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Nelly Duarte, indígena Marubo

Nelly Duarte

“Sou Marubo,nascinaaldeiaPosto Indígena Curuça, no vale do rio Javari, Amazonas. Surgi dos meus pais, Rane Tupane e Tama Sheta. Cursei Bacharelado em Antropologia na Universidade Federal do Amazonas e hoje sou aluna do curso mestrado no Programa de PosGraduaçao em Antropologia Social do Museu Nacional/UFRJ.Moro em Icaraí–Niteroi/RJ”. Sou neta de Joao Tuxaua, liderança Marubo, considerado um ser especial entre seu povo. Desde que comecei a estudar, a família me cobrou muito para eu ocupar esse lugar de liderança. Quando ingressei na universidade para estudar antropologia,asmulheresdaaldeia souberam disso me pediram ajuda. Aqueixaprincipaldasmulheresea de que seus filhos e filhas nao tem mais tempo para ouvi-las. Para nos,aformadeeducarascriançase sentar com a filha e com o filho, conversar,chamaraatençaodopai para que haja uma conversa entre paiefilho,conversarcomasavose os avos. Esse momento de ruptura

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Ainda pequena, meu pai me mandou estudar na cidade com os padres. Para ele, bastavaeuaprender alereescrever,depoismetornaria uma professora ou assistente de enfermagem na aldeia. Nao estava previstoqueeuentrassenauniversidade. Sempre que eu voltava nas ferias para a aldeia, tinha que contar tudo o que eu tinha feito na escola,relatartodaaminhaexperiencia do ano. Ate uma musica que eu tinha ouvido na cidade, meu pai pedia para eu cantar na frente de todo mundo. Ele adoravame expor nafrentedaspessoas.Issomefrustrava e me envergonhava, mas ele queriaqueeutivessedesdepequena um espírito de liderança (kakashavo,emlínguaMarubo).Ele queria que eu fosse uma liderança porque ele nao teve filho homem. Como eu era quem estava aprendendo a situaçao de duas sociedades, para ele, eu seria uma portavoz.Aí,comeceiasentirquenaminha família nao poderia viver normalmente, assim como na outra sociedade tambem nao. Eu ficava me perguntando o tempo todo quemeuera.Depois,saidoconven- tao livre… ninguem me cobrava nada,erasoeu,naofalavaquemeu era para ninguem. Aí recebi uma proposta para trabalhar em uma organizaçao indígena. Quando cheguei, uma liderança queria que eu fosse dele. Para trabalhar la, eu teria que ser dele. Foi um momento de crise: ao mesmo tempo eu queriaentraraliefazercomquemeus pais me vissem como liderança, mastambemnaoqueriaterdeficar com um homem de quem nao gostava. Acabei me afastando de la, e elecomeçouafalarmaldemim.Foi uma situaçao chata. Eu queria me afastar, mas ao mesmo tempo queria provar que era igual a ele, que nao precisava virar mulher dele paraserimportante.

Aí, apareceu em Manaus um curso de Antropologia Aplicada, atraves do CIMI (Conselho Indigenista Missionario) [1]. Teria gostado de fazer,masaquelaliderançatinhaque me dar uma declaraçao. Resolvi pedir para ele, ele deu, mas logo depois fingiu que nao sabia de nada, nao pagou minha matrícula e aindafalouummontedecoisasabsurdasparaminhafamília.

Acabei ficando doente. Peguei tuberculosee fiquei 3meses sem ver ninguem no hospital. Nesse tempo tambem perdi meus dois irmaos que morreram de hepatite delta [2].Compreicasanacidadeeacolhi meus pais que estavam sem condiçoes emocionais e mesmo materiaisparaviverporqueosdoisfilhos tinham morrido (uma menina de 14 anos e um menino de 10 anos). Elesentraramemdepressaoevirei mae e pai dos meus proprios pais. Como eles nao sabiam viver na cidade, acabei sendo aquela que resolviatudo.

Entao comecei a trabalhar com os Maristas que davam palestras nas escolas e entrei na faculdade, em Benjamin Constant, na UniversidadeFederaldoAmazonas.

Escolhi estudar Antropologia. A antropologia me chamava a atençaoporquequeriaconhecerarealidade do Óutro, afinal nasci e cresci vendoantropologostransitandoali, entaoafinal,“qualeraacuriosidade que traziaumantropologo ali, qual era o interesse dele em conhecer meu povo, e para que isso?” Ja que os antropologos estudam indígenas, eu queria estudar antropologos.

Foi quando minha mae teve a terceira recaída de cancer, aí tive que cuidar dela mesmo fazendo curso. Masconseguifinalizar.Nessestempos, conheci as mulheres Marubo da aldeia Boa Vista, do Rio Ituí (AM). Elas trabalham com artesanato,edisseramqueninguemmais estava aprendendo sobre isso. Eu trabalhavanaFUNAIdemanhaeia depoisparaocurso,umdiacheguei emcasaanoiteeasmulheresesta- vam la. Queriam falar comigo. Me deu vontade de fugir. Pediram a minhaajuda:“Ósantropologoscontam tudo errado ! Nos somos as autoras das nossas falas, e queremos que voce conte do jeito que a gente contar para voce. E que voce coloque isso no papel”. Esse pedido das mulheres foi mais forte. Tentei fugir porque essa cobrança era tao forte quanto as cobranças da minha família e as conversas eram sempre bem emotivas: “estamos morrendo, ja estamos acabando e voce nao pode fugir, seu avo foi responsavel pelo povo, vocetemqueteressaresponsabilidadetambem”.

As mulheres querem ter voz através de você, que seus ensinamentos ganhem o mundo …

A tradiçao sempre da a voz ao homem. Ó homem tem que estar na reuniao, tem que falar em pe, as mais velhas tentam ter voz, mas a mulher mais nova nao tem esse momento. Ela acha que tudo o que elavaifalar,otxaivairiroualguem vaiesnobar.

Engraçado que segundo um dos meus parentes homem, as mulheres nao prestam para dar informaçao, tem um machismo incorporadoaí.

Quandoeutrouxeasmulherespara oMuseudoIndioaqui,paraaÓficinadeMiçangas,eledisse:“Paraque que voce leva as mulheres? Elas vao morrer no caminho, nao vao aguentar”. Mas vejo que as mulheres Marubo querem contar. Claro que cada uma tem uma forma de contarhistoria,naohaumahistoria verdadeira, e sempre “a historia que minha mae me contou”, “a historia que minha avo me contou”, mas para alguns homens, so a historiadeleseaverdadeira.

Nelly, como se sente de estar aqui estudando?

Hoje, estou um pouco sem chao comamortedeminhamae.Mesmo que meu pai tenha ficado com a responsabilidade de me contar as historias,elenaotemmuitapaciencia para explicar. Agora vou reaprenderavivercomaausenciadela. Ela sempre dizia: “voce vai ter queaceitarashistoriasdojeitoque elas sao contadas. Nao ha historia verdadeira. Seus tios dizem isso, mas ser o paje, nao significa ser o dono da historia. Voce tem que valorizarcomoseproduzasituaçao,e qual e o vínculo da pessoa com a historiaecomoqueestaproduzindo.”

Quase desisti do mestrado, mas antes de morrer minha mae segurou na minha mao e disse: “Estou morrendo, mas voce nao vai desistir. Ficarei muito triste sevoce nao continuar. Quero que voce mostre para o seu pai que voce nao precisou ser homem para ser uma liderança.” Entao eu vim, e e por ela queestouaqui.

[

1] Ó Conselho Indigenista Missionario e um organismo vinculado a Confederaçao Nacional dos Bispos (CNBB) que atua em defesadospovosindígenasedeseusdireitos.

[2] A hepatite delta (HVD) e um vírus que dependedapreviaincidenciadahepatiteB para infectar uma pessoa. A regiao amazonica do vale do rio Javari (AM) vem apresentando taxas de mortalidade altíssimas entre indígenas por contaminaçao por HVD.

Dia23deMarço,Florianopolis,avelhaNossaSenhoradeDesterro,deFranciscoDiasVelho,completa350anos.

Povoada,sobretudoapos1748,porcasaisaçorianos,madeirenseseportugueses dasvariasregioescontinentais,apopulaçaodacidadeganhou,modernamente,otítulode“Mane”ou,maiscarinhosamente,demanezinha. Emsuahomenagem,estetextodomaiormanezinho,dailha.

“Maneeapintadamae!”Eraassim,comumpalavrao cabeludo na ponta da língua, que o nosso homem de beiramar respondiaasprovocaçoesdoilheu urbano, quando vinha na cidade para uma consulta com o doutorBarreto,baterumachapaoufazeruns inzames noDepartamentodeSaudePublica,ouaindacomprar riscadinho na Casa Salma e fazer aquela roupa nova paraaprocissaodoSenhordosPassos.

Entretanto, essa indulgente revolta faz parte de um passado,naomuitodistante,everdade,quandootermo manezinho era visto de uma forma pejorativa: qués o quê, ô istepô! Tás pensando co sô otaro?

Comodecorrerdosanos,oilheusepultouotermoem seusentidopejorativoparaassumiramanezice,oque foi provocado pelo inchaço de sua cidade, caminhandoemritmodemetropole,aoacolherumaavalanche de almas efetivamente dispostas a navegar para a eternidade neste pedacinho de terra docemente perdidonoAtlantico.

HaquemdigaqueessaautoestimacoletivafoiprovocadaapartirdacriaçaodoTrofeuManezinhodaIlha, em1987;entretanto,comocriadordoevento, sou suspeito para fazer uma avaliaçao mais profunda.Masficocomacertezadeque,com a criaçao do Trofeu, o ilheu reconquistou a autoestima e, hoje, a caminho do terceiro milenio,temumorgulhodesgraçadoemseassumirManezinho.

Na verdade, o trofeu Manezinho da Ilha, nao tem a pretensao de resgatar a cultura açoriana; se assim fosse – seria recomendavel premiar milhares de moradores das comunidades praieiras, mas, sim, homenagear pessoas identificadas com o cotidiano da cidade, com elevado espíritoilheu,comsentimento de orgulho por Florianopolis. Em síntese, ser Manezinho e um estado de espírito.

E,combasenahistoriadotrofeuaolongode11anos, emquejaforamhomenageadasmaisde200personalidades dos mais variados segmentos sociais, meu amigo Chico Amante, manezinho juramentado e com direitoadiploma,umadocefiguraquerespiraFlorianopolisoanointeiro,decideperpetuaramemoriados ManezinhosdaIlhatambememlivro,sobosugestivo título Somos Todos Manezinhos, um incansavel e eficiente trabalho de pesquisa e que revela o espírito festivo de nosso povo, bem como o perfil de mais de duascentenasdefigurasexpressivasdenossacidade eque,dealgumaforma,sedestacaramourepresentaram determinadosegmentodasociedade. Um livro com conteudo historico, que seguramente vai merecer lugar de destaque na estante daqueles queefetivamenteamamFlorianopolis.

Aldírio Simoes de Jesus no prefacio do livro Somos todosManezinhos,deFranciscoHegídioAmante,lançadopelaEditoraPapa-livro.Florianopolis,1998.

Moçambique – Dialeto Local

So quem viveu em Lourenço Marques, atual Maputo, iraentenderestedialectoLANDIM.

Boanoite,meusirmaoLaurentinos(naturaisdeLM).

Aqui,doMafalala,falaoCanganhiça(preguiçoso)para os seus mulungus (brancos) que estao a viver no (Puto) Portugal, pra lembrar as coisas xonguilas (bonitas) que acontece no nosso Maputo (desculpa, nossoLM).

Nooutrodia,pegastenaminhaburra(bicicleta)todo xonguila (bonito) e foste no Man Kay pra compraros comida, mas nao tinha maningue male (muito dinheiro)eassimtinhaqueprocurarcoisamaisbarata.

Visteunspacotesquedizia"PeitosdeFrango"!

Disseramqueerambomparafazerumpratoquechama "Estraga o inhofe". (queria referir-se a comida strogonoff) xai wena eu nunca ouviste falar que as galinha tem peito!!! E tambem estraga o inhofe ( traseiro, rabo, cu)! Wa hemba mufana! (Estas a mentir, rapaz)!

Chiça, se eu falar minha tombazana ( moça, rapariga jovem,)ouminhamamana(mulhermaisvelha)oque eu viste, vais arranjar timaca (problemas) e elas vao me bater, xicuembo xanhaca (jura)! Ó melhor e ir no xitolo (loja) comprar coisa pra fazer "Caril de Amendoim"ou"Matapa"ouainda"Peixe"acompanhadode "ChimadeArroz"ou"PapadeMandioca".

Depois vai no mercado do Xipamanine comprar uns vegetal, passas no padaria Serrano na Rua Irmaos

Roby(AltoMae)pralevarpao.

Hojechega,minavainofamba(vouembora)masnao vai de mova (carro) que so pega de tchova (empurrao),vainomachimbomboateaomeupalhota.

(casa)

Paraobomcomidadojantar,mina(eu)eomeubhava ( pai) nos vai beber uns Catembe ou Tricofaite ou Penalti.

Kanimambo (obrigado) por me aturarem e hambanine(tchau)eintemezuco(atemaislogo).

Passopa mulungus, (cuidem-se brancos) ouvi dizer queestamuitofrioaínoPuto.

Autordesconhecido

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