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7 DE AGOSTO LADRÕES LEVAM MAIS DE 150 MILHÕES DE REAIS NO MAIOR ASSALTO A BANCO DO PAÍS, NO BANCO CENTRAL DO BRASIL, EM FORTALEZA, CEARÁ.
29 DE AGOSTO O FURACÃO KATRINA DEVASTA A COSTA AMERICANA, DE LOUISIANA À FLORIDA, MATANDO MAIS DE 1.800 PESSOAS. (FOTO)
2006 12 DE MAIO PRIMEIRO COMANDO DA CAPITAL PROMOVE ONDA DE ATENTADOS EM SÃO PAULO, QUE SE ESPALHA POR OUTROS ESTADOS. (FOTO)
29 DE SETEMBRO O VOO 1907 DA GOL CAI NO ESTADO DO MATO GROSSO APÓS SER ATINGIDO NO AR PELA ASA DE UM JATO LEGACY DA EMBRAER, MATANDO 155 PESSOAS.
9 DE OUTUBRO A COREIA DO NORTE REALIZA SEU PRIMEIRO TESTE NUCLEAR.
6 DE DEZEMBRO NASA DIVULGA FOTOS QUE REVELAM A PRESENÇA DE ÁGUA EM MARTE. 30 DE DEZEMBRO SADDAM HUSSEIN É CONDENADO À MORTE POR ENFORCAMENTO.
A festa não acaba nunca Praia Do topless na Boca do Rio à micareta aquática no Porto da Barra, nossas praias sempre foram laboratório de produção de comportamento Em 1979, João Figueiredo, o último presidente da ditadura militar, assumiu o governo e assinou a anistia, autorizando os exilados do regime a voltarem para casa. A anistia de 79 antecipava o tom dos anos 80. O Brasil começava, assim, um ano antes, a viver sob os signos que marcariam os anos 80, a década que parecia colocar em prática ampliada o que havia sido um ensaio restrito aos
adeptos da contracultura dos anos 60. Politizados e nem tanto pareciam transformar sexualmente o corpo em instrumento político, para além da voz, do texto.
MORALIDADE NA AREIA Se na década de 80 nos liberamos sexualmente, nas décadas de 90 e nos anos 2000 encaretamos. E tão diversos foram os motivos, embora a Aids tenha sido o maior deles, que não caberiam aqui.
As imagens da Praia dos Artistas, na Boca do Rio, traduzem o abismo entre o comportamento das pessoas na praia nos anos 80 e hoje. Não, não era todo mundo. Mas hoje não é daquele jeito em lugar nenhum. Qualquer mulher que, numa praia de Salvador, ouse tirar a parte de cima do biquíni em 2019 corre o risco de ver a polícia chegar. Alguém vai chamá-la para restaurar a moralidade na areia.
COMER ÁGUA Poucas cidades brasileiras traduzem tão bem a expressão “nóis sofre, mais nóis goza” como Salvador. Para compreender o quanto isso é verdade, os dois cenários privilegiados de observação são o Carnaval e a praia. Há quem tenha teses geográficas para explicar as diferenças de comportamento entre as praias do Rio de Janeiro e as de Salvador. O carioca vai à praia para se exibir. O baiano, para “comer água”. Para quem explica isso pelo relevo e pela topografia, os cariocas que se exibem na praia vivem a orla como o templo onde simultaneamente exercitam o corpo e exibem o resultado. O elemento determinante para a relação entre a praia, a malhação e a exibição seria o fato de as praias do Rio situarem-se no mesmo nível do calçadão, do asfalto, das avenidas que as margeiam. Em Salvador, as praias emburacam-se calçadas abaixo, o corpo sai da rua e desce para a faixa de areia lambida pelo mar lá embaixo. E lá embaixo, a maioria não está nem aí para quilos a mais e barrigas negativas.
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2007 9 DE JANEIRO APPLE ANUNCIA O IPHONE. (FOTO)
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17 DE JULHO VOO DA TAM CHOCA-SE CONTRA DEPÓSITO DE CARGAS NO AEROPORTO DE CONGONHAS, SÃO PAULO, MATANDO 176 PESSOAS.
QUEM É ï Malu Fontes é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas, professora da Facom/Ufba e colunista do CORREIO
PINK MONEY O Carnaval passou por diversas transformações, mas os modos do povo de apropriar-se da festa continuam espantosamente vivos e revolucionários. Em camarotes, espremidas numa massa uniforme atrás da Baiana System, na pipoca de Igor Kannário ou encostadas em qualquer placa de madeirite num beco em torno do isopor e do churrasquinho de gato, as pessoas reinventam todo dia formas de inclusão na alegria. Para além da problematização e teorização da exclusão, os pobres entram na festa e a fazem também sua. Da morte das mortalhas e mamães-sacodes à camarotização, o Carnaval continua laboratório de produção de comportamento popular. Na sua esteira, as festas de Verão e toda a diversidade de ensaios, hoje com um público predominantemente gay. Se o pink money, local e turístico, deixasse de frequentar os ensaios musicais da moda da cidade, raríssimos aconteceriam. MICARETA AQUÁTICA Se em 1979 e no começo dos anos 80 os desbundados
1 Praia dos Artistas Boca do Rio, 1980, foto de Gildo Lima 2 Piatã 2000, foto de Haroldo Abrantes 3 Vilas do Atlântico Lauro de Freitas, 1993, foto de Mário Marques 4 Praia dos Artistas 1980, foto de Sônia
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2 DE DEZEMBRO OCORRE A PRIMEIRA TRANSMISSÃO OFICIAL DE SINAL DE TV DIGITAL NO BRASIL.
2008 16 DE FEVEREIRO O FILME BRASILEIRO TROPA DE ELITE, DE JOSÉ PADILHA, CONQUISTA O URSO DE OURO, PRÊMIO DE MELHOR FILME DO FESTIVAL DE BERLIM.
24 DE FEVEREIRO FIDEL CASTRO DEIXA A PRESIDÊNCIA DE CUBA DEPOIS DE QUASE 50 ANOS DE PODER. (FOTO)
transformavam a Praia dos Artistas no metro quadrado mais liberal da orla de Salvador, de lá para cá o Porto da Barra nunca perdeu sua majestade quando o assunto é diversidade e tribos. Lá tem sempre de tudo. Em janeiro de 2019, qual foi a lacração mais comentada da praia? A micareta produzida pelo DJ Maroca, dentro d’água, no Porto. Quanto mais a Sucom o encurralava, esperando-o na areia para confiscar o equipamento, mais a gambiarra sonora causava nas redes sociais, transformado-se em fenômeno do Verão. E, assim, o povo de Salvador e seu comportamento surfam sobre o tempo e fogem de enquadramentos. Os mais pobres sempre “dão a idea”, com seus espetinhos e seu isopor, em qualquer lugar onde circule gente. Nas últimas décadas, é verdade que todo mundo correu para
a segurança, o conforto e o ar-condicionado dos mega shoppings centers, mas não se confinou lá dentro.
ENGARRAFAMENTO DE GENTE A cidade espraiou-se a perder de vista, primeiro em torno do Iguatemi e depois seguindo o espinhaço da Avenida Paralela, fundindo-se com o mar e Lauro de Freitas. Mas isso não fez com que a Avenida Sete perdesse a característica que continua a fazê-la ímpar: o engarrafamento de gente, sobretudo em vésperas de festas. Que venham os próximos 40 anos. Salvador e seu povo se dobram para não romper e continuam fazendo as melhores festas populares do país. A herança africana é o combustível essencial dessa engrenagem que, apesar do abismo social, das dores e da segregação, constrói essa festa que não acaba nunca. ï
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29 DE MARÇO ISABELLA NARDONI, DE 5 ANOS, MORRE ARREMESSADA PELA JANELA DO SEXTO ANDAR DE UM PRÉDIO EM SÃO PAULO.
22 DE AGOSTO MAURREN MAGGI É A PRIMEIRA BRASILEIRA A CONQUISTAR MEDALHA DE OURO, NOS JOGOS OLÍMPICOS DE PEQUIM.
4 DE NOVEMBRO BARACK HUSSEIN OBAMA II É ELEITO O PRIMEIRO NEGRO A PRESIDIR OS EUA. (FOTO)
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Em Salvador, as praias emburacam-se calçadas abaixo, o corpo sai da rua e desce para a faixa de areia lambida pelo mar lá embaixo. E, lá embaixo, a maioria não está nem aí para quilos a mais e barrigas negativas
5 Praia do Corsário 1992, foto de Luiz Hermano 6 Porto da Barra 1997, foto de Welton Araújo 7 Jaguaribe 1997, foto de Luiz Hermano
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COBERTURA 40+ GRANDES MOMENTOS DO CARNAVAL
2009 31 DE MAIO O VOO DA AIR FRANCE, DO RIO DE JANEIRO PARA PARIS, CAIU NO OCEANO ATLÂNTICO COM 228 PESSOAS A BORDO.
17 DE AGOSTO DECRETADA A PRISÃO DO MÉDICO ROGER ABDELMASSIH, DEPOIS DE DENÚNCIAS DE ESTUPRO DE MAIS DE 60 EX-PACIENTES. FOI CONDENADO A 278 ANOS DE PRISÃO. (FOTO)
Haja trio, haja chão Mudanças O Carnaval da Bahia sofreu reviravoltas em quatro décadas: na música, na indústria e na forma das pessoas curtirem a festa
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ESTREIAS
Ivan Dias Marques REPORTAGEM @ivandmarques
Desde que Charles Darwin (1809-1882) o conheceu, em 1832, o Carnaval da Bahia causa dois tipos de sensação a quem o vê: deslumbramento ou estranheza. Assim, nestes 40 anos em que o CORREIO registrou a festa, poucas peculiaridades baianas mudaram tanto. Por vezes, de forma cíclica, como também de maneira incontrolável e imprevisível. Ou não, como é o caso dos blocos afros. Há três fatores fundamentais para entender as mu-
danças do Carnaval nestas quatro décadas: a música, a indústria da festa e a forma como as pessoas curtem a folia. As três são complementares e interdependentes. Um dos grandes fatores para isso aconteceu em 86: a edição da Quarta-Feira de Cinzas do CORREIO, com fotos de Luiz Caldas, que havia estourado no país no ano anterior, e Sarajane, decreta: não precisamos mais importar estrelas. Para contar a história destes 40 anos, reunimos fatos marcantes em quatro grupos: Estreias, Estrelas Mundiais, (Re)Encontros e Vanguarda. Mesmo com tantas mudanças, que levaram a festa a ser destaque no mundo todo, algo se mantém: a alegria com a qual o baiano se entrega ao Carnaval.
‘Baiano não nasce, estreia’. A frase denota bem que não temos medo de ter iniciativa. Listamos algumas das estreias mais marcantes nos últimos 40 anos de Carnaval.
1980 E OS BLOCOS AFROS
Olodum e Malê Debalê. A primeira Deusa do Ébano do Ilê. O Carnaval não seria mais o mesmo após 1980, um marco na herança africana da festa mais popular do país.
E O CARNAVAL DESCEU A LADEIRA... O primeiro Carnaval, de fato, na Barra aconteceu em 1983. O então prefeito Renan Baleeiro quis descentralizar a festa do Centro da cidade e mandou construir um palco no Farol da Barra.
MUDANDO DE COR HÁ MAIS DE 20 ANOS
2010
Em 1990, começou uma parceria que duraria 24 anos – até os dias atuais, no coração de seus foliões. Chiclete com Banana e Camaleão firmaram um acordo que mudaria o Carnaval da Bahia. FOTO DE ARQUIVO CORREIO
12 DE JANEIRO TERREMOTO MATA CERCA DE 160 MIL PESSOAS E DESTRÓI A MAIOR PARTE DA CAPITAL DO HAITI.
5 DE AGOSTO PARTE DA MINA DE SAN JOSÉ, NO CHILE, DESMORONA E DEIXA 33 MINEIROS PRESOS A QUASE 700 M DE PROFUNDIDADE. O RESGATE OCORREU 69 DIAS DEPOIS. (FOTO)
DUAS ESTREIAS NUMA MESMA FOLIA O ano de 2000 marcou duas estreias históricas no Carnaval: de um lado, uma estrela em franca ascensão e que deixara sua banda no ano anterior. Do outro, uma revelação que mudou um estilo de fazer pagode e, principalmente, de cantar o pagode genuinamente baiano. Aos 27 anos, Ivete Sangalo fazia seu primeiro Carnaval solo, puxando o Me Abraça e o Cerveja & Cia. Já o Harmonia do Samba, com Xandy (ainda com um ‘d’) arrancava suspiros e instigava a curiosidade até de Caetano Veloso. FOTO DE MÁRCIO COSTA E SILVA
A VOLTA DO POVO
31 DE OUTUBRO DILMA ROUSSEFF É ELEITA A PRIMEIRA PRESIDENTE DO BRASIL.
O povo pedia mais trios sem corda e mais espaço na festa e, em 2014, a prefeitura atendeu, criando o Furdunço. No primeiro ano, era uma fila de trios e entidades no meio da festa. A partir de 2015, virou um pré-Carnaval, mas mantendo sua essência popular.
É TUDO DA PERIFERIA No mesmo ano da mudança do Furdunço, mais uma estreia de peso no Carnaval: Igor Kannário, o Príncipe do Gueto. Já conhecido – e amado – nas camadas populares, o cantor arrastou uma multidão, com letras politizadas e que falam da periferia. FOTO DE MARINA SILVA
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ESTRELAS MUNDIAIS
Quando Darwin viu o Carnaval da Bahia, nem havia criado a Teoria da Evolução. Mas, vamos dizer, abriu as portas para outras estrelas mundiais.
O PAPA É POP, O ARCEBISPO É AXÉ Um ano depois de Bono, Gil convidou o arcebispo anglicano Desmond Tutu, Nobel da Paz em 1984 e um dos principais ativistas contra o apartheid sul-africano, para seu camarote.
2011 12 DE JANEIRO CHUVAS FORTES NA REGIÃO SERRANA DO RIO DE JANEIRO DEIXAM MAIS DE 900 MORTOS. (FOTO)
DO FRIO AO FOGO Em 2004, a cantora islandesa Björk veio acompanhar as intervenções artísticas do marido, Matthew Barney, no Cortejo Afro. Dançou um pouco, tirou fotos e, dizem, se deu mal com um acarajé. FOTO DE ALESSANDRO MACEDO
‘OPA’, GANGNAN STYLE! Foi só um sucesso, mas que sucesso! O sul-coreano Psy era o cara mais bombado do planeta com seu Gangnan Style em 2013, quando cantou ao lado de Claudia Leitte no trio da estrela baiana. FOTO DE ROBSON MENDES
UM ‘BEAUTIFUL DAY’ EM SALVADOR Dois anos depois, o Carnaval bombou. Primeiro com a presença de Bono Vox e The Edge (do U2), com direito a canja de dentro do Camarote Expresso 2222, e do megaprodutor Quincy Jones. Depois, outro músico famoso, o DJ inglês FatBoy Slim transformou as ruas em uma rave. FOTO ARQUIVO CORREIO
REI, RAINHA E A DEUSA NAOMI
Quincy Jones, Bono Vox, Flora Gil, Gil e The Edge
Outras estrelas, talvez com menor impacto, também passaram por aqui: Sharon Stone, Naomi Campbell (foto), o rei Gustavo e a rainha Sílva, da Suécia, e o diretor de cinema Spike Lee, que gravou parte de um documentário no Carnaval baiano. FOTO DE ANTÔNIO QUEIRÓS
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COBERTURA 40+ GRANDES MOMENTOS DO CARNAVAL
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11 DE MARÇO TERREMOTO DE 9.0 NA ESCALA RICHTER MATA MILHARES DE PESSOAS NO JAPÃO E PROVOCA O SEGUNDO MAIOR ACIDENTE NUCLEAR DA HISTÓRIA. (FOTO)
(RE) ENCONTROS
O Carnaval é um momento de encontros, reencontros e, por que não, desencontros. Quem nunca se perdeu (em vários sentidos) na folia? Tem gente que encontrou seu grande amor atrás de um trio. Mas, além do chão, os encontros e reencontros acontecem também nos palcos dos trios e provocaram emoção em artistas e público. Ao longo das últimas quatro décadas, os encontros de trios, estrelas e personagens importantes da festa entraram para a história.
UM ENCONTRO DE SANFONAS BOM DEMAIS Em 86, o compositor e produtor Gereba promoveu um encontro conhecido no São João, mas inédito para o Carnaval: Luiz Gonzaga e Dominguinhos em cima de um trio, no Carnaforró. E o Farol da Barra virou festa junina.
PRA SE GUARDAR DEBAIXO DE SETE CHAVES
7 DE ABRIL EX-ALUNO MATA 11 CRIANÇAS E SUICIDA-SE NA ESCOLA MUNICIPAL TASSO DA SILVEIRA, NO RIO DE JANEIRO, NO CHAMADO MASSACRE DE REALENGO. (FOTO)
Já no ano de 1998, o cantor e compositor Milton Nascimento assistia o Carnaval na sacada de um camarote em Ondina. Ao passar pelo artista, Carlinhos Brown desceu do trio, ajoelhou-se e fez uma reverência a Bituca. Acabou realizando um emocionante dueto com Milton no clássico Canção da América.
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VANGUARDA
A FOBICA VOLTA À FESTA QUE ‘CRIOU’
Osmar Macedo, um dos dois pais do trio elétrico, faleceu em 1997. No Carnaval do ano seguinte, seus herdeiros trouxeram de volta a velha fobica que, em 1950, encantou a capital. Foi o reencontro do grande precursor do trio com o lugar onde mais fez sucesso: as ruas de Salvador. FOTO DE WELTON ARAÚJO
Estar na vanguarda é estar um passo à frente, é não ter medo de arriscar. Muitos artistas e empresários precisaram e puderam inventar nesses 40 anos de Carnaval.
EM ALTO E BOM SOM PARA TODOS
2 DE MAIO OSAMA BIN LADEN É MORTO POR FORÇAS NORTE-AMERICANAS, NO PAQUISTÃO. (FOTO)
O técnico de som Wilson Marques teve uma ideia revolucionária para o Carnaval de 1980: encher a lateral do trio elétrico de caixas de som e transistorizar o áudio da banda Scorpius, que se tornaria depois o Chiclete com Banana, no bloco Traz os Montes. O Carnaval jamais seria o mesmo.
O RITMO QUE REVOLUCIONOU Ser vanguarda é inventar um ritmo? Sim. Foi o que fez Luiz Caldas, em 1985, com seu deboche (depois fricote e axé music). A partir do Carnaval do ano seguinte, a Bahia era outra e o Brasil veio na carona. FOTO DE CARLOS CASAES
2012 25 DE FEVEREIRO INCÊNDIO DESTRÓI PARTE DA ESTAÇÃO CIENTÍFICA BRASILEIRA NA ANTÁRTIDA, DEIXANDO DOIS MORTOS E UM MILITAR FERIDO.
UM NOVO MODO DE SE VESTIR Em 1993, o publicitário Pedrinho Rocha troca de vez as mortalhas por uma fantasia para deixar o folião mais à vontade: o bloco Eva traz o primeiro abadá do Carnaval.
1º DE NOVEMBRO
ARRASTÃO DOS PINTADOS
CIENTISTAS DETECTAM A LUZ DAS PRIMEIRAS ESTRELAS DO UNIVERSO, OCORRIDAS 500 MILHÕES DE ANOS DEPOIS DO BIG BANG.
Carlinhos Brown tem o talento da criação. A maior delas foi ao Carnaval em 93. Uma banda com percussionistas na frente de um trio e vários vocalistas. Todos pintados com traços brancos: a Timbalada. FOTO DE ALICE RAMOS
DANIELA À FRENTE DO TEMPO Daniela Mercury é outra que sempre esteve na vanguarda no Carnaval. Por muitas vezes até incompreendida, como quando trouxe a música eletrônica pra festa, em 2000. Em outros, La Mercury foi pioneira: em 96 foi a primeira estrela a adotar a Barra-Ondina como circuito oficial, com o Crocodilo, e ainda lançou seu camarote oficial.
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OS QUATRO MAESTROS DA BAHIA Quem diria que a estreia de Maria Bethânia no Carnaval só aconteceria em 2001? E foi em grande estilo, num reencontro com Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal Costa. Os Doces Bárbaros participaram pela primeira vez da festa juntos e dividiram o trio do Bloco da Cidade com Danilo e Alice Caymmi, Margareth Menezes, entre outros, homenageando Dorival Caymmi. FOTO DE MARCIO COSTA E SILVA
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DOR, LÁGRIMAS E REENCONTRO COM OS FOLIÕES Em 2015, um dia após desfilar na Barra-Ondina, o cantor Márcio Victor, do Psirico, dá entrada num hospital. É operado de apendicite mas, menos de 24 horas depois, numa recuperação incrível, reencontra seu público no Carnaval. Ao cantar Firme e Forte, chorou. “Eu sou guerreiro”, disse. FOTO DE
2013 27 DE JANEIRO INCÊNDIO NA BOATE KISS MATA 242 PESSOAS EM SANTA MARIA, NO RIO GRANDE DO SUL. (FOTO)
MARINA SILVA
MESTRES AFROS PARA HOMENAGEAR A ÁFRICA Em 2002, na abertura do Carnaval, um encontro de mestres afros: Carlinhos Brown e Neguinho do Samba comandam 300 percussionistas para homenagear a África.
11 DE FEVEREIRO ANUNCIADA A RENÚNCIA DO PAPA BENTO XVI, POR MOTIVO DE SAÚDE.
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COBERTURA 40+ HISTÓRIAS FANTÁSTICAS, ENGRAÇADAS E ABSURDAS
6 DE JUNHO MANIFESTAÇÕES CONTRA O AUMENTO DAS TARIFAS DE TRANSPORTE PÚBLICO COMEÇAM EM SÃO PAULO E NAS OUTRAS CIDADES DO PAÍS. OS PROTESTOS LEVAM 1,55 MILHÃO DE PESSOAS ÀS RUAS. (FOTO)
É cada uma que a gente inventa Seja pelo fantástico ou pelo absurdo, a Bahia sempre consegue emplacar histórias e personagens que indicam nosso desapego com o convencional João Gabriel Galdea REPORTAGEM joao.gabriel@ redebahia.com.br
16 DE MAIO CÉLULAS-TRONCO HUMANAS SÃO CLONADAS PELA PRIMEIRA VEZ.
2014 21 DE MARÇO RÚSSIA INVADE E ANEXA A REGIÃO DA CRIMEIA, TERRITÓRIO DA UCRÂNIA.
12 DE JUNHO COMEÇA A COPA DO MUNDO NO BRASIL. A SELEÇÃO CANARINHO FOI ELIMINADA PELA ALEMANHA APÓS UMA GOLEADA DE 7X1. (FOTO)
13 DE AGOSTO AERONAVE CAI EM SANTOS, SÃO PAULO, MATANDO SETE PESSOAS, INCLUINDO EDUARDO CAMPOS, CANDIDATO À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA.
“Pense num absinto; na Bahia tem aguardente”. A frase de um ex-governador não é bem essa, mas absurdo também não seria pensar que – diante de tantos precedentes – exista uma alma ébria onipresente, como Quincas Berro D’Água, roteirizando algumas de nossas histórias. Muitas delas foram contadas nestas quatro décadas de CORREIO, e um rastreamento ligeiro já dá uma ideia de nossa vocação para o fantástico ou o absurdo mesmo, a fé e a fuleiragem, a graça e a ‘lá ela’: ingredientes tão diferentes que só dão liga nesta terra em águas, como se vê nesta e nas próximas três páginas. Mas dá pra julgar a Bahia por isso? Um julgamento em Ibicuí, no Sudoeste do estado, demonstra como as coisas foram e sempre serão complexas. O extinto Diário de Notícias, em 10 de fevereiro de 1973, narra a surpreendente história de um lavrador que matou um pai de santo após sofrer ameaça de um “trabalho” contra ele. Generino Bispo dos Santos, na condição de réu e autor confesso, alegou que decidiu matar Manuel Paulo dos Santos, “pai de santo famoso na região por suas proezas, pelos fatídicos resultados dos seus trabalhos”, depois que o líder religioso afirmou que iria fa-
zer o lavrador “morrer como um sapo seco”. “O homem, feiticeiro danado, ia me matar assim”, reforçou o réu. Antes de cometer o crime, Generino havia escutado várias histórias sobre o êxito das ações sobrenaturais do pai de santo, especialmente contra seus desafetos. Manuel desejava ocupar terras que a família Bispo cultivava havia anos. A ameaça contra Generino veio após uma discussão, em que as partes discordaram e tornaram um acordo inviável. Certa noite, com os atabaques do terreiro soando, Generino, tomado por medo, como ele mesmo explicou ao juiz, pegou uma espingarda, foi até o centro religioso e executou Manuel com um tiro. Como as normas do Tribunal do Júri previam que a defesa devia trazer um perito para esclarecer o caso, do ponto de vista da ciência antropológica, o advogado Rui Espinheira decidiu convocar o antropólogo Vivaldo da Costa Lima para falar. Grande referência dos costumes que envolvem as religiões afros na Bahia, o saudoso Vivaldo falou por mais de uma hora sobre a crença dos candomblés e concluiu que não se podia separar a “personalidade do réu de sua circunstância sociocultural”. Era o que advogado precisava para sustentar o argumento de legítima defesa, acatado pelo júri por unanimidade, abrindo mais um precedente (absurdo?) na lista prevista por Otávio Mangabeira. Eis outros retratos vivos de nossa (com o perdão do palavrão) idiossincrasia...
DOS CASOS
100
pessoas, pelo menos, teriam visto um homem com barbatana na praia de Itapuã. Ninguém registrou
4H
demorou a negociação do Bope com um homembomba durante um exame da OAB. As bombas eram balas de gengibre
8MI
de acessos teve o hit Me Libera Nega, feito por um ladrão e que surgiu no fundo de uma viatura
:)
13 DE MARÇO O CARDEAL JORGE MARIO BERGOGLIO, ARGENTINO, É ELEITO O NOVO PONTÍFICE, SENDO O PRIMEIRO PAPA A UTILIZAR O NOME DE FRANCISCO. (FOTO)
Sereio de Itapuã HÁ QUEM JURE DE PÉS JUNTOS QUE VIU Alucinação coletiva? Defunto boiando? Tartarugas transando? A história do Sereio de Itapuã já nasceu clássica diante dos elementos que a compõem: uma personagem misteriosa (de dar medo), que mexeu com o imaginário da população; descrições detalhadas sobre a aparição do cabeludo com barbatana na mística Itapuã; surfista, ambulante, funcionário de hotel jurando de pés juntos sobre a visão em 20 de novembro... “Sei lá o que foi, irmão. Uma parada que nunca presenciei em minha vida. Eu não sou supersticioso, só acredito vendo. E eu vi”, contou um salva-vidas que perseguiu o tal homem-peixe. Em contrapartida, o descrédito também se multiplicou nas redes e na fala do coordenador do Salvamar, João Luiz Morais. “Isso é absurdo, coisa de ficção. Às vezes, a pessoa está na praia e vê um vulto, saco plástico. Acontece”. Funcionária do Hotel Catussaba, Ana Paula Ramos tentou explicar a falta de registros. “O mar estava agitado e a gente estava preocupada em ajudar [a resgatar o que parecia ser um corpo]. Por isso, ninguém filmou, nem tirou foto, mas todo mundo viu”. Ouvindo e publicando todos os lados, o CORREIO mexeu com a cidade e a reportagem de Thais Borges foi a mais lida do site por três dias. Nas mesas de bar, havia sempre quem levantasse a bola: ‘E o Sereio de Itapuã, hein?’ Virou resenha, zueira, estampa de camiseta, marchinha de Carnaval e, em breve, fantasia para a festa. ARTE DE MORGANA MIRANDA
Nunca tive medo para fazer salvamento. Nunca hesitei por sensação de medo. Mas ontem tive essa sensação. A gente tinha a sensação de que estava sendo monitorado, observado por alguém. Vai entrar aí para as lendas, porque quem não viu não vai acreditar. (...) Isso aconteceu mesmo. Foi uma coisa sobrenatural, irmão Salva-vidas Em relato divulgado no WhatsApp e confirmado em entrevista ao jornal
Quando ele subia, dava para ver bem. O rosto nunca virava. Foi o que me deixou intrigado Surfista Que também presenciou situação
Salvador, terça-feira, 15 de janeiro 2019
Terrorismo à baiana 1 O FUNDAMENTALISTA DA BALA DE GENGIBRE Graça até no que costuma representar tragédia: a Bahia também tem dessas. Basta observar o teor das notícias que dão conta de terrorismo por essas bandas: do prenúncio de choro pode se converter, rapidamente, em coisa de morrer... de rir. Foi assim após as cerca de quatro horas em que o bacharel em Direito Frank Oliveira da Costa ameaçou explodir o Centro Universitário Jorge Amado (Unijorge), na Avenida Paralela, em julho de 2016. Dizendo estar em posse de armas e explosivos, o homem, que tentava passar no Exame de Ordem da OAB-BA pela 19ª vez seguida, foi encontrado apenas com balas… de gengibre. Sim, um cinturão de balinhas de gengibre amarrado à cintura que, por algum motivo, acabou não explodindo. Por conta disso, o exame acabou sendo adiado, Frank liberado e, entre mortos e desapontados, salvaram-se todos. Assim também ocorreu no caso da suposta bomba colocada no metrô de Salvador, em julho de 2017. O técnico de instalação de câmeras de segurança Enéas Sena provocou um rebuliço na estação Brotas, que precisou ser evacuada. “Eu reciclo o lixo da minha casa e sempre levo para um coletor mais próximo. Sempre coloco o lixo reciclado no metrô. Na minha opinião, foi uma falha da segurança”, alegou ele, confundido com um terrorista após as análises das câmeras instaladas no local - nesse caso, não por ele. A mochila velha tinha, no lugar de bombas, lixos como embrulhos de presente e caixas de remédio. FOTO DE ALBERTO MARAUX/SSP
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Terrorismo à baiana 2 UMA BOMBA NO BUZU? QUE NADA! UM EBÓ... Um ônibus urbano para em um ponto na Avenida ACM, próximo ao Parque da Cidade, em junho de 2013, e um passageiro salta. De repente, sai correndo, deixando para trás uma caixa suspeita dentro do coletivo. Apreensão geral e o veículo é evacuado e isolado para que o Grupo Antibombas da polícia atue. O trânsito vira um caos diante da possibilidade de atentado numa das vias mais movimentadas da cidade. Mas tamanho transtorno foi em vão diante do conteúdo da caixa revelado: um inofensivo (até prova em contrário) ebó. Sim, uma oferenda com flores, velas e bolinhos de estudante.
Positivo. Eu tentei 18 vezes, mas não consegui por causa do caixa 2 da OAB Frank Oliveira da Costa
Ao justificar seu ‘ataque terrorista’ no exame de ordem, que teve de ser adiado
2015 7 DE JANEIRO RADICAIS ISLÂMICOS EM PARIS ATACAM A REVISTA DE HUMOR RADICAL CHARLIE HEBDO, MATANDO 11 FUNCIONÁRIOS. EM NOVEMBRO, MAIS DE 180 PESSOAS MORREM EM OUTROS ATAQUES, SENDO 89 DELAS NO TEATRO BATACLAN. (FOTO)
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Salvador, terça-feira, 15 de janeiro 2019
COBERTURA 40+ HISTÓRIAS FANTÁSTICAS, ENGRAÇADAS E ABSURDAS
:O 5 DE NOVEMBRO ROMPIMENTO DE BARRAGEM DA SAMARCO, EM MARIANA, MG, É O DESASTRE DE MAIOR IMPACTO AMBIENTAL DA HISTÓRIA BRASILEIRA. OS DEJETOS ALCANÇARAM O RIO DOCE E O OCEANO ATLÂNTICO. (FOTO)
2 DE DEZEMBRO PEDIDO DE IMPEACHMENT DA PRESIDENTE DILMA ROUSSEFF É ACOLHIDO PELA CÂMARA DOS DEPUTADOS DO BRASIL.
2016 23 DE JULHO REFERENDO DO BREXIT: REINO UNIDO VOTA PELA SAÍDA DA UNIÃO EUROPEIA.
5 DE AGOSTO ABERTURA DOS JOGOS OLÍMPICOS DE VERÃO, NO RIO DE JANEIRO.
31 DE AGOSTO DILMA ROUSSEFF É AFASTADA PERMANENTEMENTE DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. MICHEL TEMER ASSUME.
29 DE NOVEMBRO AVIÃO QUE TRANSPORTAVA A EQUIPE BRASILEIRA DA CHAPECOENSE CAI NA COLÔMBIA E MATA 76 PESSOAS. (FOTO)
Urubu versus piloto A ‘VINGANÇA’ QUE ENTROU PELA JANELA DA COZINHA Em agosto de 2017, um urubu virado no siri invadiu um apartamento no Caminho das Árvores, em Salvador, e partiu pra cima do morador. Sem pedir licença, bicou e feriu o antebraço do instrutor de aviação Matheus Guerra, que não se conformou com a afronta. “Ele me desafiou dentro da minha casa. Eu mandava sair, mas ele veio atrás de mim e me atacou como se eu fosse carniça”, contou ele, que mora no 8º andar de um prédio de 14 pavimentos. Ele procurou uma clínica particular para tratar do ferimento, mas foi encaminhado ao Hospital Couto Maia para tomar vacina antitetânica. Um ano e meio depois, não foi apenas o braço do piloto que ficou marcado. “Hoje, sou conhecido por uma interação bizarra entre homem e pássaro; me perguntam se ganhei superpoderes; ainda não percebi nenhum, mas ganhei uma super-história”. O ataque também rendeu uma lesão em um nervo da mão e uma reflexão: seria aquilo uma vingança ou um recado do além? “Sobre sinais e espiritualidade, só sabemos que a Bahia é feita de mistérios, e que se foi um aviso deve ter sido das coisas boas que aconteceram nesses últimos meses”, comenta ele, hoje, após sobreviver ao ataque aéreo.
Veio atrás de mim, possesso, como se ele é que fosse o dono da casa
:( Boi suicida UM BANHO NO MAR PARA SE LIBERTAR
Matheus Guerra
Piloto e instrutor de voo, sobre ataque
Um boi some de uma feira agropecuária. Em outro lugar, talvez o mistério surfasse nas dúvidas sobre quem roubou o bicho, mas aqui a coisa deságua de forma menos óbvia. No sol de quase dezembro de 2018, o Nelore de 600 kg reaparece em Stella Maris e pula no mar. Banhistas tiram o animal da água três vezes, mas ele volta e morre. Os mistérios de sua conduta ainda boiam. FOTO DE @DOUGLASPEDROSA93
FOTOS DE ARGEMIRO GARCIA (CORTESIA) E MARINA SILVA
Walking Dead Bahia MORTOS-VIVOS ‘ZUÊROS’
Padre Pinto O REI DA LAPINHA QUE VIROU ORIXÁ
Histórias de mortos-vivos costumam assustar muita gente mundo afora, mas por aqui já deram muito o que falar e rir. Foi o caso de Erenildes Aguiar Araújo, a Mulher Ketchup, em 2011, que simulou a própria morte, dando um tempero cômico a um caso que quase acaba em tragédia. Ela conseguiu convencer o pistoleiro contratado para matá-la, em Pindobaçu, a simular que o serviço fora executado. Ato contínuo, ambos dividiriam os R$ 1 mil pagos pela mandante. O plano foi colocado em prática: Carlos de Jesus, o matador, ajudou na montagem da cena em que Erenildes aparece lambuzada de ketchup. ‘Comprovada’ a realização do serviço, a dupla então rachou a grana; a mandante, ao flagrar os dois num forró, foi à delegacia denunciar o caso como roubo e acabou indiciada. Falando em indícios, todos indicavam que o lavador de carros Gilberto Araújo Santos tinha morrido em Alagoinhas, em 2012. Um ‘sósia’ dele foi achado morto e a família preparou o velório do lavador, que apareceu no dia. Famoso, Gilberto fez até foto zuêra no caixão (ao lado). FOTO DE ROBSON MENDES
Foi o dia mais feliz da minha vida Gilberto Santos Lavador de carros que ‘ressuscitou’
Ela já pagou três pra me matar, mas todos gostam de mim Erenildes Araújo Mulher Ketchup, sobre suposta mandante
Um padre que pinta, borda e dança. A Bahia é pródiga em produzir personagens folclóricos, mas a história de José de Souza Pinto, o Padre Pinto, marcou por envolver uma personalidade eclesiástica que exacerbou o caráter sincrético de nossa cultura religiosa. Bailarino de formação clássica, ele passou duas décadas como pároco da Lapinha até que, numa missa, na Festa de Reis de 2006, homenageou Oxum, orixá das águas doces. Disse que tinha autorização até da CNBB, o que foi negado. Fiéis então pediram sua saída e ele chorou: “Eu quero morrer aqui, no altar”. Acompanhamos a saída dele da Lapinha, o selinho que deu em Caetano Veloso, a visita a uma boate gay... Em 2011, contamos sua rotina na Paróquia de São Caetano, onde vive até hoje FOTO DE ANTONIO QUEIRÓS
Salvador, terça-feira, 15 de janeiro 2019
;D ‘O nome dele vai ser Rambo, e acabou’ A SAGA POR UM BATISMO INCOMUM O marceneiro Miraldo de Moura Eugênio, 80 anos, tinha só uma coisa na cabeça ao chegar no cartório de Lauro de Freitas, em 1989: registrar o filho com um nome nada convencional: Rambo. A escrivã que se negou a assinar a certidão de
nascimento talvez não soubesse que diante dela estava um homem que, assim como o personagem do cinema, estava pronto para a guerra. “Insisti, sabe por quê? Porque eu queria! O filho era meu, não era deles. Hoje em dia vejo nome mais feio do
que esse”, comenta, hoje, quase três décadas depois, o teimoso Miraldo. As negativas dos cartórios (foram seis durante 2 anos e 9 meses de briga pelo registro, que foi parar na Justiça) só se resolveram quando seu Miraldo aceitou uma sugestão do en-
tão prefeito de Lauro, João Leão (atual vice-governador do estado). “Eu tava trabalhando na casa dele. Ele me falou ‘Miraldo, faça o seguinte. Deixa o Miraldo na frente e registra assim. E eu aceitei”, relembra o pai. Ficou Miraldo Rambo e saiu a ameaça de bullying na escola, que era a preocupação dos empata-registro. “O engraçado é que quase ninguém me chamava de Rambo. Só pessoas mais próximas. As professoras mesmo me chamavam de Miraldo, mas sabiam da minha história”, comenta, hoje, o arte-finalista Miraldo Rambo, 29. Durante a saga do pai - que rendeu várias reportagens no CORREIO, muitas ainda guardadas de recordação (foto ao lado) -, Rambinho lembra que a mãe, Maria Ivonete Silva, por pouco não emplaca uma segunda polêmica batismal, ao registrar a caçula. “Queria botar She-Ha. Eu não sei se ela falou isso a sério ou zoando”, lembra ele, citando o batismo da irmã Isabel. Mas, durante sua querela cartorial, dona Ivonete ainda tentou contornar a situação: ‘Coloca Sylvester Stallone’. Miraldo Rambo venceu a batalha. FOTO DE EVANDRO VEIGA
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2017 6 DE JANEIRO REBELIÕES EM PRESÍDIOS DO BRASIL CULMINAM NA MORTE DE CERCA DE 120 PRISIONEIROS. (FOTO)
19 DE JANEIRO ACIDENTE AÉREO EM PARATY MATA O MINISTRO DO STF TEORI ZAVASCKI E OUTRAS QUATRO PESSOAS.
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ARTIGO JAMES MARTINS “A Bahia não é uma cidade de contrastes. Não é não. Quem pensa assim está enganado. Tudo aqui se interpenetra, se funde, se disfarça e volta à tona sob os aspectos mais diversos (...) De contrastes seria se fosse uma cidade com coisas que nada tem que ver com a outra, mas aqui tudo tem que ver”, escreveu um dia o pintor Carybé. E o mesmo pode ser dito da música: a base é uma só. Aqui tudo tem que ver, e se funde, se interpenetra. Pois nestes últimos 40 anos tornou-se cada vez mais explícito o tal elemento comum que pulsa em nossas diversas manifestações musicais. Se antes havia as turmas conflitantes do Axé e do Rock, hoje nenhum roqueiro precisa mais fingir que não sabe sambar. Mas já o fato de o movimento Axé Music ter sido batizado, ainda que jocosamente, por um roqueiro, é bastante revelador. The Rock = Arrocha. Raul Seixas cantando Sessão das Dez: “inocente, puro e besta”. Em 1979, o Badauê desfilou seu primeiro Carnaval. Era um afoxé pop, diferente, um neo-afoxé, como disse Antonio Risério. Talvez esteja nele a chave do processo (impossível de esmiuçar aqui) que tornou o pagodão do Psirico (via BaianaSystem) uma febre entre universitários e que nos permite unir, sem assombros, Igor Kannário e Dorival Caymmi.
12 DE JULHO O JUIZ SÉRGIO MORO CONDENA O EX-PRESIDENTE LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA PELOS CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA E LAVAGEM DE DINHEIRO. LULA SE TORNA O PRIMEIRO PRESIDENTE DA REPÚBLICA CONDENADO POR CRIME COMUM.
15 DE NOVEMBRO O SUBMARINO ARGENTINO ARA SAN JUAN DESAPARECE, COM 44 TRIPULANTES, NO OCEANO ATLÂNTICO, E SÓ É ENCONTRADO UM ANO DEPOIS.
2018 14 DE MARÇO A VEREADORA DO RIO DE JANEIRO MARIELLE FRANCO E SEU MOTORISTA ANDERSON GOMES FORAM ASSASSINADOS A TIROS.
7 DE ABRIL O EX-PRESIDENTE LULA CHEGA A CURITIBA PARA COMEÇAR A CUMPRIR A PENA DE 12 ANOS E UM MÊS DE PRISÃO.
1º DE MAIO EDIFÍCIO DE 24 ANDARES DO LARGO DO PAISSANDU DESABA EM INCÊNDIO NO CENTRO DE SÃO PAULO.
21 DE MAIO CAMINHONEIROS ENTRAM EM GREVE NACIONAL DURANTE CINCO DIAS, AFETANDO O ABASTECIMENTO DE COMBUSTÍVEL E ALIMENTOS. (FOTO)
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23 DE JUNHO 12 MENINOS E O TREINADOR DO TIME JAVALIS SELVAGENS FICAM PRESOS EM UMA CAVERNA ALAGADA PELAS CHUVAS, NA TAILÂNDIA, E SÃO RESGATADOS. (FOTO)
De Caymmi a Kannário Música Na Bahia, tudo tem que ver, e se funde, se interpenetra. O mesmo pode ser dito da música: a base é uma só, o DNA é o mesmo
QUEM É James Martins é poeta. Fez pesquisa e roteiro para o filme Axé Canto do Povo de um Lugar. É apresentador e comentarista na Rádio Metrópole ï
TOQUE ANCESTRAL É que, na Bahia, quando vai se ver, o novo ritmo do Verão é um toque ancestral multissecular. João Valentão cantando: “Tá ligado que eu sou barril dobrado!”. Aliás, o próprio Caymmi, em artigo raro de 1969, disse que “a música popular da Bahia nasce, com tranquilidade, no meio da rua. É a cantiga de roda que todo mundo canta, anônima e universal na sua força criadora”. E também que sua influência “é irresistível e aparece até na música erudita, como na que Radamés Gnatalli fez para harpa e orquestra baseado no pregão Flor da Noite”. Mas também vale o contrário: É o Tchan vindo de Beethoven do tchan-tchan-tchan-tchan. Trazendo a chula pro trio. Não por acaso, o Tropicalismo é coisa de baiano. De certa forma, o movimento era uma tradução do Carnaval de Salvador para (i. e., estrangeiros) não-baianos: tratava-se não apenas de trazer a guitarra elétrica para a MPB, mas de tê-la inventado, naturalmente, para atender as nossas próprias necessidades folionas e de expressão. Essa mesma guitarra-baiana que hoje, junto aos sound systems, batiza o conjunto (tão nativo quanto alternativo) cujo vocalista
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preto se chama Russo. Não se tratava de aderir ao rock ’n roll, mas de se reconhe/ser roquenrol. Assim como do rock, enfim, reconhecer-se baiano. Roque?
MERCADO DO AXÉ Hoje o lance está consolidado. O visual de Igor Kannário (e algumas de suas atitudes) lembra um punk. La Fúria é um nome à la Rage Against… – ÀTTØØXXÁ, Piatã! O Axé criou um forte mercado local e deslocou o eixo da produção de estrelas. E se Dorival precisou pegar um Ita no Norte para ir pro Rio morar, o Príncipe do Guetto só mudou de bairro. E só porque quis, e ganhou grana. Por outro lado, foi o enfraquecimento desse mesmo mercado que possibilitou o surgimento de inúmeras outras expressões (outrora sufocadas por ele) tão baianas como e que, além de tudo, realimentam o próprio Axé: de Larissa Luz a Baco Exu do Blues. Baco, aliás, questionado sobre suas influências, cita logo Jorge Amado, o romancista. Mas também o letrista de É Doce Morrer no Mar, de Caymmi. A base é uma só. De Mestre Bimba ao Bim Bom. Entre Rogério Duprat e
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Edith do Prato. Letieres Leite & Orkestra Rumpi(drum-machine)lezz.
RALA-E-ROLA É preciso lembrar que Paulinho Camafeu é autor de Que Bloco É Esse? (1975), a canção que lançou os blocos afros, e coautor de Fricote (1985), que estourou a Axé Music. E que, se rock'n roll é uma expressão de cunho sexual, algo como rala-e-rola, essa mesma lubricidade está no cerne do samba de roda que hoje rala a tcheca no chão. Moraes Moreira cantando: “Quem é do roçado ralando coco se dá melhor”. Claro que o que mais falta aqui é citar nomes. Saulo cada vez que abre o leque, e se afasta do Axé, mais se torna o grande representante do Axé atual. Daniela, a Rainha Má, já era isso. Brown, o Cacique, idem. Luiz, o pai, igual. Falta(va) o mercado sacar. São quatro décadas de decantação de um sentimento para os mais jovens não terem grilo nenhum em suas buscas. Em seus sons. Em seus sims. Mas todos os nomes estão aqui, nessa trama que só pretende isso mesmo: incluir. De Caymmi a Kannário: Tudo nosso / Tudo deles ï
2 DE SETEMBRO INCÊNDIO CONSOME O MUSEU NACIONAL DO BRASIL, NO RIO DE JANEIRO, PERDENDO 80% DO SEU ACERVO. (FOTO) 2
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6 DE SETEMBRO JAIR BOLSONARO É VÍTIMA DE UMA TENTATIVA DE ASSASSINATO DURANTE CAMPANHA ELEITORAL EM JUIZ DE FORA, MINAS GERAIS.
2019 1 Caetano Veloso, precursor da Tropicália, concedendo entrevista (de sunga) em janeiro de 1980. Foto: Sônia/Arquivo Correio 2 É o Tchan passando pelo Farol da Barra no Carnaval de 1998. Foto de Welton Araújo 3 Afoxé Badauê faz roda de samba no Carnaval de 1980. Foto de Carlos Catela
1 DE JANEIRO POSSE DE JAIR BOLSONARO, ELEITO NO SEGUNDO TURNO EM 28 DE OUTUBRO DE 2018 ï
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1 ARTIGO ARMANDO AVENA
Sempre disposto a valorizar a editoria de economia, o periódico, há 40 anos, trabalha em prol de enaltecer o empresário local por meio de matérias e publicações especiais como foi o caso de cadernos emblemáticos como o Correio Negócios e Correio Trabalho Carlos de Souza Andrade Presidente da Fecomércio-BA
O Jornal Correio é um importante aliado do setor agropecuário e do produtor rural baiano, sempre dando destaque aos assuntos que vêm do campo, com discussões pertinentes e ouvindo as principais fontes do segmento Humberto Miranda de Oliveira Presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado da Bahia
Parabenizo toda a equipe do Correio, por manter, com determinação e profissionalismo, um jornal que, aos 40 anos, virou referência no registro sobre o que ocorre de mais importante na economia da Bahia Ricardo Alban Presidente da Federação de Indústrias do Estado da Bahia
Até a metade do século passado, a economia baiana estava presa a um enigma: o enigma baiano. A Bahia de então era um estado rico, gerador de excedentes e com forte especialização no comércio exterior, especialmente na produção de cacau. Mas era também um estado pobre e sem dinamismo, já que o excedente produzido por essa economia não era reinvestido aqui e vazava para outros estados transformando-se em consumo supérfluo e improdutivo. O enigma baiano foi decifrado nos anos 50 com a implantação da Petrobras e a construção da Refinaria Landulfo Alves (RLAM), depois com a instalação do Centro Industrial de Aratu e, finalmente, em 1978, com a entrada em operação do Polo Petroquímico de Camaçari. A industrialização parecia ser a saída e, a partir daí, novas indústrias se instalaram na Bahia como o complexo da Ford, o polo de celulose, indústrias de pneus, informática, calçados, bebidas e outras e, mais recentemente, o complexo acrílico da Basf e as empresas de energia eólica. A economia se fez mais complexa e a região Oeste transformou-se num dos maiores polos agroindustriais do país, enquanto a fruticultura irrigada, as florestas plantadas, o café, a avicultura e outros segmentos tornavam-se ilhas de modernidade. Ao mesmo tempo, o turismo se expandiu e, junto com ele, a indústria do lazer e do entretenimento, e o estado ampliou sua especialização no setor serviços, hoje responsável por cerca de 70% do PIB baiano. A Bahia se modernizou, mas continua aprisionada a um novo enigma. O enigma de hoje é semelhante, pois a economia baiana permanece vinculada às commodities e suas oscilações no mercado internacional. Seja no agronegócio, com a soja e a fruticultura irrigada, na cadeia do petróleo e da petroquímica, na celulose ou nos minérios, o que se verifica é o aprofundamento da nossa dependência na produção de commodities agrícolas e industriais. E com um agravante: a Petrobras, que representava 30% do Valor de Transformação Industrial em 2015, representou apenas 15% em 2017 e está em fase de desinvestimento. A indústria petroquímica ainda permanece atuante, mas sua âncora, a Braskem, tornou-se uma empresa multinacional e a Bahia já não tem tanta importância no seu portfólio de investimentos. Para completar, essa economia tem enorme deficiência de infraestrutura, o que amplia o chamado custo-Bahia e reduz sua competitividade. Como decifrar esse novo
O novo enigma baiano
Economia Seja no agronegócio, na cadeia do petróleo e da petroquímica, o estado segue dependente da produção de commodities
QUEM É Armando Avena é escritor e economista. Membro da ALB, é doutor em Ciências Sociais e professor da Ufba. Foi secretário estadual de Planejamento e presidente da Fundação CPE ï
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enigma baiano que nos indaga sobre um estado que ainda é um dos mais pobres e desiguais do país, cuja industrialização foi excessivamente concentrada em poucos setores e que possui grandes gargalos na sua infraestrutura? Antes de mais nada, é preciso recriar o sistema de planejamento, que é fundamen-
tal, pois fornece subsídios às lideranças empresariais e políticas para que elas possam lutar por projetos factíveis e decifrar o novo enigma, a saber: a) como a Bahia pode aprofundar e diversificar seu perfil industrial e agroindustrial, para inserir-se no novo ciclo de investimentos industriais e pós-industriais? b) como destravar investi-
mentos estruturantes e fundamentais como a Ferrovia Oeste-Leste, a construção do Porto Sul e a modernização do Porto de Aratu, só para citar os mais emblemáticos? c) como priorizar recursos, orçamentários ou extraorçamentários, para estimular o desenvolvimento e a inovação tecnológica e o investimento maciço em educação,
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fatores que determinam a competitividade no mundo moderno? A Bahia precisa responder a essas perguntas. Precisa repensar seu modelo econômico, dar-lhe novo rumo, tentando ampliar a transformação de bens no nosso território, verticalizando a produção, aumentando o conteúdo tecnológico da economia, diversificando a base produtiva, estimulando as startups, fazendo turismo de forma profissional e colocando a infraestrutura certa no local certo e na hora certa. A academia e nossas universidades precisam sair da posição cômoda de doutores da teoria pura e integrar-se ao mercado, articulando-se com a indústria e o agronegócio e gerando conhecimento que se transforme em tecnologia e inovação e possa gerar lucro. E o poder público necessita agir para, além do trabalho no âmbito da dotação de infraestrutura, estimular a inversão em novas tecnologias e na indústria 4.0 e nos segmentos do agronegócio e criar vantagens competitivas em setores como o turismo e os serviços, atuando como intermediador e catalizador dos novos investimentos. ï
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1 Polo Petroquímico Camaçari, 1991, Arquivo Correio 2 Porto de Aratu 1998, foto de Claudionor Júnior 2 e 3 Cacau e uva Sul da Bahia, 2001, foto de Edmar Mello 4 Fábrica da Ford Camaçari, 2007, Arquivo Correio
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Salvador, terça-feira, 15 de janeiro 2019
ARTIGO NIZAN GUANAES PUBLICITÁRIO
Parabenizo o CORREIO pelos 40 anos de história no jornalismo da Bahia e, também, pelo espaço concedido a todas as religiões, incluindo as de matrizes africanas. Sabemos o quanto é importante contar com um veículo sério e de qualidade, que faz cobertura jornalística dos temas que são relevantes e que afetam o povo de santo, como intolerância e racismo Mãe Carmen de Oxalá
Ialorixá do Terreiro do Gantois
Quando o CORREIO aborda notícias ou questões que envolvem religiões, percebo a preocupação de ser respeitoso e objetivo, buscando destacar os valores de cada expressão religiosa e incentivando o respeito mútuo
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Nizan, volte pra Bahia Identidade Um estado cheio de história e que encanta o mundo precisa se reencontrar com sua essência para crescer de forma única
Dom Murilo Krieger
Arcebispo de Salvador e primaz do Brasil
Foi importante o surgimento do jornal porque levou o nome do estado para mais longe. A força afro de Salvador é mostrada no CORREIO Antônio Carlos dos Santos, o Vovô do Ilê Presidente e fundador do Ilê Aiyê , o mais antigo bloco afro
Quando fiz 60 anos, no ano passado, minha psiquiatra deu um conselho memorável: “Nizan, volte pra Bahia”. Ela não estava me aconselhando a mudar para a Bahia, mas ficar perto da Bahia e deixar a Bahia me mudar. O menino do Pelourinho cresceu, mudou para São Paulo, ganhou o mundo. Foi muito tempo longe do lugar em que nasci, da terra de meus pais, irmãos e tios, dos meus amigos e colegas do Marista, de nossos costumes e crenças. A gente ganha o mundo, mas se perde nele.E se isto é verdade para mim, se eu preciso recapturar a minha história, é verdade também para Salvador. O New York Times acaba de apontar a cidade como um dos 52 lugares para se vi-
sitar em 2019. É a única cidade brasileira da lista. E o texto do mais importante jornal do mundo não deixa dúvida: tudo o que ele destaca está na cidade velha. Se Salvador for ser a cidade global que deve ser, o caminho está ali. Nosso futuro está no nosso passado. Nós, os velhos baianos, chamamos Salvador de Bahia em função da Baía de Todos-os-Santos. Só que Bahia se escreve com H, o H da história. Esse é o H que nos define, nos torna interessantes, criativos. Seguindo o conselho da psiquiatra, resolvi passar boa parte do Verão aqui na cidade. Para estar ainda mais perto, pedi a Renata Magalhães e ao CORREIO para escrever esta coluna e assim
1 Praça Castro Alves com intenso movimento. Foto de Sônia/Arquivo Correio, 1979
QUEM É Nizan Guanaes é empresário e publicitário, sócio do Grupo ABC, maior conglomerado de comunicação da América Latina. É o autor de We Are The World of Carnaval, considerado um dos hinos do Carnaval baiano ï
dividir meus pensamentos com a comunidade onde nasci. Não quero apontar defeitos nem fazer críticas, mas dar sugestões e insights. A cidade, como diz o Times, vive um renascimento. É preciso aproveitar. A chegada de hotéis como o fabuloso Fasano, onde estarei hospedado, e o lindo Fera Palace trazem novo ciclo para o Centro Histórico. Surgem novos empreendimentos - hotéis, restaurantes, museus, galerias, antiquários. Dois centros de convenções estão planejados em localizações adequadas e complementares, na orla e na Cidade Baixa. Que venham, rapidamente, para encher Salvador com seus eventos, gerando os re-
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cursos que a cidade precisa. O turista vem ver história, cultura, música, culinária vem ver a Bahia com H. Caetano, Gil, Glauber, Caymmi, Jorge Amado, Risério, Carybé, Cid Teixeira bebem da água da história e são chafarizes para nós. Então, meus amigos, história na veia da nova geração, nas veias da cidade. Uma dose massiva nos currículos das escolas públicas e privadas. Esse papel não é só do Estado, é da comunidade. TVs, rádios, jornais, blogs, sites têm que ensinar história. Nossos artistas e comunicadores devem propagar história. Os motoristas de táxi e de Uber precisam saber nossa história de cor e salteado. História é orgulho, história é ética, história é cuidado com a coisa pública, história é propósito. Não se trata de poesia nem delírio meu. Isso é posicionamento estratégico, a minha especialidade, o que faço há 40 anos para centenas de clientes, entre os quais os maiores grupos privados do Brasil e do mundo. Salvador não tem que inventar a roda, tem que copiar Lisboa, Paris, Roma. Mas copiar do seu jeito. Lisboa é a sensação da Europa porque está construindo uma cidade moderna sob os alicerceares da antiga. Vamos trazer as melhores coisas do mundo. O Uber aqui será com H. A Califórnia tem o Vale do Silício, Salvador terá o Vale do Dendê, criada pela mente de Paulo
Rogério, que luta para espalhar startups de nossa criatividade com pitadas de pimenta. Isso é sonho? Não. Vamos lembrar que esta cidade há décadas sacode o Brasil e o mundo. Sartre e Neruda vieram a Salvador atrás de Jorge Amado. Chega de modéstia. Modéstia não é um traço baiano. Nós tentamos ser modestos, mas não encontramos motivo. O que precisa ser feito, todo mundo sabe. As respostas são conhecidas. Eu vim fazer perguntas. Por que nossos sinos não tocam? Por que não incentivamos as noivas do Brasil todo a virem casar na cidade com 365 igrejas? Por que estamos perdendo o lindo hábito de vestir branco nas sextas-feiras? Por que exploramos pouco a Baía de Todos-os-Santos? Nosso calendário de eventos é global ou paroquial? Por que os blocos afros não são prestigiados com toda a sua importância? O mundo chega e chora de emoção ao ver o Ilê passar. Como vi Naomi Campbell fazer. Quando o mundo viu Michael Jackson e Paul Simon cantando os tambores da Bahia, o mundo pirou. Meu avô, um sindicalista mulato e comunista, me ensinou nossa história, e essa plataforma genética me fez cidadão do mundo. Fui longe e agora quero voltar. Como aconteceu comigo, minha cidade amada, minha soterópolis, minha Roma Negra, minha Bahia com H, eu lhe dou um conselho: volte pra casa, Bahia. Volte pra Bahia.
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Salvador, terça-feira, 15 de janeiro 2019
Salvador, terça-feira, 15 de janeiro 2019
ARTIGO ANTONIO RISÉRIO
O CORREIO, num momento de celebração tão marcante, escolheu a melhor trilha sonora! A música da Bahia é o nosso elo e representa a alegria do nosso povo. É uma honra fazer parte deste disco e desta história de sucesso! Parabéns, CORREIO Claudia Leitte Cantora
Imprensa livre e educação pública de qualidade são pilares fundamentais de uma sociedade verdadeiramente plural, justa, inclusiva e democrática. Os 40 anos do CORREIO são, de fato, uma boa notícia João Carlos Salles Reitor da Ufba
Completar 40 anos é um marco. Só posso agradecer ao jornal CORREIO pelo excelente trabalho desenvolvido, sobretudo no segmento educacional, com matérias de relevância e propícias ao debate e reflexão. Continuem contando com a Unijorge para fomentar o conhecimento Guilherme Marback Reitor da Unijorge
É hoje célebre a mensagem enviada por Jorge Amado a Antonio Carlos Magalhães, então prefeito de Salvador. Jorge vinha de uma longa estada na Europa e tomou um susto quando viu o que Antonio Carlos estava fazendo na (e com) cidade. Ficou encantado. E, sem renegar a sua formação comunista, não hesitou em parabenizar o prefeito: “Sou seu adversário político, mas não sou cego”. Anos depois, ainda comentaria: “Há uma cidade de Salvador de antes da administração de Antonio Carlos, outra de depois”. Difícil discordar. O que nós tínhamos, antes de Antonio Carlos assumir a prefeitura, era uma cidade algo perdida, quase uma anciã de mão trêmula. Uma cidade que voltara as costas ao seu passado e não abrira os olhos para o futuro. Antonio Carlos resolveu encarar as duas coisas. Fazendo o que foi possível, enquanto prefeito, e levando adiante a obra, já como governador. Para dizer em poucas palavras, Antonio Carlos rompeu com a timidez secular dos governantes locais diante do espaço urbano. Analistas de esquerda costumam usar um clichê algo nonsense, quando falam do trabalho de gente como Edgard Santos e Antonio Carlos: “Modernização conservadora”. Seria supostamente a promoção da modernização técnica sem um correspondente avanço social. Curiosamente, quando a esquerda baiana chega ao poder e aí se incrusta (de 2006 até hoje), copia Antonio Carlos apenas parcialmente: assimila e põe em prática a “gramática política” do carlismo, como costuma dizer o cientista político Paulo Fábio, mas nada moderniza – e, paradoxalmente, leva a Bahia a se converter num escândalo social. Ao longo desses últimos anos, quando o Brasil deu alguma melhorada, a Bahia não acompanhou seu ritmo. E quando o Brasil foi mal, a Bahia foi pior. Vejam os números do PIB. Mas voltemos ao nosso tema. Falei das duas vertentes da ação de Antonio Carlos na administração pública: um pé no passado, um pé no presente. Ou melhor: foco na memória coletiva, foco em rumos futuros. No primeiro caso, com a atenção voltada para o nosso “Centro Histórico”, que o governador J. J. Seabra pretendeu demolir, chegando mesmo a derrubar a velha Sé da Bahia. Em plano urbanístico, Antonio Carlos reviu e acionou o projeto das “avenidas de vale”, que vinha do Epucs (Escritório do Plano de Urbanismo de Salvador) e de Mário Leal Ferreira. Mas com uma diferença fundamental: no projeto original, as “cintas de cumeada” tra-
1 Av. Paralela 1988. Foto: Luis Hermano 2 ACM no Centro Histórico. Foto: Arquivo Correio
QUEM É ï Antonio Risério é escritor, antropólogo, ensaísta e historiador. Autor de livros como Uma História da Cidade da Bahia e Avant-Garde na Bahia
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Breve leitura de um legado
Evolução da cidade A difícil missão de mudar o rumo de Salvador quando ela estava de costas pra seu passado e de olhos fechados pro futuro 2
çadas por Mário Leal detonariam, entre outros espaços, o Santo Antônio e o Pelourinho. Antonio Carlos não topou. Sua aposta foi mesmo nos vales, que bem depois receberiam belas passarelas, interligando comunidades plantadas nos cimos dos morros. Mais tarde, com a abertura da Paralela e a construção do Centro Administrativo, Antonio Carlos providenciaria uma saída metropolitana para a cidade. Obra que teria sua contraparte no horizonte memorial, com a recuperação do Pelourinho. Como Edgard, Antonio Carlos soube se cercar de quem entendia do riscado. Não nos esqueçamos de que, para a concepção do projeto do Centro Administrativo (onde um governador petista, num atestado de grossura, destruiu o gramado para fazer um curral onde estaciona seu helicóptero), ele chamou Lúcio Costa, o criador de Brasília. E que, enfrentando diversos empreiteiros locais ávidos por superfaturamentos, designou (e manteve) João Filgueiras Lima como o arquiteto de nossas grandes obras públicas. Em comparação, o que temos hoje não merece aplausos. Coisas como a implantação de um apartheid social, com o trem suburbano (vulgo “metrô”) na Paralela. A transformação do Iguatemi num inferno de concreto. O privilégio dado a viadutos para automóveis e não a espaços para as pessoas. A ação destrutiva que faz desta cidade, antes tão rica em águas, um lugar cada vez mais árido. O desprezo ignorante pela dimensão estética da cidade, essencial para o bem-estar de seus moradores. Me sinto assim na obrigação de repetir Jorge Amado: fui adversário político de Antonio Carlos, mas não sou cego. E, quando vejo a mediocridade tomando conta de tudo, só tenho a confessar que sinto saudades da sua competência técnica, da sua capacidade de formar equipes primorosas, da sua sensibilidade cultural. Pois o que vejo hoje, para lembrar o verso de Drummond, é barro sem esperança de escultura. Tudo a pedir pela retomada da ousadia amorosa e criativa com que Antonio Carlos tratou esta cidade.
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