgas de barro e com o auxílio de uma colher. Que iguaria! E como não podia deixar de estar presente, o vinho tinto aquecido, adocicado, com uma mistura de maçã assada, que era servido à refeição também em malgas de barro. No fim, pela noite dentro, era a cantoria, o divertimento: o berimbau, uma pomba, o alecrim, o apanhar do trevo e uma infindável série de canções populares que nos enchiam de alegria. Essas tradições foram mais tarde levadas para a Póvoa, aonde com o tempo foram complementadas com a introdução do jogo do quino e outros passatempos que a época exigia. Belos tempos! Depois que Geninha partiu, nada voltou a ser como dantes, nunca mais!

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Natal na minha aldeia

Saudades dessa minha velha aldeia Perdida num recanto, lá no Minho... A natureza às vezes nos premeia Fazendo-nos lembrá-la com carinho. Como era bom entrar, a casa cheia, A árvore, os enfeites de azevinho E na lareira o fogo que se ateia Pra dar maior conforto ao nosso ninho! O pai Armando, alegre, dava o mote E toda a pequenada ia a reboque Cantando seu louvor ao Deus-Menino... E quando a noite vinha, já sem luz, Ansiosos esperámos Jesus Co’ as prendas para o nosso sapatinho!

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O Dia de Natal

Bem de manhã saltávamos da cama E íamos ao musgo, ao azevinho, Para montar a simples choupana Aonde aconchegar o Deus-Menino E, recolhidos líquenes e rama E enfeites que surgiam no caminho, Voltávamos felizes, com a chama P’ra iluminar o nosso pinheirinho E pela tarde, enquanto na cozinha A tia Pacha andava co'a Geninha Fazendo rabanadas, aletria, Partíamos pinhões, nozes e figos Para deitar por cima dos formigos, Rapando os tachos, cheios de alegria!

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O Tio Manuel Paciência Habituei-me a vê-lo de longe a longe, aos domingos de manhã, quando chegava ofegante na sua velha bicicleta pasteleira, depois duma longa caminhada de seis quilómetros, lá de Santo Tirso, para ver Geninha, a sua sobrinha querida. Trazia consigo abraços de saudade da família que parecia viver a uma distância enorme, notícias que ia recolhendo de lar em lar, como se fora um correio familiar. Encostava a velha pasteleira ao muro de granito bruto junto à porta, e entrava para a sala de jantar. Depois, enquanto Geninha preparava a refeição domingueira, melhorada já se sabe, sentado na cadeira (naquele tempo não havia sofás), ia desenrolando um novelo de notícias que tanto nos agradavam ouvir. O seu sorriso afável e brilhante, tornava-o numa figura agradável e muito querida. E quando às vezes falavam sobre os problemas da vida, ele sorria e respondia: - Paciência, Gena, paciência. Na verdade, encarnava a figura de um arauto que trazia novidades - boas ou más - de tudo o que se passava lá pela vila, notícias que nada tinham de coscuvilhice, mas antes, eram transmitidas dentro do maior espírito de respeito e carinho familiar.

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Às vezes, cruzava o seu olhar com o nosso (eu gostava de me sentar a seu lado a ouvir, cheio de curiosidade, o que nos trazia de novo). Quando não tinha novidades, contava velhas histórias. E de quando em quando adocicava-nos o bico com dois ou três rebuçados de tostão que faziam as nossas delícias. Fui encontrá-lo um dia mais tarde em Santo Tirso, lá no Areal, já desgastado pelas agruras da vida, entrevado, sentado numa cadeira de baloiço, aconchegado do vento, a arejar junto ao terraço da sua casa. Não lhe levei rebuçados de tostão, já não havia. Levei-lhe uma saca com bolachas, para o ajudar a passar o tempo, quando estivesse ao sol. O mosquedo que se fazia sentir era perturbante e não cessava de o importunar, ao que ele, com um sorriso, sacudindo os fastidiosos insetos como podia, olhava para nós, compreensivelmente incomodados com a sua situação e com o seu imperturbável sorriso, respondia: - Paciência, sobrinhos, o que é preciso é paciência. Venham ouvir a alma do poeta E descobrir a voz da sapiência Calçar as alpercatas do asceta E ouvir o seu conselho: Paciência!

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A Família Sineiro A família Sineiro terá tido a sua origem em António Bento (Sineiro), também conhecido por António José. O seu apelido dever-se-á ao facto de o mesmo ter sido o sineiro do Mosteiro de S. Bento. Alguns dos seus descendentes emigraram depois para o Brasil, aonde existe um extenso ramo da família. A seguir mostramos a descendência de António Bento Sineiro, com possíveis erros, dado a falta de documentação, mas que dará uma ideia do modo como a família se desenvolveu. A ligação familiar dar-se-á através de Joaquim Bento Sineiro, seu pai ou tio, que fez parte do grupo de fundadores dos Bombeiros Tirsenses (Amarelos). Exercia a profissão de amanuense na Câmara Municipal de Santo Tirso. Era jornalista, usando o pseudónimo de “Ipiranga”. Foi diretor e editor do periódico tirsense «O Gaio» (1913-1917). (Ver mapa genealógico, publicado com reservas). A tia Lurdes, irmã de Geninha, depois de casar com o tio Armindo Bento Sineiro, passado algum tempo, foi com a família viver para Vila do Conde. O marido encontrara emprego na Fábrica de Tecelagem Valfar, lá para os lados do Mosteiro de Santa Clara, e encontrou um lugar para se instalar com a família junto do bairro que a empresa construíra para os seus trabalhadores, mesmo em frente à antiga estação ferroviária de Vila do Conde, aonde se situa hoje o apeadeiro de Santa Clara, do Metro do Porto.

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Tinham cinco filhos: António (Toninho), Adelino (Lino), Manuel (Nelo), José e Eugénia (Gena). O Toninho, o Adelino e a Gena eram os que conhecia melhor. Todos eles, logo que atingiram a idade apropriada, foram trabalhar, alguns para a mesma unidade fabril. O tempo passou, casaram e como os seus pais - que entretanto faleceram - conseguiram encontrar habitações ou no bairro daquela unidade fabril ou noutro similar, ali perto, pertencentes à Caixa de Previdência. Com o tempo, aquela unidade fabril terminou a sua laboração e eles adquiriram essas habitações. Não demorou muitos anos para que se sentissem integrados no seu meio, transformando-se em presenças vivas entre as associações mais próximas, o Rancho do Monte e a Corporação de Bombeiros. Domingos, que entretanto se juntou ao grupo quando casou com a Gena – ou talvez ainda antes, não sei bem - foi também uma coluna forte entre eles. Gena era afilhada de Geninha, a minha mãe, e esta não podia deixar de estar presente no casamento da afilhada, levando atrás de si o marido e os filhos. Embora só raramente nos cruzássemos em reuniões ou convívios familiares, todas as vezes que isso esporadicamente acontecia, existia sempre entre nós um clima de grande amizade e cordialidade. Os elementos da família Sineiro eram presença viva e assídua nas festas da cidade, o S. João de Vila do Conde, participando sempre nos longos e atrativos cortejos etnográficos, os homens integrando a fan76


farra dos bombeiros, as mulheres, participando, engalanadas e garbosas, nos desfiles dos Ranchos, representando o do Monte, é claro, que disputava com o da Praça alcançar o lugar cimeiro entre as preferências do público. Quando na sua passagem na Avenida que dava à praia (nós estávamos quase sempre perto do tribunal para assistir ao desfile) amiúde se cruzavam connosco e trocávamos olhares, parecendo então que as suas forças se multiplicavam com entusiasmo. Cheios de alegria, lá iam fazendo rufar os tambores da fanfarra com toda a sua energia e boa disposição. Outra das suas atividades era colaborar com a equipa encarregada de projetar os filmes que eram exibidos no Cine Teatro Santa Clara, atividade que os acompanhou até ao encerramento daquele espaço cultural. Levado certamente pela nostalgia, Domingos ia lá uma vez por outra, para matar saudades ou ver como se desenvolvia a degradação do edifício e aproveitava para apanhar alguns pombos que por ali começaram a fazer ninho. Quem sabe assim se ao voltar a casa com alguns deles, não iria poder saborear um arroz de borracho a saltar do prato. Mas, naquele fatídico dia, foi diferente. Durante a perseguição a algumas pombas, o malogrado homem subiu até ao teto e, inadvertidamente, em vez de colocar os pés nas fortes e seguras traves de madeira que suportavam o mesmo, distraído, apoiou-se sobre o forro frágil de madeira que logo cedeu e o levou a estatelar77


se no chão, queda que lhe provocou a morte. Partida precoce e infeliz! No dia seguinte, quando acompanhava o cortejo fúnebre, acompanhando o Toninho, ao passarmos junto da sede do Rancho do Monte, ouvia-se no ar o som de uma melodia popular, com sabor a fado. Cruzei o olhar com o Toninho que, orgulhoso, me segredou. - É uma música composta pelo Domingos, ele era bom nisso, compôs diversas para o Rancho. Quiseram homenageá-lo. Quando já no cemitério, a família foi cumprimentada pelo presidente da autarquia, que se fizera presente e que quis assim manifestar-lhes publicamente o reconhecimento público pela forma dedicada como todos eles abraçavam com o seu apoio as associações locais, mormente, os bombeiros e o rancho do monte. Era também de algum modo uma forma de lhes mostrar a sua gratidão pelo empenho e entusiasmo que colocavam em tempos de campanhas eleitorais, em que o grupo no seu todo lhe manifestava um apoio muitas vezes incondicional. Um dia, soube pela Ema que o Toninho não andava bem. Meti-me no carro e fui visitá-lo. Ao ver-me, logo me reconheceu, lançando-me aquele sorriso largo de sempre. Mas o seu diálogo era agora difícil e às vezes pouco consistente, feito com muita dificuldade. - Alzheimer – murmurou baixinho. Senti-me algo incomodado, sem saber o que dizer. A minha presença parecia perturbá-lo, dado a vontade em querer dialogar e não o conseguir fazer. Foi então que decidi dar-lhe um longo abraço, uma palavra de esperança e despedimo-nos. Escassas semanas depois, chegou-me a notícia que falecera. Acompanhei-o 78


à sua última morada, o seu lugar de repouso. Lá estava de novo o presidente da autarquia, marcando a sua presença. Fazia-o muitas vezes. Cumprimentou-nos discretamente e lá foi à sua vida sem mais conversas. A família Sineiro, no seu modo simples de estar na sociedade, era e ainda hoje é formada por gente laboriosa e estimada não só pelos amigos, nas associações, mas também por uma elite social que vive ao redor e que sempre os mantém em grande apreço. Aliás, um outro José Bento Sineiro, familiar destes, nascido a 6 de março de 1898, em Santo Tirso, filho de Joaquim Bento Sineiro, agricultor, e Maria Rodrigues de Azevedo, emigrou para o Rio de Janeiro, Brasil e ali tem descendência. Essa a razão que nos leva a pensar que Joaquim Sineiro tivesse sido pai ou avô de Armindo Bento Sineiro, casado com Maria de Lurdes Correia da Silva, minha tia, que deram origem à família Sineiro de Vila do Conde.

Casamento de Eugénia, sobrinha e afilhada de Geninha, filha da sua irmã Maria de Lurdes, residentes em Vila do Conde.

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Família Sineiro

PS. Anteriormente à participação de Joaquim Sineiro nos Bombeiros Tirsenses (Amarelos), já o seu tio Manuel Bento Sineiro Júnior, amanuense da administração de José Adriano de Sousa Dias, tinha sido um elemento ativo nos Bombeiros Voluntários de Santo Tirso (vermelhos): 1888 vice-presidente da direção; 1898 2º. Comandante; 1902 comandante em exercício.

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Amadora Os tempos são de míngua, o pão esgota. E o pai Armando, triste, vai-se embora, Para a grande Lisboa. A Porcalhota, Foi seu destino, lá p’rá Amadora, Na Rua Pedro Franco leva a cruz, Num prédio inacabado, sem ter luz! Mas antes, na Rua Elias Garcia, Nós fomos atirados para um canto, Num quarto tão exíguo, nada havia, Depois, fomos p’rá Rua Pedro Franco Levamos nossos trastes de carroça E o riso não causava qualquer mossa! Recordo Geninha na Amadora, quando a família para ali se mudou, num esforço para usufruir de melhor qualidade de vida e estender essa qualidade aos filhos, mas a que não era também alheio o facto de Armando andar a ser avisado por alguns amigos sobre alguma vigilância a que estava a ser submetido pela polícia política, por ele ter demonstrado apoio público à candidatura à Presidência da República do então chamado o Homem Sem Medo, o General Humberto Delgado, em cuja campanha local colaborou. Quando a família se acantonou no quarto exíguo da Rua Elias Garcia, na zona então conhecida por Porcalhota, eu ocupava o meu tempo a brincar na rua, a ver voar o tempo, aonde conheci alguns amigos, que se tornaram a minha companhia, na ausência dos meus 81


familiares. Lembro bem ainda os irmãos Queirós, mais ou menos da minha idade, com quem fiz boa amizade. Pouco tempo depois, mudamo-nos para a Rua Pedro Franco, já a caminho de Venda Nova, na direção de Benfica. Após o almoço, eu e a Olguita acompanhávamos Geninha, em passo ligeiro, até ao Jardim da Amadora, aonde ficávamos a brincar, até à hora da sua saída do trabalho no posto médico. Parece que ainda a vejo quase a correr, a vir ao nosso encontro para o regresso a casa. Vinha invariavelmente cansada. Eram longas e árduas as horas de trabalho naquele posto. Com sacrifício, a minha mãe, Geninha, No Posto de Saúde labutava. E eu, como ama seca da Olguinha, Brincava no jardim... e a esperava. Difíceis estes tempos, não havia Razões para sentir muita alegria.

A sua ida para a Amadora A ida de Geninha para a Amadora deu-se mais rapidamente do que o esperado. Geninha estava preocupada com receio de não conseguir transferência. Afinal, pessoal indiferenciado à procura de emprego, não devia faltar lá para a Amadora. Mas, graças à influência da família Corte Real, da Carreira, a quem a Mindinha do Talho tinha pedido para que se interessassem por essa transferência do Posto Médico de Delães para o 82


da Amadora, essa surgiu bem mais depressa que o imaginado. Geninha teve necessidade de aligeirar as coisas e partir, a fim de se apresentar ao serviço na data marcada, não fosse deixar escapar a oportunidade de ficar mais perto de Armando. Foi assim que num ápice teve que preparar as malas e partir. Com ela, seguiram a Saluca, a Tilinha e a Olguita. A Esperança tinha partido anteriormente para servir na casa da Lindinha Ribeiro, em Lisboa, aonde se manteve até nos alojarmos na casa da Rua Pedro Franco, na Amadora. Em Delães, permanecemos eu e a Eminha, porque estávamos em tempo de aulas e os nossos pais não quiseram que perdêssemos o ano letivo. Assim, a Eminha foi recolhida na casa do Nequinha e da Eminha Ribeiro, seus padrinhos, comerciantes locais. Eu fiquei no Talho, por sugestão da Mindinha, uma senhora de grande caráter, com espírito humano e solidário muito forte e que nutria por mim e pela nossa família um grande carinho. Tratava-me como se fosse um filho. E ali permanecemos, eu e a Ema, até à conclusão do ano letivo. Foi nesse período que conclui a quarta classe, tendo-me então apresentado para prestar provas para o exame de admissão em Vila Nova de Famalicão. Eu usava um tipo de linguagem popular, muito característico da aldeia em que vivia. E durante o exame, quando me foi perguntado qual a utilidade da vaca, eu falei no leite, na carne, na pele e nos cornos. - Os cornos? – questionou a professora, sorrindo com ar de provocação - Não conheces um outro nome mais simpático? 83


- Conheço sim, senhora professora, as gaitas. Debaixo de uma gargalhada geral, sob um coro de sorrisos de troça, eu corei. Enquanto a professora, que alinhara naquele clima de provocação, acresceu: - Chifres, menino, chifres! E lá voltámos para Delães, a ouvir pelo caminho o sermão da Nandinha grande, para a distinguir da Nandinha pequena, que era a minha irmã, criada ali no talho, desde a morte prematura da sua mãe. Sobre a minha estadia ali no talho durante aqueles meses, não vou mais esquecer o zelo e a amizade de Mindinha e de Ana, a empregada para todas as coisas, mais tratada como uma filha da casa do que uma criada e que passava a vida a apaparicar-me. Ficarão sempre na minha memória. Em Junho, no fim das aulas, eu e a Ema partimos para Lisboa. A Ema seguiu ou de camionete ou de comboio, não me lembro bem. Eu fiz a viagem num camião de transporte de mercadorias, conduzido por um amigo do nosso pai, que vivia em Riba d'Ave, de apelido Rato, habituado a essas viagens que fazia com frequência, ao serviço duma grande fábrica de fiação e tecelagem que pertencia aos herdeiros do Conde Ferreira. Viajámos de noite, numa viagem que foi para mim a primeira grande aventura. A Ana, que como disse sempre me tratou com um carinho desmedido e nunca deixava que nada me faltasse, tinha-me preparado para a viagem um farto lanche, composto de algumas sandes de queijo e fiambre, fruta variada, figos e algumas nozes, para me ir entretendo durante a viagem – dizia. 84


Na tarde desse dia, fui-me despedir do velho Pedreira, o barbeiro, que ali estava recatado na sua barbearia à espera do próximo freguês, sentado numa cadeira e que ao ver-me logo fez questão de me dar um jeito no cabelo, para que chegasse com melhor aparência e que ao fim, ao invés de me cobrar pelo seu trabalho, me meteu na mão algumas moedas. Não vou mais esquecer aquelas lágrimas a caírem-lhe do rosto durante o seu abraço longo e caloroso, cheio de amizade e de ternura. Pela noitinha, chegou o camião que me havia de transportar. Subi e logo criei empatia com o nosso amigo Rato, que se esforçava por manter comigo um diálogo agradável e diversificado. E resultou, não preguei olho no decorrer de toda a viagem, durante aquela longa noite. O Rato era bom conversador e foi alimentando o diálogo como sabia, muito embora, de quando em quando, ao ver-me a cair de sono, me convidasse a descansar um pouco. Com ele fui partilhando o farnel que Ana carinhosamente tinha colocado naquela saca de pano, azul e branco, em xadrez pequeno, que usava habitualmente para ir à padaria comprar o pão. Quando a manhã ia já alta, chegamos à Praça da Figueira, a Lisboa. O camião tinha já dado três voltas à praça, com o nosso amigo Rato a olhar expectante de um lado e de outro, na tentativa de descobrir Armando, que por seu lugar andava desenfreado à nossa procura. Até que a dado momento, o vimos a correr, coxeando, como de costume, em direção a nós aos gritos: - Zé, Zé, estou aqui. 85


Ele sofria de um problema antigo, ocasionado por uma doença infantil, que fez com que passasse a coxear a vida inteira. Mal o camião encontrou lugar aonde encostar em segurança, já ele tentava abrir a porta do meu lado para me apanhar. Abraçou-me efusivamente e numa despedida rápida, dadas as circunstâncias, agradeceu ao Rato por me ter levado. E lá fomos nós de camioneta, desta vez de passageiros, até à Amadora. Voltando à Geninha. Não se pense que a sua ida para a Amadora fosse pera doce, o choque foi tremendo. Em Delães, embora fizesse parte do quadro do pessoal auxiliar, era muitas vezes chamada para pequenas tarefas de enfermagem, como curativos, injeções e coisas assim, razão porque era muito estimada pela população da aldeia. Não eram raras as vezes em que me apercebia de uma ou outra pessoa a bater à nossa porta, pedindo a Geninha que lhe aplicasse uma injeção. Esta, logo procurava a velha seringa de vidro, guardada com zelo e grande cuidado numa caixinha metálica, desinfetava-a com água a ferver, usando a velha máquina a petróleo, e lá aplicava as injeções com a máxima precaução. Nunca cobrou dinheiro por isso. Agora, na Amadora, ei-la lançada numa faina desenfreada, ignorada e tratada como se fora uma simples serviçal, a cuidar de todo o tipo de limpezas lá no Centro. Todas estas coisas a marcaram e não era raro vêla no seu recato, a um canto, com lágrimas nos olhos, disfarçando, para que não nos apercebêssemos. Tempos difíceis, os da Amadora. 86


Entretanto, no Jardim da Amadora, eu e Olguita queimávamos o tempo à sua espera para logo regressarmos a casa. Ali, passado algum tempo, chegavam a Tila e a Esperança, vindas da fábrica do vidro Sotancro, aonde trabalhavam. E a faina lá em casa, prolongava-se muitas vezes pela noite dentro, com Armando a ultimar um casaco ou uma farda mais, para no dia seguinte, logo de manhã, se meter na camioneta a caminho de Lisboa, a fim de receber os parcos proventos que ia conseguindo, com que iam equilibrando as despesas crescentes que a sustentação do lar exigiam.

Jardim da Amadora

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Ema e Saluca A Ema e a Saluca, confinadas Em nichos de “irmãzinhas”, em Lisboa, Viviam com tristeza, assaz, frustradas, Pensando nessa vida nada boa. Naquele seu exílio triste e ledo Havia, pelo menos, aconchego! Dado as precárias condições existentes no subaluguer do quarto na Rua Elias Garcia, Ema foi colocada como interna na Congregação das Religiosas de Maria Imaculada, fundado pela Beata espanhola Vicenta Maria López y Vicuña, vocacionado para recolher e dar um apoio acolhedor, a jovens adolescentes, madres dedicadas à obra de Jesus que acompanhavam, encaminhavam e as orientavam protegendo-as assim de situações de risco e fragilidade, com vista a torna-las mulheres com capacidade de decisão para enfrentar a vida e discernir sobre as suas próprias opções. Recordo bem de certa ocasião ali me ter deslocado com o pai Armando, a fim de visitar Emita. Apesar da sua tenra idade (cerca de doze-treze anos, deu para perceber nela uma onda de nostalgia, dado a sua condição. Tinha um olhar triste e conformado. Apesar de ser ainda jovem, entendia as dificuldades existentes lá no lar e a impossibilidade de nesse momento conseguirmos ter reunida toda a família.

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Com Saluca (Maria de Lurdes), a situação foi algo semelhante. Seguira para Lisboa na companhia de Armando, mas em Lisboa as condições de alojamento não permitiam a sua presença ali. E por isso, foi levada para o Colégio de Santa Maria, em Lisboa, um colégio interno que recebia crianças para estudar. Saluca tinha estudado em Guimarães, mas ao chegar ao Colégio, teve necessidade de se apresentar de novo a exame. Dentro das condições possíveis, ainda nem tinha sequer o uniforme que a identificasse como aluna do Colégio, lá se apresentou a exame, terminando com êxito. Com algum inconformismo e tristeza, lembra os problemas passados com a sua grave doença, ainda em Delães, e sentiu-se magoada por ter sido assim arrancada do convívio da família. Foram momentos que a marcaram e a têm acompanhado ao longo da vida.

Saluca, vestida de Santa Filomena, numa procissão

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A Passagem relâmpago pelo Seminário Meu pai queria o fardo aliviar E decidiu levar-me ao Seminário E o Padre disse: - Queres cá ficar? - Sim, estudar (o conto do vigário!) . O Padre não caiu na esparrela E não fiquei em Santo Amaro à Estrela. Mas não passou senão de uma intenção O ir p’ró Seminário e lá ficar E em Lisboa surge a ocasião Mas não seria ali o meu lugar. Quanto à questão de padre, deixa andar, Era verdade, apenas estudar. Quanto a mim, um dia meu pai aproximou-se e disseme: - Vamos a Lisboa. Que dizes? Pode ser que venhas a gostar do lugar que te vou mostrar. Desconhecendo os objetivos – que me seriam dados a conhecer apenas no decorrer da viagem – logo comecei a magicar no modo como sair do imbróglio. Cheirava-me a separação. E isso não me agradava. Na verdade, a sua intenção era internar-me também “para que pudesse tirar um curso e um dia vir a ser um grande homem”. Mas essas intenções não me convenceram. Na minha mente, o afastamento da família iria destruir completamente o castelo que edificara para mim.

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Mesmo assim – que alternativa tinha? - lá fomos até à Calçada de Santo Amaro, à Estrela, para a Congregação dos Padres do Espírito Santo, um Seminário que preparava jovens para o sacerdócio. Embora, segundo dizia, os objetivos fossem apenas para estudar (alibi que me viria a ser muito útil), o meio que iria frequentar não era mesmo do meu agrado. Fui abanando com a cabeça em sinal de acordo, mas nada dessa conversa me convenceu. Como se teria sentido a pobre Geninha quando teve conhecimento das intenções do marido? Quando ali chegamos, fomos recebidos por um padre de meia idade, simpático, que nos acolheu e connosco conversou, para se inteirar dos verdadeiros objetivos que nos levaram ali. Depois duma longa conversa com o meu pai, na minha presença, disse-lhe que gostava de falar comigo a sós, para se certificar da minha real vocação. Foi a minha oportunidade. Ele, subtilmente, bem que tentava tirar nabos da púcara, a fim de se inteirar dos meus verdadeiros propósitos. Mas, bastaram alguns minutos de conversa e logo disparou, quase a despropósito: - Queres um dia ser padre? - Não, senhor padre, não é essa a minha vontade. Gostava muito, isso sim, de ter a oportunidade de estudar para que um dia me possa tornar um homem. Foi o que ele quis ouvir. A minha ingenuidade e sinceridade levou-o a terminar ali com o diálogo. Voltamos à sala, aonde o meu pai se mantinha sentado, com nervosismo marcante, à nossa espera, na expectativa do desfecho da conversa. 91


Foi a vez de meu pai entrar sozinho naquele gabinete. No fim, nervoso, mas conformado, saiu, abeirou-se de mim e disse: - Não vais ficar. Vamos de novo para casa. Durante a viagem, com o seu habitual sorriso cheio de ironia, disse-me: - Ó rapaz, então foste dizer ao padre que o teu objetivo era apenas estudar? - Eu pensei que não fazia mal dizer-lhe a verdade. O pai Armando colocou-me carinhosamente a mão sobre o ombro e, em silêncio, regressamos. No fundo, bem no fundo do seu coração, voltava feliz. No íntimo, era isso que ele queria que viesse a acontecer. Quando Geninha voltou do trabalho, ao fim da tarde, ficou surpreendida e feliz ao ver-me. - Ó Zé, estás aqui? O que se passou? - Não quis lá ficar, perguntaram-me a razão de ir para lá e eu disse-lhe que era estudar. E eles, não sei porquê, não quiseram que eu ficasse. Sorriu para mim, como que a dizer: “Quanta ingenuidade!”. - Que bom que voltaste. Iria sentir a tua falta. Abraçou-me e lá fomos cuidar da labuta da casa. Na verdade, eu também ajudava como sabia, e estava sempre disposto a corresponder aos seus pedidos. Naqueles tempos de tanta labuta, toda a ajuda, por pequena que fosse, era preciosa. Além do mais, havia entre nós uma relação cúmplice muito grande, ela era o meu Anjo da Guarda.

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Otília e Esperança A Tila e a Esperança, na Sotancro Um dia encontrariam um trabalho Não era pera doce, um lugar santo, Mas sempre dava p'ra quebrar-o-galho. E a Esperança até que teve sorte, Pois ali encontrou o seu Consorte. Otília tinha acompanhado Geninha quando esta foi para Lisboa levando consigo Olguita. Otília, que não mostrava a mínima vocação para ficar internada aonde quer que fosse, junto com Esperança (que entretanto se juntara a nós na Amadora), preferiu ir trabalhar como operária, para a Sotancro, a fábrica do vidro, em Vendas Novas. Na verdade, as duas eram uma espécie de cúmplices e confidentes, que se acompanhavam e protegiam mutuamente em qualquer circunstância. Foi ali que Esperança acabou por encontrar aquele que viria a ser o seu marido, com quem viveu até à sua morte.

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A carta que veio de longe E eis que um dia, chega no correio Inesperada carta, a convidar Meu pai a regressar. E ele, veio Dar rumo à vida, ao pé do mar. O pesadelo terminava assim Quando chegou à Póvoa de Varzim! Como senti Geninha feliz quando um dia chegou pelo correio aquela carta a convidar Armando para ir viver para a Póvoa de Varzim, a fim de se tornar o encarregado de uma pequena indústria de telas plastificadas, a T.P. Terramar, Lda, pertencente a três empresários, um dos quais bem conhecia desde há longo tempo. Este, lembrara-se de Armando e falou com os sócios convencendo-os a convidá-lo para vir para a empresa, ir-lhe-ia dar um grande impulso, com certeza. Armando, depois da necessária ponderação e avaliação dos riscos, com o incentivo de todos nós, acabou por aceitar. E viemos. Por fim, o sonho ia concretizar-se. Agora, sim, uma réstia de esperança pairava no seu e no nosso semblante. Para Armando e Geninha, era a oportunidade de ver os filhos a voar em direção a novos horizontes. Para trás, ficavam os internamentos quase compulsivos da Ema e da Lurdes, em colégios de freiras em Lisboa, por não ter lugar para elas nas parcas acomodações da Amadora, o velho quarto da 94


Rua Elias Garcia, onde nos acomodávamos todos como podíamos e depois as parcas instalações da Rua Pedro Franco. Ai, como recordo bem aquela mudança da Elias Garcia para a casa da Rua Pedro Franco, feita numa carroça puxada por uma mula, sob os sorrisos de quem passava. Tortuoso era subir até ao terceiro andar daquele edifício inacabado, aonde quase tudo faltava. Ali, a luz era substituída por velas e candeeiros a petróleo. O pai Armando corria de manhã bem cedo para Lisboa, para ir à Rodrigues & Rodrigues buscar e levar obra já concluída e receber os parcos proventos, para em seguida levantar novos cortes, já talhados, para nova tarefa. Casaco após casaco, costurava Durante dia e noite, duras lides; Depois, ia a Lisboa e procurava Mais outros na Rodrigues & Rodrigues. Tempo de luta, nada nos compraz E a vida parecia andar p'ra trás.

Tempos árduos esses em que Geninha, com o seu incomensurável carinho e ternura, com enorme sacrifício ia tentando amenizar como podia. Com a mudança para a casa da Rua Pedro Franco terminaram as canseiras e sacrifícios? Claro que não, a vida tem sempre novas surpresas para nos oferecer.

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Como disse, o prédio estava inacabado. As paredes exteriores, nas áreas comuns, estavam ainda em bruto, com o tijolo à vista. As escadas eram em cimento bruto, sem qualquer tipo de acabamento. Era um martírio subi-las. Imagino Geninha a chegar a pé do centro da Amadora, uns bons dois quilómetros, derreada, para a seguir subir aquele tormento dos três andares e logo a depois entrar naquela azáfama das lides domésticas. A falta de eletricidade, o recurso a velas de cera ou candeeiros a petróleo, a fim de providenciar um pouco de claridade, eram obstáculos inultrapassáveis. A própria ligação da água era precária, penso que ainda com recurso à ligação provisória que fora utilizada para a construção. Não faço ideia de como se faziam as contas entre os utentes do prédio ao fim de cada mês.

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Na Póvoa Recordo os momentos de tanta alegria vividos a seu lado, a generosidade que demonstrava em todos os seus atos e o carinho com que sempre me tratava, até nas maiores irreverências.

Póvoa de Varzim, Avenida Mouzinho

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Uma ajuda divertida Como referi anteriormente, a casa da Póvoa era enorme. A entrada principal fazia-se pela rua José Malgueira. Entrávamos e encontrávamos uma salinha de estar que tinha ao lado um quarto. Era nessa sala que se encontrava o armário com a biblioteca de Armando, que fazia as minhas delícias. Ao lado, o velho piano aonde eu passava horas infindáveis a tocar à minha maneira. O piano era antigo e estava muito desafinado. Daí que só eu conseguia arrancar dele algumas notas que acendiam a curiosidade de quem passava na rua e que quando me viam diziam: - Lá vem o pianista – ao que eu correspondia com um sorriso. Frente ao piano ficava um tipo de aparador com um grande espelho, que viera já da salinha da casa de Delães e que ali o nosso pai usava para experimentar com os clientes os fatos encomendados. Entrávamos depois num extenso corredor, no decorrer do qual encontrávamos quatro quartos: o dos nossos pais, em frente ficava o meu, um arranjo debaixo das escadas que davam para o primeiro andar do prédio aonde viviam os nossos senhorios, o major Emídio e a sua carinhosa esposa, um ca-

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sal de pessoas já reformados. Foi graças a si e ao pedido que estes fizeram aos filhos que no momento próprio me livrei do serviço militar. Os filhos, ambos coronéis do exército, eram pessoas muito influentes. Voltando à casa. Na continuação do corredor, ficavam mais dois quartos. Do lado esquerdo, um enorme, aonde ficavam as meninas mais velhas. No lado direito, um quarto mais pequeno, usado pelas mais novas e mais tarde por mim. Foi nesse quarto que Geninha mais tarde viria a viver os seus últimos momentos. Ao centro do corredor, entre esse quarto e o dos nossos pais, situava-se um espaço a que chamávamos a área, aonde Geninha colocava alguns vazos, mas que servia como claraboia para dar luz aos dois quartos. Frente a essa claraboia ficava a grande sala de banho, que servia toda a família. Seguia- se uma grande sala de jantar, quadrada, que ligava à cozinha e do outro lado, com um pequeno quarto que funcionava mais para arrumos e que tinha acesso direto ao quintal. A seguir à cozinha, tínhamos a porta de saída para o jardim e quintal. Era ali mesmo ao lado que se situava um wc de serviço, usado para apoio à cozinha e ao quintal. Ao lado, o tanque aonde Geninha lavava as suas mágoas, em momentos de mais solidão. Atravessávamos o quintal e lá ao fundo encontrávamos a porta de saída que dava acesso à avenida Mouzinho, uma das principais artérias da cidade. Como a casa fosse muito grande e toda em soalho de madeira, de quando em quando, havia necessidade de o encerar e lhe dar lustro. 99


Era então que a Geninha vinha pedir o nosso apoio, meu e da Olguita, ainda de tenra idade. Era um forrobodó. Chamava a Olguinha, pegava num cobertor e colocava-a em cima. A seguir, era uma correria desenfreada ao longo do corredor, de um lado para o outro, até que o soalho brilhasse como um espelho. A Geninha bem que pregava a dizer para que tivéssemos cuidado, mas ao fim de tudo, achava piada ao modo que eu encontrara para corresponder ao seu pedido e à resolução desse problema. Na sala de entrada e de jantar, não era tão fácil agirmos do mesmo modo, mas ao fim de tudo, o soalho ficava sempre a brilhar. Os quartos, esses, ficavam ao cuidado das meninas mais velhas.

Na época balnear Recordo Geninha na azáfama do lar, depois do casal ter decidido que ela era mais útil no lar a cuidar dos filhos do que continuar a trabalhar com os escassos proventos que usufruía. A vida ficou assim mais aliviada? Claro que não. Continuou sendo de sacrifício e tormenta, mas, apesar de tudo, melhor que a anterior. A necessidade de apoiar a família levou o casal a recorrer ao aluguer na época balnear de alguns dos quartos da sua habitação para assim usufruir de mais alguns proventos. A habitação 100


era grande, possuía seis quartos, o que lhes dava azo a alugar um ou dois, nos meses de verão. Em exclusivo a pessoas amigas, por norma, lá da aldeia. Só em casos raros alargava esse aluguer a alguém que vinha da Alemanha ou da França, com recomendação de familiares emigrados. E ali estava ela, agora como provedora da família, mas também a fazer o papel de cozinheira para a família e os amigos lá da aldeia.

Junto ao tanque, no quintal Recordo aquelas tardes em que ia encontrá-la no quintal, junto ao tanque de lavar roupa, na casa da Rua José Malgueira, numa tentativa de ocupar a mente e esquecer as agruras que a vida lhe trazia tão amiúde. Chorava no seu íntimo as lágrimas sentidas por uma ausência mais marcada de Armando, que sentia no momento mais distante. Porventura, esse temor não faria sequer sentido, mas para ela, foi marcante naqueles momentos de solidão.

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Saudade, Mãe

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Nos dias de festa No dia-a-dia, em brumas de memória, Momentos que não mais vou esquecer Meu pai, feliz, contava tanta história À volta duma mesa, com prazer. Juntava os seus amigos e em conjunto Bebiam e comiam pão, presunto. No dia de Natal se reunia Toda a família, em casa de meus pais E às vezes, pela noite, aparecia Mais um amigo e outro e tantos mais. E o loto, as cartas, copos, cantoria, Haviam de ficar até ser dia! Recordo os dias de festa em família, já ultrapassados os problemas do imaginado distanciamento de Armando, as canções populares, a reunião de família e amigos, momentos em que o seu olhar ficava radiante de alegria. Como era bom olhar a sua face rosada e esse sorriso perene que nos consolava a alma. Ai, aqueles cantares ao desafio dos tempos da sua juventude. E se fosse um picnic? É bom lembrar as saídas na segunda feira de Páscoa para o Rio Alto, aquele farto farnel que tinha preparado e que nos proporcionava tardes de convívio cheias de alegria que nunca vou esquecer.

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Morreram os avós Nasceu duma paixão vadia, louca, Em Fafe, nos confins dum milheiral, Bem cedo lhe fecharam sua boca, Criado foi num quarto de hospital. João seria o pai...mas não o quis, Emília a sua mãe, triste, infeliz! Corria o dia 1 de março do ano de 1963. A notícia acabara de chegar: João Soares, pai de nosso pai (que nunca o reconheceu como seu filho), o avô que nunca quisera ser avô, acabara de falecer. Geninha acabara então de festejar o seu quadragésimo aniversário. O avô, apenas o tinha visto uma vez, ao longe. Um dia, o pai Armando abeirou-se de mim e disse: - Vem comigo. - Curioso com todo o mistério que envolvia o momento, perguntei: - Aonde vamos? - Vais conhecer o teu avô. Empolgado com a notícia, a minha mente fervia de emoção e curiosidade. E fomos a pé, desde a Rua Veiga Leal até à rua Almirante Reis, ali mesmo na Póvoa de Varzim. Chegados, vi-me na frente de um enorme portão de madeira semiaberto. Curioso, espreitei e eis-me na frente de um grande balcão de madeira que atravessava todo o espaço. Do outro lado do balcão, um homem já entradote na idade que servia copos de vinho a cada um dos fregueses que ali acorriam. Era a Tasca do João, um espaço escuro, em terra batida, sem quaisquer condições para se comercializar fosso o que fosse. As pessoas mantinham105


se do lado exterior do balcão e João, o tasqueiro, servia do outro lado. Quando viu Armando, arregalou os olhos como se tivesse visto um fantasma, virou-se embaraçado e apressadamente desapareceu por detrás duma cortina existente lá ao fundo do barraco. Aqueles breves segundos em que o pude olhar foram suficientes para gravar bem forte a sua imagem. Armando olhou para mim com carinho, sorriu e disse: - Pronto, já o conheces, vamos embora. Saímos em silêncio e voltamos para as instalações da indústria de confeções que meu pai possuía frente ao castelo da guarda-fiscal. Ao sabermos da sua morte, lá por casa já se faziam os preparativos para marcarmos presença no funeral. Foi quando o telefone tocou de novo, durante a tarde. Mal queríamos acreditar. Nesse dia, em Santo Tirso, acabava de falecer a nossa avó Clotilde, mãe de Geninha. Ainda mal refeitos do momento, reprogramamos tudo: um grupo marcaria presença no funeral do avô João, o outro grupo deslocar-se-ia a Santo Tirso, para acompanhar a avó Clotilde à sua última morada. Quanto ao avô João, com o qual nunca tive a oportunidade de trocar uma só palavra, ano após ano, no Dia de Finados, lá vou eu em romagem à sua sepultura, como se algum dia pudesse vir a conhecê-lo e podê-lo abraçar. Quanto à avô Clotilde, fora as poucas vezes em que estive junto dela, uma vez só visitei o seu lugar de repouso, no cemitério de Santo Tirso. O afastamento físico da família acabou por nos manter distantes ao longo do tempo. 106


Um coração gigante Um dia, na aula de Caligrafia O parvo professor me provocou, Tocava-me no braço, se escrevia, E o exercício todo se borrou. Olhei-o e chamei sua atenção. Mas não ligou. E dei-lhe um bofetão. Ele era muito amigo de meu pai. Quando cheguei a casa, que surpresa, Meu pai já me esperava. Ei-lo que sai E ali me agride co' a mais vil crueza. Geninha, aos gritos, triste e incapaz, Dizia: - Para, matas o rapaz! No fim, olhei meu pai, em convulsão, E disse-lhe: - Que tal, feliz consigo? Agora vou contar-lhe outra versão Da mesma história desse seu amigo! Meu pai ouviu, saltou dali p'ra fora E eu bati co'a porta... e fui embora! Corria o ano letivo de 1964/65. Aquele dia de aulas foi na verdade desastroso. Encontrava-me na aula de caligrafia. Sentado no meu curto espaço, executava o melhor que sabia os trabalhos que nos eram propostos pelo professor, um tal Pombal, que fora antes chefe de secretaria da Escola.

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O pai Armando conhecera-o em Santo Tirso, quando exercia as mesmas funções lá na escola local. Tornaram-se amigos. Achava que na minha aula de caligrafia tudo fosse correr harmoniosamente. Naquele dia, o professor mostrava-se eufórico e algo desequilibrado. Era verdade que eu era irreverente mas nada fazia supor que num instante tivesse que viver um momento assim. No meu recato, dedicava-me à execução do trabalho, quando este se aproximou, olhou e sem qualquer educação me deu um encontrão no ombro, provocando um valente borrão de tinta sobre o trabalho. Surpreendido, olhei-o com desagrado, como a censura-lo. Virei a página e voltei ao trabalho. Novo encontrão e um sorriso cínico de gozo. Todos os colegas se aperceberam e ficaram expectantes. Conheciam-me bem e adivinhavam que aquilo não ia acabar de modo pacífico. Perturbado e desagradado com tudo aquilo, virei a página de novo e continuei o trabalho. Outro sorriso cínico e um novo encontrão. Não suportando tal comportamento, levantei-me e, desagradado, desferi-lhe uma violenta chapada. A seguir, calmamente, arrumei caneta e restante material e saí da sala, dirigindo-me para casa, não sem antes ter ido arejar junto ao mar. Quando cheguei a casa, entrei pela porta da cozinha, com acesso à Avenida Mouzinho, como sempre fazia. Ao abrir a porta, deparei-me com o pai Armando. Mal eu acabara de entrar e logo me começou a agredir violentamente, com um chicote que usara já noutras ocasiões, mas nunca comigo. 108


Imperturbável, ali fiquei sem largar uma lágrima. Geninha gritava aflita, e suplicava: - Para, Armando, que matas o rapaz, para, por favor. Sôfrego de fúria, vociferando, Armando olhava inconformado a posição imperturbável que eu assumira e que o incomodava bastante, ao verificar que eu não derramara uma única lágrima. Quando se cansou de tanto bater, olhou-me furioso, enquanto Geninha tentava aliviar as minhas dores e atenuar o sofrimento causado pelas pisaduras e nódoas negras provocados pelo marido. Olhei-o depois com alguma compaixão, o que o irritou bastante, e perguntei-lhe: - Está satisfeito? Pois bem, agora, vou contar-lhe tudo o que se passou com o seu amigo. E esbracejando, sôfrego, ouviu o relato do insólito comportamento do professor. No fim, dirigi-me de novo a ele e disse, decidido: - Esta foi a primeira e a última vez que me agrediu. A partir de agora, nunca mais vou permitir que me toque num só cabelo. Debaixo do choro compulsivo da minha mãe, que assistia impotente àquela cena, dirigi-me à porta da frente, que dava para a Rua José Malgueira e desapareci. Como um louco, encaminhei-me para a casa de um amigo, e juntos vagueamos pela praia até altas horas da noite. Depois, este convidou-me a ficar em sua casa. Decidi que não. Então, acompanhou-me até minha casa e regressou ao seu lar. Sorrateiramente, entrei no quarto e sem acender a luz, deitei-me. 109


Foi então que ouvi uma voz doce e delicada que me perguntava: - Estás bem, filho? Queres comer alguma coisa? Era Geninha. Olhei-a com carinho e disse lhe que não me apetecia comer nada, que se fosse deitar, devia estar exausta. Esteve de vigília, na ânsia que eu chegasse. Lacrimosa, sentou-se na cama ao meu lado e ficou em silêncio. Ergui-me, abracei-a e disse-lhe: - Maezinha, estou bem, acredita. Por favor, vai descansar, sim? Um novo abraço e por fim foi-se para o seu quarto. Nunca mais voltei às aulas de Caligrafia. Soube mais tarde que Armando nunca mais voltou a falar com o insolente professor. Como nota de rodapé, queria acrescentar que terminei o ano com nota de exame de treze valores em Caligrafia, na linha da qualificação obtida ao longo do ano.

Escola Industrial e Comercial da Póvoa de Varzim

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Uma imensa prole Com o tempo, multiplicados os sacrifícios, lá viu os filhos crescerem e gradualmente partir para formarem novos lares.

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Não vás!

Espera, mãe, é longa a madrugada E o dia já não tarda a cá chegar, De resto, o que lá vem, não vale nada E não sei o quanto mais hei de esperar. Há tanta flor na berma do caminho Que quer beijar a tua face linda! A rosa, o malmequer, o azevinho, E hortênsias a florir, há tanta, ainda! Espera, um pouco, espera mais um dia, Quero sentir a tua companhia, Espera até que chegue um outro Abril. Mantém em mim a fé e a confiança, E cantaremos hinos de esperança Contigo do meu lado, em teu redil!

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Doença e morte Quantas lágrimas caíram dos seus olhos quando foi impedida de assistir ao meu casamento, só porque eu decidira casar com uma mulher que professava outra denominação cristã, a qual eu também acabara de abraçar. A mágoa dessa ausência permaneceu com ela até ao fim dos seus dias. Paradoxalmente, o relacionamento que teve depois com a sua nora “protestante” era o de uma mãe para com a sua filha querida. Um ano se passara em convulsão E um grande amor surgiu na minha vida; Casámos de repente. E foi então Que tudo aconteceu. Missão cumprida! Nem pai nem mãe eu tive no momento, Meu pai não quis estar no casamento! Desdita mãe! Tão desgastante e efémera a sua vida. Fixo ainda os olhos naquele seu olhar triste, mas esperançoso. Corria a manhã do dia 9 de março de 1975, véspera de nova convulsão política no país, o onze de março. Foi então que, debaixo de um sofrimento atroz, ela expirou. Tão jovem ainda, tinha somente cinquenta anos de idade. Já no final da sua peregrinação, cheia de esperança, partilhava connosco: - Quando ficar bem, vamos todos a Fátima, sim? - Vamos sim, mãezinha, fica bem depressa!

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Sinto ainda nos olhos a humidade das lágrimas a correrem-me pela face, no decurso daqueles dias sombrios em que a vi partir, lágrimas derramadas às ocultas, para que ela de nada se apercebesse. Descansa, mãe, um dia haveremos de nos abraçar de novo, tenho a certeza!

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Mãezinha

O teu ocaso chegou E tudo custa a fazer, Vem ajudar-nos, EU SOU, Ao desafio vencer! Para me poupares à dor, Com outro filho no ventre, Demonstraste um grande amor Ao não me quereres presente. E a Paulinha, meu Deus, Era a filhinha primeira, Naqueles momentos teus Dessa triste quarta-feira. Quantos planos, quantos sonhos Ainda a realizar Momentos tristes, medonhos, E o teu momento a chegar! Quando teus olhos fechei E vi findar tua dor Nos teus olhos encontrei Lembranças de um grande amor.

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Como pude aguentar A tua perda, querida? E a tua Olguita a chorar Ao ver fugir tua vida. Em março, no dia nove, Tão trágico em nossa vida, Cerrei esse olhar tão nobre E tu partiste, querida! Por aqui ficamos nós Numa dor profunda, forte, Órfãos de mãe e tão sós A chorar a tua morte. São saudades que irradiam, Por esta dor sem igual, Patológicas - diziam Isso mesmo, tal e qual. Minha mãezinha querida, Já partiste há tanto tempo! A saudade da partida, Vive no meu pensamento.

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Num momento, mãe querida, Que tudo custa a fazer, Pede a Deus por nossa vida, Que nos ajude a viver. Outra coisa te pedia Se o nosso amor te aprouver, Vem e faz-nos companhia Sempre, sempre, até morrer. Mas antes, certo, teremos De nossa missão findar E então, por fim, nos veremos Quando a trombeta soar. E eu, mãezinha, te peço, Ajoelhada a teus pés Que me abraces, se o mereço E tento ser como és.

Lurdes (Saluca)

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Saudades, Mãe!...

Deitada nessa cama aonde dormi Dias sem fim, estavas, sem disfarce, Num sofrimento atroz; e eu senti As lágrimas correndo pela face. Olhavas para mim, olhar profundo! E ao ver sofrer assim teu coração, Olhava à volta, um mundo tão imundo Que me roubava a força da razão. Vida cruel, ingrata, sem sentido! No teu leito de dor, eu, condoído, Chorava, nem sei bem porque partiste! Vagidos magoados, foste embora, Deixaste um coração que, aqui e agora, Não para de chorar teu olhar triste.

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Álbum de Família

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Quero abraçar-te

Choram meus olhos com tristeza, mágoa, Olhando o imenso olhar que me sorri, Ao recordar-te, são correntes de água Que brotam dos meus olhos para ti. Um grito de saudade, até que um dia, Iluminada por um outro olhar, Na volta de Jesus, na parousia, De novo nos possamos encontrar. Saudades, minha mãe, o teu carinho Que vive tão presente em meu cantinho, Invade a cada instante o meu pensar, Levanto os olhos meus, canto baixinho, Vagueio confiante em teu caminho Ao ver tão vivo em mim teu doce olhar.

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Miscelânia

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Nanda

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Ema

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Tila

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Saluca

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Olguita

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Paulinha

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Miscelânea

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Índice Ficha Técnica .......................................................... 3 O Autor ................................................................... 4 Geninha e Armando ............................................... 6 Geninha ..................................................................8 Ascendência materna ........................................... 10 Ancestrais maternos ..............................................11 Ascendência paterna ............................................ 12 Ancestrais paternos .............................................. 13 Avós ...................................................................... 17 Pais ....................................................................... 19 Luís Correia de Miranda ......................................23 Avó Clotilde .......................................................... 25 Bombeiros Tirsenses ............................................26 Luís e Clotilde tiveram oito filhos: .......................29 Geninha, descendência ........................................32 Geninha, uma História de Vida............................ 54 Delães ................................................................... 57 O Meu Nascimento ...............................................58 Milagre da vida ..................................................... 59 Momento ............................................................. 60 Tarzan, o Nosso Gato ...........................................62 Esperança .............................................................63 As Nossas Camisolas de Tricot ............................. 65 A Cozinha da Aldeia ............................................. 67 No Natal................................................................69 Natal na minha aldeia .......................................... 71 O Dia de Natal ...................................................... 72 O Tio Manuel Paciência ....................................... 73 141


A Família Sineiro .................................................. 75 Amadora .............................................................. 80 A sua ida para a Amadora ................................... 82 Na Póvoa ............................................................... 97 Uma ajuda divertida ............................................ 98 Uma imensa prole ............................................... 111 Não Vás! ............................................................. 112 Mãezinha .............................................................115 Saudades, Mãe!... ............................................... 118 Álbum de Família ............................................... 119 Quero abraçar-te ................................................ 120

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