ISSN 0034 - 7590 Revista de Administração de Empresas ®
PESQUISA E CONHECIMENTO
Fórum
Política das UPPs e espaços organizacionais precários: uma análise de discurso Daniel da S. Lacerda e Vanessa Brulon
Valoração do conhecimento: significação e identidade na ação organizacional Andrea Cherman e Sandra Regina da Rocha-Pinto
Micropolíticas das práticas cotidianas: etnografando uma organização circense Josiane Silva de Oliveira e Neusa Rolita Cavedon
Artigos VOLUME 53 - NÚMERO 2 - MARÇO/ABRIL 2013
Ambiguidade e consequências futuras dos comportamentos éticos: estudo intercultural Manuel Portugal Ferreira, Cláudia Frias Pinto, João Carvalho Santos e Fernando A. Ribeiro Serra
Ambidestralidade e desempenho socioambiental de empresas do setor eletroeletrônico Vanessa do Rocio Nahhas Scandelari e João Carlos da Cunha
Hedonismo e moralismo: consumo na base da pirâmide Marcus Wilcox Hemais, Letícia Moreira Casotti e Everardo Pereira Guimarães Rocha
Pensata
Logística da distribuição bancária: tendências, oportunidades e fatores para inclusão financeira Marcos Bader e José Roberto Ferreira Savoia
FGV-EAESP
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Resenha
Teorizando a dinâmica da estabilidade e da mudança nas organizações Silvio Eduardo Alvarez Candido
Indicações Bibliográficas
Execução da estratégia empresarial Fábio L. Mariotto
Conexões em rede e performance da firma Wesley Mendes-Da-Silva
VOLUME 53 - NÚMERO 2 - MARÇO/ABRIL 2013
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Comitê de Política Editorial Carlos Osmar Bertero, Eduardo Diniz, Flávio Carvalho de Vasconcelos, Francisco Aranha, Maria José Tonelli, Maria Tereza Leme Fleury, Thomaz Wood Jr. EDITOR CHEFE Eduardo Diniz Editor adjunto Felipe Zambaldi Corpo Editorial Científico Alexandre de Pádua Carrieri (UFMG – Belo Horizonte – MG, Brasil), Alexandre Di Miceli da Silveira (FEA-USP – São Paulo – SP, Brasil), Allan Claudius Queiroz Barbosa (UFMG – Belo Horizonte – MG, Brasil), Álvaro B. Cyrino (FDC – Belo Horizonte – MG, Brasil), Ana Cristina Braga Martes (FGV-EAESP – São Paulo – SP, Brasil), Ana Paula Paes de Paula (UFMG – Belo Horizonte – MG, Brasil), André Lucirton Costa (FEARP-USP – Ribeirão Preto – SP, Brasil), André Luiz Samartini (FGV-EAESP – São Paulo – SP, Brasil), Andre Ofenhejm Mascarenhas (Centro Universitário da FEI – São Paulo – SP, Brasil), Arnaldo José França Mazzei Nogueira (FEA-USP – São Paulo – SP, Brasil), Anielson Barbosa da Silva (UFPB – João Pessoa – PB, Brasil), Antonio Domingos Padula (UFRGS – Porto Alegre – RS, Brasil), Antonio Moreira de Carvalho Neto (PUC Minas – Belo Horizonte – MG, Brasil), Aureliano Angel Bressan (UFMG – Belo Horizonte – MG, Brasil), Bento Alves da Costa Filho (Banco do Brasil – Brasília – DF, Brasil), Carlos L. Rodriguez (UNCW – Wilmington – NC, Estados Unidos), Carmen Augusta Varela (FGV-EAESP – São Paulo – SP, Brasil), Cesar Alexandre de Souza (FEA-USP – São Paulo – SP, Brasil), Charles Kirschbaum (INSPER – São Paulo – SP, Brasil), Christiane Kleinübing Godoi (UNIVALI – Itajaí – SC, Brasil), Claudio R. Lucinda (FEARP-USP – Ribeirão Preto – SP, Brasil), Dario de Oliveira Lima Filho (UMFS – Campo Grande – MS, Brasil), Décio Zylbersztajn (FEA-USP – São Paulo – SP, Brasil), Delane Botelho (FGV-EBAPE – Rio de Janeiro – RJ, Brasil), Eda Castro Lucas de Souza (UnB – Brasília – DF, Brasil), Edmilson de Oliveira Lima (UNINOVE – São Paulo – SP, Brasil), Eduardo Andre Teixeira Ayrosa (FGV-EBAPE – Rio de Janeiro – RJ, Brasil), Eduardo P. B. Davel (TELUQ – Quebec – QC, Canadá), Eliza Coral (IEL – Florianópolis – SC, Brasil), Eloise Helena Livramento Dellagnelo (UFSC – Florianópolis – SC, Brasil), Élvia Fadul (UFBA – Salvador – BA, Brasil), Ely Laureano de Paiva (FGV-EAESP – São Paulo – SP, Brasil), Eric David Cohen (Ibmec Rio – Rio de Janeiro – RJ, Brasil), Eric van Heck (Erasmus University – Rotterdam, Holanda), Estelle M. Morin (HEC – Montréal – QC, Canadá), Fabiana Cunha Viana Leonelli (FZEA-USP – Pirassununga – SP, Brasil), Fábio Frezatti (FEA-USP – São Paulo – SP, Brasil), Fernanda Finotti Perobelli (UFJF – Juiz de Fora – MG, Brasil), Francisco Giovanni David Vieira (UEM – Maringá – PR, Brasil), Gláucia Maria Vasconcellos Vale (PUC-Minas – Belo Horizonte – MG, Brasil), Gonzalo Vecina Neto (HSL – São Paulo – SP, Brasil), Hélio Arthur Irigaray (UNIGRANRIO – Rio de Janeiro – RJ, Brasil), Henrique Corrêa (CRUMMER – Flórida – FL, Estados Unidos), Isabella Francisca Freitas Gouveia de Vasconcelos (Centro Universitário da FEI – São Paulo – SP, Brasil), Isleide A. Fontenelle (FGV-EAESP – São Paulo – SP, Brasil), Jairo Eduardo Borges-Andrade (UNB – Brasília – DF, Brasil), Janete Lara de Oliveira Bertucci (UFMG – Belo Horizonte – MG, Brasil), Janette Brunstein (Mackenzie – São Paulo – SP, Brasil), Joanília Neide de Sales Cia (FEA-USP – São Paulo – SP, Brasil), João Amaro de Matos (Universidade Nova de Lisboa – Lisboa, Portugal), João Luiz Becker (UFRGS – Porto Alegre – RS, Brasil), João Luiz Passador (FEARP-USP – Ribeirão Preto – SP, Brasil), Jorge Ferreira da Silva (PUC-Rio – Rio de Janeiro – RJ, Brasil), Jorge Manoel Teixeira Carneiro (PUC- Rio – Rio de Janeiro – RJ, Brasil), José Antônio Gomes Pinho (UFBA – Salvador – BA, Brasil), José Carlos Barbieri (FGV-EAESP – São Paulo – SP, Brasil), José Henrique de Faria (UFPR – Curitiba – PR, Brasil), José Mauro C. Hernandez (EACH-USP – São Paulo – SP, Brasil), Julio de Castro (Instituto Empresa – Madri, Espanha), Juracy Gomes Parente (FGV-EAESP – São Paulo – SP, Brasil), Kleber Fossati Figueiredo (UFRJ – Rio de Janeiro – RJ, Brasil), Lígia Maura Costa (FGV-EAESP – São Paulo – SP, Brasil), Luciano Barin Cruz (HEC – Montreal – QC, Canadá), Luiz Artur Ledur Brito (FGV-EAESP – São Paulo – SP, Brasil), Luiz Carlos Di Serio (FGV-EAESP – São Paulo – SP, Brasil), Luiz Carlos Murakami (UFC – FEAAC – Fortaleza – CE, Brasil), Marcelo Gattermann Perin (PUC-RS – Porto Alegre – RS, Brasil), Marco Antonio Pinheiro da Silveira (USCS – São Caetano do Sul – SP, Brasil), Marcos André Mendes Primo (UFPE – Recife – PE, Brasil), Maria Alexandra Cunha (PUC-PR – Curitiba – PR, Brasil), Maria Ceci Araújo Misoczky (UFRGS – Porto Alegre – RS, Brasil), Maria Schuler (FEA-USP – São Paulo – SP, Brasil), Mariangela Leal Cherchiglia (UFMG – Belo Horizonte – MG, Brasil), Mario Sacomano Neto (UNIMEP – São Carlos – SP, Brasil), Marlei Pozzebon (HEC – Montreal – QC, Canadá), Mateus Canniatti Ponchio (ESPM – São Paulo – SP, Brasil), Maurício C. Serafim (ESAG-UDESC – Florianópolis – SC, Brasil), Max Fortunato Cohen (UFAM – Manaus – AM, Brasil), Miguel Pina e Cunha (FEUNL – Lisboa, Portugal), Otávio Próspero Sanchez (Metodista – São Paulo – SP, Brasil), Paulo Bastos Tigre (UFRJ – Rio de Janeiro – RJ, Brasil), Paulo Mussi Augusto (PUC-PR – Curitiba – PR, Brasil), Paulo Roberto Barbosa Lustosa (UnB – Brasília – DF, Brasil), Pedro F. Bendassolli (UFRN – Natal – RN, Brasil), Pedro Lincoln C. L. de Mattos (UFPE – Recife – PE, Brasil), Rafael Goldszmidt (FGV-EBAPE – Rio de Janeiro – RJ, Brasil), Raquel Janissek-Muniz (UFRGS – Porto Alegre – RS, Brasil), Ricardo R. Rochman (FGV-EAESP – São Paulo – SP, Brasil), Richard Saito (FGV-EAESP – São Paulo – SP, Brasil), Robinson Moreira Tenório (UFBA – Salvador – BA, Brasil), Rodrigo Bandeira-de-Mello (FGV-EAESP – São Paulo – SP, Brasil), Rodrigo Ladeira (UNIFACS – Salvador – BA, Brasil), Rogério Hermida Quintella (UFBA – Salvador – BA, Brasil), Salomão Alencar de Farias (UFPE – Recife – PE, Brasil), Sandro Márcio da Silva (PUC-Minas – Belo Horizonte – MG, Brasil), Sérgio Bulgacov (UFPR – Curitiba – PR, Brasil), Sérgio Giovanetti Lazzarini (INSPER – São Paulo – SP, Brasil), Sonia Maria Fleury (FGV-EBAPE – Rio de Janeiro – RJ, Brasil), Suzane Strehlau (Centro Universitário da FEI – SP, Brasil), Tales Andreassi (FGV-EAESP – São Paulo – SP, Brasil), Wilson Toshiro Nakamura (Mackenzie – São Paulo – SP, Brasil) Editora de Livros
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RAE-Revista de Administração de Empresas / Fundação Getulio Vargas. – Vol. 1, n. 1 (maio/ago. 1961) - . - Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1961 - v. ; il. ; 27,5 cm. Quadrimestral: 1961-1962. Trimestral: 1963-1973. Bimestral: 1974-1977. Trimestral: 1978-1992. Bimestral: 1992-1995. Trimestral: 1996-2010. Bimestral: 2011-. Publicada: São Paulo : FGV-EAESP, 1988ISSN 0034-7590 1. Administração de empresas – Periódicos. I. Fundação Getulio Vargas. II. Escola de Administração de Empresas de São Paulo. . CDD 658 CDU 658
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EDITORIAL
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oje, somos todos cobrados por nossa capacidade de gerar impacto internacional, seja com pesquisas, seja com periódicos. No entanto, para obtermos sucesso, precisamos – pesquisadores e periódicos – analisar com bastante atenção o ambiente de publicação que serve de veículo para a divulgação de pesquisas científicas. Se compararmos o perfil dos periódicos nacionais com o de alguns periódicos estrangeiros relevantes, tomando como base os 116 periódicos brasileiros e 151 estrangeiros da área de Administração constantes do Qualis – excluídos da lista aqueles que são claramente de outras áreas, como Ciência da Informação, Economia, Ciência Política, Psicologia, Ciências Sociais etc. – poderemos fazer algumas constatações interessantes. A primeira delas é que 86% dos periódicos nacionais são mantidos por alguma instituição de ensino superior (IES), privada ou pública. Os periódicos ligados a sociedades científicas, no Brasil, correspondem a apenas 6% desse universo. Vale observar que dois terços desses periódicos foram criados entre os anos 2000 e 2010, puxados pelo número de cursos de mestrado e doutorado, que aumentou, respectivamente, em 170% e 187%, no mesmo período. Além de haver a necessidade de ampliar o número de veículos para disseminar a crescente produção científica gerada por seus pesquisadores, as IES também aproveitaram a popularização da internet para criar periódicos eletrônicos. Chamam, ainda, a atenção a baixa participação das sociedades científicas na liderança desse processo e a dominância do caráter generalista dessa onda de novos periódicos na área de Administração. Considerando os periódicos estrangeiros do Qualis, 58% são mantidos por alguma editora comercial, 11% pertencem a alguma associação científica, 9% são ligados a IES. Os restantes são controlados por institutos de pesquisa ou combinações diversas entre esses tipos de instituições. Muito diferente do universo de periódicos nacionais, o de estrangeiros é, em geral, mais focado em subáreas específicas e mantém, na maioria dos casos, conteúdo fechado e disseminado apenas comercialmente. Como consequência desse cenário, os periódicos estrangeiros tendem a ter uma divisão mais bem definida entre o trabalho de publisher, responsáveis pelas atividades de publicação, e o de editores, com responsabilidades concentradas nas atividades científicas propriamente ditas. Nos periódicos nacionais, normalmente, os editores acumulam também as atividades de publisher, na maioria das vezes ficando em desvantagem na concorrência com a estrutura mais profissionalizada e gerencialmente mais preparada dos periódicos estrangeiros. Com o aumento crescente do peso da produção intelectual na avaliação dos programas de pós-graduação – era de 30%, em 2004, e passou a 40%, em 2010, se incluída a produção discente – fica claro que o nosso maior desafio
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não é mais a oferta de periódicos, mas a consolidação de sua qualidade. A tarefa que se nos apresenta hoje, para elevar o nível dos periódicos nacionais e confrontar a concorrência dos estrangeiros, é a construção de uma melhor estrutura de publicação científica. As questões são saber como dar esse passo sem a participação de sociedades científicas fortes e mais focadas e qual será o papel das IES, além de criadoras de periódicos no Brasil. Nesta edição da RAE, publicamos o resultado da parceria com o Encontro da Divisão de Estudos Organizacionais (ENEO), realizado em 2012 pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (Anpad). São três artigos que passaram por todo o processo editorial e contaram com a contribuição de membros do Comitê Científico da Divisão Acadêmica de Estudos Organizacionais (EOR) da Anpad para a sua avaliação e reavaliação. “Política das UPPS e espaços organizacionais precários: uma análise de discurso” identifica como ocorreu o programa de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), com base na análise crítica do discurso, revelando relações de poder e dominação; “Valoração do conhecimento: significação e identidade na ação organizacional” visa a responder quais processos são adotados pelos indivíduos para a valoração de conhecimento nas organizações; “Micropolíticas das práticas cotidianas: etnografando uma organização circense” analisa como as práticas cotidianas podem ser compreendidas com base na dimensão micropolítica dos processos organizacionais, por meio de um estudo etnográfico. Contamos com mais três artigos inéditos, “Ambiguidade e consequências futuras dos comportamentos éticos: estudo intercultural” compara a percepção de estudantes portugueses e brasileiros de Administração sobre um conjunto de cenários de ética e aceitabilidade de práticas comerciais. “Ambidestralidade e desempenho socioambiental de empresas do setor eletroeletrônico” analisa 131 empresas da indústria eletroeletrônica, com o objetivo de estudar a relação entre a ambidestralidade e o desempenho socioambiental, e “Hedonismo e moralismo no consumo na base da pirâmide” discute como a literatura sobre o consumo na base da pirâmide apresenta elementos de discursos de incentivo e de crítica. Completam esta edição a pensata “Logística da distribuição bancária: tendências, oportunidades e fatores para inclusão financeira”, assinada por Marcos Bader e José Roberto Ferreira Savoia; uma resenha sobre o livro dos professores Neil Fligstein e Doug McAdam e as indicações bibliográficas sobre “Execução da estratégia empresarial” e “Conexões em rede e performance da firma”. Tenham uma boa leitura! Eduardo Diniz Editor chefe
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SUMÁRIO FÓRUM
130 POLÍTICA DAS UPPS E ESPAÇOS ORGANIZACIONAIS PRECÁRIOS: UMA ANÁLISE DE DISCURSO Identificação das finalidades encobertas do programa de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) e as intenções a que serve, revelando relações de poder e dominação. Daniel da S. Lacerda e Vanessa Brulon
142 VALORAÇÃO DO CONHECIMENTO: SIGNIFICAÇÃO E IDENTIDADE NA AÇÃO ORGANIZACIONAL Estudo sobre quais processos são adotados pelos indivíduos para a valoração dos conhecimentos nas organizações. Andrea Cherman e
eletroeletrônica com objetivo de estudar a relação entre a ambidestralidade e o desempenho socioambiental. Vanessa do Rocio Nahhas Scandelari e João Carlos da Cunha
199 HEDONISMO E MORALISMO: CONSUMO NA BASE DA PIRÂMIDE Discussão a respeito de como a literatura sobre o consumo na base da pirâmide apresenta elementos de discursos de incentivo e de crítica. Marcus Wilcox Hemais, Letícia Moreira Casotti e Everardo Pereira Guimarães Rocha
PENSATA
Sandra Regina da Rocha-Pinto
156 MICROPOLÍTICAS DAS PRÁTICAS COTIDIANAS: ETNOGRAFANDO UMA ORGANIZAÇÃO CIRCENSE Análise de como as práticas cotidianas podem ser compreendidas com base na dimensão micropolítica dos processos organizacionais, por meio de um estudo etnográfico com um circo. Josiane Silva de Oliveira e Neusa Rolita Cavedon
208 LOGÍSTICA DA DISTRIBUIÇÃO BANCÁRIA: TENDÊNCIAS, OPORTUNIDADES E FATORES PARA INCLUSÃO FINANCEIRA Reflexão sobre o desenho logístico da distribuição de serviços financeiros à população brasileira, com indicações de oportunidades e enfoque na inclusão. Marcos Bader e José Roberto Ferreira Savoia
RESENHA ARTIGOS
169 AMBIGUIDADE E CONSEQUÊNCIAS FUTURAS DOS COMPORTAMENTOS ÉTICOS: ESTUDO INTERCULTURAL Comparação entre as percepções de estudantes portugueses e brasileiros de Administração sobre um conjunto de cenários de ética e aceitabilidade de práticas comerciais. Manuel Portugal Ferreira, Cláudia Frias Pinto, João Carvalho Santos e Fernando A. Ribeiro Serra
183 AMBIDESTRALIDADE E DESEMPENHO SOCIOAMBIENTAL DE EMPRESAS DO SETOR ELETROELETRÔNICO Levantamento com 131 empresas da indústria
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216 TEORIZANDO A DINÂMICA DA ESTABILIDADE E DA MUDANÇA NAS ORGANIZAÇÕES Silvio Eduardo Alvarez Candido
INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS
218 EXECUÇÃO DA ESTRATÉGIA EMPRESARIAL Fábio L. Mariotto
219 CONEXÕES EM REDE E PERFORMANCE DA FIRMA Wesley Mendes-Da-Silva
I SSN 0 0 3 4 -7 5 9 0
MARCH/APRIL 2013
CONTENTS FORUM
130 POLICIES OF THE UPPS AND TEMPORARY ORGANIZATIONAL SPACES: A DISCOURSE ANALYSIS Discovery of the hidden purposes of the Police Pacification Units (UPPS) and the ends they serve, by revealing relations of power and domination. Daniel da S. Lacerda and Vanessa Brulon
142 VALUING KNOWLEDGE: MEANING AND IDENTITY IN ORGANIZATIONAL ACTIVITIES A study about what procedures are adopted by individuals for the assessment of knowledge in organizations. Andrea Cherman and Sandra
the electro-electronic industry with the aim of studying the relationship between ambidextrality and socioenvironmental performace. Vanessa do Rocio Nahhas Scandelari and João Carlos da Cunha
199 HEDONISM AND MORALISM: THE BOTTOM OF THE PYRAMID Discussion regarding how the discourse in the literature about consumption at the bottom of the pyramid shows both encouraging and critical features. Marcus Wilcox Hemais, Letícia Moreira Casotti and Everardo Pereira Guimarães Rocha
Regina da Rocha-Pinto
156 MICROPOLICIES OF DAY-TO-DAY PRACTICES: CONDUCTING ETHNOGRAPHY IN A CIRCUS ORGANIZATION An analysis of how day-to-day practices can be understood on the basis of a micropolitical dimension of organizational procedures, by means of an ethnographic study involving a circus. Josiane Silva de Oliveira and Neusa Rolita Cavedon
ESSAYS
208 THE LOGISTICS OF BANKING DISTRIBUTION: TRENDS, OPPORTUNITIES AND FACTORS FOR FINANCIAL INCLUSION Thoughts about the logistical design of the distribution of financial services among the Brazilian people, with signs of new opportunities and focus on inclusion. Marcos Bader and José Roberto Ferreira Savoia
ARTICLES
169 AMBIGUITY AND THE IMPLICATIONS FOR THE FUTURE OF ETHICAL BEHAVIOR: AN INTERCULTURAL STUDY A comparison between the perceptions of Portuguese and Brazilian Business Administration students with regard to a set of scenarios involving ethical issues and the acceptability of business practices. Manuel Portugal Ferreira, Cláudia Frias Pinto, João Carvalho Santos and Fernando A. Ribeiro Serra
183 AMBIDEXTRALITY AND THE SOCIOENVIRONMENTAL PERFORMANCE OF COMPANIES IN THE ELECTROELECTRONIC SECTOR A survey conducted with 131 companies in
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REVIEW
216 THEORIZING ABOUT THE DYNAMICS OF STABILITY AND CHANGE IN ORGANIZATIONS Silvio Eduardo Alvarez Candido BOOK RECOMMENDATION
218 THE EXECUTION OF ENTREPRENEURIAL STRATEGY Fábio L. Mariotto
219 CONNECTIONS IN THE NETWORK AND PERFORMANCE OF THE FIRM Wesley Mendes-Da-Silva
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MARZO/ABRIL 2013
SUMARIO FORO
130 POLÍTICA DE LAS UPP Y ESPACIOS ORGANIZACIONALES PRECARIOS: UN ANÁLISIS DE DISCURSO Identificación de los propósitos ocultos del programa de Unidades de Policía Pacificadora (UPP) y las intenciones a que sirve, que revela relaciones de poder y dominación. Daniel da S. Lacerda y Vanessa Brulon
142 VALORACIÓN DEL CONOCIMIENTO: SIGNIFICACIÓN E IDENTIDAD EN LA ACCIÓN ORGANIZACIONAL Estudio sobre cuáles procesos son adoptados por los individuos para la valoración de los conocimientos en las organizaciones. Andrea
electro electrónica con el objetivo de estudiar la relación entre la ambidiestralidad y el desempeño socioambiental. Vanessa do Rocio Nahhas Scandelari y João Carlos da Cunha
199 HEDONISMO Y MORALISMO: EN EL CONSUMO EN LA BASE DE LA PIRÁMIDE Discusión a respecto de cómo la literatura sobre el consumo en la base de la pirámide presenta elementos de discursos de incentivo y de crítica. Marcus Wilcox Hemais, Letícia Moreira Casotti y Everardo Pereira Guimarães Rocha PENSATA
Cherman y Sandra Regina da Rocha-Pinto
156 MICROPOLÍTICAS DE LAS PRÁCTICAS COTIDIANAS: ETNOGRAFIANDO UNA ORGANIZACIÓN CIRCENSE Análisis de cómo las prácticas cotidianas pueden ser comprendidas con base en la dimensión micropolítica de los procesos organizacionales, por medio de un estudio etnográfico en un circo. Josiane Silva de Oliveira y Neusa Rolita Cavedon
ARTÍCULOS
169 AMBIGÜEDAD Y CONSECUENCIAS FUTURAS DE LOS COMPORTAMIENTOS ÉTICOS: ESTUDIO INTERCULTURAL Comparación entre las percepciones de estudiantes portugueses y brasileños de Administración sobre un conjunto de escenarios de ética y aceptabilidad de prácticas comerciales. Manuel Portugal Ferreira, Cláudia Frias Pinto, João Carvalho Santos y Fernando A. Ribeiro Serra
183 AMBIDIESTRALIDAD Y DESEMPEÑO SOCIOAMBIENTAL DE EMPRESAS DEL SECTOR ELECTRO ELECTRÓNICO Relevamiento en 131 empresas de la industria
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208 LOGÍSTICA DE LA DISTRIBUCIÓN BANCARIA: TENDENCIAS, OPORTUNIDADES Y FACTORES PARA INCLUSIÓN FINANCIERA Reflexión sobre el diseño logístico de la distribución de servicios financieros a la población brasileña, con indicaciones de oportunidades y enfocado en la inclusión. Marcos Bader y José Roberto Ferreira Savoia RESEÑA
216 TEORIZANDO LA DINÁMICA DE LA ESTABILIDAD Y DEL CAMBIO EN LAS ORGANIZACIONES Silvio Eduardo Alvarez Candido RECOMENDACIONES BIBLIOGRÁFICAS
218 EJECUCIÓN DE LA ESTRATEGIA EMPRESARIAL Fábio L. Mariotto
219 CONEXIONES EN RED Y PERFORMANCE DE LA EMPRESA Wesley Mendes-Da-Silva
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fórum
fórum POLÍTICA DAS UPPS E ESPAÇOS ORGANIZACIONAIS PRECÁRIOS: UMA ANÁLISE DE DISCURSO Recebido em 15.06.2012. Aprovado em 16.10.2012 Avaliado pelo sistema double blind review Editor Científico: Adriana Machado Casali
POLÍTICA DAS UPPS E ESPAÇOS ORGANIZACIONAIS PRECÁRIOS: UMA ANÁLISE DE DISCURSO POLICIES OF THE UPPS AND TEMPORARY ORGANIZATIONAL SPACES: A DISCOURSE ANALYSIS POLÍTICA DE LAS UPP Y ESPACIOS ORGANIZACIONALES PRECARIOS: UN ANÁLISIS DE DISCURSO
RESUMO
O objetivo deste trabalho foi identificar as finalidades encobertas do programa de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) e as intenções últimas a que serve, revelando, assim, as relações de poder e dominação a que estão submetidas as populações moradoras de espaços organizacionais precários, por meio do uso teleológico da política de pacificação de favelas do governo do Estado do Rio de Janeiro. Para tanto, foi utilizado o método de análise crítica do discurso na
avaliação dos pronunciamentos realizados em um evento ocorrido na Câmara Municipal, em homenagem ao então coronel responsável pela coordenadoria de polícias pacificadoras. Os resultados desvelam a visão submissa com que os moradores de favela são tratados, orientando a política pública principalmente para a ocupação desses espaços e contenção dos problemas existentes nesse território, para que não sejam sentidos no restante da cidade.
PALAVRAS-CHAVE Análise de discurso, UPP, espaço, favela, territorialidade.
Daniel da S. Lacerda d.lacerda@lancaster.ac.uk Pesquisador do Departamento Organization, Work and Technology, Lancaster University, Lancaster - Reino Unido Vanessa Brulon vanessabrulon@gmail.com Professora da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Fundação Getulio Vargas – Rio de Janeiro – RJ, Brasil
Abstract The present work aims to identify the hidden goals and power relationships existing in the UPP Policy, disclosing the domination to which is subjected the population from precarious and fragile organizational spaces, such as slums, especially through the teleological use of Pacification Policy by the Government of Rio de Janeiro. Thus, we have performed a critical discourse analysis of the speeches given in a City Hall event, in honour of the colonel in charge of the pacification police. The analysis revealed a biased prejudicial image that figures in the statements when referred to slum dwellers, affecting the construction of public policies concerning the occupation of such territories, in order to isolate and take the issues of such territory apart from the rest of city. keywords Discourse analysis, UPP, space, slum, territoriality. Resumen El objetivo de este trabajo fue identificar los propósitos ocultos del programa de Unidades de Policía Pacificadora (UPP) y las intenciones ulteriores a que sirve, revelando, así, las relaciones de poder y dominación a que están sometidas las poblaciones habitantes de espacios organizacionales precarios, por medio del uso teleológico de la política de pacificación de villas de emergencia del gobierno del Estado de Rio de Janeiro. Para ello, fue utilizado el método de análisis crítico del discurso en la evaluación de los pronunciamientos realizados en un evento ocurrido en la Cámara Municipal, en homenaje al entonces coronel responsable por la coordinaduría de las policías pacificadoras. Los resultados revelan la visión de subyugación aplicada a los habitantes de las villas de emergencia, orientando la política pública principalmente hacia la ocupación de esos espacios y contención de los problemas existentes en ese territorio, para que no sean sentidos en el resto de la ciudad. Palabras clave Análisis de discurso, UPP, espacio, villa de emergencia, territorialidad.
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R AE n S ão Paulo n v. 53 n n. 2 n mar /abr. 2013 n 1 3 0 - 1 4 1
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Daniel da S. Lacerda
Vanessa Brulon
INTRODUÇÃO A aplicação dos estudos organizacionais considerando seus contextos espaciais possibilita a investigação dos antecedentes e consequentes que formam o espaço organizacional (e.g., GOULART e outros, 2010; VERGARA e VIEIRA, 2005). Além disso, a aproximação com o referencial que trata do espaço geográfico, bem como de seus conceitos correlatos, conforme mostrou Goulart (2006), possibilita uma ampliação do nível de análise, sem que se perca o foco nas organizações e em suas interações. Um problema de fundamental importância da gestão do espaço/território, e que assola todos os países, embora se dê de maneira mais intensa em países subdesenvolvidos, é a formação de favelas, fenômeno associado à pobreza urbana. Regiões marcadas por informalidade, as favelas sempre foram uma solução de moradia para a população pobre, que não pode arcar com os altos aluguéis da cidade, mas se tornaram também um problema, em função das condições precárias e instáveis de moradia e ocupação da cidade. Este trabalho parte do pressuposto de que as precariedades e limitações de um espaço degradado como a favela acontecem por causa da dominação exercida por estruturas sociais. A política de pacificação das favelas do Rio de Janeiro, por meio do programa das UPPs (UPPRJ, 2011), com a consequente instalação de organizações do poder público nessas localidades, porquanto possa ter intenções justas de promover a presença do Estado em áreas antes tomadas por poderes paralelos, pode ser usada indevidamente como apenas mais um instrumento de controle social. Tendo em vista que o território é lócus de relações de poder, e é definido por e com base nessas relações (SOUZA, 2002), é imperioso que se investiguem as relações de poder e dominação que se estabelecem nos espaços precários das favelas, decorrentes da recente política de pacificação, para que também se tragam à luz as transformações territoriais que ali ocorrem. Em 2011, um vereador da cidade do Rio de Janeiro, propôs e aprovou em plenário uma homenagem ao então coronel responsável pela coordenadoria de polícias pacificadoras, com o oferecimento da medalha Pedro Ernesto. A medalha foi entregue em 5 de setembro de 2011. Estiveram presentes cerca de 200 militares, entre oficiais e praças, além de alguns familiares e amigos do coronel, e cerca de 40 crianças de duas organizações beneficentes do morro do Cantagalo, acompanhados dos responsáveis pelo grupo. Nenhum outro vereador ou membro do poder legislativo esta-
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va na casa. A homenagem, que contou também com intervenções do público, projeção de vídeos, músicas e entregas de placas aos policiais, foi uma celebração efusiva. A pergunta subjacente a tal homenagem, feita a um militar que comanda o programa de UPPs, por mais honroso, competente e bem-intencionado que ele possa demonstrar ser, é: por quê? O coronel Robson Rodrigues da Silva, que antes estava à frente da Coordenadoria de Análise Criminal, foi o escolhido para assumir o Comando de Polícia Pacificadora (CPP), responsável pelas UPPs, em 2010. O vereador que promoveu a homenagem, eleito como suplente de outro vereador que se afastou para assumir a secretaria municipal de obras, em janeiro de 2009, era o então vice-presidente da Comissão de Turismo da Câmara, e o cargo ocupado por ele foi motivador de uma análise mais criteriosa daquele evento, estudado neste trabalho. Diante dessas inquietações, o objetivo da presente investigação é identificar as finalidades encobertas do programa de UPPs e as intenções últimas a que serve, por meio da investigação de dois discursos proferidos no evento supracitado. Com isso, esperamos desvelar as relações de poder e dominação a que estão submetidas as populações moradoras de espaços organizacionais precários, com base no uso teleológico da política de pacificação de favelas do governo do Estado do Rio de Janeiro. A perspectiva teórica e os fundamentos conceituais que norteiam o trabalham seguem a proposta de autores como Marcelo Milano Falcão Vieira e Sueli Goulart, que enfatizam e demonstram a importância de se inserirem nos estudos organizacionais as temáticas de espaço e território, de modo a se assumirem as organizações como configuradoras e configuradas por e a partir do território no qual estão inseridas (e.g., VIEIRA e VIEIRA, 2003; GOULART e outros, 2010).
REFERENCIAL TEÓRICO Visando a apreender o fenômeno dentro da sua complexidade, será realizada aqui uma articulação do objeto estudado com três categorias principais: espaço, favelas e políticas públicas de segurança.
Estudo do espaço Como o escopo desta pesquisa está orientado ao estu-
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do de espaços precários, é importante também considerar suas especificidades com base na aproximação da categoria espaço, visando entender e justificar a forma de existência e atuação de organizações que ali estejam. A categoria espaço – e seus conceitos correlatos, como território, lugar, ambiente etc. – é fundamental para investigações em estudos organizacionais que considerem verdadeiramente o contexto social de entorno. Assim como na Física, essa categoria é operacionalizada a partir do conjunto tempo-espaço, que representa as diferentes escalas de desenvolvimento social. Sua utilização é importante na medida em que provê um pano de fundo às demais categorias de pesquisa: “é no tempo-espaço que estruturas, processos, tomadas de decisão, modelos de gestão, tecnologias, poder, enfim as tradicionais categorias de análise ocorrem” (VERGARA e VIEIRA, 2005). O conceito traz, ainda, contribuições para se pensarem políticas públicas. A noção de território classicamente utilizada para produção de políticas públicas é, muitas vezes, banalizada e usada como sinônimo de um espaço qualquer, sobre o qual são aplicadas políticas públicas que se inspiram em modelos exógenos (GOULART e outros, 2010). Para Goulart e outros (2010, p. 389), “a exploração de construtos, conceitos e categorias de outras áreas disciplinares, particularmente da geografia, oferece importantes e consistentes elementos para a formação e para a investigação de políticas públicas direcionadas ao desenvolvimento”. Além disso, as investigações a respeito das relações de poder e dominação em estudos organizacionais, como a que aqui se propõe, tendem, muitas vezes, a analisar essas relações descoladas do território no qual se estabelecem, negligenciando a influência e a inseparabilidade entre poder e território. Ao incorporar a concepção de espaço geográfico, assumem-se também as organizações como reconfiguradoras do território, e sua interferência nesse sentido passa a ser considerada. A apreensão holística dos acontecimentos sociais, que, de acordo com o paradigma espaço-tempo, só pode ocorrer com base nessa abordagem dual, para além da dicotomia objetivo-subjetivo, é frequentemente reduzida à subordinação de tais acontecimentos à busca estratégica de eficiência. Nessa perspectiva, espaço é mais comumente representado pelo conceito “ambiente”, no qual são isoladas variáveis que dão indicações estratégicas do resultado desejado. Mas, como mostram Vieira e Garrofé (2005), uma reflexão da forma e do contexto é essencial até mesmo na
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apreciação de técnicas de gestão e modelos econômicos e sociais, de modo que não seja empreendida uma manipulação do sentido do tempo e do significado do espaço. Milton Santos foi um notório pesquisador do espaço e do território. Para o autor, “a arena da oposição entre o mercado – que singulariza – e a sociedade civil – que generaliza – é o território, em suas diversas dimensões e escalas” (SANTOS, 2009). O mesmo autor propõe que o espaço geográfico seja assumido como uma categoria de análise social. Para ele, espaço é definido como o “conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá” (SANTOS, 2009, p. 63). Baseado em sua definição, Santos (2009) reforça a ideia de que os sistemas de objetos e os de ações não podem ser pensados um sem o outro (um conjunto de ‘fixos’ e ‘fluxos’). Os sistemas de objetos dão forma às ações, e os sistemas de ações criam novos objetos. Eles interagem e, por meio dessa interação, o espaço se transforma. Para as ciências sociais, o conceito de espaço só adquiriu sentido mais estrito a partir da distinção do conceito de território. Embora sejam diversas as definições de território, elas geralmente marcam sua inter-relação com o poder, tendo em vista que o território é lócus de relações de poder, e é por elas reconfigurado (SOUZA, 2002). Os territórios são, assim, espaços de ação e de poderes (NEVES, 2002), “a cena do poder e o lugar de todas as relações” (RAFFESTIN, 1993, p. 58), e também podem ser entendidos como conflito social (DEMATTEIS, 2007). Ou, como aponta Castro (2003), o território deve ser entendido como uma arena de disputa de interesses, constituído por relações políticas, onde as noções de poder e de controle encontram-se intrinsecamente incorporadas. Raffestin (1993) explica que o território revela relações de poder. A produção do território está perfeitamente inscrita no campo do poder, tendo em vista que as estratégias de produção elaboradas por esses atores chocam-se umas com as outras em diversas relações de poder (RAFFESTIN, 1993). Nesse sentido, segundo o autor, todas as relações que se estabelecem em um território são relações de poder, queo se torna inevitável, impossível de se fazer ausente em qualquer relação. A partir das relações de poder, a ação humana afeta a materialidade do território, e os dois elementos apresentados por Santos (2009) tornam-se
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relacionados e indissociáveis, produzindo-se novas configurações territoriais. Tendo em vista que o território é produzido com base nas relações de poder que nele se estabelecem, a importância de se investigarem as relações de poder para a compreensão da reconfiguração do território é destacada por muitos autores na literatura (exs: SOUZA, 2002; RAFFESTIN, 1993; BRANDÃO, 2007). Vieira e Vieira (2003, p. 103-108), especialmente, alertam para a crescente influência que o poder econômico exerce no poder político do Estado. É nesse sentido que a investigação que aqui se propõe incorpora as categorias de espaço e território, visando observar as influências de poder exercidas sobre elas.
A questão das favelas Espaços precários não são vistos aqui somente da perspectiva do que não possuem, mas também observando-se as características que lhe são peculiares e as consequências dessas características para estudos organizacionais e sociais. Um forte símbolo de espaços precários no Brasil, as favelas representam a destinação de muitos projetos sociais e a origem de muitas iniciativas. O Observatório de Favelas (2009), uma ONG orientada para a pesquisa, ressalta, entre as características desses espaços, a “apropriação social do território” (p. 22), como também “relações de vizinhança marcadas pela intensa sociabilidade” (p. 23). Aproximadamente 20% da população mundial vivem em favelas (DELICATO, 2007). No Brasil, os censos do IBGE mostram que a população moradora de favelas cresce mais do que a população urbana (MARICATO, 2007). Segundo Denaldi (2005), nos principais centros metropolitanos do País, de 20 a 40% da população total reside em favelas. Entretanto, Maricato (2001) lembra que esses dados podem não ser precisos, já que é difícil classificar corretamente muitas das favelas sem que os cadastros municipais sejam acessados, e defende que, provavelmente, a população que mora em favelas é bem maior do que prevê o IBGE. A acelerada disseminação de favelas no Brasil teve início no fim do século XIX, quando foi formada a primeira aglomeração urbana que recebeu esse nome, na cidade do Rio de Janeiro, no Morro da Providência. Como foi fundada por antigos combatentes da Guerra de Canudos, a região recebeu o nome de “favela” em referência ao local onde os seguidores
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de Antônio Conselheiro se encontravam, no sertão baiano (OLIVEIRA, 1985). Segundo Oliveira (1985), a partir daí, todas as aglomerações semelhantes que surgiram também receberam esse nome. No início do século XX, as favelas começaram a se expandir e a se tornar “visíveis” (OLIVEIRA, 1985). Pino (1998) alega que problemas como inflação, desemprego, bem como altos preços de aluguéis, foram as principais causas desse quadro social. Agravado pela tendência migratória para centros urbanos, o crescimento das favelas acelerou-se, e, em 1950, 7% da população total da cidade do Rio de Janeiro moravam em favelas (OLIVEIRA, 1985). Como mostra Strozemberg (2009), as favelas são historicamente identificadas como a expressão de antítese da ordem pública, como um espaço transgressor, sem leis ou, pelo menos, sem as mesmas leis que regem o restante da cidade. Mas a ausência de uma equivalência de leis também implica a ausência uma equivalência de direitos e, principalmente, a ausência de um direito superior, que Lefebfre (2001, p. 134) chama de direito à cidade, entendido como “o direito à liberdade, à individualização na socialização, ao habitat e ao habitar”, que acaba por se constituir como um direito mal reconhecido, diante de outros problemas urbanos. Embora tenham surgido como forma de solução imediata para um problema urbano de habitação da população mais pobre, em um cenário de elevação de preços dos solos, as favelas tornaram-se um dos principais problemas urbanos, na medida em que foram se expandindo. Com sua disseminação, a favela passou a ser enxergada como um “problema” social que precisava ser combatido (OLIVEIRA, 1985). Segundo Valladares (2000), no início do século XX, o “problema” das favelas passou a ser discutido por jornalistas, médicos e engenheiros que demonstravam preocupação com o futuro da população, acendendo um debate em torno do que fazer com elas. E esse debate ganhou importância ainda maior, na medida em que a favela tem sido símbolo de outro grave problema social: a falta de segurança pública. Com a ausência do Estado nesses espaços, o poder paralelo do tráfico de drogas dominou-os. No Brasil, merece destaque a relevância da questão na cidade do Rio de Janeiro, local em que foi formulado o maior número de políticas governamentais voltadas para as favelas (VALLADARES e FIGUEIREDO, 1983). Como mostrou Valladares (2000), a expansão das favelas cariocas pode ser percebida, por exem-
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plo, observando-se o caso da Rocinha, localizada em São Conrado, que, entre as décadas de 1970 e 1980, aumentou sua população em mais de um terço e teve seus muitos imóveis valorizados (OLIVEIRA, 1985). Assim, o Rio de Janeiro acabou se tornando o principal objeto de análise da maioria dos trabalhos que discutem a origem e a expansão das favelas (COSTA e NASCIMENTO, 2005).
Políticas públicas de segurança Segundo Secchi (2010, p. 1), as políticas públicas “tratam do conteúdo concreto e do conteúdo simbólico de decisões políticas, e do processo de construção e atuação dessas decisões”. Para Souza (2006, p. 26), a política pública pode ser pensada como “o campo de conhecimento que busca, ao mesmo tempo, ‘colocar o governo em ação’ e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações”. Souza (2006) acrescenta que, embora existam diferentes definições de políticas públicas, a maioria delas assume uma visão holística. Villanueva (1992) observa, ainda, que há duas posições extremas no que se refere à natureza e às ferramentas de análises das políticas. De um lado, está a visão racional estrita da análise política, que pode até reconhecer a existência de diversas e poderosas restrições, mas sem renunciar à exigência de racionalidade como base fundante da sua formulação e decisão. De outro lado, está uma visão negociadora e pragmática da política, que considera a análise uma condição insuficiente e, em alguns casos, desnecessária para sua decisão e desenvolvimento. Sob esse olhar, a política das UPPs deve ser considerada a partir da conceituação do seu ciclo, que é aproximado ora pela intelectualização de suas análises e formulação de estratégias de ocupação, ora pelo desprezo às análises em defesa de uma decisão pelo arranjo de poderes entre os vários atores sociais envolvidos. As políticas públicas de segurança vêm ganhando destaque em um momento em que o aumento dos índices de violência torna-se preocupante no Brasil. A segurança pública, alcançada quando o Estado fornece garantia e preservação dos direitos e liberdades individuais, é tida como um direito social vital (XAVIER, 2008). Para Soares (2003, p. 89), segurança significa “estabilidade de expectativas positivas, compatíveis com a ordem democrática e a cidadania, envolvendo,
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portanto, múltiplas esferas formadoras da qualidade de vida”. Conforme explica Beato Filho (1999), a dificuldade de se desenvolverem políticas públicas de segurança está no fato de que há uma divergência em relação ao que se acredita que seja a origem do crime. Enquanto alguns atribuem ao problema uma causa socioeconômica, outros o pensam como uma questão de polícia e de legislação mais repressivas. A esse respeito, Soares (2003) defende que as duas coisas não devem ser pensadas como dicotômicas. Para o autor, a política pública de segurança deve se preocupar tanto com a reforma das estruturas sociais quanto com as dinâmicas da violência. Mesmo diante das dificuldades citadas, tendo em vista a perda de poder público para o tráfico nas favelas da cidade do Rio de Janeiro, o Governo do Estado implementou, a partir de 2008, um modelo de segurança: as UPPs. O decreto legal que define a estrutura do programa de UPPs (três anos após sua criação) define como objetivos “consolidar o controle estatal sobre comunidades sob forte influência da criminalidade” e “devolver à população local a paz e a tranqüilidade públicas” (RIO DE JANEIRO, 2008). Ressalta-se, ainda, a expectativa provocada por essa estratégia de segurança de fortalecer as ações sociais nas favelas, tendo em vista a inclusão de seus moradores, apesar de se tratar de um programa da Secretaria de Segurança Pública. Esse imaginário se dá pelo reconhecimento de que a questão das favelas não pode ser tratada apenas por ações de polícia. Qualquer definição de agenda para a questão das favelas no Rio de Janeiro deveria partir sempre do problema mais abrangente, e também de sua causa raiz – evitando o que Bardach (1993) chama de subótimo do problema, nesse caso, a ausência do Estado nesses territórios. Essa ausência, que leva Silva (2011) a chamá-los de “não Estado” (p. 5), conduziu a uma fragilização e consequente precarização dos serviços públicos para essa população. Por esse motivo, a questão das favelas não deveria ser tratada apenas como um problema de segurança pública. Conforme defende Strozemberg (2009), para que haja uma verdadeira integração da favela à cidade, é preciso haver uma incorporação de direitos por parte de seus moradores. De uma política de Estado, espera-se um reconhecimento da igualdade de direitos em primeiro lugar, que garanta o acesso irrestrito à cidadania concreta.
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E garantir cidadania concreta implica o reconhecimento do território favelado como território constituído por cidadãos corporificados de direito. Sendo assim, práticas como as que vêm sendo observadas, como a militarização do território e o controle social compulsório, vão na contramão do que se esperava com a chegada das UPPs, no tocante a uma política de aproximação e o estabelecimento da favela como parte indissociável da cidade (SILVA, 2011, p. 23).
MÉTODO Para investigar as falas do evento que motivaram a presente avaliação, foi empreendida uma análise crítica do discurso, com base nas transcrições realizadas em trechos escolhidos desses pronunciamentos.
de Michael Halliday, estuda a manifestação do discurso em três dimensões sobrepostas: texto, prática discursiva e prática sociocultural. A combinação desejada pelo autor é uma análise que leva em conta a relevância e especificidade social como instrumentos e reflexos da mudança social, além de ser um esquema metodológico para a análise.
Transcrição e codificação Foram transcritos dois pronunciamentos: 1. discurso de abertura do vereador, que presidia a sessão, iniciado após a apresentação dos membros da mesa e da execução do Hino Nacional pela banda da PM; 2. pronunciamento do assessor do vereador durante homenagem, após o discurso de abertura, tendo sido o quinto orador inscrito. Os dois textos foram transcritos, e um trecho de cada um deles é mostrado a seguir. Foi utilizada a seguinte legenda:
Análise do discurso Entre os discursos realizados em plenário no dia da homenagem anteriormente apresentada, foram escolhidos dois trechos para análise: o discurso de abertura do vereador, feito da mesa diretora, e uma declaração de seu assessor, feita do palanque do plenário. Os textos transcritos foram avaliados utilizando análise do discurso, conforme procedimento descrito por Fairclough (2001). A riqueza do discurso como foco da análise dá-se porque ele é, ao mesmo tempo, um constituinte social – pois é uma das formas com que as pessoas podem agir sobre o meio – mas, também, uma representação desse mesmo meio – pois reflete as entidades e relações sociais existentes ali (MAGALHÃES, 2001). O discurso é, portanto, mediador e constituinte da prática linguística e social. Uma função marcante que essa técnica oferece aos estudos sociais aplicados é a capacidade de proporcionar uma visão crítica das organizações, assim como defendido por Vieira e Caldas (2006). A análise do discurso não é um método único e não tem nem mesmo uma única perspectiva epistemológica de análise. Fairclough (2001) divide as abordagens de análise de discurso, segundo a natureza da orientação social para o discurso, em “não críticas” e “críticas”. As abordagens críticas diferenciam-se por mostrarem como o discurso é moldado por relações de poder e ideologia. Dentro do que o autor considera as abordagens críticas, está a sua própria proposta de abordagem. Fairclough (2001), estendendo o esquema linguístico
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[ênfase] ____ Pausa .... Pausa longa %%% Momento de estresse ^^^ Respirações {Fulano: nnnnnnn} Sobreposição de voz do fulano ??? Hesitação XXX Não compreensível ### Nome omitido Fragmento de texto 1 (8m 33s) [...] A partir de hoje, cel. Robson, o seu nome também faz parte da história desta casa de leis. Este parlamento é o espelho da nossa sociedade ____ e aqui estão os representantes do povo carioca. Essa é uma homenagem que estou fazendo____ ao senhor, cel. Robson, e a toda a equipe das UPPs, acredito que seja a homenagem mais merecida, justa, oferecida por um parlamentar ____em todo o nosso país ____nos últimos dois anos. Quais os brasileiros ??? que merecem mais aplausos no ano de 2010 e de 2011? Na minha opinião, e da maioria dos cariocas, [não tenho a menor dúvida], são todos aqueles que foram e são responsáveis pela implantação do sucesso das UPPs. Já que a paz nas ruas no Rio era algo [inimaginável]. [...] Fragmento de texto 2 (2m 28s) [...] Nosso último ato aqui. Boa-tarde, boa-tarde, coronel. Eu falo aqui, acho que em nome, representando, acho que duas classes, vamos dizer assim: uma
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como o gabinete do vereador Marcelo Arar, e ___ a tranquilidade que as UPPs deram pra projetos novos, a coordenação de turismo da cidade, que é uma coisa fundamental, que mexeu muito, que facilitou muito até o nosso trabalho [...] São mostrados, a seguir, os códigos definidos e um exemplo de identificação para cada um deles, conforme análise preliminar do discurso (FAIRCLOUGH, 2001): • Relevância do ato: “A medalha Pedro Ernesto que nosso homenageado está recebendo hoje é a mais alta [honraria] que o poder municipal pode dar para uma pessoa”; • Autoridade: “Este parlamento é o espelho da nossa sociedade ____ e aqui estão os representantes do povo carioca”; • Pessoalidade: “Essa é uma homenagem que estou fazendo____ ao senhor, cel. Robson”; • Exaltação: “Os nossos heróis, os nossos campeões”; • Segregação: “o povo que morava em uma terra sem leis”; • Transformação: “vamos poder dizer que a cidade do Rio de Janeiro foi dividida em dois períodos: [antes] das UPPs e [depois] das UPPs”; • Controle: “Obrigado por devolverem aos cariocas parte da cidade que tínhamos perdido” (vereador).
ANÁLISE DOS DADOS A análise realizada conforme Fairclough (2001) está apresentada aqui seguindo o próprio esquema analítico do autor, dividido em análise textual, análise da prática discursiva e análise da prática social.
Análise textual Segundo Fairclough (2001, p. 98-100), a análise textual é importante na medida em que a prática discursiva manifesta-se em forma linguística. Ela é, portanto, de natureza descritiva, apesar de poder conter elementos discursivos interpretativos. Em relação à estrutura textual, o primeiro pronunciamento pode ser dividido em quatro partes principais e sobrepostas. A primeira versa sobre a importância da homenagem que está sendo realizada; a segunda, sobre a importância do coronel home-
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nageado; a terceira, sobre a relevância do programa de UPPs; e, por fim, a transformação ocorrida na cidade. As orações, portanto, intercalam-se em termos de sentido nos três trechos finais. O segundo texto analisado é mais desestruturado, mas podem ser identificadas duas temáticas no pronunciamento do orador: a visão como assessor do vereador e a visão de empresário. Ambos os discursos buscam, de maneira muito polida, posicionar-se em um nível de cortesia que retrate o ambiente formal que rodeia o evento. O contexto traz em si, portanto, um ethos particular, que pode ser observado na forma honrosa como os indivíduos objetos das orações são referidos (“representantes do povo”, “senhores”, “honraria”, “espelho da cidade”, “corporação”), apesar das inserções coloquiais intencionais. O primeiro pronunciamento mistura um vocabulário culto, comumente encontrado em discursos, com neologismos criados pelo orador (ex: “o quadrante de enorme necessidade”). Já o segundo é pobre no volume vernacular e traz um processo de lexicalização muito próximo ao coloquial. Chama a atenção o uso de algumas palavras que dão o sentido de epopeia ao feito descrito, como “missão”; “é o cara”; “heróis”; “campeões”, bem como o uso de vocábulos com uma significação depreciativa para se referir às favelas: “selva urbana”; “massacrada”; “oprimida”. No que diz respeito à gramática, a transitividade das orações do texto mostra investimentos ideológicos nas afirmações diretas e orações declarativas, por exemplo: “A maioria das leis que rege nosso município sai daqui”; “Já que a paz nas ruas no Rio era algo inimaginável”; “Eu tenho duas casas noturnas e as duas aumentaram o movimento”. Essas declarações não aconteceram apenas na forma declarativa. Na frase “o orgulho de não se ouvir mais falar em arrastão» (assessor), a negação carrega um tipo especial de proposição (cf. Fairclough, 2001, p. 157) de que as comunidades não pacificadas geravam arrastões na cidade. Apesar de o primeiro trecho representar um discurso, há pouca coesão nos pedaços que se intercalam, que são mais ligados pela repetição de palavras como “UPPs” e “cel. Robson” do que por mecanismos de referência ou conjunção. O segundo trecho é ainda menos coeso, provavelmente por se tratar de fala improvisada, e só mostra ligação a partir da introdução do texto.
Análise da prática discursiva Para Fairclough (2001), a análise do discurso como
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prática discursiva focaliza os processos de produção, distribuição e consumo textual, que exigem uma contextualização institucional, econômica e política para serem corretamente interpretados. Embora o vereador se coloque, em muitos momentos, como representante dos cidadãos cariocas, como no trecho “Na minha opinião, e da maioria dos cariocas, [não tenho a menor dúvida], são todos aqueles que foram e são responsáveis pela implantação do sucesso das UPPs”; também se pode perceber passagens fundamentadas em uma percepção bastante pessoal (“eu olhei para um assessor meu, ###, e falei: o cel. Robson [é o cara]! Desde então resolvi que tinha que homenagear esse homem e toda a sua equipe”). Por trás da homenagem realizada, há um discurso político. O vereador fala como representante de seu partido político e, ao realizar sua homenagem, está, também, legitimando uma política de segurança pública posta em prática pelo mesmo governo do Rio de Janeiro que estava no poder na ocasião (do PMDB) e que recebia seu apoio. O controle do discurso pelo vereador é evidenciado pela subjetividade com que se coloca (ex: “Essa é uma homenagem que estou fazendo____ ao senhor”). E esse controle é também alternado dialeticamente com um distanciamento que lhe permite ter esse controle, por meio da manipulação de um metadiscurso (exs: “Dentro de longo tempo, vamos poder dizer que a cidade do Rio de Janeiro foi dividida em dois períodos”; “Toda a nossa sociedade independente de sua paz social, cultural e econômica tem o dever de aclamar todos esses policiais”). A distribuição do texto dá-se por meio das cadeias intertextuais nele presente. Nesse caso, as cadeias revelam um ambiente institucional, caracterizado pela formalidade dada pela natureza do evento, e um contexto marcadamente político. Além disso, trata-se de um consumo coletivo, em função da natureza política do evento. Quanto ao trabalho inferencial requerido para interpretação do texto, o investimento destinado à interpretação por parte daqueles que consomem o discurso não carece de grande complexidade. Com efeito, ambos os discursos possuem um alto grau de precariedade, já que não são suficientemente fundamentados, e não fazem muitas referências a eventos passados, que gerem a necessidade de conhecimentos prévios para a interpretação do texto. O gênero dos textos, especialmente o discurso de vereador, pode ser associado com o processo particu-
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lar de produção, distribuição e consumo de discursos ocorridos em plenários de casas públicas do legislativo, seguindo um ethos especial e muito particular. Pode-se citar, entre as características: a polidez do orador, a abertura protocolar, o tom exaltado de proclamação, o ambiente formal do plenário, representado pelos trajes e posturas dos presentes, as reações da plateia em momentos específicos, as tomadas de turno, que só ocorrem após o final com a concessão do orador, o estilo expositivo e oficioso, entre outras. Esses elementos favorecem a determinação social pelo discurso produzido. A produção pode ser pensada como coletiva, na medida em que o vereador fala em nome do seu partido político e de parcela da sociedade que o elegeu. Entretanto, ela também é confessadamente motivada por questões individuais, na medida em que o vereador explicita sua decisão pessoal de realizar a homenagem com base em percepções próprias. E, para além das locuções manifestadas, existem também elementos não ditos que corroboram as intenções pessoais de produtor do discurso, como será visto na seção a seguir.
Análise da prática social As pessoas do animador, autor e principal são as mesmas, representadas pelo vereador e seu assessor. Os consumidores desse discurso são o homenageado e os cidadãos cariocas presentes, mas também aqueles não presentes, que são atingidos indiretamente pelo discurso do evento. A prática discursiva foi moldada pelas ordens de discurso, já que o vereador e seu assessor legitimam, por meio de seus pronunciamentos, uma lógica civilizatória. No que diz respeito à matriz social, o discurso sobre favelas corrobora as estruturas e relações sociais hegemônicas que estão por trás dele. É um discurso que legitima uma política de segurança implantada em tempos recentes, nesse caso, reforçando as relações de poder existentes. Além disso, insinua a existência de uma sociedade homogênea, em que há uma unidade de pensamento no que tange aos benefícios da política de segurança. Por meio de seus discursos, o vereador e seu assessor corroboram uma visão conservadora, que vê as favelas como uma “selva urbana”, na qual as pessoas apenas adquirem dignidade depois de uma intervenção externa. Ex: “Não existia missão mais adequada para entrar numa comunidade, até então não pacificada, uma verdadeira selva urbana... que
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um antropólogo, um especialista em seres humanos. Pra entender, pra abraçar, pra estender a mão, dando cidadania e dignidade e pra tomar conta de um povo que morava em uma terra sem leis”. Quanto aos efeitos ideológicos e políticos do discurso, fica claro que os pronunciamentos analisados, especialmente o primeiro, estão fundamentados em uma visão ideológica de mundo particular. Para essa visão, de um lado, estão pessoas destituídas de sua dignidade e cidadania, no interior das comunidades ou selvas urbanas, como o vereador as designa. Essa dignidade só pode surgir com uma intervenção por parte de indivíduos localizados fora dessa mesma “selva”. Tal discurso revela uma visão de progresso verticalizado. Também é revelador o trecho em que se menciona a importância de que um antropólogo seja o principal interventor da comunidade, o que enfatiza uma visão de extremo estranhamento e distanciamento por parte do orador quanto a um modo de vida “exótico”, que apenas poderia ser compreendido por um profissional especializado. O discurso é imbuído de autoridade (ex: «em nome do poder legislativo do município do Rio de Janeiro e do povo carioca”) e relevância (“A partir de hoje, cel. Robson, o seu nome também faz parte da história desta casa de leis”). A ele, é adicionado um conteúdo muito particular, densamente estruturante: as UPPs, como organizações do poder público, «resolvem» o «problema» de segurança da cidade por meio da «pacificação» de comunidades que antes eram «selvas urbanas» e usurpavam a autoridade formal do Estado, utilizando-se desse poder para cometer crimes (e «arrastões») em toda a cidade. Para o vereador e sua equipe, sensibilizados e ligados às iniciativas de fomento ao turismo na cidade, a UPP, de fato, foi uma solução. Essa opinião é mostrada na articulação do discurso pronunciado: as UPPs controlam («Lugares esses onde, antes das UPPs, não tinha justiça, não tinha governador, não tinha prefeito nem polícia») as comunidades especiais («os policiais das UPPs, que sabem a forma especial de agir e de atuar com aquela determinada população») para que os efeitos colaterais de sua exclusão não atinjam o restante da cidade («o orgulho de não se ouvir mais falar em arrastão»). Essa transformação ocorrida («vamos poder dizer que a cidade do Rio de Janeiro foi dividida em dois períodos: antes das UPPs e depois das UPPs”) é suficiente para atender aos seus interesses («a gente tem uma cidade que tem segurança pra receber a
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Copa do Mundo, as Olimpíadas, e vários outros eventos”). Nada é dito da vida das comunidades, que tem como efetivo problema a carência da presença real do Estado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Territorialidade das organizações A territorialidade de espaços de favela pressupõe a ocupação e significação desses espaços por meio da sua utilização pelo homem. Uma apropriação que pressupõe relações sociais contínuas, sem rupturas no espaço social. Mas tal continuidade é rompida pela evidência de uma cidade partida nos depoimentos aqui apresentados. Com base na análise dos discursos, mostrou-se uma visão civilizatória como pano de fundo, que parte primeiramente da crença na necessidade de uma intervenção externa e superior para reestabelecer a dignidade dos moradores das favelas e a recuperação do espaço da cidade, que é afetado pelos crimes que saem do espaço de favela. Tal constatação mostra que a lógica excludente e a noção de “pedagogia civilizatória” que marcaram, conforme os relatos de Burgos (2002), as políticas públicas voltadas para as favelas ao longo da história ainda se fazem presentes. Com base na crença de que os moradores das favelas vivem em uma “selva urbana” e delas precisam ser salvos, é mais fácil justificar a entrada de organizações do poder público como as UPPs, que apresentam novos mecanismos de controle do Estado sobre a sociedade como solução do problema. Nota-se, ainda, o fato de que o vereador que promoveu a homenagem é vice-presidente da Comissão de Turismo da Câmara. Advinda dessa comissão, a homenagem tem por base benefícios que a nova política de segurança pública pode trazer para aqueles que não habitam a “selva urbana” das favelas, mas apenas sofrem as consequências de sua desordem. Uma evidência que aponta nessa direção é que, especialmente nas primeiras unidades implantadas, as favelas escolhidas para acolherem essas unidades estão em regiões ricas e turísticas (exs: Ipanema, Copacabana, Botafogo), ou de acesso a essas zonas(exs: Santo Cristo, Jacarepaguá, Estácio). Ao se pensarem as favelas como espaços, com base no que foi proposto por Santos (2009), consideram-se esses locais como compostos por ‘fixos’ e ‘fluxos’, sistemas de objetos e sistemas de ações, indissoci-
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áveis, que geram transformações por meio da interação que estabelecem entre si. Novas organizações que se inserem nesses espaços trazem mudanças nas relações de poder que ali se estabelecem, componentes de seu sistema de ações, e, consequentemente, afetam seus sistemas de objetos. Assim, o território assume uma nova configuração, que pode conter transformações sociais, das quais as favelas tanto carecem. No entanto, há indicadores no discurso analisado que apontam que essas transformações ocorrerão visando apenas a benefícios econômicos externos. Vieira e Vieira (2003) mostram que as estratégias globais definem uma nova geoestratégia espacial, na qual “o econômico está triunfante, enquanto que o social passou à categoria subalterna”. Ao pensar o espaço em toda sua dimensionalidade, as políticas públicas deveriam recuperar as dimensões social e política que se perderam, mas não foi isso que observamos. A presença das UPPs no espaço das favelas impõe uma nova configuração a esse território. Os mecanismos de dominação do Estado sobre essa parcela da sociedade, que antes vivia sob o poder do tráfico, ampliam-se, mas a segurança almejada é para outra parcela da sociedade. As possíveis transformações sociais que a entrada de novas organizações no espaço das favelas poderia trazer podem acabar se perdendo, diante do foco nos benefícios para a segurança fora do espaço da favela. Esse fenômeno foi descrito por Santos (2009) como verticalidade (em oposição à produção da horizontalidade em redes locais). Nesse sentido, cabe ainda investigar, em futuras pesquisas, exatamente de que forma a ação das UPPs vem interferindo na reconfiguração do território das favelas.
Uma crítica organizacional A análise dos discursos proferidos por membros do poder público desvela um reconhecido jogo de lutas sociais e mostra que o governo escolheu um lado nesse jogo. O ideal de levar a presença do Estado a um lugar antes esquecido é deixado para trás, em benefício de medidas de segurança que visam devolver a apropriação da cidade às classes mais ricas (“a gente tem uma cidade que tem segurança pra receber a Copa do Mundo, as Olimpíadas, e vários outros eventos”). Os moradores de favela são tratados de maneira preconceituosa e inferior, ao se orientar uma política pública apenas para a contenção dessa população, enquanto os espaços onde vivem são dominados e controlados pela polícia, em lugar de serem apropriados pelos próprios moradores.
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Observando o ciclo da política pública das UPPs (BARDACH, 1993), conforme exposto anteriormente, as declarações sobre elas retratam, de maneira equivocada e subótima, como o problema a ser resolvido foi definido – a criminalidade na cidade do Rio de Janeiro, em lugar do problema de ausência de Estado em determinados territórios; além disso, evidenciou-se um modelo organizacional de implementação que desconsidera a complexidade organizacional – um processo burocrático de implantação, admitindo poder contar com um controle objetivo que efetivamente não existe; e, por fim, uma avaliação ineficiente que desconsidera a aplicação de um accountability real (cf. ETZIONI, 2009) – uma prestação de contas a uma parcela da sociedade sem considerar as relações sociais integradas e as obrigações de ação real direcionadas às comunidades. Dessa forma, as UPPs podem ser uma solução, mas permanece a pergunta: solução para quê? O posicionamento declaradamente favorável à política de segurança em questão, sem o suporte de um processo de avaliação, e diante de sua recente implantação, deve ser questionado. Segundo Xavier (2008), a segurança pública apenas é alcançada quando o Estado fornece garantia e preservação dos direitos e liberdades individuais, e o que se observa é, ao contrário, a busca da simples ampliação dos mecanismos de dominação decorrente da instalação de organizações pacificadoras, representantes do Estado, nas favelas do Rio de Janeiro. O próprio Secretário de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, afirmou, em entrevista a um jornal, que as UPPs deveriam preparar o terreno para uma entrada mais efetiva do Estado, que não aconteceu: “O sucesso do projeto depende de investimentos maciços, e estes não estão sendo feitos na velocidade necessária” (O GLOBO, 2011). As UPPs sufocaram a ação de organizações criminosas que dominavam e subjugavam diversas áreas da cidade. Essa conquista é positiva e não pode ser ignorada. No entanto, a tomada do território deveria ser apenas a primeira ação esperada do Estado, que se encontra em débito com as 280 mil pessoas (UPPRJ, 2011) que moram nesses espaços organizacionais onde já existe a UPP implantada. Mais uma vez, o Estado parece estar sucumbindo a demandas provocadas pelas dimensões econômicas do território e esquecendo sua função pública, que, diferentemente das funções privadas, deveria ser promovida segundo princípios sociais. Essas novas formas organizacionais que se inserem nas favelas parecem negligenciar ou não assumir
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o protagonismo de sua influência na reconfiguração territorial, subaproveitando o seu potencial de gerar transformações sociais nesses espaços precários. Acreditamos que uma organização que buscasse a recuperação do espaço precário deveria ser catalisadora das contiguidades territoriais, fortalecendo as ligações locais em rede e favorecendo a chegada dos serviços de Estado faltantes (cf. SANTOS, 2009). Essa proposta, a ser aprofundada com futuras investigações, deve buscar diagnosticar as deficiências do espaço organizacional de favela com base no que ele é como território-lugar, e, a partir daí, sugerir intervenções de transformação nesse espaço.
NOTA DOS AUTORES
Daniel da S. Lacerda é bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) Processo nº 1028/12-0. NOTA DA REDAÇÃO
Este artigo participou do VII Encontro da Divisão de Estudos Organizacionais (ENEO), realizado em 2012 pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (Anpad).
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fórum Recebido em 08.06.2012. Aprovado em 05.12.2012 Avaliado pelo sistema double blind review Editor Científico: Alfredo Rodrigues Leite da Silva
VALORAÇÃO DO CONHECIMENTO: SIGNIFICAÇÃO E IDENTIDADE NA AÇÃO ORGANIZACIONAL VALUING KNOWLEDGE: MEANING AND IDENTITY IN ORGANIZATIONAL ACTIVITIES VALORACIÓN DEL CONOCIMIENTO: SIGNIFICACIÓN E IDENTIDAD EN LA ACCIÓN ORGANIZACIONAL
RESUMO
A valoração do conhecimento representa uma lacuna na área do conhecimento organizacional. Esse artigo visa responder quais processos são adotados pelos indivíduos para a valoração dos conhecimentos nas organizações. A pesquisa, realizada com profissionais de RH, utilizou grounded theory method. Os resultados sugerem que o processo de identificação dos indivíduos com a identidade organizacional ocupa um lugar central na valoração do conhecimento. A organização, por intermédio da alta gestão ou das rotinas organizacionais, surgiu como “o
outro” que parece conduzir as diretrizes a serem seguidas, assim como quais conhecimentos avaliar e valorar; aquela com quem os membros organizacionais buscam identificar-se. Os indivíduos expressaram mecanismos de afirmação, adequação ou reconstrução de suas identidades a fim de gerar, justificar ou negar identificação com a organização. É sugerido que o modelo de comando vertical ainda prevalece sobre a interação horizontal, tornando difícil o estabelecimento de conhecimento emergente entre os membros organizacionais.
PALAVRAS-CHAVE Conhecimento organizacional, valoração do conhecimento, identidade organizacional, identifica-
ção, grounded theory method.
Andrea Cherman acherman@iag.puc-rio.br Professora do Instituto de Administração e Gerência IAG, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro – RJ, Brasil Sandra Regina da Rocha-Pinto sanpin@iag.puc-rio.br Professora do Instituto de Administração e Gerência IAG, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro – RJ, Brasil
Abstract Knowledge assessment represents a gap in the area of organizational knowledge. This article seeks to determine what means are adopted by individuals in evaluating the knowledge of organizations. The research employed the grounded theory method and was carried out by human resources (HR) professionals. The results suggest that the process of providing individuals with an organizational identity occupies a central place in knowledge valuation. The organization has emerged as ¨the other¨ by means of senior management or organizational routines and this appears to have led to the guidelines that must be followed as well as the type of knowledge to be appraised and evaluated - a kind of knowledge with which the members of the organization can seek to be identified. Individuals devise mechanisms of self-affirmation, cultural adaptation or reconstruction with regard to their identities, with the aim of bringing about, explaining or denying their identification with a company. It is suggested that the vertical control model still prevails over horizontal integration and this makes it difficult to ensure that the emerging knowledge is established among the members of the organization. keywords Organizational knowledge, knowledge valuation, organizational identity, identification, grounded theory. Resumen La valoración del conocimiento representa una laguna en el área del conocimiento organizacional. Este artículo se propone responder cuáles procesos son adoptados por los individuos para la valoración de los conocimientos en las organizaciones. La investigación, realizada con profesionales de RH, utilizó el método grounded theory. Los resultados sugieren que el proceso de identificación de los individuos con la identidad organizacional ocupa un lugar central en la valoración del conocimiento. La organización, por intermedio de la alta gestión o de las rutinas organizacionales, surgió como “el otro” que parece determinar las directrices que deben ser seguidas, así como cuáles conocimientos evaluar y valorar; aquella con quien los miembros organizacionales buscan identificarse. Los individuos expresaron mecanismos de afirmación, adecuación o reconstrucción de sus identidades a fin de generar, justificar o negar identificación con la organización. Se sugiere que el modelo de comando vertical todavía prevalece sobre la interacción horizontal, haciendo difícil el establecimiento de conocimiento emergente entre los miembros organizacionales. Palabras clave Conocimiento organizacional, valoración del conocimiento, identidad organizacional, identificación, método grounded theory.
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INTRODUÇÃO É reconhecida a relevância da questão do conhecimento para o contexto organizacional, especialmente quando ligada às correntes estratégicas baseadas em recursos (BARNEY, 1991; PENROSE, 1956; WERNERFELT, 1984) e em conhecimento (GRANT, 1996; PRAHALAD e HAMEL, 1990; SPENDER e GRANT, 1996). Em tais abordagens, recursos, capacidades e competências, na forma de ativos de conhecimento, tornam-se peças-chave para a empresa obter vantagem competitiva sustentável e melhorar o desempenho organizacional. Nonaka, Toyama e Byosière (2001) apontam que a captura do valor do conhecimento ainda é um tema a ser explorado. Embora os autores estivessem se referindo a um valor mensurável por algum sistema organizacional contábil, a revisão da literatura nacional e internacional dos últimos 10 anos sobre o tema de valoração do conhecimento revelou que o enfoque com base na percepção dos indivíduos ainda permanece subexplorado. No presente trabalho, procurou-se abordar o tema do conhecimento nas empresas como ação organizacional, a perspectiva do conhecer organizacional (knowing), construído nas práticas coletivas (COOK e BROWN, 1999; GHERARDI, 2006), na ação em fluxo dinâmico, contínuo e relacional (BROWN e DUGUID, 2001; LAVE e WENGER, 1991; WENGER, 1998, 2000). O conhecimento, enquanto conhecer (knowing), é uma prática na ação, permanente, realizada pelos membros, que constitui a própria organização, suas rotinas e seus significados, (GHERARDI, 2006), e que contribui com a construção de suas identidades (BROWN e DUGUID, 2001; CORLEY e GIOIA, 2003; ELKJAER, 2003; LAVE e WENGER, 1991). O objetivo deste estudo foi identificar os processos e mecanismos adotados pelos indivíduos para a valoração do conhecimento na organização. Foi utilizado o grounded theory method (GTM) na pesquisa empírica, com profissionais de RH. Como principal contribuição, o estudo sugere que persistem modos de controle organizacional tradicionais sobre os membros organizacionais, em que a identidade organizacional (IO) atua como meio de comando-controle, parecendo orientar o uso da capacidade dos indivíduos na obtenção das diretrizes organizacionais. O trabalho está organizado em seis seções, incluindo esta introdução. A segunda aborda o marco teórico utilizado; a terceira expõe os procedimentos metodológicos; a quarta apresenta a análise e as ca-
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tegorias emergentes; a quinta discute os resultados encontrados; a sexta conclui com as limitações, a contribuição do estudo e as sugestões para futuras pesquisas.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Conhecer (knowing) organizacional No presente estudo, considerou-se a organização como uma coleção de práticas coletivas (BROWN e DUGUID, 2001; LAVE e WENGER, 1991). Nesse sentido, a organização não é uma realidade objetivada, dada, mas uma realidade criada na ação organizacional. No fluxo de atividades, processos, sistemas, rotinas, crenças, cultura e informação, a organização é permanente e continuamente construída e reconstruída pelos indivíduos em sua ação, que interpretam, reinterpretam, configuram e reconfiguram a organização em um movimento de sensemaking (WEICK, 1995). Cook e Yanow (1993) argumentam que o conhecimento é algo local, situado naquele mundo social chamado organização, onde as pessoas se encontram para produzir e fazer sentido enquanto trabalham. Do modo como as coisas são feitas, o conhecimento é criado (BROWN e DUGUID, 2001; LAVE e WENGER, 1991; WENGER, 1998), ou seja, a criação refere-se diretamente à experiência humana, e a origem do conhecimento é a experiência vivida (ELKJAER, 2003). Contu e Willmott (2003) contribuem ao enfoque, abordando como as questões de poder, controle e política existentes nos contextos sociais, no âmbito das organizações, influenciam na integração do conhecimento pelos indivíduos e coletivos (ANTONACOPOULOU, 2006; OBORN e DAWSON, 2010), na aquisição de novos conhecimentos para mudança estratégica (NAG e outros, 2007) e na transferência de práticas locais para a matriz (HARMAN, 2012). Hedberg e Wolff (2001) ressaltam que, no fluxo de atividades e processos, a forma como a organização concebe a si mesma e o seu ambiente poderá impactar nas suas opções estratégicas e também moldar sua capacidade de aprender com sua própria ação organizacional (HEDBERG e WOLFF, 2001; STARBUCK, BARNETT, BAUMARD, 2008; STARBUCK e HEDBERG, 2001). Portanto, se poderia supor que o conhecimento valorado tende a ser incorporado mais facilmente nas práticas, sistemas, cultura e processos
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fórum VALORAÇÃO DO CONHECIMENTO: SIGNIFICAÇÃO E IDENTIDADE NA AÇÃO ORGANIZACIONAL
organizacionais, e ser vivenciado na ação (de trabalhar) pelos indivíduos. Ressalta-se que ação vivida não diz respeito, apenas, à aquisição de conhecimento; trata-se, também, de aquisição de identidades pelo trabalho de encaixe dos indivíduos no grupo e na organização (CORLEY e GIOIA, 2003; WEICK, 1995). Os indivíduos não aprendem apenas acerca de algo, mas também aprendem a ser naquele contexto (BROWN e DUGUID, 2001; ELKJAER, 2003; HANDLEY e outros, 2007). Esse ponto é aprofundado no tópico Conhecimento, identidade e valoracão.
Identidade e identificação nas organizações Identidade define o que a entidade – seja o indivíduo, o grupo ou a organização – é, em uma tentativa de definir a si mesma. No nível organizacional, a identidade diz respeito a capturar o que proporciona significado para os níveis acima e além dos seus membros, isto é, um significado autorreferencial, onde o self é coletivo (CORLEY e outros, 2006). Há certo consenso, entre os autores, de que a IO envolve um entendimento compartilhado por um coletivo. A partir daí, porém, diferentes visões resultam sobre a interação entre os níveis individual e coletivo. Uma dessas visões aponta que IO é um fenômeno que existe apenas no nível do ator social e rejeita a ideia de uma crença coletiva (WHETTEN e MACKEY, 2002). Outra visão argumenta que a IO é a cognição no nível individual sobre “o que a organização é” (DUTTON, DUKERICH, HARQUAIL, 1994), em que há uma relação dialética entre o coletivo e as cognições individuais construídas, que pode ser chamada de identidade organizacional construída ou percebida (HARQUAIL e KING, 2003). Corley e outros (2006) propõem, então, que IO seja o termo usado para descrever a identidade como um coletivo, enquanto o termo organizationally based identity seja empregado para descrever a parte desse autoconceito que define a conexão do membro individual com a organização: a identificação. Ainda segundo Corley e outros (2006), a IO é concebida como um fenômeno experimentado pelos membros organizacionais, percebido pelos outsiders e central para os processos sociais, com resultados reais nos contextos organizacionais. Nessa visão, as identidades no nível coletivo podem ser distintas das identidades no nível individual, embora estejam relacionadas, e capazes de ser modeladas nos processos sociais na organização. Essa concepção como fenô-
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meno é relevante, dado o paradigma interpretativista. Assim, a IO é uma construção social contínua que tem lugar entre os membros organizacionais; pode ser influenciada e acessada pelos indivíduos, grupos, alta gestão ou outros coletivos; e é geralmente entendida como focada na organização. Os membros organizacionais, por sua vez, fazem uso de narrativas e outras abordagens para articular, negociar e substanciar as identidades, operando o sensemaking (WEICK, 1995) para fazer sentido de suas identidades na(s) realidade(s) vivida(s) na organização. Por sua vez, a identificação tem o papel de incorporar os indivíduos nas identidades relevantes para eles (ASHFORTH e outros, 2008). Significa que o indivíduo se autodefine ao ver a definição coletiva ou os papéis; ou seja, quando o autoconceito do indivíduo contém os mesmos atributos percebidos na IO (DUTTON e outros, 1994). A identificação é uma relação entre os três níveis da identidade: 1) o centro da identidade apresenta os conceitos de autodefinição (eu sou), de atribuição de importância (eu valoro) e de afeto (eu sinto); 2) o conteúdo da identidade – o que significa ser aquele indivíduo – apresenta os valores (eu me importo), metas (eu quero), crenças (eu acredito), traços estereotípicos (eu faço) e conhecimentos, habilidades e capacidades (eu posso); e 3) comportamentos da identidade (eu me comporto) (ASHFORTH e outros, 2008). A identificação é o processo pelo qual o indivíduo se define, comunica tal definição aos outros e se utiliza dessa definição para guiar sua vida e trabalho; contribui para o sentido de pertencimento do indivíduo na organização ou nos grupos, afetando sua autoestima e/ou motivando-o para o autodesenvolvimento (ASHFORTH e outros, 2008).
Conhecimento, identidade e valoração A relação entre conhecimento organizacional e identidade foi estabelecida desde os primeiros trabalhos do conhecimento na ação organizacional (BROWN e DUGUID, 2001; LAVE e WENGER, 1991; WENGER, 1998, 2000). A partir de então, foi abordada e desenvolvida por meio de diversas vertentes: pela aprendizagem na ação organizacional (HANDLEY e outros 2007) no setor público (HARMAN, 2012); na reação à mudança organizacional (BROWN e STARKEY, 2000) e tecnológica (SCHWAR e WATSON, 2005); na questão da transferência de conhecimento (KANE, 2010); na adesão aos programas de gestão (RAVISHANKAR e PAN, 2008); no papel das identidades sociais na
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geração de conhecimento (ROBERTSON e outros, 2003), com atenção ao conhecimento especializado (HANDLEY e outros, 2007; WARING e CURRIE, 2009). Por sua vez, a ligação entre valoração do conhecimento organizacional e identidade foi pouco tratada na literatura do conhecimento organizacional. Menon e Blount (2003) e Gao e Riley (2010) relacionaram a valoração do conhecimento nas organizações pelas percepções dos membros por seus pares e grupos aos quais pertencem, por meio da teoria da identidade social (centrada nos trabalhos de Tajfel, 1978; Tajfel e Turner, 1979; Turner, 1982, 1985). Os autores identificaram esquemas relacionais e identidade profissional como mediadores nos processos de atribuição de valor ao conhecimento. Já Corley e Gioia (2003) e Nag e outros (2007) abordaram a discussão do conhecimento organizacional pela esfera da identificação organizacional. Os autores trataram das identidades em momentos de mudança organizacional, quando a aprendizagem, o conhecimento e a construção do significado são processos fundamentais. Para Corley e Gioia (2003), o contínuo processo de aprendizagem nas organizações é essencial para a construção e reconstrução da IO. Segundo Nag e outros (2007), os modos por meio dos quais os membros utilizaram o conhecimento nas suas práticas diárias afetaram e foram afetados recursivamente pela noção coletiva de quem eles eram enquanto organização (IO), e as relações de poder e controle evidenciaram-se quando os gerentes tentaram modificar sua identidade e/ou suas práticas. Estudos apontam que a ameaça à IO está relacionada negativamente à criação de valor (BROWN e STARKEY, 2000; NAG e outros, 2007), pois os indivíduos protegem sua autoestima por meio da continuidade da IO existente, deixando, assim, de contribuir com a organização ou valorando aqueles conhecimentos da organização com que mais se identificam (RAVISHANKAR e PAN, 2008).
METODOLOGIA DO ESTUDO Este estudo teórico-empírico adota o paradigma interpretativo. Sob esse enfoque, a realidade ou mundo social é um processo social emergente, criado pelos indivíduos com base em suas experiências subjetivas naquele contexto social, cujos significados são intersubjetivamente compartilhados. Os indivíduos são atores das ações organizacionais, e não meros obser-
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vadores passivos, ou seja, atuam na construção daquele mundo social, por meio das suas interpretações subjetivas e do compartilhamento de ressignificações coletivas de suas experiências (BURRELL e MORGAN, 2003). Na dimensão do conhecimento organizacional, o paradigma interpretativo considera que os indivíduos produzem não apenas trabalho ou conhecimento que lhe é inerente, mas, também, relações sociais, identidades, autoimagens. A ação de conhecer é sempre situada na esfera da interação social realizada na comunidade organizacional (GHERARDI, 2006), sendo impossível “não conhecer” (ELKJAER, 2003). Conhecer é uma ação social de construção de significados baseada em experiências subjetivas naquele contexto. Para acessar essa dimensão, o método qualitativo adotado foi o GTM. Tal escolha se justifica, em primeiro lugar, porque é possível estender a afinidade filosófica do pragmatismo (PEIRCE, 1998; DEWEY, 1938, 1998) ao objeto desta pesquisa: a concepção do conhecimento organizacional como ação; como processo que se estabelece no indivíduo e entre indivíduos no ato de trabalhar (GHERARDI, 2006); como questionamento que é parte do próprio processo de conhecer (ELKJAER, 2003). Em segundo, o pragmatismo de Peirce (1998) traz a lógica abdutiva, comum tanto ao GTM (BRYANT e CHARMAZ, 2007) quanto ao conhecimento construído e aplicado na ação organizacional por meio de narrativas (BARTEL e GARUD, 2003). Nessa lógica, tanto o método de análise quanto o conhecimento envolvem a utilização de regras, normas, modelos mentais, valores e crenças constitutivos dos quadros de referência existentes naquele contexto, assim como a apreensão dos resultados obtidos em eventos para inferir os casos, situações, conhecimentos, comportamentos válidos naquele ambiente (BARTEL e GARUD, 2003). Em terceiro, o GTM é um método explícito para analisar processos (BRYANT e CHARMAZ, 2007; CHARMAZ, 2006; GLASER e STRAUSS, 2006). Um processo consiste em uma sequência temporal contínua de desdobramentos (eventos) que tem marcos identificáveis de começo e fim, e de referência no meio. Essas sequências temporais são ligadas por processos e levam a uma mudança de um estágio a outro nos indivíduos (CHARMAZ, 2006). Na pesquisa, o marco temporal foi representado pela situação em que o indivíduo considerou seu conhecimento valorado ou não no contexto do trabalho. O objetivo deste estudo foi identificar os processos e mecanismos adotados pelos indivíduos para a valoração do conhecimento na organização. Quanto
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à amostragem teórica, selecionou-se o grupo de sujeitos, por meio do processo de snowball, a partir de uma área específica de atuação profissional (GLASER e STRAUSS, 2006): profissionais de RH; aqueles por quem, em princípio, circulam rotinas, aspectos culturais e estruturais, estratégias, competências, práticas de treinamento e desenvolvimento e fluxo de conhecimento da organização. Visando atender aos requisitos diversidade e variedade do GTM para comparação entre modos e processos (BRYANT e CHARMAZ, 2007; GLASER e STRAUSS, 2006), buscaram-se profissionais em 13 empresas, atuantes em nove setores. O Quadro 1 sintetiza a amostragem teórica, embora os dados de perfil dos 16 entrevistados, com gênero, formação, tempo de experiência profissional, tipo de indústria e cargo, tenham sido omitidos por questão de espaço. Realizaram-se entrevistas em profundidade, baseadas em roteiro semiestruturado, com duração média de uma hora, no local de trabalho dos entrevistados, gravadas e transcritas para análise de codificação e de categorização com auxílio do software Atlas Ti (MILLER e SALKIND, 2002). O roteiro foi composto de três partes: a) o que é conhecimento para o indivíduo; b) como ele o valora e quais significados são atribuídos aos seus conhecimentos, exemplificando; c) quais conhecimentos a organização valora e como. Conforme prescreve o GTM, realizaram-se, recursivamente, a coleta e a análise dos dados, aprofundando-se, sistematicamente, os questionamentos a cada nova entrevista ou reentrevista. Com esse pro-
Quadro 1 – Amostragem teórica Critérios de variedade
Perfil e número de entrevistados
Tempo de atuação profissional
até 10 anos: 6 de 11 a 20 anos: 5 acima de 21 anos: 5
Posição
início de carreira/coordenação: 3 gerência intermediária: 7 alta gerência/diretoria: 6
Tipo de empresa
pública ou mista: 4 privada nacional: 5 privada multinacional: 7
Formação
Administração: 4 Psicologia: 6 Economia, Engenharia, Informática e outros: 6
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cedimento, buscou-se refinar os achados encontrados indutivamente (BRYANT e CHARMAZ, 2007; GLASER e STRAUSS, 2006). As entrevistas foram inicialmente codificadas por trechos in-vivo, de acordo com suas propriedades de conteúdo. Em seguida, agruparam-se esses trechos em códigos de primeira ordem, que foram consolidados em categorias, as quais, depois de aglutinadas e refinadas, deram origem aos seis mecanismos identificados pelas pesquisadoras. O processo por meio do qual os indivíduos valoram os conhecimentos emergiu do processo de identificação (somos iguais)/não identificação (somos diferentes) com a IO, com base em três dimensões: ação, justificativa e comportamento. O Quadro 2 apresenta o resultado encontrado. Julgou-se que a saturação teórica tenha sido atingida diante de três fatos: a) não se adicionou nova codificação às últimas quatro narrativas; b) a inserção dos sujeitos nas pré-categorias existentes deu-se com facilidade; c) não se evidenciaram novas categorias emergentes com novos dados coletados. Os dados foram rechecados em relação às categorias para assegurar validade interna. O referencial teórico referente à identificação e à IO, e suas relações com valoração do conhecimento, foi construído após a análise inicial dos dados emergentes do campo, na etapa de agrupamento dos códigos de primeira ordem em categorias.
ANÁLISE DOS DADOS E ACHADOS EMERGENTES DO CAMPO Valor do conhecimento para o indivíduo: significação e relação entre o valor do conhecimento e ser (being) Identificou-se uma forte ligação entre o valor que o indivíduo atribui ao seu conhecimento e ‘ser’ o indivíduo. Esse achado foi constatado nas falas, especialmente nos momentos em que os conhecimentos aos quais os indivíduos atribuíam maior valor não foram utilizados pela organização. Esses momentos são caracterizados pela organização, representada pelas chefias: a) solicitando que o indivíduo faça um projeto mais básico (“fazer menos”), b) não aprovando um projeto desenvolvido pelo indivíduo; ou c) não o escolhendo para algum projeto ou posição para o qual o indivíduo considerava que possuía os conhecimentos necessários. Para a maioria dos entrevistados, essas situações foram consideradas momentos de “frustração
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pessoal”, “falta de reconhecimento” e “desvalorização pessoal e profissional”. Entendeu-se que os indivíduos se sentiram pessoalmente atingidos e desprestigiados ao não terem seus conhecimentos aplicados. Traçou-se um paralelo com Elkjaer (2003), que argumenta que o conhecer (knowing) e o ser são indissociáveis, senão a mesma coisa. Nesse caso, o valor atribuído ao conhecimento que o indivíduo possui valora o que o indivíduo é, tanto pessoal como profissionalmente. O fato de não conseguir colocar seu conhecimento em prática na organização afeta pessoalmente o indivíduo, gerando reações e comportamentos tais como: mecanismos de sobrevivência para permanência naquele ambiente (entrevistado 5); planejamento para saída (entrevistados 1 e 3); ou ruptura total com a organização (entrevistados 2 e 3). Eu estruturei e implantei toda a área de Centro de Serviços Compartilhados lá na [organização]. Como eu era gerente... eu tinha uma expectativa de vir a ser a gerente executiva daquele Centro... eu fui chamada, e ele [diretor de RH] falou: “Não, agora você vai ficar no Centro de Serviços Compartilhados como gerente...”, mesmo eu tendo a estrutura de conhecimento para ser gerente executiva. Então foi a primeira frustração. Não fui eu a escolhida! Por mais que o outro tivesse motivos... [...] Uma não escolha pra um trabalho já realizado e implantado por mim! [...] Eu me senti regredindo [profissionalmente], um retorno a um estágio que eu já tinha superado, vivendo uma situação de não confiança [pessoal]... (entrevistada 3).
Alguns entrevistados (4, 9, 12, 16), apesar de perceber e reconhecer que não possuíam seus conhecimentos totalmente utilizados pela organização, encontraram justificativas para lidar com a frustração e a dissonância cognitiva decorrente da falta de reconhecimento institucional. Nesses casos, recorreram a explicações tais como: o conhecimento coletivo apenas se utiliza de parte dos conhecimentos individuais; estão na organização para indicar o que deve ser feito, mas a escolha pertence a outros, geralmente à alta gestão; podem apenas influenciar. Outros assumem o discurso corporativo (10, 13), na linha de que a organização é muito clara em seus modelos e cabe aos membros organizacionais encontrar-se no modelo organizacional. Três entrevistadas (6, 11, 15), porém, não encontraram esses momentos de não valorização ou não aplicação de seus conhecimentos em suas carreiras, sendo duas pertencentes ao grupo com menor tempo de experiência profissional. Elas possuem forte identificação com as organizações onde trabalham e expressam afinidade entre o que elas são e os conhecimentos valorados pela organização (na interpretação delas). Eu não acho que os sete anos de banco tenham me influenciado, moldado essa coisa do “Eu preciso ter a base instrumental, formal” que eu falei. Porque eu sempre estudei muito, então eu acho que isso é uma coisa minha, eu sou assim. Tem talvez valores de família. Mas certamente o banco pode ter reforçado isso no sentido do que ele valoriza. [...] Faz parte do DNA da casa analisar. (entrevistada 11).
Quadro 2 – Processo e mecanismos de valoração do conhecimento pelos indivíduos Processo central
Ação Aderência à IO
Identificação: Somos iguais
Não identificação: Somos diferentes
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Justificativa
Comportamento
Alinhamento de significaTotal identidade dos (e de identidade)
Sujeitos 11, 15
Mecanismos Temos os mesmos valores
Abandono dos significados (reconstrução da identidade)
Total identidade
6, 10, 13
Esqueço-me de mim
Busca de uma identidade
2, 7, 8, 14
Esforço-me para me encaixar
Não aderência à IO
Justificação dos significados
Aceitação das diferentes identidades
4, 9, 12, 16
Contribuo com o que deixam
Refutação IO
Separação de significados (e de identidade)
Negação da identidade (alteridade)
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5
Questiono para existir
1, 3
Aceito, até dizer adeus
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Valor do conhecimento para a organização: sensemaking, identificação e reconstrução das identidades Ao elencar os componentes de seu conjunto de conhecimentos, os indivíduos definiram os que representavam maior valor de importância para eles. Nesse processo de autoatribuição, o conhecimento valorado adquiriu uma série de significações, de representações que dão sentido e explicam a sua utilidade (CORLEY e GIOIA, 2003). Essas significações parecem explicar por que ou como os indivíduos aplicam o conhecimento nas suas atividades, no seu trabalho: porque “permite o desafio”, o “sucesso”; “possibilita o questionamento”, a “reflexão”, a “análise”; “possibilita propor novas soluções”; “traz inovação”; “permite criar”; “possibilita transitar na diversidade”; entre outras. Identificou-se que essa significação está relacionada a uma identidade – o conhecimento de valor que o indivíduo possui ou como o utiliza e advém de percepções diversas do entrevistado não ancoradas em qualquer contexto ou referente em particular. À medida que contextos (uso do conhecimento do trabalho) ou referentes (pares, chefia, membros organizacionais) são incluídos na entrevista, as significações alteram-se, assim como a identidade é ajustada ou reconstruída. Entretanto, no decorrer da entrevista, quando questionados acerca de quais conhecimentos a organização valorava, todos os entrevistados, sem exceção, iniciaram suas respostas/narrativas explicando como é a organização (identidade central) e como ela se importa/quer/acredita/faz/pode (conteúdo da identidade) (ASHFORTH e outros, 2008). Todos sentiram a necessidade de apresentar quem era a organização – modelo de gestão, estrutura organizacional, características da cultura, interveniências políticas, forma de atuar, valores organizacionais – antes de responder como ou quais conhecimentos eram valorados. Entendeu-se que esse momento foi necessário para o indivíduo reconstruir a narrativa de identificação com a organização, conforme a relação entre os níveis da identidade (ASHFORTH e outros, 2008). Nesse momento, a organização, por intermédio das rotinas e modelos estabelecidos, das formas de atuar e das interveniências da alta gestão, surgiu como “o outro” que parece conduzir as diretrizes organizacionais a serem seguidas, assim como os conhecimentos a serem valorados pelos indivíduos. Sugere-se que a incorporação de conhecimentos na construção social dos sujeitos acompanha as diretrizes organiza-
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cionais, na medida em que os sujeitos consideram, em suas articulações, tanto os atributos de importância ao conhecimento formalmente estabelecidos quanto os modelos organizacionais por meio dos quais os conhecimentos de valor serão absorvidos. Em decorrência, surgiu o processo de identificação ou não identificação entre os entrevistados para com a organização, ou seja, o organizationally based identity: nível individual da identidade coletiva (CORLEY e outros, 2006). Muitas das significações atribuídas ao valor do conhecimento, no início das entrevistas, foram abandonadas pelos entrevistados; surgiram novas significações, assim como apareceram diversos mecanismos visando alinhar, encaixar, justificar, diferenciar ou negar a identidade entre o indivíduo e as diretrizes organizacionais. As identidades foram reconstruídas (ajustadas, justificadas ou recriadas), por meio do discurso (WEICK, 1995), em grande parte dos casos. Essas categorias serão detalhadas no tópico seguinte. Gao e Riley (2010) propunham que as identidades sociais atuariam no processo de valoração de conhecimento. Nas entrevistas, emergiram autocategorizações de múltiplas identidades, baseadas nas relações entre os grupos na organização (novos-antigos; generalista-especialista; gerente-não gerente, entre outras), e não categorias sociais fixas (por exemplo, a categoria profissional proposta em Gao e Riley (2010)). Os grupos de identidades autocategorizadas também pareciam direcionados pela própria organização, na sua forma de atribuir importância a determinados grupos e seus conhecimentos em detrimento de outros, achado similar ao de Antonacopoulou (2006) e Harman (2012). Uma discussão acerca das identidades autocategorizadas ficou fora do escopo deste artigo.
Categorização dos mecanismos de identificação para a valoração do conhecimento Conforme já mencionado, a organização surgiu como o principal referente com o qual o indivíduo se identifica e reconstrói sua identidade para fazer sentido do valor de seu conhecimento, e de si mesmo, no ambiente organizacional. Os processos de trabalho de identidade e de identificação são aqueles que os indivíduos utilizam para a valoração e o reconhecimento dos seus conhecimentos no ambiente organizacional. Identificaram-se seis mecanismos, sendo três relacio-
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nados à identificação e três à não identificação com a organização, detalhados a seguir.
compreensão da diversidade, e essa compreensão era apresentada como um valor pessoal que permitia a escolha profissional dela:
Temos os mesmos valores Nesse mecanismo, os indivíduos apresentaram total identificação com a organização, aderindo à IO de tal modo que há um alinhamento das suas identidades pessoais com a da organização. Falar da organização é falar de si mesmo, falar dos conhecimentos valorados pela organização é falar dos seus conhecimentos, e também da sua forma de ser. Porém, cabe ressaltar que tais identidades individuais não foram ajustadas ou reconstruídas no decorrer da entrevista, ou seja, os entrevistados iniciaram a conversa falando dos conhecimentos valorados e prosseguiram na entrevista descrevendo e narrando sobre uma organização que valorava exatamente o mesmo que eles. Um exemplo encontra-se na fala da entrevistada 15.
Isso também já diz muito de como eu sou. [...] para trabalhar com a temática de Saúde e Segurança, a gente precisa entender diferentes culturas. Tem que estar aberto a diferentes cenários. O [colégio] me ajudou na minha formação e a psicologia também. [...] Isso me ajudou muito a chegar aqui sem preconceitos, aceitando a diversidade. Com a cabeça aberta. [...] E eu escolhi trabalhar nessa área [Saúde e Segurança] porque eu me identifico com esse tipo de trabalho. Trabalho de fomento dos valores que são os valores que eu acredito.
Quando, porém, os conhecimentos valorizados pela organização entram na conversa, a entrevistada fala do status e glamour possibilitados pela imagem que advém da área onde atua:
Eu acho que não mudei. Como característica central... Eu tinha essa energia, eu brigava por aquilo que eu queria, que eu acreditava, eu era supercrítica... Então, eu acho que eu tinha muito todas essas características que a organização queria. [...] Eu devia ter algumas características e conhecimentos e, para ser valorizada, eu também fui me adaptando. E a gente vai, sem perceber, se moldando. Então, eu acho que quem fica nesse tipo de organização, em qualquer organização, tem um processo de identificação. [...] E você quer isso...
A gente é uma empresa muito técnica, que faz o que ninguém no Brasil faz. Então, o conhecimento dentro da [organização] é negócio. É diferencial estratégico. É um dos nossos diferenciais competitivos. [...] os profissionais que estão aqui dentro, e o que a gente faz aqui não é estudado em universidade. As pessoas aprendem na prática. [...] Então, hoje a [área da organização] é a área mais glamourosa. É onde as pessoas querem ir! É onde tem mais dinheiro investido, onde a estrutura é mais bonita. Para você ter uma ideia, todas as áreas da [organização] mudaram o nome. A gente não é uma Diretoria. Eu não vou me apresentar como “Ah, eu sou da diretoria IDT”. Eu até sou, mas ninguém sabe. Eu me apresento falando “Eu sou da [área da organização]”. Tem mais dinheiro em treinamento dentro da [área da organização] do que muitos municípios têm em saúde e educação, por exemplo. Então, a gente tem muito dinheiro, a gente faz as coisas muito bem. A gente é reconhecida no mercado como uma área de benchmarking. Então hoje, dentro do RH, a [área da organização] é a área mais valorizada!
Esqueço-me de mim Houve total identificação dos indivíduos com a organização, com adesão à IO, nessa categoria. Entretanto, essa aderência foi processada pelos indivíduos por meio do abandono do seu discurso inicial acerca dos conhecimentos valorados e sua significação, dando lugar a uma nova identidade, em acordo com os conhecimentos valorados pela organização. Quando a organização entra na entrevista, o discurso organizacional substitui claramente a fala do indivíduo. As identidades são ajustadas para caber nos conhecimentos valorados pela organização, a ponto de alguns entrevistados contradizerem colocações iniciais sobre o valor do conhecimento e suas significações. Um caso emblemático é da entrevistada 6. O conhecimento, para ela, significava inicialmente a
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Esforço-me para me encaixar Os entrevistados possuem identificação com a organização, com adesão à IO. Porém, esse processo é feito à custa de um esforço ativo do indivíduo em buscar o encaixe da sua identidade individual à organiza-
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cional. Os entrevistados demonstram a dificuldade e certo desconforto em procurar ser e ter o conhecimento que a organização julga importante, e que não é aquele que os distingue, tampouco aquele que eles valoram. Os indivíduos parecem saber claramente o que a organização valora. No entanto, tal percepção não foi expressa diretamente a eles por parte das organizações: eles tiveram de descobrir vivendo e trabalhando naquele ambiente. Em todos os casos, o processo parece doloroso, de tentativa e erro. Nas narrativas, há um pouco de angústia pela pressão em ser outra coisa, mas também um otimismo, geralmente justificado pelo desenvolvimento e aprendizagem de novas formas. Embora nas entrevistas tenha transparecido ser um mecanismo consciente, analisou-se que a conversa ocasionou um momento de reflexão sobre um processo de busca e de adequação realizado de maneira inconsciente, mas sentida. Uma fala representativa dessa categoria é a da entrevistada 13. Aqui na [organização], às vezes, eu tenho impressão de que eu poderia usar os meus conhecimentos de forma diferente, mas o modelo não permite. Então, não é que o meu conhecimento não seja reconhecido... Mas eu acho que eu, talvez, esteja tentando aprender a tirar um outro melhor de mim. Não o que eu já sabia. “Ok. Esse é o melhor de mim. Ok, mas aqui dentro isso não é o melhor. Então, como eu vou dar o melhor de mim agora neste modelo?”. Você acaba até se desenvolvendo, porque você tem que encontrar um outro modelo de trabalho. Um outro caminho pra usar aquele seu valor.
Contribuo com o que deixam Nesse mecanismo, os entrevistados não possuem identificação com a organização e não aderem à IO. Eles enxergam a organização na sua complexidade, com seus pontos negativos e positivos, se veem como diferentes da organização: os conhecimentos valorados são distintos, a forma de atribuir valor também. Desse modo, eles aceitam as diferenças e convivem na organização. Os conhecimentos valorados e suas significações são mantidos com coerência no decorrer da conversa. As narrativas giram em torno da justificação do uso ou não uso dos conhecimentos considerados importantes naquele ambiente organizacional. Os entrevistados discorrem sobre as limitações e barreiras organizacionais na utilização de seus conhecimentos individuais de modo mais amplo e complementar, e
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também a compreensão de que o conhecimento coletivo não abarcará todo o conhecimento de que o indivíduo dispõe. A narrativa do entrevistado 9 demonstra isso: O conhecimento que a organização tem é mais que a soma desses conhecimentos pessoais. Não é uma soma aritmética do que cada um é. [...] É a conjunção do conhecimento das pessoas que aqui trabalham, mas elas juntas formam uma outra dinâmica. Essa dinâmica do conhecimento da empresa é muito guiada, orientada pelo chefe da empresa, pelo líder da empresa, pelo presidente, pelo fundador... Ele tem uma influência maior sobre isso. Ele vai dar o contorno a essa soma desses conhecimentos, porque ele vai valorizar um tipo de conhecimento a outro tipo de conhecimento.
Esses entrevistados definem seu papel como de influenciadores e negociadores com a organização, contribuindo na medida em que ela permite. Trata-se de indivíduos do grupo com maior experiência e maturidade profissional, ocupantes de cargos elevados. Ele é o dono da empresa. Essa é a empresa dele. [...] Eu não vou dizer que essa fórmula é errada, mas, sim, que é a fórmula certa para ele. Essa fórmula não sobreviveria se isso aqui fosse um banco. No mercado onde ele está, ele perde muitas coisas com isso, perde agilidade, mas ganha outras coisas. E principalmente ganha conforto. [...] Então você pode melhorar, contribuir... Eu sei respeitar isso. Eu vim para um “projeto” que quem me contratou é que determina. Lógico que vou colocar um pouco de mim, tento influenciar, negociar, tento contribuir com o meu conhecimento para formação do conhecimento deles...
Questiono para existir Nesse mecanismo e no seguinte, a não identificação com a organização é forte o suficiente a ponto de o indivíduo refutar a IO. Os entrevistados separam os significados do valor do conhecimento para eles como indivíduos e o significado do valor do conhecimento como membros organizacionais; como se fossem de domínios, de naturezas distintas, traduzidos nas suas falas. O presente mecanismo é representado por uma única entrevistada (5). Sabedora da falta de identifi-
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cação com a organização, colocou-se na posição de enfrentamento, resistente e questionadora das ações e valorações da organização. Analisou-se ser a forma encontrada por ela de se fazer ouvida em seus conhecimentos no novo ambiente, com o objetivo de se sentir respeitada. Você se frustra e na verdade você está dentro de uma organização. De alguma forma você tem que ter uma consonância com isso, porque o dinheiro não é meu. Eu não sou acionista, não sou a dona da companhia. Eu tenho que trabalhar para ela. Então, muitas vezes, eu não concordo. Se não for uma coisa que me agrida tanto, eu relevo. O quanto mais a gente conseguir influenciar fazendo um bom trabalho que seja útil, que seja relevante. Relevante para o negócio. Eu trabalho para isso. [...] Então, eu falo que eu não quero uma grade de treinamento [embora seja isto que a organização peça]. Isso, para mim, qualquer um faz. Você vai executar esse plano de treinamento, mas vai ser útil? As pessoas vão usar? Isso vai ser relevante, vai alavancar o negócio? [...] Então eu estou botando muito a postura questionadora aqui.
Aceito, até dizer adeus Do mesmo modo que no mecanismo anterior, há refutação da IO. Os entrevistados não se identificam com a organização, mas seu mecanismo é a aceitação, até ter uma opção de saída. Os conhecimentos valorados pela organização são de domínio diferente do individual. No caso da entrevistada 3, há uma separação total de valores, ela sempre mencionava o dualismo “no trabalho” e “na minha vida pessoal”. No caso do entrevistado 1, até há bem pouco tempo, ele não percebia a cisão entre as esferas trabalho e pessoal; vivia em adesão à identidade das organizações por onde havia passado, em uma lógica em que o único conhecimento de valor era de cunho utilitário, e a narrativa na entrevista refletia esse fato (o total esquecimento de si mesmo). Porém, ao relatar sobre os conhecimentos valorados na organização de consultoria onde trabalhava, o entrevistado muda a narrativa completamente e, de modo inesperado, “desabafa” que está se questionando sobre a forma de trabalhar, a vida no trabalho. Todos os conhecimentos valorados por ele, em adesão às organizações até aquele momento, deixam de ter relevância.
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Em termos de conhecimento mesmo, tecnicamente falando, eu me sinto mais forte. Porque, na medida em que você é submetido a uma série de experiências, que você é colocado em situações que numa empresa normal, ou numa situação normal, você não seria colocado, e você tem que se virar, isso, de alguma maneira, te traz amadurecimento. Te empurra. Não tem jeito. Esses dois anos e meio que eu tenho de [consultoria] foram muito mais intensos do que todos os outros anos que eu tive, em termos de aprendizado... Mas, por outro lado... me fez balançar. Entende? Um pouco pelo fato de ser a [organização de consultoria], um pouco pelo momento de vida. De refletir a respeito do que quero pra mim, do que eu quero da minha vida.
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS O objetivo desta pesquisa foi investigar os processos e mecanismos adotados pelos indivíduos para a valoração do conhecimento na organização. Os resultados sugerem que o processo de identificação dos indivíduos com a IO (ASHFORTH e outros, 2008) ocupa um lugar central na valoração do conhecimento. A organização, por intermédio da chefia, da alta gerência, ou das rotinas e modelos estabelecidos, surgiu como “o outro” que parece conduzir as diretrizes a serem seguidas, em última instância, os conhecimentos a serem valorados pelos indivíduos. Há uma construção social, envolvendo os sujeitos, que faz as diretrizes organizacionais predominarem. A organização, centrada na alta gestão e nas rotinas e modelos organizacionais, configurada como uma entidade abstrata, emergiu mais fortemente do que os pares ou outros membros organizacionais. Ela surgiu como o principal referente com quem o indivíduo precisa buscar (ou não) se identificar. Por meio das narrativas, verificamos o processo de reconstrução das identidades e os mecanismos de identificação e não identificação dos indivíduos para com a organização, a fim de fazer sentido do valor de seu conhecimento (WEICK, 1995) e de si mesmos (ELKJAER, 2003; HARMAN, 2012). Desse modo, os indivíduos expressaram, nas narrativas, mecanismos de afirmação, adequação ou reconstrução de suas identidades, a fim de gerar, justificar ou negar identificação com a organização. Categorizamos tais mecanismos em seis tipos de iden-
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tificação ligados a modos de construção da identidade, a partir da valoração do conhecimento: Temos os mesmos valores; Esqueço-me de mim; Esforço-me para me encaixar; Contribuo com o que deixam; Questiono para existir; Aceito, até dizer adeus. O trabalho de construção identitária e os mecanismos citados parecem auxiliar os membros na sua permanência ou para a saída da organização. Em decorrência dos aspectos mencionados, sugere-se que a incorporação de conhecimentos na construção social dos sujeitos, resultantes da ação organizacional (knowing) (BROWN e DUGUID, 2001; GHERARDI, 2006), acompanha as diretrizes organizacionais. Esse ponto de vista pode ser sustentando com base na percepção de que os sujeitos consideram, em suas articulações, tanto os atributos de importância formalmente estabelecidos ao conhecimento quanto os modelos organizacionais pelos quais os conhecimentos de valor poderão ser absorvidos. Julga-se importante destacar que esses achados são similares aos de Antonacopoulou (2006). Ademais, foi identificado que, a exemplo de o conhecimento ser o indivíduo (ELKJAER, 2003; HARMAN, 2012), a valoração ou desvalorização do conhecimento impacta no que o indivíduo é pessoalmente, na sua valoração ou não valoração pessoal. Quanto aos pares e demais membros organizacionais, nota-se que o processo de negociação entre eles está presente, fazendo parte do trabalhar e conhecer (BROWN e DUGUID, 2001; GHERARDI, 2006). Porém, esse processo pareceu ser muito tácito e sutil para merecer uma atenção maior por parte dos entrevistados (conforme os achados de CORLEY e GIOIA, 2003), em comparação com as diretrizes organizacionais. Esta pesquisa sugere que há uma construção coletiva de sentido acerca do que é trabalhar, conhecer e valorar nas organizações (WEICK, 1995). Essa construção social evidenciou-se quando os indivíduos foram especificamente questionados acerca de pares, equipes e pessoas envolvidas nos exemplos de situações de conhecimento valorado, narradas pelos entrevistados. Os contextos trazidos pelos entrevistados diziam respeito, basicamente, à participação dos membros em reuniões e projetos, quase sempre de modo coadjuvante ou trivial, e comumente em situações formalizadas pela organização. No estudo, a predominância das diretrizes organizacionais como referente destacou-se na construção social dos sujeitos. Trata-se de como a realidade é interpretada e significada pelos indivíduos para traba-
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lhar naquele ambiente (WEICK, 1995). De todo modo, verificou-se certo efeito reducionista e limitante que se processa nos indivíduos quanto à utilização de seus conhecimentos no trabalho, em consonância com os estudos de Antonacopoulou (2006), Contu e Willmott (2003), Nag e outros (2007), Oborn e Dawson (2010), Harman (2012), que trataram dessa questão sob a ótica de poder. Pode-se inferir que, dificilmente, novos conhecimentos possam surgir, se estabelecer ou ser incorporados nas práticas organizacionais, caso não estejam alinhados àqueles conhecimentos considerados importantes pela organização, alta gestão ou grupos dominantes na organização. Em decorrência dos achados apresentados, discutimos até que ponto o paradigma de comando-controle ainda permanece presente nas organizações, nos dias de hoje. De modo mais sutil, o comando-controle estaria sendo exercido na forma da organização como o referente do modelo de identidade para os indivíduos? Esta pesquisa parece indicar que o modelo de comando vertical ainda prevalece sobre a interação horizontal, tornando difícil o estabelecimento de conhecimento emergente entre os membros organizacionais. Entendemos que essas discussões são relevantes para aprofundamento, em função das implicações para a gestão empresarial no contexto pós-moderno globalizado.
CONCLUSÃO, LIMITAÇÕES, CONTRIBUIÇÃO E SUGESTÕES PARA PESQUISAS FUTURAS O presente estudo identificou os processos de identificação e IO como os meios pelos quais os indivíduos valoram o conhecimento nas organizações e, com base neles, propôs seis mecanismos utilizados pelos membros organizacionais. Sugerimos também que, em face da emergência da organização como referente, a incorporação dos conhecimentos se daria verticalmente pelo que é valorado por esse referente, e não tanto por meio dos pares, horizontalmente. Os achados deste trabalho apresentam relevância para os profissionais e organizações, especialmente para a alta gestão, ao sugerir a presença do enfoque ainda tradicional de comando-controle existente nas organizações, que limita a criatividade e o compartilhamento de conhecimento. Em um ambiente pós-moderno, que exige contínua inovação em face dos
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desafios competitivos, evidenciamos que as organizações podem deixar de acessar experiências, valores, vivências e relacionamentos de conhecimento dos indivíduos, simplesmente por ignorar ou não valorar outras formas de ação organizacional. Deve-se levar em consideração o possível efeito limitante e reducionista da capacidade dos indivíduos de contribuírem com seus conhecimentos na ação organizacional, em função das escolhas de valoração de conhecimento feitas pela alta gestão das organizações. Relevante para a academia, trata-se do papel de disseminar uma visão mais ampla e abrangente do que é conhecimento, compreendida no próprio ato de trabalhar, participar, conhecer e contribuir na organização. Como sugestão a pesquisas futuras, cabe ampliá-las a outras categorias profissionais, além de RH. Emergiram também questões adicionais. A primeira relaciona-se às autocategorizações em múltiplas identidades sociais, baseadas nas relações entre os grupos na organização, que parecem ter um papel na valoração do conhecimento, uma vez que contribuem na separação entre conhecimentos considerados mais e menos importantes, em função do grupo que a organização valora. A segunda diz respeito às perspectivas bastante estreitas quanto ao que constitui conhecimento para os profissionais de RH: constatamos visões ainda tradicionais do conhecimento, como educação formal e experiência profissional, ignorando outras dimensões do conhecimento, como relação, vivência e valores que ocorrem na ação coletiva de trabalhar.
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NOTA DOS AUTORES
Agradecemos aos revisores da RAE, que, por meio de suas oportunas e enriquecedoras contribuições ao artigo, iluminaram aspectos relevantes do estudo e na construção do conhecimento compartilhado. NOTA DA REDAÇÃO
Este artigo participou do VII Encontro da Divisão de Estudos Organizacionais (ENEO), realizado em 2012 pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (Anpad).
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MICROPOLÍTICAS DAS PRÁTICAS COTIDIANAS: ETNOGRAFANDO UMA ORGANIZAÇÃO CIRCENSE MICROPOLICIES OF DAY-TO-DAY PRACTICES: CONDUCTING ETHNOGRAPHY IN A CIRCUS ORGANIZATION MICROPOLÍTICAS DE LAS PRÁCTICAS COTIDIANAS: ETNOGRAFIANDO UNA ORGANIZACIÓN CIRCENSE
RESUMO
Neste artigo, analisamos como as práticas cotidianas podem ser compreendidas com base na dimensão micropolítica dos processos organizacionais. As discussões teóricas articulam diálogos entre Michel de Certeau e Michel Foucault nos estudos sobre as práticas cotidianas, e a opinião de Theodore Schatzki sobre as organizações como espaços praticados. Baseadas em uma etnografia realizada em um circo, com 25 anos de existência, identificamos práticas de gestão que proporcionaram a emergência dos sujeitos produtores culturais e a forma-
ção de redes associativas do circo com empresas, em decorrência da existência de demanda de atividades artísticas por parte do mercado. Também observamos gestos políticos das artes circenses nas discussões sobre a recepção dos espetáculos pelo público e a formação do circo-escola e de projetos de cunho social realizados pelo circo. Por fim, consideramos o cotidiano organizacional como um espaço de práticas que constituem micropolíticas em meio à esfera normativa dos processos de gestão.
PALAVRAS-CHAVE Práticas cotidianas, cotidiano organizacional, micropolíticas, etnografia, circo.
Josiane Silva de Oliveira oliveira.josianesilva@gmail.com Doutoranda em Administração de Empresas pelo Programa de Pós-graduação em Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Porto Alegre – RS, Brasil Neusa Rolita Cavedon nrcavedon@ea.ufrgs.br Professora Associada da Escola de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Porto Alegre – RS, Brasil
Abstract In this article, there is an analysis of how day-to-day practices can be understood as being based on a micropolitical dimension of organizational processes. The theoretical discussions combine the dialogue between Michel de Certeau and Michel Foucault in their studies of day-to-day practices with the opinions of Theodore Schatzki about organizations as designated spaces. On the basis of an ethnographical study conducted in a circus that has been in operation for 25 years, we discovered management practices that allowed cultural subjects/ producers to emerge and networks that had been set up to link the circus with companies, as a result of the demand for artistic activities in the market. We also observed policy measures with regard to circus arts, in discussions about the way the shows were perceived by the public, and the formation of a circus school and projects of a social nature carried out by the circus. Finally, we examine their organizational day-to-day life, as a space for practices that constitute micropolicies, within the sphere of normative management procedures. keywords Everyday practices, organizational everyday life, micropolicies, ethnography, circus. Resumen En este artículo, analizamos cómo las prácticas cotidianas pueden ser comprendidas con base en la dimensión micropolítica de los procesos organizacionales. Las discusiones teóricas articulan diálogos entre Michel de Certeau y Michel Foucault en los estudios sobre las prácticas cotidianas, y la opinión de Theodore Schatzki sobre las organizaciones como espacios practicados. Basados en una etnografía realizada en un circo, de 25 años de existencia, identificamos prácticas de gestión que proporcionaron la emergencia de los sujetos productores culturales y la formación de redes asociativas del circo con empresas, resultantes de la existencia de demanda de actividades artísticas de parte del mercado. También observamos gestos políticos de las artes circenses en las discusiones sobre la aceptación de los espectáculos por el público y la formación del circo-escuela y de proyectos de carácter social realizados por el circo. Finalmente, consideramos la rutina organizacional como un espacio de prácticas que constituyen micropolíticas en medio a la esfera normativa de los procesos de gestión. Palabras clave Prácticas cotidianas, rutina organizacional, micropolíticas, etnografía, circo.
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INTRODUÇÃO Objetivamos, neste estudo, analisar como as práticas cotidianas podem ser compreendidas com base na dimensão micropolítica dos processos organizacionais. Para tanto, realizamos um estudo etnográfico em uma organização circense. A temática das práticas vem despertando crescente interesse nos estudos organizacionais (SCHATZKI, 2006). Estudos sobre epistemologia em Administração (CORRADI, GHERARDI, VERZELLONI, 2010; SCHATZKI, 2005), aprendizagem organizacional (ANTONELLO e FLACH, 2011; YAKHLEF, 2010), estratégia (LEITE-DA-SILVA, CARRIERI, SOUZA, 2011; SARAIVA e outros, 2011), têm enfatizado, por meio de diferentes abordagens, o caráter processual das práticas nas organizações. Não obstante, a literatura em estudos organizacionais ainda apresenta uma lacuna teórica no que concerne aos efeitos políticos das práticas no cotidiano dos sujeitos sociais. No intuito de colocar em discussão essa perspectiva de análise, fizemos uma escolha teórica que busca entender o cotidiano organizacional como um espaço de práticas – constituindo micropolíticas – em meio à esfera normativa dos processos de gestão. Ademais, este estudo justifica-se pela possibilidade de colocar em discussão três filósofos: Michel de Certeau e Michel Foucault, nos estudos sobre o cotidiano; e Theodore Schatzki, sobre as organizações como espaços praticados, cujas obras, ao serem entremeadas no campo de pesquisas em Administração, oferecem elementos analíticos aos processos de gestão. Compreendemos micropolíticas como processos organizativos em um espaço de práticas (FOUCAULT, 2010; SCHATZKI, 2006), os quais, ao atrelarem-se à esfera de normatividade social, confrontam, mesmo que sob a aparência de reprodução, um ordenamento social de modo a transgredi-lo (CERTEAU, 2002). As micropolíticas: a) referem-se às relações da reflexividade, do confronto, das práticas com lógicas de ação determinadas desde uma perspectiva histórico-cultural; b) apresentam um cunho processual, pois as formas de organização são múltiplas e articuladas em um espaço de práticas; c) produzem efeitos no cotidiano, devido ao seu caráter relacional com as esferas normativas da sociedade. O estudo etnográfico aqui apresentado tem sido desenvolvido em um circo, cujo processo organizacional ainda se faz pouco explorado nos estudos organizacionais (PARKER, 2011; COSTA, 2000). A re-
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ferida organização, localizada na cidade de Pelotas, distante 300 quilômetros da capital do Estado do Rio Grande do Sul, foi fundada em 1987 e tombada como patrimônio cultural do Estado no ano de 2007. Atualmente, o circo possui aproximadamente 100 pessoas diretamente implicadas em suas atividades, sendo 32 artistas atuantes em dois espetáculos circenses, um deles em cartaz há 10 anos, com mais de um milhão de espectadores em nove estados brasileiros. As reflexões, alicerçadas na base teórica, sobre os achados de campo estão organizadas em cinco tópicos, além desta introdução. Primeiramente, discutimos teoricamente o cotidiano como um espaço de práticas, e as práticas em sua dimensão micropolítica como processos constituintes das organizações. A seguir, apresentamos os circos como espaços organizacionais, e, imediatamente, os procedimentos metodológicos da pesquisa. No quarto tópico, apresentamos as análises dos dados de campo e, ao final, as reflexões de cunho teórico-empíricas decorrentes do estudo realizado.
COTIDIANO COM BASE EM UMA DIMENSÃO MICROPOLÍTICA Muito embora exista uma dimensão de reprodução social no cotidiano, é preciso salientar a constituição de práticas contraditórias nesse espaço. Há uma dimensão produtora de articulações na sociedade, e a preocupação na esfera política cotidiana apresenta-se na capacidade de dispersão das práticas em relação à esfera normativa da sociedade (CERTEAU, 2002). É preciso considerar o cotidiano levando em conta as articulações entre as denominadas esferas macro e micro das ações sociais. Certeau (2002) e Foucault (2010), ainda que não diretamente, empreendem um embate teórico acerca dos estudos sobre o cotidiano. Para Foucault (2006), as análises do cotidiano implicam o entendimento das redes de disciplinas que caracterizam a ordem social e as tecnologias de poder presentes nas ações dos sujeitos. Os sujeitos vivenciam material e simbolicamente o cotidiano, pois eles participam de sua elaboração e do exercício dos efeitos das relações de poder (FOUCAULT, 2006). O poder, apoiado na produção de espaço e tempo, constitui o cotidiano, bem como a emergência de saberes (FOUCAULT, 2010).
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Esses saberes articulam formas específicas de relações de poder, a exemplo das práticas disciplinares (FOUCAULT, 2006), que permitem o controle minucioso do corpo, da subjetividade, garantindo uma relação de docilidade e utilidade dos sujeitos na sociedade capitalista. Para Foucault (2010), o poder é uma prática social constituída historicamente e exercida em diferentes formatações, e seus efeitos intervêm materialmente na realidade dos sujeitos, a exemplo do corpo biológico e socializado, caracterizando mecanismos micropolíticos de manifestação no espaço social. As posições ocupadas no espaço formam os lugares, que são pontos de ancoragem para a constituição das práticas que sustentam os mecanismos das relações de forças, bem como configuram as formações dos sujeitos (FOUCAULT, 2010). Essa é uma das características das práticas disciplinares para Foucault (2010), pois, nesse espaço, os indivíduos são classificados e hierarquizados, segundo diferentes objetivos, para garantir sua funcionalidade. A intervenção dos sujeitos no espaço ocorre nas modificações das relações de forças, podendo tornar intolerável o efeito do poder propagado espacialmente e do funcionamento das técnicas disciplinares (FOUCAULT, 2006). As formas de distribuição desses entrecruzamentos das relações de forças constituem as políticas das práticas cotidianas, que se caracterizam pelo confronto com a história do presente e pela constituição dos sujeitos (FOUCAULT, 2010). Para Castro (2008), Michel Foucault caracterizava as práticas como: (1) modos organizados das maneiras de fazer dos sujeitos sociais; (2) configuradoras de uma sistematicidade; e (3) compostas por uma generalidade, uma configuração histórica singular. Para Certeau (2002), as políticas compreendem as formas de mobilização social no espaço que podem ser articuladas em tecnologias de poder, mas que também podem perturbar o estabelecimento de uma ordem. Por espaço, Certeau (2002, p. 202) entende “[...] o efeito produzido pelas operações que orientam, circunstanciam, temporalizam e levam a funcionar os elementos móveis de uma unidade polivalente de programas conflituais ou de proximidades contratuais [...]”. No que se refere a lugar, Certeau (2002, p. 201) assinala como “[...] uma ordem de distribuição que configura posições instantâneas e estabilidade [...]”. O lugar enseja o exercício de ações em relação ao “outro”, resultando no estabelecimento do próprio. O conceito de próprio refere-se à vitória do lugar sobre
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o tempo, sobre a possibilidade de estabelecer uma ordem em um espaço de mobilidade (CERTEAU, 2002). O espaço é o lugar praticado por sujeitos históricos, uma vez que, em meio a essas tramas, os sujeitos podem estabelecer intervenções de sustentação ou rupturas das tecnologias do poder, criando outros lugares que não os próprios em um espaço (CERTEAU, 2002). Se, para Foucault (2006), as relações de poder formam as tecnologias disciplinares, para Certeau (2002), é no cotidiano que devemos analisar esse processo, dado que ele não está submetido tão somente ao nível disciplinar mas também à dimensão política das práticas cotidianas. De acordo com Certeau (2002), as práticas cotidianas são as “maneiras de fazer” pelas quais os sujeitos se apropriam do espaço social. Por isso, Certeau (1985) afirma o triplo caráter dessas práticas: o estético, determinado pelo estilo de fazer dos sujeitos sociais; o ético, em que a recusa à identificação com a ordem estabelecida abre espaços para criações nas ações; e o polêmico, caracterizado pelas intervenções nas relações de forças. A dimensão micropolítica das práticas no cotidiano refere-se às ações dos sujeitos que, em meio à esfera de normatividade social, podem, até mesmo sob a aparência de reprodução, transgredir ou estabelecer outros processos de organização social imbricados nas condições de existência vigentes (CERTEAU, 2002). Certeau (2002) considera a existência de saberes em práticas que não são ditas nem ensinadas, tampouco pertencentes ao domínio de uma suposta inconsciência dos sujeitos. Pode haver uma lógica de ação articulada nas condições de possibilidades históricas das práticas que transgride a ordem estabelecida, ou mesmo as representações dessas ações em contextos específicos, como na administração de empresas (CERTEAU, 2002). É isso que Foucault (2010) denomina efeito, algo que é produzido pelas práticas, mas que não está em seu domínio. Sob esse enfoque, Certeau (2002) afirma a relevância de se compreenderem as maneiras de fazer o cotidiano pelos sujeitos sociais com base na distinção dos estilos de ação em contextos específicos. Essa concepção de práticas como articulação de ações aproxima as discussões de Michel de Certeau e Michel Foucault em relação ao estudo das práticas nas organizações discorrido por Theodore Schatzki, autor que postula as organizações como espaços praticados. O próximo tópico tem por objetivo discutir como essa noção de práticas do cotidiano pode
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contribuir para a politização dos estudos sobre as práticas organizacionais.
PRÁTICAS NAS ORGANIZAÇÕES EM UMA DIMENSÃO MICROPOLÍTICA Os estudos das organizações por meio das práticas têm problematizado como, no cotidiano de trabalho, se estabelecem processos e lógicas de ação em diferentes espaços de atuação (SANDBERG e DALL’ALBA, 2009). Para Gherardi (2010), as práticas são analisadas com base nas atividades em ação, sua temporalidade e processualidade, possibilitando que as organizações aconteçam. Para Schatzki (2006), o “acontecimento das organizações” envolve o entendimento filosófico da temporalidade, implicando reflexões sobre o que venha a ser tempo objetivo e tempo teleológico. O tempo objetivo corresponde às performances definidas pela lógica da eficiência, sendo as práticas consideradas, desde sua exterioridade, como padrões de atividades e normas de sustentação social (SCHATZKI, 2006). É a vitória do lugar sobre o tempo que constitui o “próprio” nas discussões de Certeau (2002). Para Foucault (2010), o controle do tempo é característico das práticas disciplinares. Ao submeter o corpo ao tempo, essa objetivação estabelece um processo de sujeição, produzindo eficácia aos gestos dos sujeitos, sendo o corpo um objeto passível de manipulação (FOUCAULT, 2010). O controle do tempo possibilita analisar as formas mais elementares das relações de poder (FOUCAULT, 2010). Para Schatzki (2006), o tempo teleológico diz respeito ao caráter de confronto social e está incorporado nas práticas cotidianas, possibilitando tornar aceitável um conjunto de ações que constituem as organizações. Essas duas temporalidades estão presentes no acontecimento organizacional, não sendo possível estabelecer uma clivagem do contexto socioeconômico, pautado na eficiência, ou disciplinar a temporalidade de modo que os sujeitos não possam atuar além dela, politizando as práticas. Para Foucault (2006), como o poder é uma prática exercida, qualquer luta é sempre resistência, especialmente no controle da temporalidade. Schatzki (2005) afirma que as ações humanas são organizadas por meio de práticas. Essas maneiras de fazer referem-se a um determinado contexto, como os locais de trabalho. Os contextos de atuação das
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ações humanas são denominados site, ou lugar. Um contexto pode ser entendido como uma arena ou um conjunto de disposições de fenômenos. As ações ocorrem em determinados contextos e produzem espaços, proporcionando uma dinâmica de mobilidade nesse conjunto de disposições. Os lugares, ou sites, são formados pelos nexos das práticas dos sujeitos em face de um contexto, articulando-os aos arranjos materiais. Esses últimos compreendem a dimensão objetiva constituinte dos lugares por meio de uma configuração com as práticas. As organizações são entendidas como arranjos-práticos situados sócio-historicamente (SCHATZKI, 2006). As críticas a essa proposição de análise organizacional de Theodore Schatzki referem-se à não sistematização das contradições das práticas que configuram lugares de decisão nas organizações (CERTEAU, 2002), bem como às relações de poder (FOUCAULT, 2006). Portanto, aproximando teoricamente Certeau (2002), Foucault (2010) e Schatzki (2006), é possível estabelecer um caminho para o entendimento das contradições de análise das práticas cotidianas nas organizações. Para Schatzki (2005), Certeau (2002) e Focault (2010), são as práticas que organizam espaçotemporalmente as ações humanas e tecem os cotidianos, possibilitando constituir as lógicas de ação dos sujeitos sociais. As práticas são apresentadas por Certeau (2002) em dois arranjos: as estratégias e as táticas. Para o referido autor, as estratégias são manipulações de relações que possibilitam isolar sujeitos de saber e poder circunscrevendo lugares próprios de onde é possível gerir relações com uma exterioridade de alvos: Como na Administração de empresas, toda racionalização “estratégica” procura em primeiro lugar distinguir de um “ambiente” um “próprio”, isto é, o lugar de poder e de querer dos próprios. Gesto cartesiano, quem sabe: circunscrever um próprio num mundo enfeitiçado pelos poderes invisíveis do Outro. Gesto da modernidade científica, política ou militar (CERTEAU, 2002, p. 99).
A vitória sobre o tempo permite capitalizar ganhos para as ações futuras das estratégias, estabelecendo relações de poder que postulam o controle dos lugares de decisão (CERTEAU, 2002). Para Certeau (2002), nos locais de trabalho, difundem-se técnicas culturais de controle que dissimulam a reprodução econômica por meio de ficções de surpresas, de verdades ou de comunicação. Foucault (2006) destaca as práticas
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disciplinares por meio da vigilância como um dos principais meios de controle dos sujeitos. A exposição contínua e permanente às técnicas de vigilância, como o panóptico, deve ser difundida de modo que quem é vigiado incorpore a visão de quem observa (FOUCAULT, 2006). Essa captura estratégica caracteriza as relações de trabalho capitalistas, configurando subjetividades construídas e vividas pelos sujeitos em meio às tecnologias de poder (FOUCAULT, 2010). As táticas caracterizam-se pela ação calculada, determinada pela ausência de um próprio (CERTEAU, 2002), atuando no campo do “outro” e no espaço por ele controlado. As táticas não capitalizam a temporalidade, atuando em um tempo teleológico (SCHATZKI, 2006) que não estabelece um lugar próprio de ação, permitindo mobilidade e improvisação. Certeau (2002) ainda afirma que as táticas não estabelecem projetos globais de totalização de um espaço visível e objetivado (como os lugares de decisão), mas operam golpe por golpe, lance por lance, como em uma caça furtiva. O desdobramento dos efeitos desses arranjos de práticas (estratégias e táticas), ao persistirem nas temporalidades (objetivo e teleológico), configuram as organizações (SCHATZKI, 2006). A objetivação desse processo está imbuída nos arranjos materiais dos contextos organizacionais, o que inclui a materialidade do corpo humano como desdobramento do fenômeno organizacional (FOUCAULT, 2006). É por isso que existem construções de práticas que não podem ser ditas nem ensinadas, mas, sim, colocadas em ação (CERTEAU, 2002). Elas se formam e se disseminam na sociedade sem a necessidade de um saber próprio, não sendo possível discutir práticas que produzem subjetividades sem postular suas formas de objetivação (FOUCAULT, 2010). Essa articulação subjetivo-objetiva confere às práticas o caráter de organização e organizadoras, implicando uma dimensão de positividade no cotidiano dos sujeitos (FOUCAULT, 2010). Por meio das micropolíticas, faz-se possível confrontar os processos organizacionais de mobilização do social, pois esse ordenamento articulado diz respeito a um espaço de práticas que são exteriores ao cotidiano das organizações e que o interpelam. Assim como Sato, Bernardo e Oliveira (2008), consideramos relevante destacar as ações configuradoras de determinados arranjos no cotidiano de trabalho, em que estão as práticas que podem transgredir silenciosamente a ordem estabelecida. Como exemplo, Certeau (1999) discorre sobre o que se tem denominado produção cultural, pois
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essa divisão social do trabalho oferece um campo de expansão das análises das operações estratégicas de práticas de gestão. A seguir, o circo será pensado sob a sua dimensão organizacional, de modo a contribuir para o entendimento da parte empírica que será analisada mais adiante.
CIRCO COMO ORGANIZAÇÃO A apropriação que as organizações que trabalham com práticas circenses têm realizado das formas de vida contemporânea, a exemplo da hibridização artística, possibilita empreender um debate a respeito dos diferentes usos da subjetividade humana nos espaços organizacionais. Ademais, atentar para os circos como objeto de estudos também possibilita pensar sobre articulações entre a produção artística e as práticas de gestão. Como espaço organizacional, as artes circenses são entendidas com base em sua constituição por meio de circos, apresentando seus primeiros fragmentos com espetáculos nômades e pagos no período da Revolução Industrial na Inglaterra (PARKER, 2011). A estrutura organizacional circense, em seus primórdios, era familiar e nômade, e as técnicas eram aprendidas e desenvolvidas por transmissão oral (OFEN, 2010). No Brasil, as práticas circenses chegaram por volta do século XX, trazidas por imigrantes europeus (SACCO e BRAZ, 2010). Também nesse período, não foi estabelecido um saber científico (FOUCAULT, 2010) sobre o circo, o que lhe confere um saber marginal em relação às outras artes e atividades organizacionais já articuladas no e com o campo científico. Os circos eram manifestações artísticas marginais direcionadas a grupos populares e apresentadas nas periferias das cidades no Brasil (SACCO e BRAZ, 2010), portanto não havia um lugar próprio (CERTEAU, 2002) estabelecido pelos circenses no País. Em termos de atividade econômica, os circos são considerados organizações constituintes das denominadas indústrias criativas (BENDASOLLI e BORGES-ANDRADE, 2011; BENDASSOLLI e outros, 2009). De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (LINS, 2007), no Brasil, nos anos de 1970, havia mais de duas mil companhias circenses espalhadas pelo País; já no ano 2000, não passaram de 300 circos, e, nesse mesmo período, a quantidade de circos-escola aumentou de dois para 40.
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O projeto de lei n. 397/2003 (LINS, 2007), em trâmite no Congresso Nacional Brasileiro, em seu artigo segundo, define circos como espetáculos que possuam mais de 50% de suas práticas relacionadas às chamadas atividades circenses. Os aparelhos utilizados nessas atividades são, por exemplo, tecidos, trapézio, perna de pau e lira, desenvolvidos com base em performances como acrobacias, malabarismo, mágicas, equilibrismo, palhaços, clown e pirofagia (SACCO e BRAZ, 2010). As apropriações das atividades circenses vão constituí-las como práticas e estabelecer diferentes formas organizacionais de circo. Temperani (2011) considera o circo uma arte cênica, caracterizando um espetáculo como organização circense com base nas descrições expostas no Quadro 1. As trupes são organizações circenses caracterizadas pela constituição de grupos de artistas de diferentes formações que se utilizam das práticas circenses em suas atividades. Centrada na expressividade da linguagem artística híbrida, a lona, trailers e demais estruturas físicas do circo nômade já não compõem as trupes circenses, que passam a se apresentar em teatros, ginásios ou mesmo nas ruas. É essa configuração organizacional de trupe circense, que tem no teatro a sua maneira mais recorrente de apresentação, que este artigo foca.
MÉTODO Como método de pesquisa, utilizamos a etnografia. Inicialmente desenvolvidos no campo da antropologia, os estudos etnográficos já foram incorporados aos estudos organizacionais, por meio de diversas pesquisas (ALCADIPANI e ROSA, 2012; JAIME, 2002; CAVEDON, 1988). Clifford (2008) assinala que a etnografia consiste no envolvimento direto com os participantes e o campo de pesquisa, em que a operacionalização etnográfica remete, em termos físicos e intelectuais, às vicissitudes da tradução. Em novembro de 2010, uma das pesquisadoras deste trabalho (Ana) entrou em contato com os diretores do circo – o Grupo Tholl – e a realização da etnografia foi autorizada formalmente. A pesquisa foi realizada de março a dezembro de 2011. Ana acompanhou o dia a dia das atividades do circo em estudo em diferentes espaços organizacionais: o Centro de Treinamentos (CT), o ateliê, as viagens para apresentações dos espetáculos e atividades para além do cotidiano de trabalho dos artistas. Do método etnográfico, destacaram-se as técnicas da observação participante, com as descrições registradas em diários de campo, e entrevistas de histórias de vida. A observação participante consiste, para Clifford (2008), no envolvimento do pesquisador com as atividades de seu campo de pesquisa, de
Quadro 1 – Processos organizacionais circenses CATEGORIA
DESCRIÇÃO E ESTRUTURA DE APRESENTAÇÃO
Circo teatro
Espetáculos em dois atos. O primeiro com atividades circenses e o segundo com o teatro. Apresentações em lonas ou teatros, podendo ser itinerantes.
Circo itinerante
Espetáculos compostos por números circenses. Apresentam-se em lonas, sendo itinerantes. Divididos em três categorias: circo pequeno: até 500 lugares; circo médio: até 1.000 lugares; circo grande: acima de 1.000 lugares.
Circo escola
Formação de artistas profissionais visando a sua inserção no mercado de trabalho. Estrutura fixa para os processos de aprendizagem.
Circo social
Utiliza-se das artes circenses para o desenvolvimento de atividades de cunho social, cultural, pedagógico e educativo. Estrutura de lona e não itinerante.
Circo de rua
Composto por artistas de diferentes formações profissionais. Estrutura-se com apresentações em espaços públicos.
Grupos e trupes circenses
Composto por artistas com principal formação nas artes circenses. Apresentam-se em teatros e espaços alternativos e possuem locais fixos de treinamento.
Números/performances circenses
Conjunto de “trucs” obedecendo a uma sequência lógica, com coreografias e trilha sonora. Sem estrutura definida para as apresentações.
Fonte: Adaptado de Temperani (2011).
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modo que sua própria agenda de trabalho se torna as atividades do grupo em estudo. Ana participou das aulas e treinamentos realizados no circo. Durante as primeiras observações, os artistas a convidavam para participar dessas atividades, e, em alguns momentos, eles improvisavam ações nas aulas de modo que Ana pudesse ser envolvida, sendo, posteriormente, reconhecida pelas atividades com malabares e trabalhos de contrarregra nos espetáculos. Ana ouvia várias histórias de como transcorria o processo de se viver como um artista circense, visto que, dos 32 sujeitos pesquisados, apenas um é originário de família circense, de nacionalidade argentina. Falas atinentes à mudança de vida, aos conflitos diante dessa escolha de trabalho e sobre serem taxados como loucos pela sociedade foram recorrentes durante o estudo. Essas colocações reveladas pelos diferentes sujeitos não se limitaram a ser direcionadas aos artistas circenses, mas também foram dirigidas para Ana, quando ela fazia comentários nos espaços acadêmicos sobre sua pesquisa. Com isso, optamos por realizar entrevistas de histórias de vida (CLIFFORD, 2008), pois era possível observar que certas práticas cotidianas eram interpeladas por discursividades. As entrevistas, realizadas com os 32 artistas circenses atuantes no Tholl, durante o processo etnográfico, seguiram um roteiro estabelecido pelos eixos temáticos: (1) trajetórias de vida (família, formação educacional e profissional); (2) trajetória no Grupo Tholl (ingresso e atividades desenvolvidas no grupo e nos elencos); (3) trajetória do Grupo Tholl, objetivando inscrever espaçotemporalmente a organização e os sujeitos. O roteiro de entrevistas foi adaptado de modo a respeitarmos as particularidades de cada um dos respondentes, buscando não interferir na ordenação da narrativa, bem como nos aspectos destacados como relevantes pelos pesquisados em relação a suas histórias de vida. Para a reprodução dos trechos das entrevistas, gravadas e transcritas, que consideramos necessários para a construção deste texto, os nomes utilizados são fictícios, inspirados no filme O palhaço (2011). As análises do estudo são interpretativas. Esse processo objetivou articular um espaço dialógico entre o teórico, o êmico e o ético. É uma interpretação de situações cotidianas, pois, como afirmam Dreyfus e Rabinow (2010), na analítica interpretativa, a “doença” que se quer tratar faz parte de uma epidemia que também afetou o pesquisador.
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GRUPO THOLL A Oficina Permanente de Técnicas Circenses (OPTC) foi fundada na cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul, em 1987, por João Bachilli, ex-ginasta olímpico e ator. Ele convidou, na época, amigos para aprenderem técnicas circenses aos finais de semana. Entre estes, estava um grupo de capoeiristas, cujas técnicas foram incorporadas, posteriormente, em cenas dos espetáculos circenses. Como forma de financiamento do grupo, os artistas faziam atividades de animações em eventos para os quais eram contratados. No ano de 2002, o grupo estreou, na cidade de Pelotas, seu primeiro espetáculo: Tholl, Imagem e Sonho. E, a partir de então, foram denominados Grupo Tholl. Os espetáculos são montados e ensaiados no CT, localizado na região portuária pelotense. A montagem de palcos, de figurinos e de adereços é de responsabilidade de cada elenco. A concepção dos espetáculos é realizada por João, porém são criados coletivamente. Os artistas desenvolvem gratuitamente dois projetos: o circo-escola, onde ensinam técnicas circenses, cênicas e de dança em seu CT; e o Alegria Tholl, com atividades de animações em instituições na cidade de Pelotas. Atualmente, o Grupo Tholl funciona no regime de associação e possui três espetáculos em cartaz.
As práticas cotidianas como produtoras de subjetividades nas artes circenses
As modalidades de ação dos sujeitos sociais possuem um caráter político, pois se articulam com lógicas fornecidas pela conjuntura, circunstâncias que lhes são exteriores, mas que, diante de um “golpe de vista” (CERTEAU, 1985), estabelecem conjuntos de ações que podem transformar ou reproduzir a existência cotidiana. No contexto analisado, no processo de ingresso no circo, o cotidiano organizacional interpelou as subjetividades dos sujeitos, fragmentando o que era considerado referência de ação. Esse processo de apropriação evidenciou-se quando, questionados sobre suas respectivas trajetórias de vida, eles recorriam à organização em estudo para discorrer sobre tal questionamento, conforme observado nos seguintes relatos: Eu entrei na faculdade no mesmo tempo em que estreou o Tholl, Imagem e Sonho [...] chegou um momento que eu tive que optar porque eu não estava conseguindo fazer nenhuma das duas coisas
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direito. Naquele momento, eu optei pelo trabalho que a gente tava fazendo, e a gente tava recém começando a viajar com o espetáculo e tal. E achei que seria interessante viver aquilo e num outro momento, depois, retornar à faculdade. O que aconteceu é que eu me apaixonei pelo que eu faço hoje, e acabou que eu não voltei e não voltaria (Benjamin, clown, 28 anos). Na verdade, eu nem sabia que eu tinha tanto esse gosto por arte. Porque eu acabei me formando no colégio e decidi que queria fazer a faculdade de Administração [...] quando eu comecei a trabalhar no grupo e a animar, e olho no olho, sabe, foi aí que eu tive certeza de que era o que eu tinha que fazer. E no início foi difícil meu pai e minha mãe aceitar. [...] No início eu enfrentei: ah, eu acho muito lindo! Mas não pra minha filha, sabe! Eu adoro ir no circo, adoro ver aquela gente louca. Mas a minha filha vai ser administradora [risos]? (Justine, acrobata, 26 anos).
Ingressar no circo foi um momento de considerar as possibilidades de transgressão de uma ordem social imposta (CERTEAU, 1985), de configurar aberturas de espaços de atuações para além do trabalho. Essas ações, apesar de não romperem com a lógica econômica, pois o termo trabalho ainda é recorrente nas falas, atuam de maneira política, caracterizando-se pelo confronto com a história dos processos de constituição subjetiva vivenciadas pelos artistas até o momento de ingresso no circo (FOUCAULT, 2010). A fala de Justine diz respeito ao questionamento de Certeau (2002) sobre a possibilidade de existência de um saber, nas práticas, desconhecido pelos praticantes. Corroborando as construções teóricas realizadas, essa dinâmica diz respeito aos efeitos do cotidiano organizacional (FOUCAULT, 2010), em que o domínio de ação do artista confronta as ações de “outros” (CERTEAU, 2002). O cotidiano organizacional de viagens, de intervenções artísticas (animações) como os projetos Alegria Tholl e o circo-escola, e as interações sociais subjetivas (“olho no olho”, “paixões”) atuam como bricolagens em relação ao que era, até então, exterior a suas ações. São golpes que os sujeitos aplicam no sistema (CERTEAU, 2002). As modalidades de ação dos artistas em seu cotidiano podem ser analisadas pelas formas como estas são interpeladas pelos desdobramentos do cotidiano organizacional, como discute
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Schatzki (2006), ao implicar formas de organização espaçotemporal das ações dos sujeitos. O caráter político das modalidades de ação, articulado pelo cotidiano organizacional, demonstra que as práticas sociais dos artistas circenses foram alteradas em uma dimensão tática de atuação, ao considerarmos as expressões de opção de escolha pelo circo. Quando as conversas em campo se encaminhavam para esse processo de escolha, eram comuns expressões de indignação pelas dificuldades sociais que passavam, visto que, além de uma escolha profissional, era uma forma de viver entremeada ao circo. Ana foi observando que essas emoções começavam a fazer parte de seu cotidiano: Cheguei ao CT às 14h para as aulas de tecido e acrobacias. A Guilhermina não aparecia nas aulas há uns dois dias. Quando estávamos todos reunidos para começar a aula, o Tony perguntou a ela o porquê das ausências. E ela respondeu: “eu não tinha dinheiro para o ônibus. Se eu sair da escola e for para casa a pé e voltar, não dá tempo de chegar no horário”. Fiquei muito indignada! Depois, soube que eles a indicaram para fazer uns trabalhos de animações (diário de campo, 24 de maio de 2011).
Observamos que os artistas compartilhavam despesas, dividiam moradias, os empréstimos de dinheiro, sem taxas de juro, e compras coletivas em cartões de crédito também eram práticas comuns (diário de campo, 24 de maio de 2011). Eram formas de driblar o sistema econômico, dada a sua condição social. As determinações da sociedade, por meio de relações de poder, são objetivadas em um conjunto de sujeitos, como os pais, ao realizar a opção pelo circo; a estrutura educacional, pelo deixar a faculdade; ou mesmo a própria sociedade, por o artista não ter dinheiro para a sua locomoção até o CT. Esse caráter micropolítico das ações dos sujeitos, articulado à dinâmica social, nos possibilita tencionar o entendimento das modalidades de ação que circunscrevem e são circunscritas por práticas organizacionais no circo. A próxima seção de análises discute os processos das formalidades das práticas na organização em estudo.
Práticas cotidianas nos processos organizacionais circenses As práticas de expressões artísticas articulam-se com e em práticas sociais. Essa dinâmica tem influenciado
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a constituição de outros processos organizacionais circenses, em especial, desde o final do século XX (PARKER, 2011). A incorporação de outras artes e técnicas desportivas, bem como uma estrutura organizacional não mais tão nômade e familiar, tem formado lugares próprios no âmago do circo, como observado nos seguintes relatos: Foi quando eu entrei no grupo e tive contato com o Cirque Du Soleil [que reconheceu o Tholl como um circo] [...] E aí a gente sempre teve a pretensão de chegar ao nível do Cirque Du Soleil. E hoje em dia ainda é um pouco isso. Mas a gente quer botar a nossa cara na verdade. Mas é ter a fama que ele tem, a grandiosidade que ele tem, o apoio que ele tem do Estado, do Canadá, que apoia muito. É ser reconhecido aqui no Brasil (Robson, acrobata, 25 anos). O circo tem cheiro de casca de arroz, tem cheiro de lona aquecida, tem cheiro de pipoca. Então, tem todo um aroma que antecede tudo, que eu acho que é muito específico assim. Se eu fosse cega, eu saberia facilmente se eu estou dentro de um circo ou não, entendeu? [...] E as apresentações, e o Tholl é uma prova disso, que o circo não necessariamente tenha que ser embaixo de uma lona e tal (Zaira, clown, 27 anos).
As modalidades de ação do cotidiano organizacional circense também são articuladas com práticas de gestão e interpeladas por relações de poder e de saber. As formalidades das práticas no circo em estudo, primeiramente, produzem um lugar para o circo “sem lona”, pois, no que tange ao exterior a esse cotidiano de trabalho, as representações afirmam-se com base em práticas dos circos “com lona”. É o efeito dos arranjos materiais nas organizações (SCHATZKI, 2006). A referência de atuação do Cirque Du Soleil apresenta-se na fala de Robson como um cotidiano de trabalho com um solo comum de práticas para os circos “sem lona”. Essa referência é perpassada por relações de poder (“chegar ao nível”) e estabelecer um próprio do Grupo Tholl (“botar a nossa cara na verdade”), sujeitos de querer e de poder no espaço circense. Robson ainda salienta a intervenção do Governo canadense de modo a apoiar as atividades do Cirque Du Soleil, em que, para esclarecer tais relações, é necessário problematizar os meios pelos quais essas intervenções ocorrem, como defende Certeau
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(1999). No caso do Grupo Tholl, este foi legitimado como patrimônio cultural do Estado do Rio Grande do Sul pelas esferas governamentais, mas, em termos de políticas de apoio às manifestações culturais dessa ordem, ainda não são observadas ações no sentido pleiteado por Robson. Em termos de gestão, as formalidades das práticas circenses pautadas em apresentações “sem lona”, ocorrendo em teatros e ginásios, desdobram-se na formação de redes associativas que podem se configurar como assimétricas (SCHATZKI, 2006). No caso dos teatros, a organização em estudo fica na dependência da existência de pautas, de datas específicas para apresentações e temporadas. As figuras dos produtores culturais inserem-se nesse cotidiano como mediadores das artes circenses. São eles que determinam a entrada ou não dos espetáculos em cartaz nos teatros. Com base nisso, se estabelece um sujeito de saber e de poder que, até então, não se fazia presente. Como discorre Foucault (2010), os sujeitos emergem em um espaço onde se operam práticas, portanto não há uma verdade a ser descoberta, ele é tal como aparece. Durante a realização da pesquisa, a figura da Lola, produtora cultural do grupo, era apresentada pelos artistas como quem proporcionou outro movimento às atividades. Lola ingressou no Tholl no ano de 2005, sendo reconhecida como um braço de gestão que eles não possuíam até então (diário de campo, 13 de abril de 2011). Era ela quem mediava o agendamento de pautas nos teatros e com as produtoras, bem como a negociação com os contratantes dos espetáculos. Isso porque o Grupo Tholl viaja somente com espetáculos contratados ou agendados previamente. Essa formalidade de práticas indica como a lógica do discurso empresarial tem sido incorporada ao cotidiano de trabalho na organização. Outro desdobramento desse cotidiano organizacional refere-se aos financiamentos. No caso do Grupo Tholl, por apresentarem um lugar de ação, a cidade de Pelotas, o grupo recebe um apoio financeiro de uma universidade privada da referida cidade para custear o CT. O galpão do CT foi cedido por uma empresa de transportes de Pelotas, no ano de 2010, quando o grupo teve de deixar o espaço que alugava e, ao mesmo tempo, recebeu uma proposta de mudança de sede para a cidade de Porto Alegre, capital do Estado. Portanto, no momento em que o grupo estabelece um lugar de ação, jogos, articulados e decorrentes de desdobramentos organizacionais, configuram-se para além dos aspectos do cotidiano do
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grupo. Na próxima seção dessas análises, discutimos como o estabelecimento desse lugar do circo, além das dinâmicas sociais e culturais, é interpelado por dimensões econômicas.
Práticas cotidianas interpeladas pela dimensão econômica nas artes circenses Na medida em que as práticas constituem um lugar, elas circunscrevem um espaço e possuem uma positividade em relação às possibilidades de ação (FOUCAULT, 2010). Em meio a essa dinâmica, existe um caráter ético de atuação dos sujeitos que implica a recusa de identificação com a ordem ou com as leis dos fatos (CERTEAU, 1985). Esse processo abre um espaço pautado na existência histórica dos sujeitos em relação aos lugares de dominação (CERTEAU, 2002). São os desdobramentos relacionais das práticas organizacionais (SCHATZKI, 2006) no fazer artístico circense que jogam com a interpelação da dinâmica econômica, evidenciados no seguinte relato: A gente teve um momento difícil que foi até no ano passado assim. A gente estava sem um lugar pra treinar, sabe? E aí não conseguia ninguém que ajudasse [...] a gente procurava um espaço pra se manter. E não conseguia achar nada em Pelotas, e aí a gente conseguiu um grupo de arquitetos lá em Pelotas, uma ONG. [...] não cobram nada pra fazer o projeto. E aí eles ajudaram. Mostraram até um projeto em um antigo prédio que estava abandonado. E aí fizeram um projeto de um centro cultural, um espaço cultural, né?, e aí nisso, dentro desse centro cultural, teria o teatro do Tholl, né? E a gente, bah! Ficou triempolgado pro negócio dar certo [...] entrou na prefeitura esse projeto que foi rolando, e aí foi aprovado e tal, e aí só faltava a assinatura do prefeito. E o prefeito negou. [...] e essa foi uma das fases bem ruins do grupo. O grupo tem muita sorte [...] sempre quando entra projeto na LIC a gente ganha, na Rouanet também. Tem vários produtores que trabalham com a gente e conseguem fazer projetos muito legais assim. [...] e hoje em dia a gente tem um espaço muito legal e sem custo nenhum (Robson, acrobata, 25 anos).
De acordo com Schatzki (2006), é preciso analisar como as práticas organizacionais se articulam com a dinâmica social, para além do espaço organizacional. Robson afirma que a sobrevivência do Grupo Tholl,
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enquanto organização, é dependente de arbitrários econômicos, como os produtores culturais. Esses sujeitos operam na delimitação do lugar do circo nas artes, no campo social e econômico, especialmente na captação de recursos públicos e privados. Anteriormente, Robson já havia salientado em sua fala que “chegar ao nível” do Cirque Du Soleil seria também obter apoio governamental. O que se observa é que a interpelação das disputas econômicas nas artes também ocorre pelas posições que o governo ocupa nesse campo de forças. Certeau (1999) discute que a apropriação da cultura como um campo econômico tem um dublê cômico, os governos, pois é a atuação destes que pode animar discursos ideológicos na sociedade, onde vão se concentrar “especialistas” selecionadores para determinar o que é “cultura”, a exemplo dos produtores culturais. Como, no espaço das políticas públicas, as operações táticas do grupo para a sobrevivência no campo estratégico econômico encontraram entraves, eles buscaram nos laços com empresários da cidade de Pelotas formas de golpear esse sistema, operando de maneira endógena. Nesse período relatado por Robson, eles tiveram de deixar o local de treinamentos, onde pagavam aluguel, pois o prédio foi vendido à universidade da referida cidade. Mas uma empresa de transportes da cidade de Pelotas optou por ceder um galpão de sua propriedade para as atividades do grupo. Conforme o cotidiano do circo é atravessado por questões econômicas, outras formas de disposição das ações dos sujeitos são processualmente constituídas na organização, sejam estas em suas malhas organizacionais ou no que se denomina “exterioridade” (SCHATZKI, 2006). Além dos “feitos” nos “ditos” (SCHATZKI, 2006), esse processo também vai se evidenciando por meio de relações de poder que os próprios artistas sustentam em seu cotidiano organizacional: A gente vendo o VHS do primeiro espetáculo é muito engraçado. Porque é muito diferente, sabe? [...] Depois disso [das estreias dos espetáculos] o Tholl foi crescendo assim [...] Mesmo assim, eram apresentações esporádicas, porque o grupo não tinha tanta agenda assim. Não tinha tanto mercado pra isso (Tony, acrobata, 24 anos).
Destacamos que o discurso mercadológico que sustenta o sistema econômico também tem interface com as práticas do fazer artístico, especialmente com
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a necessidade de produção para atendimento de demandas de mercado. Entretanto, as atividades artísticas podem atuar de modo a driblar o sistema por dentro, ao proporcionar outras modalidades de ação aos sujeitos, além das relações de mercado. Essa dinâmica tem um caráter processual, como foi evidenciado na fala de Justine, em relação ao público dos espetáculos circenses: E o objetivo são essas pessoas. [...] A gente tá incentivando aquela pessoa em ir mais ao teatro, estimulando aquela pessoa de ter mais contato com a arte ou pensar em fazer alguma coisa com seu corpo ou uma atividade física [...] Porque eu acho que as pessoas tão muito assim, só trabalham, não fazem nada. [...] E é legal assim quando a gente consegue ir numa plateia inteira de 800 pessoas e que uma pessoa pense assim: vou fazer alguma coisa! (Justine, acrobata, 26 anos).
As maneiras de fazer também implicam um caráter ético (CERTEAU, 1985) dos gestos políticos das artes circenses em relação ao cotidiano do público dos espetáculos. Na fala de Justine, esse gesto é objetivado nas críticas sobre as práticas materializadas no corpo, esse último objetivado para a eficiência nas relações de trabalho capitalistas, em que não há espaço para produzi-lo além da dimensão do tempo objetivo. Em termos organizacionais, a formação do circo-escola e do projeto Alegria Tholl, desenvolvidos gratuitamente pelos artistas, atuam nesse sentido de questionamentos das práticas cotidianas daqueles sujeitos não ligados às artes, constituindo o campo de ação política do Grupo Tholl.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Observamos, com este estudo, que alterações no cotidiano organizacional circense, a exemplo da incorporação de práticas de gestão ao fazer artístico, têm transformado o circo de um modo de vida para um campo de trabalho. Por isso, existe o movimento de regulamentação de atuação dos circos, a emergência de saberes científicos sobre essas organizações como inseridas nas indústrias criativas e a atuação de “especialistas” de cultura para classificar as formas organizacionais circenses. Outro aspecto destacado foi a determinação dis-
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cursiva do posicionamento de mercado do circo com base na referência de atuação do Cirque Du Soleil, constituindo-se uma “maneira de fazer” circense em um lugar diferente do circo tradicional. Dessas mesmas práticas, emerge o sujeito produtor cultural como mediador da posição do circo no campo de seus espaços de apresentações, como nos teatros, em face da objetivação do discurso de atuação por uma demanda de mercado, configurando relações de poder no campo econômico e nas disputas com as esferas governamentais. Essas práticas disciplinares são confrontadas por micropolíticas das práticas cotidianas do Tholl e dos gestos políticos das artes circenses. Para os artistas, o circo deve ser problematizado como parte do cotidiano da sociedade, e, objetivando essa possibilidade de expansão artística pela cidade, são desenvolvidos dois projetos de intervenção social, sem ganhos financeiros: o circo-escola e o Alegria Tholl, com intervenções artísticas em espaços institucionais. Além disso, o circo também se configura organizacionalmente pelas possibilidades de transgressões da ordem vigente, a exemplo dos processos de ingresso nele; e da constituição substantiva do trabalho do artista com base no impacto social dos espetáculos para que outros sujeitos, não imersos no cotidiano do circo, também possam ampliar suas possibilidades de ação na sociedade. Essas formas de fazer resistência indicam possibilidades de transformação de práticas organizacionais em ação política, a exemplo da preocupação com a esfera micropolítica do corpo na recepção dos espetáculos circenses pelo público em geral. Também evidenciam lugares de ação para outras organizações que atuam com atividades artísticas, pois, como afirma Certeau (2002, p. 40), fazer resistência também é realizar bricolagens das “inúmeras e infinitesimais metamorfoses da lei, segundo seus interesses próprios e suas regras”. Como contribuições teóricas, apresentamos, neste artigo, um percurso de análise organizacional que procura realizar uma crítica ao entendimento do cotidiano como rotinização. Compreendendo o cotidiano organizacional como um espaço de práticas, dessa unidade analítica é possível discutir a gênese dos processos de gestão. Esses processos também se formam a partir de um campo de batalhas que está além do cotidiano organizacional, como no lugar próprio do circo na sociedade, sendo nos interstícios das contradições da vida cotidiana que os processos organizacionais acon-
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tecem. Salientamos a contribuição deste estudo no que se refere às análises das práticas de organização no campo das indústrias criativas, e, também, apontamos caminhos metodológicos de utilização da etnografia na captura do cotidiano organizacional. A coexistência de lógicas de ação contraditórias em relação aos processos econômicos tem produzido clivagens nas “maneiras de fazer” circenses que extrapolam as relações de trabalho e as transformam em capacidades produtivas. Entretanto, tem provocado lógicas de ação que contrapõem esse processo de apropriação e estabelecem outros processos de organização, constituindo os circos como um processo político das práticas cotidianas. A impossibilidade de apreensão de todas as práticas desse cotidiano organizacional limita a amplitude das conclusões aqui expostas, especialmente em relação às práticas não configuradas pelas relações de poder ou determinações externas à organização. O aprofundamento teórico que realizamos, com aproximações de discussões entre Certeau (2002), Foucault (2010) e Schatzki (2006), também pode ser contraposto em relação aos estudos que discutam as contradições entre os referidos autores. Isso viabilizará diálogos com outras pesquisas para o aprofundamento teórico-metodológico sobre o cotidiano organizacional. O caminho proposto evidencia a necessidade de se aprofundarem as análises nas lógicas de ação dos sujeitos sociais, identificando dispositivos normalizadores nas organizações, bem como formas de confronto de práticas que reconstituam os sujeitos em diferentes análises organizacionais. O cotidiano organizacional é um espaço de práticas que constituem micropolíticas em meio à esfera normativa dos processos de gestão. O aprofundamento dessas discussões em outras organizações pode evidenciar como um conjunto de práticas de gestão é objetivado no cotidiano, a exemplo das biopolíticas, que são fenômenos seculares, mas com análises sobre suas produções contemporâneas nas organizações. As tecnologias digitais comumente discutidas com base na lógica do controle têm sido utilizadas para configurações de confrontos sociais e diferentes formas de organização dos sujeitos, e são mecanismos constituintes do cotidiano ainda não explorado nessa perspectiva. Com efeito, essas discussões avançam no entendimento de lógicas de ação em contextos organizacionais, problematizando ações subjacentes aos arranjos das práticas e dos interstícios dos processos de ges-
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tão. Isso poderá contribuir para a construção de uma dimensão de análise organizacional que contemple o cotidiano de trabalho dos sujeitos sociais, as mínimas formas dos usos estratégicos e táticos do contexto social em que, como nos lembra Michel de Certeau, a “ordem é jogar”.
NOTA DA REDAÇÃO
Este artigo participou do VII Encontro da Divisão de Estudos Organizacionais (ENEO), realizado em 2012 pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (Anpad).
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artigos Recebido em 25.03.2011. Aprovado em 30.10.2012 Avaliado pelo sistema double blind review Editor Científico: Rodrigo Ladeira
AMBIGUIDADE E CONSEQUÊNCIAS FUTURAS DOS COMPORTAMENTOS ÉTICOS: ESTUDO INTERCULTURAL AMBIGUITY AND THE IMPLICATIONS FOR THE FUTURE OF ETHICAL BEHAVIOR: AN INTERCULTURAL STUDY AMBIGÜEDAD Y CONSECUENCIAS FUTURAS DE LOS COMPORTAMIENTOS ÉTICOS: ESTUDIO INTERCULTURAL RESUMO
Os comportamentos de ética empresarial têm sido questionados, com os recentes escândalos econômico-financeiros e as práticas de empresas e trabalhadores. Neste estudo, baseado em dados recolhidos por questionário, comparamos as perceções de ética de estudantes portugueses (N=109) e brasileiros (N=190) de Administração, expostos a um conjunto de cenários de ética e aceitabilidade de práticas comerciais, diante de duas dimensões culturais: a tolerância à ambiguidade e a antecipação das consequências futuras. Os resultados
mostram diferenças significativas entre os brasileiros e os portugueses nas três dimensões, sendo os brasileiros mais tolerantes à ambiguidade e mais conscientes das consequências futuras dos seus atos, mas com maior propensão a comportamentos menos éticos. A perspetiva de ganhos mais imediatos parece sobrepor-se à incerteza e aos riscos a médio e longo prazos que a prática de comportamentos menos éticos pode acarretar. Concluímos com uma discussão ampla e pistas para investigação futura.
PALAVRAS-CHAVE Ética empresarial, consequências futuras, tolerância à ambiguidade, propensão a comportamen-
tos éticos. Manuel Portugal Ferreira manuel.portugal.ferreira@gmail.com Professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Administração, Universidade Nove de Julho – São Paulo – SP, Brasil Cláudia Frias Pinto claudia.frias.pinto@gmail.com Mestranda em Gestão de Projetos pelo Programa de Pós-Graduação em Administração, Universidade Nove de Julho – São Paulo – SP, Brasil João Carvalho Santos joao.santos@ipleiria.pt Professor do Instituto Politécnico de Leiria e globADVANTAGE,Center of Research in International Business & Strategy – Leiria, Portugal Fernando A. Ribeiro Serra fernandoars@uninove.br Professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Administração, Universidade Nove de Julho – São Paulo – SP – Brasil
Abstract The ethicality of business behaviors has been under scrutiny with the recent financial scandals and corporate and employees’ practices. In this study, based on data collected by survey, we compare the ethical perceptions of Portuguese (N=109) and Brazilian (N=190) business students, given a set of scenarios presenting unethical business and commercial practices. The tests use two cultural dimensions: tolerance to ambiguity and anticipations of future consequences as predictors of ethical propensity. The results denote significant differences across countries on the three dimensions, and the Brazilian are more tolerant to ambiguity and more conscious of the future consequences of their acts but also more prone to unethical behaviors. The perspective of short term gains seems to override the ambiguity and the medium and long term risks entailed in unethical behaviors. We conclude with a broad discussion and avenues for future research. keywords Bbusiness ethics, future consequences, tolerance to ambiguity, ethical propensity. Resumen Los comportamientos de ética empresarial han sido cuestionados, con los recientes escándalos económico-financieros y las prácticas de empresas y trabajadores. En este estudio, basado en datos relevados a través de cuestionario, comparamos las percepciones de ética de estudiantes portugueses (N=109) y brasileños (N=190) de Administración, expuestos a un conjunto de escenarios de ética y aceptabilidad de prácticas comerciales, frente a dos dimensiones culturales: la tolerancia a la ambigüedad y la anticipación de las consecuencias futuras. Los resultados muestran diferencias significativas entre los brasileños y los portugueses en las tres dimensiones. Los brasileños son más tolerantes a la ambigüedad y más conscientes de las consecuencias futuras de sus actos, pero con mayor propensión a comportamientos menos éticos. La perspectiva de lucros más inmediatos parece sobreponerse a la inseguridad y a los riesgos a medio y largo plazos que la práctica de comportamientos menos éticos puede acarrear. Concluimos con una discusión amplia y pistas para investigación futura. Palabras clave Ética empresarial, consecuencias futuras, tolerancia a la ambigüedad, propensión a comportamientos éticos.
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artigos AMBIGUIDADE E CONSEQUÊNCIAS FUTURAS DOS COMPORTAMENTOS ÉTICOS: ESTUDO INTERCULTURAL
INTRODUÇÃO A atual economia globalizada apresenta desafios de ética empresarial e profissional importantes, embora as preocupações com a ética, ou a falta dela, no mundo dos negócios não sejam recentes. Pelo menos em parte, a cultura nacional parece moldar as atitudes, percepções e práticas do que é ético nos negócios internacionais, e vários autores (por exemplo, WHIPPLE e SWORDS, 1992; ALLMON e outros, 1997) têm notado a crescente preocupação com a ética, quer nas empresas, quer nos trabalhadores. A internacionalização das empresa, principalmente pela exposição que cria a diferentes ambientes culturais (FRANCIS, 1991; DAVIES e outros, 2000), requer que os gestores internacionais reconheçam e entendam os padrões, normas e regras de ética e de cultura dos indivíduos e organizações nos diferentes países em que operam. Ainda assim, as conclusões dos estudos que se debruçaram sobre a relação entre a ética empresarial e a cultura nacional são inconclusivas (PRIEM e SHAFFER, 2001). Deve-se referir, a esse respeito, que os trabalhos de Lysonski e Gaidis (1991), Whipple e Swords (1992) e Allmon e outros (1997), por exemplo, mostram que as diferenças de ética entre indivíduos não são atribuídas ao país de origem, ou seja, à cultura nacional. Nesses casos, alguns autores argumentam sobre a universalidade das percepções de ética, sugerindo que os valores e percepções do que é ou não ético estão se tornando gradualmente mais homogêneos nos diferentes países. Ainda assim, outros autores confirmaram empiricamente a relação entre dimensões culturais e a avaliação de um dilema ético (VITELL, NWACHUKWU, BARNES, 1993; HUSTED e outros, 1996; PRIEM e SHAFFER, 2001; TSUI e WINDSOR, 2001). À medida que as organizações se tornam cada vez mais globalizadas e as empresas, mais multinacionais, o entendimento das práticas éticas de gestão além-fronteiras (AHMED, CHUNG, EICHENSEHER, 2003) e o impacto das diferenças culturais na tomada de decisões éticas (KARNES e outros, 1990) vão tendo cada vez mais importância. Hood e Logsdon (2002, p. 883) concluem que “as práticas negociais e padrões éticos interculturais têm grande importância na compreensão e facilidade de realização dos resultados dos negócios”. Tem sido dada maior importância às diferenças nas percepções éticas entre países (ROBERTSON e FADIL, 1999; TSUI e WINDSOR, 2001; PALAZZO, 2002; CHRISTIE, KWON, RAYMOND, 2003;
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TAVAKOLI e outros, 2003; SMITH e HUME, 2005; HELIN e SANDSTROM, 2008). A pesquisa tem, efetivamente, sido profícua na procura de uma ligação entre a ética empresarial e a cultura nacional. Por exemplo, Rice (1999) focou a religião como determinante de comportamentos éticos. Nyam e Ng (1994) analisaram a corrupção e os subornos. Stevenson e Bodkin (1998) analisaram as percepções de ética e a aceitação das práticas de vendas. Goodwin e Goodwin (1999) compararam os julgamentos éticos dos estudantes na Malásia e na Nova Zelândia. Ford (2005) comparou os sistemas de valores em consumidores éticos. Cagle e Baucus (2006) focaram os escândalos éticos e os seus efeitos nas percepções éticas dos estudantes de finanças. Alas (2006) analisou a ética em países com diferentes dimensões culturais. Husted e Allen (2008) analisaram o impacto do individualismo e coletivismo no processo de tomada de decisões éticas. Rashid e Ibrahim (2008) e Rice (1999) focaram o efeito da cultura e da religiosidade na tomada de decisões empresariais éticas. Mas, ainda assim, há várias dimensões culturais a serem exploradas, e em diferentes contextos nacionais, para se obter uma teoria geral válida internacionalmente. Com este artigo, contribuímos para o estudo das diferenças interculturais e dos seus efeitos nas percepções éticas entre países. Neste estudo, procuramos entender se há diferenças nas percepções éticas em dois países com culturas latinas e se duas dimensões culturais – a tolerância à ambiguidade e a preocupação com as consequências futuras – podem ser explicativas de eventuais diferenças nacionais. Para isso, recorremos a duas amostras de estudantes de cursos de Administração, em Portugal e no Brasil. Ao usar essa amostra, com representantes da nova geração de gestores, podemos procurar entender como se comportarão no seu desempenho profissional futuro. Por outro lado, ao avaliar percepções, podemos supor comportamentos, na medida em que um indivíduo que entenda como ético um certo comportamento possivelmente não sofrerá barreiras morais, sociais ou culturais para praticá-lo no futuro. O artigo está estruturado em cinco partes. Na primeira parte, revemos a literatura relevante sobre ética e cultura, seguido pela proposta de três hipóteses derivadas da teoria. Na terceira parte, apresentamos a metodologia, incluindo a descrição da amostra e do procedimento e instrumento (questionário) utilizado. Na quarta parte, trazemos os resultados. Uma discussão ampla desses resultados, com implicações para a
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Manuel Portugal Ferreira
Cláudia Frias Pinto
João Carvalho Santos
teoria e a prática empresariais, limitações do estudo e questões para pesquisa futura concluem este artigo.
REVISÃO TEÓRICA Os estudos que envolvem a ética e a cultura nacional tendem a assumir que as diferenças culturais entre os países são a causa principal das disparidades nas percepções e atitudes éticas das populações. Essa premissa coloca duas questões essenciais: a primeira, sobre a influência da cultura na ética, em que as evidências de eventual relação são apenas parciais, e a segunda, sobre como diferenciar as culturas (ver, também, NYAW e NG, 1994). Neste artigo, aferimos duas dimensões culturais específicas. Outro problema em usar a cultura é salientado por McDonald (2000): determinar se se deve tratar a cultura como variável dependente, independente ou residual. Neste artigo, tratamos a cultura como variável independente, observando a relação de características culturais com a percepção da ética de certas práticas.
Ética empresarial A ética refere-se ao estudo do que é certo e bom para os humanos (DONALDSON e WERHANE, 1996). É o conjunto de princípios de conduta que regem um indivíduo ou um grupo. A ética é o estudo da moralidade (VELÁSQUEZ, 1982) e, segundo Herndon, Fraedrich e Yeh (2001), o comportamento ético é uma interação complexa de fatores organizacionais, características de personalidade e informação da sociedade. Na sua matriz deontológica, a ética foca as ações específicas ou comportamentos individuais, funcionando como diretrizes predeterminadas de normas de comportamentos num grupo ou organização a que o individuo pertence (HUNT e VITELL, 1986, 1992). As percepções de ética, nesse sentido, são orientações para a tomada de decisões, avaliando-se se os comportamentos são certos ou errados, éticos ou não éticos. Na matriz teleológica, o foco assenta nas consequências de determinadas ações ou comportamentos. Inerentes a comportamentos mais ou menos éticos poderão estar consequências positivas ou negativas para os indivíduos, sejam estas punições ou recompensas de origem social ou judicial. A matriz cultural pode influenciar o comportamento de um indivíduo ou organização perante diferentes
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dilemas éticos (ROBERTSON e outros, 2002). Nos diferentes contextos (social, organizacional, empresarial), os indivíduos não estão imunes aos efeitos e à influência da cultura. Scholtens e Dam (2007) defendem que a ética, como parte da cultura, não acontece num vácuo ou de maneira isolada. Tem o seu lugar num ambiente cultural governado por leis, regras e regulamentos, valores e normas formais, códigos de conduta, políticas e várias organizações (HOFSTEDE, 1991; TROMPENAARS, 1993; SCOTT, 2001). Efetivamente, tem havido um interesse crescente no estudo da ética com base em uma abordagem cultural (MOORE e RADLOFF, 1996; AHMED, CHUNG, EICHENSEHER, 2003; BEEKUM, STEDHAM, YAMAMURA, 2003; CHERRY, LEE, CHIEN, 2003; CHRISTIE, KWON, RAYMOND, 2003; LIM, 2003; PHAU e KEA, 2007).
Fatores culturais As dimensões culturais estão relacionadas com a ética, na medida em que podem influenciar a percepção individual em situações que envolvem normas de comportamento, normas e julgamentos éticos, entre outros. Ou seja, uma vez que as sociedades diferem nas dimensões culturais, poderão também diferir nas percepções individuais de problemas éticos, bem como na avaliação das alternativas e nas consequências dos comportamentos (HUNT e VITELL, 1986, 1992). A aparentemente simples tarefa de definir “cultura” pode ser mais complexa do que seria expectável. Numa ótica internacional, principalmente para estudos interculturais, entendemos a cultura, na concepção de Hofstede (1991, p. 262), como a “programação coletiva da mente” – conjunto de normas, valores e crenças – que distingue um grupo de pessoas de outro. Indivíduos de diferentes nacionalidades estão sujeitos a diferentes pressões socializadoras, e o seu conjunto de valores, crenças, percepções e atitudes conforma-se com as normas socialmente aceitáveis na sociedade (ou país) onde vivem. Muitas das manifestações humanas dependem do contexto sociocultural em que o indivíduo está inserido e que mantém como referência. Essas manifestações podem ser, por exemplo, o comportamento social, os valores morais e a conduta individual. O conceito de cultura está associado a esse contexto sociocultural. A cultura é um espaço complexo, onde estão incluídos os conhecimentos, as crenças, as artes, os valores morais, as leis e os costumes, assim como
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qualquer outra capacidade ou hábito adquirido pelo indivíduo, como membro de uma sociedade (OGBURN, 1964). Em sentido amplo, a cultura pode ser entendida como um sistema de normas e de valores que são socialmente transmitidos. Em suma, a cultura pode ser definida como um agregado interativo de características comuns que influenciam a resposta de um grupo (FLAMING, AGACER, UDDIN, 2010) e é evidenciada pelos comportamentos e ações dos membros de uma comunidade. McDonald (2000) refere-se à nacionalidade como uma substituta da cultura. Uma das dificuldades em definir e conceitualizar cultura é a sua multidimensionalidade. Hofstede, por exemplo, identificou quatro grandes dimensões culturais que distinguem os países: a distância ao poder, a masculinidade/feminilidade, o individualismo/coletivismo e a aversão à incerteza (HOFSTEDE, 1980, 1983a, 1984). Outros estudos identificaram mais tipologias e dimensões culturais, como Kluckhorn e Stroedbeck (1961), que sugeriram dimensões relacionadas com problemas humanos básicos enfrentados pelas sociedades. Hall (1976) referiu-se a culturas de alto e de baixo contexto. Hampden-Turner e Trompenaars (1993) classificaram as culturas nacionais de acordo com as relações com as pessoas, com o tempo e com o ambiente. Finalmente, House e Javidan (2004) identificaram nove dimensões culturais, no projeto GLOBE, e distinguiram dois tipos de manifestações culturais: valores e práticas. Uma das dimensões culturais que permitem distinguir os cidadãos ou países é a aversão à incerteza (HOFSTEDE, 1980) ou tolerância à ambiguidade. A ambiguidade e a incerteza não são sinônimos absolutos, mas compreendem conceitos relacionados. A aversão à incerteza, segundo Hofstede (1984), está relacionada com a forma como as diferentes sociedades e indivíduos lidam com a incerteza, com situações ambíguas, inesperadas e pouco estruturadas, e como tentam evitá-las. Nas sociedades com maior aversão à incerteza, os indivíduos são fortes, agressivos, emotivos, intolerantes e procuram segurança. Por outro lado, nas sociedades menos avessas à incerteza, os indivíduos são mais contemplativos, menos agressivos, menos emotivos, mais tolerantes e aceitam correr riscos. A incerteza é mais abrangente que a ambiguidade, que implica conhecer as alternativas (FURNHAM e RIBCHESTER, 1995). McLain (1993), por exemplo, define ambiguidade como a falta de informação acerca de um contexto e afirma que a tolerância sugere “aceitação relutante”, enquanto a intolerância sugere
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“rejeição”. Segundo Furnham e Ribchester (1995), a tolerância à ambiguidade refere-se à forma como um indivíduo (ou grupo) percebe e processa a informação acerca de situações ambíguas ou estímulos, quando confrontado com um conjunto de pistas que lhe são desconhecidas, complexas ou incongruentes. A tolerância à ambiguidade é geralmente considerada um traço da personalidade (BUDNER, 1962; HORVATH e ZUCKERMAN, 1993; EHRMAN, 1994), uma propriedade das organizações (FURNHAM e GUNTER, 1993) e das culturas nacionais (HOFSTEDE, 1980), que corresponde à forma como cada indivíduo percepciona e lida com situações ambíguas ou estímulos (FURNHAM e AVISON, 1997; FURNHAM e RIBCHESTER, 1995; STOYCHEVA, 2003). Em suma, indivíduos tolerantes à ambiguidade gostam de situações ambíguas ou, pelo menos, lidam bem com elas, durante algum tempo (BUDNER, 1962; MACDONALD, 1970). Indivíduos intolerantes à ambiguidade sentem-se restringidos, ansiosos e tensos em situações desse tipo. A forma como o comportamento individual é influenciado pela consideração dos seus potenciais resultados futuros é, também, um traço cultural, com investigação realizada na psicologia social (LAMM, SCHMIDT, TROMMSDORFF, 1976; DEVOLDER e LENS, 1982). Strathman e outros (1994, p. 743) definiram as diferenças individuais na apreciação de consequências futuras (Consideration of Future Consequences – CFC) como reflexo da “medida em que as pessoas consideram os potenciais, ainda que distantes, resultados dos seus comportamentos atuais e a forma como são influenciados por esses potenciais resultados”. Níveis elevados de CFC indicam um elevado grau de importância dado a futuras consequências do comportamento, enquanto níveis baixos de CFC indicam um grau de importância maior dado às consequências imediatas dos comportamentos. Resumindo, é provável que exista um impacto de diferenças culturais nos processos de decisão em matéria de ética empresarial (LYSONKI e GAIDIS, 1991; WHIPPLE e SWORDS, 1992). No entanto, são escassos os estudos que efetivamente tratam a cultura como variável independente e aferem, realmente, se essas diferenças culturais existem. Mais comum é a premissa de que a cultura é diferente em diferentes países, sem mais aferições, notando-se uma escassez relativa de trabalhos que discutam quais as dimensões culturais que influenciam diferentes percepções, julgamentos e comportamentos éticos (NYAW e NG, 1994; LU, ROSE, BLODGETT, 1999).
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HIPÓTESES A questão de pesquisa genérica que propusemos é determinar se há uma diferença nas percepções do que são comportamentos empresariais éticos entre indivíduos de diferentes culturas, neste caso, entre os portugueses e os brasileiros. É expectável que as diferenças na cultura nacional, como as discutidas na seção anterior, influenciem as percepções do que são comportamentos mais ou menos éticos em situações das vidas empresarial e profissional. Da pesquisa existente ,podemos esperar que, baseados na sua nacionalidade, ou seja, na cultura nacional dominante, existam diferenças no julgamento ético – sejam percepções, atitudes ou comportamentos – entre os portugueses e brasileiros. Uma hipótese específica inicial pode ser formulada como segue: Hipótese 1. As percepções de ética são diferentes entre os indivíduos portugueses e os brasileiros.
Tolerância à ambiguidade As pessoas em diferentes culturas diferem na forma como aceitam situações e resolvem problemas que envolvam algum grau de incerteza, ambiguidade e risco. A tolerância à ambiguidade tem sido associada a aspectos como as avaliações objetivas e subjetivas na seleção e contratação de funcionários (BAUER e TRUXILLO, 2000) e às atitudes positivas diante do risco (LAURIOLA e LEVIN, 2001). Yurtsever (2001) verificou que indivíduos com baixa tolerância à ambiguidade tendem a distorcer a informação. Chen e Hoojberg (2000) focaram a relação entre a tolerância à ambiguidade e a baixa diversidade e número de intervenções dos estudantes de Administração. Esses estudos são importantes para entender as práticas individuais e organizacionais, principalmente porque influenciam o exercício ético. Segundo Chapelle e Roberts (1986) e Hahn (1989), a tolerância à ambiguidade caracteriza-se pela capacidade de um indivíduo funcionar racional e calmamente numa situação em que não é possível fazer uma interpretação clara dos estímulos recebidos. Por conseguinte, indivíduos com baixa tolerância à ambiguidade percebem as situações ambíguas como fontes de desconforto psicológico e ameaça, podendo precipitar-se na tomada de decisões. Arnold e Brown (1999) consideraram a capacidade de correr riscos uma componente da intolerância à ambiguidade.
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McLain (1993), por exemplo, afirma que os estudantes mais tolerantes à ambiguidade estão dispostos a correr mais riscos e estão mais abertos a mudanças (NAIMAN, FROHLICH, TODESCO, 1975). Hofstede (1983b) concluiu que indivíduos com maior aversão à incerteza acreditam que as regras da empresa devem ser sempre cumpridas e nunca quebradas. Uma perspectiva de ética, como referimos, é como o conjunto de normas deontológicas que são “guias” e “regras”, cujo objetivo é promover os comportamentos éticos numa organização (HUNT e VITELL, 1986, 1992). Indivíduos de países com elevada aversão à incerteza tenderão, mais facilmente, a aderir a normas deontológicas do que indivíduos provenientes de países com baixa aversão à incerteza. Uma vez que indivíduos com elevada aversão à incerteza tendem a seguir as regras estipuladas (HOFSTEDE, 1983b), eles também têm maior propensão a colocar os interesses da empresa acima dos seus próprios interesses. Indivíduos de países com baixa aversão à incerteza agem de maneira contrária, ou seja, colocam os seus próprios interesses acima dos interesses da empresa. Assim, podemos sugerir: Hipótese 2. Indivíduos de culturas com menor tolerância à ambiguidade tenderão a revelar menor propensão para comportamentos menos éticos.
Antecipação das consequências futuras É razoável argumentar que a adoção de comportamentos éticos e, em particular, de comportamentos menos éticos levará em conta as consequências futuras destes. Por exemplo, as consequências de repreensão social pela comunidade ou mesmo as resultantes de atuação judicial. Ou seja, quando deparados com uma determinada situação, os comportamentos efetivos podem ser determinados na avaliação que o indivíduo faz de quais são os seus ganhos imediatos versus os resultados futuros dessas práticas. Assim, indivíduos com maior antecipação das consequências futuras dos seus atos serão mais atentos aos resultados futuros destes e menos às consequências imediatas. Em contraponto, indivíduos com menor antecipação das consequências futuras valorizarão mais os resultados imediatos e menos os resultados diferidos. Portanto, ao analisar até que ponto os indivíduos antecipam as consequências futuras, avaliamos se e como os indivíduos são influenciados pelos resultados ou consequências futuros dos seus comportamentos.
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No contexto da ética empresarial, é razoável estabelecer o argumento de que haverá uma influência dessa dimensão cultural – antecipação de consequências futuras – sobre os comportamentos em questões nas quais se exponha a ética empresarial. Em muitos casos de ética (como em alguns dos cenários usados na componente empírica deste artigo), o que está em jogo são situações que necessitam de resposta rápida e que envolvem ganhos monetários. Os indivíduos com maior antecipação das consequências futuras serão menos agressivos (JOIREMAN, ANDERSON, STRATHMAN, 2003), menos impulsivos (JOIREMAN, ANDERSON, STRATHMAN, 2003) e mais conscienciosos (STRATHMAN e outros, 1994) dos seus comportamentos. Mas a antecipação do futuro influencia várias percepções, como seja a impulsividade ou o não resistir a tentações (JOIREMAN, ANDERSON, STRATHMAN, 2003), o maior grau de consciencialização (STRATHMAN e outros, 1994) e os cuidados na preservação do ambiente (JOIREMAN e outros, 2001). Por exemplo, é menos provável que um indivíduo fume ou consuma álcool se está consciente dos efeitos perniciosos para a sua saúde no longo prazo. Também tenderá a praticar esporte mais regularmente (OUELLETTE e outros, 2005) e será menos sensível à pressão dos pares para adotar práticas que possam ter efeitos negativos a longo prazo, como beber (REIFMAN, 2001) ou praticar sexo de risco (DORR e outros, 1999). Em resumo, quando os indivíduos antecipam as consequências dos seus atos, é possível que sejam menos dirigidos por impulsos e ganhos imediatos, contemplando quais os resultados no longo prazo das suas práticas. É, assim, expectável que as respostas dos indivíduos a questões sociais e aos seus comportamentos associados sejam influenciadas pela sua percepção temporal (ZIMBARDO e BOYD, 1999). Considerando o anteriormente referido, formulamos a seguinte hipótese: Hipótese 3. Indivíduos em culturas com maior antecipação das consequências futuras de comportamentos menos éticos tenderão a revelar menor propensão para comportamentos menos éticos.
METODOLOGIA O objetivo deste artigo é testar se existe uma relação entre as diferenças culturais e as percepções de éti-
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ca. Testamos, para o efeito, dois indivíduos de dois países, Portugal e Brasil, usando uma amostra de estudantes de Administração de Empresas. A escolha de dois países com semelhanças culturais impõe um teste mais estrito, na medida em que história, língua e cultura historicamente partilhadas podem dificultar a verificação de diferenças culturais substanciais. No nosso estudo, tratamos duas dimensões culturais: a tolerância à ambiguidade e a consideração de consequências futuras, como variáveis independentes.
Amostra A amostra inclui estudantes do ensino superior, de Administração, em Portugal e no Brasil. A utilização de estudantes em vez de profissionais é frequente em estudos de ética, apesar dos inconvenientes reconhecidos. Porventura, mais relevante é a crítica expressa de que os estudantes não têm experiência profissional (por exemplo, HUNT e VITELL, 1986). Na nossa amostra, mais de 60% dos participantes declaram ter experiência profissional e 56% são estudantes-trabalhadores, de modo que essa limitação é, pelo menos, atenuada. Ao inquirir estudantes, podemos, com as reconhecidas limitações, inferir as suas práticas futuras como profissionais. Vários estudos já tentaram entender as atitudes éticas com recurso a amostras de estudantes, principalmente do curso de Administração, focando aspectos como o impacto das características pessoais, como o gênero e a idade, nas diferenças de julgamentos éticos (RUEGGER e KING, 1992; WHIPPLE e SWORDS, 1992; KOHUT e CORRIHER, 1994). Outros estudos compararam os julgamentos éticos dos estudantes com os julgamentos éticos dos gestores (LYSONSKI e GAIDIS, 1991). Tem sido dada ênfase ao impacto das diferenças culturais na tomada de decisões éticas, dos estudantes e dos gestores (LYSONSKI e GAIDIS, 1991; WHIPPLE e SWORDS, 1992; SHAFER e PARK, 1999; SHAFER, 2008). A amostra não é aleatória, na medida que o instrumento de recolhimento de dados foi distribuído em sala de aula. Aos participantes, não foi dado conhecer a questão de pesquisa, de modo a não enviesar as respostas – são conhecidas as dificuldades com as respostas socialmente desejáveis – apenas tendo sido explicado que se tratava de um questionário para trabalho científico, cujos dados seriam tratados estatisticamente e garantido o anonimato. A participação foi voluntária e nenhum estudante se recusou
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a responder ao questionário. A amostra final contempla 299 estudantes, dos quais 109 portugueses e 190 brasileiros. A amostra é suficientemente grande para garantir confiabilidade. Na Tabela 1, apresentamos o descritivo da amostra, que inclui 134 participantes masculinos e 165 femininos, com uma média de 22,5 anos de idade e, na maioria, com experiência profissional.
Instrumento de pesquisa Os dados deste estudo foram recolhidos por meio de um questionário estruturado, de autopreenchimento. O questionário foi traduzido para português e pré-testado, a fim de garantir a total compreensão da informação, na sua redação em português. Para os alunos brasileiros, foram feitos ajustamentos apenas de semântica ao texto. O questionário continha três partes. A primeira era composta por 15 cenários, descrevendo várias situações de possíveis dilemas éticos, presentes na gestão de negócios e no ambiente atual. A segunda parte continha um conjunto de afirmações, relativas às duas dimensões culturais. A terceira parte incluiu um conjunto de questões sobre as características dos participantes, como a idade, gênero, ano que frequenta no curso, experiência profissional, entre outras. Os 15 cenários de ética foram utilizados em estudos anteriores (DABHOLKAR e KELLARIS, 1992;
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BODKIN e STEVENSON, 2007). Todos os cenários apresentados descrevem situações de comportamento ético empresarial questionável, sendo as respostas dos participantes apresentadas numa escala de tipo Likert, ancorada em 1 – comportamento não ético e 7 – comportamento ético. Assim, indivíduos com maior propensão ética tenderiam a avaliar mais negativamente (com menor pontuação) a situação descrita no cenário. A utilização de cenários é adequada por várias razões. Eles representam situações realistas em contexto de interação com clientes ou práticas comerciais. Alguns pesquisadores defendem que as respostas a cenários são mais válidas que as respostas a questões (ver, por exemplo, FRITZSCHE e BECKER, 1984). Ao solicitar aos participantes que avaliassem os comportamentos como éticos ou não éticos (usando uma escala), reduzimos eventuais problemas de obter respostas socialmente desejáveis (RANDALL e FERNANDES, 1991), que podem ocorrer quando se pede aos participantes para preverem o seu próprio comportamento. As dimensões culturais aferidas foram a tolerância à ambiguidade e consideração de consequências futuras. Para a tolerância à ambiguidade, usamos a escala de McLain (1993). Essa escala contém 22 afirmações que refletem a tolerância do indivíduo à ambiguidade (por exemplo, Eu sou tolerante para situações ambíguas) e a intolerância à ambiguidade (por exemplo, Eu evito situações que me são compli-
Tabela 1 – Descritivo da amostra Total Idade (média) Gênero Masculino Feminino Experiência profissional Sim Não Trabalhador estudante Sim Não Ano do curso 1º 2º 3º 4º Total
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%
Portugal
22,5
%
20,9
Brasil
%
22,7
134 165
44,8 55,2
35 74
32,1 67,9
98 85
51,6 44,7
183 97
61,2 32,4
67 41
61,5 37,6
142 30
74,7 15,8
168 124
56,2 41,5
16 93
14,7 85,3
152 31
80 16,3
115 124 35 7 299
38,5 41,5 11,7 2,3
44 38 27 -109
40,4 34,9 24,8 --
71 86 8 7 190
31,4 45,3 4,2 3,7
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cadas de compreender facilmente). Os participantes avaliaram essas afirmações, utilizando uma escala de tipo Likert ancorada em 1 – discordo completamente e 7 – concordo completamente. Esse instrumento apresenta uma fiabilidade elevada (Cronbach alpha 0,86). Para a aferição da consideração de futuras consequências, usamos a escala de Strathman e outros (1994), que contém 12 afirmações que refletem a tendência de um indivíduo para considerar as consequências imediatas/futuras no seu comportamento. Cinco afirmações refletem uma preocupação com as consequências futuras (por exemplo, Eu penso como as coisas podem ser no futuro e tento influenciar essas coisas no meu comportamento do dia a dia), enquanto as restantes afirmações refletem uma preocupação com as consequências imediatas (por exemplo, O meu comportamento apenas é influenciado pelos resultados imediatos – isto é, numa questão de dias ou semanas – das minhas ações). Os participantes avaliaram essas afirmações utilizando uma escala de tipo Likert ancorada em 1 – extremamente incaracterística e 5 – extremamente característica. Esse instrumento já foi usado em diversos estudos anteriores (JOIREMAN, ANDERSON, STRATHMAN, 2003; STRATHMAN e JOIREMAN, 2005; JOIREMAN, STRATHMAN, BALLIET, 2006), reportando elevada fiabilidade (Cronbach alpha superior a 0,80).
RESULTADOS A análise dos resultados permite observar que os brasileiros têm menor propensão ética que os portugueses. A avaliação média aos 15 cenários de ética dos brasileiros (3,74) é maior que a dos estudantes portugueses (3,39). Conduzimos uma ANOVA, tendo obtido F(297,1)=17,073, p=000. Assim, podemos corroborar a Hipótese 1, de que há uma diferença significativa nas percepções de ética dos dois grupos de participantes, brasileiros e portugueses. Estabelecida uma diferença nas percepções de ética, é necessário aferir se as variáveis culturais propos-
tas contribuem para explicá-la. Testamos a Hipótese 2, de que a menor tolerância à ambiguidade conduzirá a uma menor propensão a comportamentos menos éticos. Em média, os brasileiros têm menor tolerância à ambiguidade (M = 4,05) do que os portugueses (M= 4,18), sendo essa diferença significativa (F(297,1) = 4,918, p=0,027). Realizamos uma ANOVA com dois fatores fixos (país e tolerância à ambiguidade) sobre as percepções de ética. Esse teste permite analisar se há uma diferença para além do efeito do país. O teste dessa hipótese (ver Tabela 3) permite observar um efeito significativo (F(299,74) = 2,319, p = 0,000), mas não nos permite corroborar a Hipótese 2. Assim, a expectativa seria que os brasileiros, tendo menor tolerância à ambiguidade, teriam maior propensão ética do que os portugueses, mas, como os brasileiros apresentaram menor propensão ética que os portugueses, a hipótese não é corroborada. Em média, os brasileiros têm maior antecipação de consequências futuras (M = 3,07) do que os portugueses (M= 2,98), sendo essa diferença marginalmente significativa (F(296,1) = 3,698, p = 0,055). Para testar a Hipótese três, que manifesta o impacto da antecipação das consequências futuras, realizamos uma ANOVA com dois fatores fixos (país e ACF). O teste dessa hipótese (ver Tabela 4) permite observar um efeito positivo e significante (F(298,24) = 1,619, p = 0,037), mas não é coerente com a proposta de que os brasileiros que têm maior antecipação de consequências futuras tenham também maior propensão ética que os portugueses, como resultaria da aplicação da Hipótese 3.
DISCUSSÃO E NOTAS FINAIS Neste artigo, analisamos diferenças nas percepções do que são comportamentos mais ou menos éticos em situações empresariais, num estudo empírico composto por uma amostra de estudantes brasileiros e portugueses de Administração. Os testes revelaram a existência de diferenças significativas nas percepções do que são
Tabela 2 – ANOVA sobre a ética Entre grupos Dentro dos grupos Total
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Soma de quadrados
gl
Média de quadrados
F
Sig.
8,253 143,558 151,811
1 297 298
8,253 0,483
17,073
0,000
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comportamentos éticos entre os dois grupos, o que é de salientar, porquanto há uma similaridade cultural entre os dois países, fruto de um passado histórico comum. A herança cultural histórica é manifestada em diversas componentes culturais, religião dominante, ritos e numa língua comum (o português). Analisamos, também, duas dimensões culturais que poderiam responder por eventuais diferenças nas percepções do que são comportamentos mais ou menos éticos. O nosso propósito não é avaliar, mas apenas descrever e explicar diferenças entre culturas, eventualmente determinando como a cultura pode influenciar essas perceções de ética (TREVINO, 1992). Das perceções, podemos inferir comportamentos dos indivíduos na medida em que os eles são, pelo menos em parte, influenciados pelas atitudes (como os valores éticos) e a situação. Com a integração econômica e a promoção de trocas comerciais e de investimento estrangeiro entre os dois países, é importante entender o impacto de diferenças culturais, quer na adaptação dos trabalhadores, quer nas relações comerciais e de investimento.
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Em particular, é importante entender que os cidadãos desses dois países, apesar de eventuais semelhanças culturais, terão algumas percepções diferentes quanto ao que são comportamentos eticamente adequados em contexto empresarial. Os resultados estatísticos revelam que há diferenças significativas quanto às percepções do que constituem comportamentos éticos, mas, também, nas duas dimensões culturais utilizadas. Não são tão evidentes na forma como se relacionam com a ética empresarial. Para as empresas, é crucial não apenas desenvolver códigos de ética e normas de conduta, mas implementar sistemas para a sua aplicação e entender as idiossincrasias locais na própria forma como os indivíduos atuam. A tolerância à ambiguidade é uma característica dominante na sociedade portuguesa (ver, a esse propósito, os estudos de Hofstede sobre a aversão à incerteza que classificam Portugal no nível mais alto dessa dimensão) e menos presente na sociedade brasileira. A prática de comportamentos menos éticos pode ter consequências imprevistas, quer por eventual
Tabela 3 – Teste da tolerância à ambiguidade Fonte Modelo corrigido Intercepto País Tolerância à ambiguidade (TA) País * TA Erro Total Total corrigido
Tipo III soma de quadrados
gl
85,726a 2168,500 7,399 58,168 16,907 66,085 4054,810 151,811
103 1 1 74 28 195 299 298
Média de quadrados 0,832 2168,500 7,399 0,786 0,604 0,339
F
Sig.
2,456 6398,687 21,832 2,319 1,782
0,000 0,000 0,000 0,000 0,013
a. R Squared = ,565 (Adjusted R squared = 0,335)
Tabela 4 – Teste da antecipação das consequências futuras Fonte Modelo corrigido Intercepto País Antecipação de futuras consequências (AFC) País * AFC Erro Total Total corrigido
Tipo III soma de quadrados
gl
37,854a 1532,330 4,710 17,092 14,323 111,761 4050,259 149,614
43 1 1 24 18 254 298 297
Média de quadrados 0,880 1532,330 4,710 0,712 0,796 0,440
F
Sig.
2,001 3482,547 10,705 1,619 1,808
0,001 0,000 0,001 0,037 0,025
a. R Squared = 0,253 (Adjusted R Squared = 0,127)
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atuação legal, quer por recriminação social – pelos pares e pela sociedade. É provável que, em culturas com menor tolerância à ambiguidade, os cidadãos estejam menos dispostos a incorrer na incerteza e a suportar a ansiedade emergente de ultrapassarem normas sociais vigentes – como a de não incorrer em comportamentos menos éticos, pelos prejuízos sociais e econômicos originados. Culturas menos tolerantes à ambiguidade provavelmente preferirão resultados dicotômicos (como a avaliação das práticas em certas e erradas) e preferirão menor variabilidade nas ações. De fato, uma estratégia possível, nessas culturas, é a adesão rígida a noções e preconceitos predefinidos, em que, quando deparadas com situações contrárias às noções e preconceitos, tentarão evitar a ansiedade e o conflito interno, preferindo seguir as suas concepções iniciais. Os comportamentos podem ter consequências que ultrapassam o momento em que são adotados. Os indivíduos podem ser influenciados pela sua avaliação quer das consequências imediatas quer diferidas dos seus atos. Por exemplo, a possibilidade de ser preso em resultado de cometer uma fraude financeira, apesar do ganho imediato, pode levar o indivíduo a não cometer a fraude. Enganar os clientes, vendendo-lhes produtos defeituosos, permite benefícios imediatos, mas pode originar uma perda de clientes no futuro e uma recriminação social a longo prazo. Ou seja, mesmo no que respeita à conduta, em matéria de ética empresarial, há uma luta interna que influencia os comportamentos, em que um conjunto de benefícios imediatos se contrapõe às consequências futuras dos atos. Assim, seria razoável sugerir que, quanto menos os indivíduos antecipam as consequências futuras dos seus atos, menos contemplam o longo prazo, em favor do curto prazo, e mais facilmente adotam comportamentos menos éticos, se, com isso, tiverem um ganho imediato. Em contraponto, a maior antecipação das consequências futuras conduziria os indivíduos a considerarem as implicações futuras dos seus comportamentos atuais e a usarem os seus objetivos de longo prazo para guiarem as suas práticas atuais. Seriam, nesse último caso, esperados comportamentos mais éticos. É provável que o país de origem apenas ajude a explicar parcialmente os comportamentos éticos (LYSONSKI; GAIDIS, 1991). Uma análise mais detalhada, inclusive de como cada sociedade avalia o que são comportamentos mais e menos éticos, seria recomendável e poderia permitir melhor compreensão.
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Poderemos incluir, nesses estudos futuros, aspectos como a condição econômica e social dos indivíduos, o estado da economia nacional e até a própria percepção do que é ou não ético. Por exemplo, parece que o objeto de ação é essencial, em Portugal, na aferição do que é ético. Questionamos os nossos alunos que dizem não “haver mal” no roubo de um grampo, mas já veem algum (pouco) mal no roubo de uma caixa de grampos, e muito mal no roubo de um automóvel. Fica, portanto, muito por examinar em estudos futuros. Mas será importante aprofundar as relações e os construtos que introduzimos neste estudo. Não basta, por exemplo, estudar a antecipação de consequências negativas futuras, como ser preso ou ser recriminado, mas é importante adicionar aspectos como a probabilidade de essas sanções se verificarem efetivamente. Por exemplo, em Portugal, a população é crescentemente descrente do sistema judicial e, nas escolas, a punição por ser pego colando é virtualmente inexistente. No contexto empresarial, também as relações laborais cada vez mais “flexíveis” não são geradoras de uma identificação com a empresa, e mesmo a violação de normas e códigos de ética internos não parece gerar desconforto. Nesse contexto, é razoável afirmar que os indivíduos prosseguiriam com os seus próprios interesses em desfavor dos da empresa. Se as pressões sociais forem altas, isso pode significar, por exemplo, condenar práticas empresariais menos éticas. As implicações deste estudo para a teoria assumem, essencialmente, a forma do teste de dimensões culturais pouco exploradas. De fato, tanto quanto é nosso conhecimento, este é o primeiro estudo a analisar especificamente a dimensão de antecipação das consequências futuras como possível variável explicativa de percepções de ética empresarial. As extensões a novas variáveis culturais permite entender melhor quais, e como, são efetivamente as variáveis mais relevantes nos comportamentos éticos. A pesquisa futura pode prosseguir em várias direções. Embora não seja possível estabelecer relações de causa e efeito com recurso a questionários, em que a causalidade é inobservável, seria importante realizar experimentações, eventualmente, recorrendo a manipulações das situações e dos sujeitos. É, também, importante estender os estudos a novas dimensões de cultura e verificar se eventuais diferenças culturais realmente existem. É hoje reconhecido que há uma tendência para uma maior universalização de certas dimensões culturais, à qual a ética não fica imune. Este artigo tem um conjunto de limitações. A uti-
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lização de estudantes é uma limitação bem conhecida da investigação existente, embora essa desvantagem seja atenuada por a maioria dos participantes estudantes no nosso trabalho ter experiência profissional prévia (61% em Portugal e 75% no Brasil). A generalização para outras populações e públicos exigirá uma amostra mais abrangente e composta por outros públicos além de estudantes. Também nos procedimentos, reconhecemos a limitação emergente de, na aferição de características culturais, usarmos respostas individuais que agregamos para, de alguma forma, representarem características de uma cultura nacional (ver, a esse propósito, MCSWEENEY, 2002). Este estudo pretende contribuir para a discussão e aumento de conhecimento acerca das diferenças culturais entre países. Se gestores das empresas tiverem maior conhecimento acerca dessas diferenças e de como estas se materializarão em comportamentos em situações específicas, poderão entender e preparar-se melhor nos seus processos internacionalização. Compreender o que torna os indivíduos, os países e organizações diferentes nas suas práticas empresariais tem o benefício de ajudar a melhorar a competitividade.
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artigos Recebido em 06.06.2011. Aprovado em 09.11.2012 Avaliado pelo sistema double blind review Editor Científico: Eda Castro Lucas de Souza
Ambidestralidade e desempenho socioambiental DE empresas do setor eletroeletrônico AMBIDEXTRALITY AND THE SOCIOENVIRONMENTAL PERFORMANCE OF COMPANIES IN THE ELECTRO-ELECTRONIC SECTOR AMBIDIESTRALIDAD Y DESEMPEÑO SOCIOAMBIENTAL DE EMPRESAS DEL SECTOR ELECTRO ELECTRÓNICO RESUMO
O objetivo deste trabalho foi estudar a relação entre a ambidestralidade e o desempenho socioambiental de organizações. Definida como a capacidade de balancear esforços entre atividades de exploitation e exploration, respectivamente fundamentadas em inovações incrementais e radicais, a ambidestralidade tem sido apontada como capacidade essencial na criação de vantagem competitiva. Estudos acerca do tema têm relacionado a ambidestralidade a desempenhos econômicos superiores, deixando lacuna no que tange às demais dimensões da sustentabilidade.
Diante da importância do tema sustentabilidade, esta pesquisa estuda o desempenho socioambiental de organizações ambidestras. Para tanto, dados obtidos em survey conduzida em 131 empresas da indústria eletroeletrônica foram submetidos à análise de cluster, análise de variância e teste post-hoc de Scheffé. Como resultado, constatou-se que as 44 organizações categorizadas como ambidestras apresentaram desempenhos ambientais e sociais superiores, evidenciando a relação positiva entre a ambidestralidade e o desempenho socioambiental.
PALAVRAS-CHAVE Inovação, sustentabilidade, organizações ambidestras, desempenho socioambiental.
Vanessa do Rocio Nahhas Scandelari vrnahhas@utfpr.edu.br Professora do Departamento Acadêmico de Construção Civil, Universidade Tecnológica Federal do Paraná – Curitiba – PR, Brasil João Carlos da Cunha jccunha@ufpr.br Professor do Programa de Pós-graduação em Administração, Universidade Federal do Paraná – Curitiba – PR, Brasil
Abstract The aim of this work was to study the relationship between ambidexterity and environmental and social performance of organizations. Defined as the ability to balance efforts between exploitation and exploration activities, respectively based on incremental and radical innovations, ambidexterity has been identified as an essential capability in creating competitive advantage. Studies on the subject have been relating superior economic performance to ambidexterity, leaving a gap in relation to other dimensions of sustainability. Due to the importance that the sustainability issue has taken on in society, this research studies the environmental and social performance of ambidextrous organizations. Data obtained in a survey conducted among 131 companies in the electronics industry were subjected to Cluster Analysis, Variance Analysis and Scheffé post hoc test. As a result, it was found that the 44 ambidextrous organizations achieved the higher social and environmental performance, showing the positive relationship between ambidexterity and social and environmental performance. keywords Innovation, sustainability, ambidextrous organizations, social and environmental performance. Resumen El objetivo de este trabajo fue estudiar la relación entre la ambidiestralidad y el desempeño socioambiental de las organizaciones. Definida como la capacidad de balancear esfuerzos entre actividades de exploitation y exploration, respectivamente fundamentadas en innovaciones incrementales y radicales, la ambidiestralidad ha sido apuntada como capacidad esencial en la creación de ventaja competitiva. Estudios acerca del tema han relacionado la ambidiestralidad a desempeños económicos superiores, dejando una laguna en lo que se refiere a las demás dimensiones de la sostenibilidad. Ante la importancia del tema sostenibilidad, esta investigación estudia el desempeño socioambiental de organizaciones ambidiestras. Para ello, los datos obtenidos en survey aplicado en 131 empresas de la industria electro electrónica fueron sometidos al análisis de cluster, análisis de variancia y test post-hoc de Scheffé. Como resultado, se constató que las 44 organizaciones categorizadas como ambidiestras presentaron desempeños ambientales y sociales superiores, evidenciando la relación positiva entre la ambidiestralidad y el desempeño socioambiental. Palabras clave Innovación, sostenibilidad, organizaciones ambidiestras, desempeño socioambiental.
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introdução Em busca de melhores resultados econômicos, as organizações investem no desenvolvimento e no aprimoramento de tecnologias, as quais são consideradas recursos centrais e capacidades dinâmicas fundamentais à construção e à manutenção da vantagem competitiva organizacional (Penrose, 1959; Wernerfelt, 1984; Barney, 1991; Peteraf, 1993; Teece, Pisano, Shuen, 1997). Ao despertar interesse em ambientes corporativos e acadêmicos, estudos subjacentes às relações entre tecnologia, inovação, competitividade e desempenho econômico têm-se multiplicado (PRAHALAD e HAMEL, 1990; KRUGLIANSKAS, 1996; TIGRE, 2006; ZAWISLAK e outros, 2008; SBRAGIA e outros, 2006; HAYES e outros, 2008; Boothby, Dufour, Tang, 2010; Therrien, Doloreux, Chamberlin, 2011). Entre os estudos sobre gestão de tecnologia e inovação, encontra-se a corrente teórica que tem investigado a configuração organizacional denominada organização ambidestra, segundo a qual tanto as atividades de exploitation quanto as de exploration de tecnologia devem ser intensamente conduzidas para possibilitar a conquista de vantagem competitiva sustentável por parte das empresas (Lavie, Stettner, Tushman, 2010). Nesse sentido, pesquisas conduzidas por Tuschman e O’Reilly (1997), O’Reilly e Tuschman (2004), He e Wong (2004), Lubatkin e outros (2006), Mom, Van den Bosch e Volberda (2009) evidenciam a relação positiva entre a ambidestralidade organizacional e os desempenhos econômicos superiores. Sabe-se, porém, que, mediante a crescente consciência acerca do tema sustentabilidade na sociedade e dos impactos negativos decorrentes das atividades empresariais sobre esta (CMMAD, 1991; MAIA e PIRES, 2011), a competitividade das organizações não tem mais sido avaliada apenas em termos de desempenho econômico, mas também com base em aspectos sociais e ambientais, numa perspectiva de longo prazo (PORTER e LINDE, 1995; HART, 2006; NASCIMENTO, LEMOS, MELLO, 2008; BARBIERI e outros, 2010; ALIGLERI, 2011). Nesse contexto, percebe-se que legislações tornam-se mais rígidas com relação a impactos socioambientais; o mercado acionário inclui requisitos socioambientais na avaliação de empresas, a exemplo do Índice Dow Jones de Sustentabilidade (DJSI); organizações aderem a normas voluntárias direcionadas a melhorar e padronizar níveis de segurança, condições
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de trabalho e prestação de contas das empresas (ALIGLERI, ALIGLERI, KRUGLIANSKAS, 2009); e modelos de gestão da produção, tais como a Produção Mais Limpa (UNEP, 1989), Ecoeficiência (WBCSD, 2000) e Produção Sustentável (VELEVA e ELLENBECKER, 2001), são cada vez mais adotados por empresas que buscam maximizar resultados e minimizar impactos socioambientais. Frente à importância da condução de atividades de exploration e exploitation de tecnologias para a manutenção do sucesso organizacional e para o atendimento aos preceitos da sustentabilidade, este trabalho pretende ampliar a fronteira do conhecimento acerca da ambidestralidade, relacionando-a a duas das dimensões do triple botton line (Elkington, 1994), a ambiental e a social. Assim, busca-se responder à seguinte questão de pesquisa: Qual a relação entre a ambidestralidade e o desempenho organizacional nas dimensões ambiental e social? Para tanto, inicia-se o artigo com a apresentação de referencial teórico acerca dos temas ambidestralidade, gestão socioambiental e modelo de produção sustentável. Na sequência, são detalhados os procedimentos metodológicos aplicados à pesquisa, bem como são expostos e analisados os resultados obtidos junto às 131 empresas participantes da survey, encerrando-se com as conclusões e implicações para futuros estudos.
organizações AMBIDESTRAs E BALANCEAMENTO ENTRE INOVAÇÕES RADICAIS E INCREMENTAIS Entre os desafios vivenciados pelas empresas, encontra-se o referente à ponderação entre as ações organizacionais destinadas à sustentação do sucesso atual e aquelas que têm por objetivo a condução ao sucesso futuro (Lavie, Stettner, Tushman, 2010). Tushman e O’Reilly (1997) comparam esse desafio à participação simultânea em dois jogos, com regras e objetivos distintos. Em um dos embates, a empresa objetiva a competitividade em curto prazo e tem como foco a eficiência operacional, resultante do alinhamento entre sua estratégia, estrutura, pessoas, cultura e processos. Paralelamente, em busca da conquista do sucesso em longo prazo, as regras do segundo jogo consistem em entender como e quando iniciar um processo de ino-
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vação revolucionário e, por consequência, uma mudança tecnológica radical na organização. Por meio das atividades de aproveitamento de capacidades atuais, denominadas exploitation, no idioma americano, contemplam-se as ações de melhoria e eficiência em relação a produtos e processos correntes, de modo a atender às necessidades de clientes e mercados já conquistados (BENNER e TUSHMAN, 2003). As atividades de exploitation possibilitam o refinamento e a aplicação das capacidades e conhecimentos existentes, gerando inovações incrementais, viabilizando a implantação de rotinas com foco no aumento da confiabilidade de processos e no incremento dos lucros no curto prazo (MIROW, HÖLZLE, GEMÜNDEN, 2008). As atividades de prospecção, denominadas exploration, em inglês, são destinadas à busca de novas competências e são relacionadas a retornos no longo prazo (ANDRIAPOULOS e LEWIS, 2009). Características como abertura à experimentação, flexibilidade, aceitação de riscos e interesse pelo desenvolvimento de inovações radicais apresentam-se como inerentes ao processo de prospecção e exploração de novas ideias (CHENG e VAN DE VEM, 1996). Para mensurar as capacidades de exploration e exploitation de organizações, observa-se a presença de escalas desenvolvidas em trabalhos anteriores (Bierly e Daly, 2001; Katila e Ahuja, 2002; He e Wong, 2004; Lubatkin e outros, 2006; Jansen e outros, 2009), sendo a escala proposta por Lubaktin
e outros (2006), empregada na parte empírica desta pesquisa, apresentada no Quadro 1. As ações de exploration e de exploitation possuem objetivos distintos, porém complementares, uma vez que o sucesso de hoje não garante o sucesso de amanhã, evidenciando a necessidade da condução das duas atividades concomitantemente (Benner e Tushman, 2003). As empresas detentoras da habilidade de balancear esforços entre as ações de exploitation e de exploration foram denominadas por Duncan (1976), em seus estudos seminais acerca do tema, organizações ambidestras. Andriopoulos e Lewis (2009) salientam que esse balanceamento entre atividades relacionadas à inovação incremental e radical (de produto, processo ou organizacional) não deve ser entendido apenas como uma medíocre divisão entre duas tarefas, mas, sim, como a excelência na condução de ambas. Percebe-se, neste ponto, a convergência entre características apresentadas pela ambidestralidade e pela sustentabilidade. Na busca pelo desenvolvimento sustentável, os modelos de gestão da produção denominados Ecoeficiência (WBCSD, 2000), Produção mais Limpa (UNEP, 1989) e Produção Sustentável (LCSP, 2001) preconizam tanto a necessidade de investimentos na melhoria de operações e tecnologias correntes (exploitation) para minimizar impactos socioambientais como a necessidade de investimentos em tecnologias radicalmente inovadoras (exploration)
Quadro 1 – Escala de mensuração da intensidade de condução de atividades de exploration e exploitation Com que intensidade sua organização: Busca por novas ideias tecnológicas pensando “fora da caixa”, ou seja, fora dos limites da empresa. Fundamenta o seu sucesso na sua habilidade em explorar novas tecnologias. Atividades de exploration
Cria produtos e/ou serviços inovadores para a empresa. Busca formas criativas para satisfazer às necessidades dos clientes. Aventura-se agressivamente em novos segmentos de mercado. Alveja ativamente novos grupos de consumidores. Está comprometida em melhorar a qualidade e diminuir custos. Melhora continuamente a confiabilidade de seus produtos e serviços.
Atividades de exploitation
Aumenta os níveis de automação em suas operações. Pesquisa constantemente a satisfação dos clientes atuais. Sintoniza suas ofertas para obter a satisfação de seus clientes correntes. Penetra mais profundamente em sua base de clientes já existente.
Fonte: Lubatkin e outros, 2006 (tradução nossa).
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gestão socioambiental nas organizações
e LINDE, 1995; ALIGLERI, 2011), atendendo ao que se conhece como Triple Botton Line (ELKINGTON, 1994). Dessa forma, a postura mais ética e proativa assumida pelas organizações em relação à sustentabilidade, em parte, pode ser atribuída às pressões legais, e, em parte, possui fundamentos econômicos frente aos ganhos possibilitados pela aplicação eficiente de recursos e pela melhoria da imagem da empresa perante o mercado (PORTER e LINDE, 1995). Na mesma linha, Nascimento, Lemos e Mello (2008) e Barbieri e outros (2010) sugerem que a vantagem competitiva das empresas, em longo prazo, somente pode ser viabilizada por meio das práticas preconizadas pelo desenvolvimento sustentável, o qual considera as questões ambientais e sociais tão importantes quanto as questões econômicas. Também ao abordar a gestão socioambiental como questão central ao sucesso das organizações, Hart (2006) apresenta o Portfólio de Valor Sustentável, segundo o qual, em função da postura adotada pelas empresas, estas podem:
Embora a preocupação com a capacidade de suporte da Terra em relação à limitação de seus recursos naturais e de seu potencial de absorção de resíduos não seja recente, percebe-se a ampliação do envolvimento governamental e corporativo com o tema sustentabilidade na segunda metade do século XX (AULICINO, 2006). Entre os trabalhos e ações seminais em prol da sustentabilidade, aos quais pode ser atribuída a mudança de postura frente aos problemas socioambientais gerados pelas atividades humanas, destacam-se os propostos por Rachel Carson (1962), Meadows (1972) e o relatório denominado Nosso Futuro Comum (CMMAD, 1991). Frente à emergência e maior divulgação dos problemas socioambientais decorrentes do paradigma técnico-econômico dominante até o século passado, algumas legislações sobre o tema tornaram-se mais rígidas. Além das ações de comando e controle tomadas por órgãos governamentais, também agentes não governamentais, tais como o Instituto Ethos e o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, têm conduzido fóruns de discussões que objetivam a conscientização acerca dos malefícios gerados pelo modelo de desenvolvimento até então empregado. Em decorrência das ações supracitadas, algumas empresas passaram a incluir, em suas estratégias e práticas organizacionais, questões ambientais e sociais, além da tradicional preocupação econômica (PORTER
(a) aumentar seus lucros, mediante a redução de riscos e prevenção da poluição; (b) melhorar sua reputação e imagem, por meio do manejo adequado de recursos e produtos; (c) acelerar inovações e reposicionar-se frente ao mercado, por meio do emprego de tecnologias limpas; e (d) cristalizar a rota do crescimento e a trajetória da empresa, por meio da visão de sustentabilidade. Apresentando semelhanças com a visão de Hart (2006), Barbieri (2006) mostra existir, entre as empresas, uma tendência evolutiva na forma de abordar os problemas socioambientais decorrentes de sua atuação, iniciando com o controle da poluição, progredindo para a prevenção da poluição e culminando com a abordagem estratégica. As duas primeiras abordagens guardam forte relação com as exigências decorrentes de legislações, na linha da política de comando e controle. Na abordagem estratégica, porém, a sustentabilidade deixa de ser vista como obrigação estatutária e passa a ser reconhecida como oportunidade de negócios e fonte de vantagem competitiva para a empresa. Para colocar em prática as estratégias e os fundamentos preconizados pelo desenvolvimento sustentável, alguns modelos de gestão da produção foram desenvolvidos. Entre os modelos que contemplam a prevenção da poluição, o manejo adequado dos recur-
que tenham como foco o desenvolvimento sustentável. Detecta-se, porém, que estudos acerca das organizações ambidestras têm evidenciado os desempenhos econômicos superiores alcançados por elas (He e Wong, 2004; Lubatkin e outros, 2006; Lavie, Stettner e Tushman, 2010; Espallardo, Pérez e López, 2011), nada afirmando, no entanto, em relação ao seu desempenho ambiental e social, deixando lacuna e oportunidade para a condução desta pesquisa. Com o objetivo de contextualizar e embasar o presente estudo acerca da relação entre a ambidestralidade e o desempenho socioambiental das organizações, além dos conceitos sobre organizações ambidestras, foram também empregados alguns dos conceitos sobre a gestão socioambiental nas organizações, os quais são expostos a seguir.
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Segundo Veleva e Ellenbecker (2001, p. 524):
sos naturais, a adoção de tecnologias limpas, além da adequada abordagem das questões sociais e econômicas, figuram os modelos denominados Ecoeficiência, Produção Mais Limpa e Produção Sustentável, sendo esse último abordado na sequência.
Ele reflete a noção de que as organizações devem iniciar com medições simples e fáceis em relação à sua adequação às normas e em relação à sua eficiência na aplicação de recursos, movendo-se gradativamente para indicadores mais complexos que contemplem efeitos ambientais e sociais, a cadeia de fornecedores e os impactos gerados ao longo do ciclo de vida dos produtos.
MODELO DE PRODUÇÃO SUSTENTÁVEL O modelo de Produção Sustentável foi desenvolvido pelo Lowell Center for Sustainable Production (LCSP) da Universidade de Massachusetts, buscando contemplar as dimensões ambiental, econômica e social do desenvolvimento sustentável, tendo como objetivos: A criação de bens e serviços empregando processos e sistemas não poluentes; conservando energia e recursos naturais; viáveis economicamente; seguros e saudáveis para empregados, comunidades e consumidores; recompensando os envolvidos (VELEVA e ELLENBECKER, 2001).
Para operacionalizar seus objetivos, o modelo LCSP preconiza os 10 princípios descritos no Quadro 2. O modelo de Produção Sustentável, segundo Greiner (2001), apresenta caráter evolutivo de escopo, incluindo novas variáveis e indicadores à medida que metas são alcançadas (Figura 1).
O modelo de Produção Sustentável traz um conjunto de 22 indicadores acerca de práticas sustentáveis, dos quais 9 são relacionados à dimensão social e 13, à dimensão ambiental (Quadro 3). Esse conjunto de indicadores possibilita tanto a implantação quanto o acompanhamento do desempenho empresarial em relação aos aspectos socioambientais, sendo, por esse motivo, empregado no presente trabalho, conforme será detalhado nos procedimentos metodológicos a seguir.
Procedimentos Metodológicos Para alcançar o objetivo de estudar a relação entre a ambidestralidade organizacional e o desempenho socioambiental das organizações, conduziu-se uma
Quadro 2 – Os dez princípios do modelo de produção sustentável 1. Produtos e embalagens são projetados para serem seguros e ecologicamente corretos durante todo o seu ciclo de vida. 2. Os serviços são organizados para satisfazer as reais necessidades humanas e promover a equidade e a justiça. 3. Resíduos e subprodutos ecologicamente incompatíveis são reduzidos, eliminados ou reciclados. 4. Substâncias químicas, agentes físicos e demais condições que apresentem riscos à saúde humana ou ao meio ambiente são eliminados. 5. Energia e materiais são conservados, e as formas de energia e materiais utilizados são os mais apropriados para os fins desejados. 6. Os locais de trabalho e as tecnologias são projetados para continuamente minimizar ou eliminar riscos físicos, químicos, biológicos e ergonômicos. 7. O trabalho é organizado de modo a conservar e melhorar a eficiência e a criatividade dos funcionários. 8. A segurança e o bem-estar de todos os funcionários são prioridades, bem como o contínuo desenvolvimento de seus talentos e capacidades. 9. As comunidades em torno dos locais de trabalho são respeitadas e reforçadas econômica, social, cultural e fisicamente; a equidade e a justiça são promovidas. 10. A gestão é comprometida com um amplo e aberto processo de avaliação e melhoria contínua, de modo que, em longo prazo, a viabilidade econômica da empresa ou instituição seja reforçada. Fonte: VELEVA e ELLENBECKER, 2001.
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Figura 1 – Estrutura evolucionária de indicadores Lowell
Nível cinco: Indicadores de desenvolvimento sustentável Nível quatro: Indicadores englobando a cadeia de suprimentos e o ciclo de vida de produtos Nível três: Indicadores sobre os efeitos decorrentes das operações da organização Nível dois: Indicadores sobre o uso de materiais e desempenho Nível um: Indicadores de conformidade em relação ao cumprimento de regras
Aumento da abrangência da medição do impacto da organização sobre o ambiente
Fonte: GREINER, 2001, p. 9.
Quadro 3 – Escala de mensuração da intensidade de adoção de práticas sociais e ambientais Dim.
SOCIAL
AMBIENTAL
Com que intensidade sua organização: Oferece treinamentos e cursos de capacitação para todos os empregados. Busca reduzir a taxa de rotatividade da mão de obra. Enfatiza em sua gestão as ações para evitar lesões e doenças relacionadas ao trabalho. Implementa práticas que conduzem a melhores condições de trabalho, de modo a aumentar o bem-estar e a satisfação dos empregados com o trabalho. Busca sugestões dos empregados em relação à melhoria da qualidade de produtos, processos e desempenho do sistema de saúde, segurança e meio ambiente. Prioriza a geração de oportunidade de trabalho para a comunidade local/regional. Adota política de inclusão de deficientes, negros, mulheres e demais grupos considerados minorias. Realiza investimentos para a melhoria da qualidade de vida da comunidade local. Busca envolver os stakeholders (sociedade, governo, empregados e demais partes interessadas) nas tomadas de decisões relevantes da empresa. Busca reduzir o consumo de energia por produto. Procura reduzir o consumo de material por produto. Busca reduzir o consumo de água por produto. Desenvolve ações para reduzir a quantidade de resíduos gerados em seu processo produtivo. Difunde a prática da reciclagem em suas operações. Oferece produtos com política take-back (retornam à empresa após o uso, para reciclagem). Adota práticas que visam reduzir a emissão de gases (estufa e ácidos). Desenvolve produtos com vistas a facilitar sua desmontagem, reaproveitamento e reciclagem de seus materiais (logística reversa). Busca eliminar o emprego de materiais químicos tóxicos, persistentes e bioacumulativos. Utiliza embalagens recicláveis/ biodegradáveis. Busca a diminuição do uso de materiais em embalagens. Substitui fontes de energia convencionais por energia proveniente de fontes renováveis (limpas). Desenvolve produtos eficientes em relação ao consumo de energia, prevendo economia na fase de utilização.
Fonte: VELEVA e ELLENBECKER, 2001.
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pesquisa quantitativa (BREWER e HUNTER, 2006), descritiva (CHURCHILL, 1999) e de caráter transversal (Malhotra, 2001). Dessa forma, dados primários foram obtidos por meio de uma survey aplicada a uma amostra, não probabilística por adesão, de empresas do setor eletroeletrônico. A tendência à ambidestralidade organizacional foi acessada por meio da escala desenvolvida por Lubatkin e outros (2006), a qual foi submetida a um processo de validação por meio de tradução reversa (Quadro 1). Para determinar o desempenho socioambiental das organizações, a escala empregada foi a proposta pelo modelo de Produção Sustentável (LCSP, 2001). A referida escala, além de passar pelo processo de tradução reversa, também teve sua validade de conteúdo testada com o auxílio de seis especialistas da área de sustentabilidade (Quadro 3). Os itens das escalas supracitadas assumiram o formato do tipo Likert de 5 pontos, no qual a intensidade com que as práticas neles descritos eram conduzidas pelas organizações poderia variar entre: (1) Muito pequena, (2) Pequena, (3) Média, (4) Grande e (5) Muito grande. Buscando-se ampliar a adesão das empresas ao levantamento, um questionário eletrônico autoaplicável foi desenvolvido sobre a plataforma Qualtrics®, ficando disponível entre os dias 20 de agosto de 2010 e 25 de outubro de 2010. Entre as 533 empresas, vinculadas à Associação Brasileira da Indústria Eletroeletrônica (Abinee), as quais foram convidadas a participar da pesquisa, 168 acessaram a página eletrônica da pesquisa (31,50%) e 134 efetivamente completaram o preenchimento das questões-chave (25,95%). Após análise e eliminação de valores perdidos e de valores extremos (outliers), com auxílio do pacote estatístico SPSS® versão 17.0 (Statistical Package for the Social Sciences), a amostra resultou em 131 casos válidos, o que representou 24,58% da população alvo desta pesquisa. O tratamento dos dados quantitativos teve início com a análise da adequação da amostra e da consistência interna das escalas utilizadas, ocasião em que foram efetuados os testes Alfa de Cronbach, Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e de esfericidade de Bartlett (HAIR e outros, 2005). Ainda nessa etapa, foram também analisadas as médias e os desvios padrão de cada um dos indicadores empregados na mensuração das capacidades de exploration e exploitation, bem como no desempenho ambiental e social das empresas participantes da pesquisa.
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Na sequência, para categorizar as empresas componentes da amostra em função de suas capacidades de exploration e exploitation, foi empregada a Análise de Cluster, a qual deu origem a quatro agrupamentos, denominados: organizações ambidestras (altos escores nas práticas de exploration e exploitation), organizações com foco em exploration (altos escores exclusivamente nas práticas de exploration), organizações com foco em exploitation (altos escores exclusivamente nas práticas de exploitation) e organizações conservadoras (baixos escores em ambas as dimensões da ambidestralidade). Finalmente, para detectar a existência de relação entre a capacidade ambidestra e o desempenho socioambiental das organizações, fez-se uso da Análise de Variância (ANOVA), seguida pelo teste post hoc de Sheffé (HAIR e outros, 2005). Por meio desses testes, pôde-se verificar se as médias de desempenho ambiental e social das quatro categorias definidas pela Análise de Cluster eram diferentes, bem como em que residia tal diferença, ou seja, qual era o agrupamento de empresas que apresentava melhores desempenhos socioambientais em relação aos demais.
ANÁLISE DOS RESULTADOS A análise dos dados empíricos provenientes da survey foi dividida em três etapas, cujos resultados são a seguir expostos e analisados.
Análise da consistência interna das escalas empregadas na pesquisa e do desempenho organizacional ambidestro, social e ambiental A Análise Fatorial Exploratória (AFE), realizada por meio do método dos componentes principais com rotação ortogonal Varimax (HAIR e outros, 2005), detectou, pelo critério de Kaiser (Eigenvalues), que as escalas empregadas na mensuração da ambidestralidade organizacional, desempenho social e desempenho ambiental mostraram-se bidimensionais. Dessa forma, assumiu-se: (a) a ambidestralidade como sendo composta pelas dimensões exploration e exploitation, corroborando estudos anteriores (He e Wong, 2004; Lubatkin e outros, 2006; Jansen e outros, 2009); (b) o desempenho social composto pelas dimensões trabalhadores (stakeholders internos) e comunidade (stakeholders externos) e (c) o desempenho ambien-
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tal como sendo composto pelas dimensões projeto (concepção) e processo (execução). Os valores obtidos na verificação da consistência interna das escalas e na adequação da amostra obedeceram aos critérios de Hair e outros (2005), conforme expresso nas Tabelas 1, 2 e 3. A média assumida pelos indicadores da escala adotada para apurar a ambidestralidade organizacional indica que as atividades relacionadas à dimensão exploitation, com foco em inovações incrementais e ganhos no curto prazo, são desempenhadas com maior intensidade pelas empresas investigadas, assumindo o valor µ=4,06 contra µ=3,55 das atividades de exploration (inovações radicais). Na Tabela 1, percebe-se que, entre as atividades de exploration, a referente à busca por formas criativas e diferenciais para atender necessidades de clientes é a executada com maior intensidade (µ=3,95), seguida por aquelas que objetivam satisfazer novas necessidades de segmentos atuais ou novos (µ=3,77) e criar produtos/serviços inovadores para a empresa (µ=3,74). Os indicadores referentes a essas três atividades fo-
ram os que apresentaram os menores valores para o desvio padrão, indicando haver certa uniformidade de comportamento entre as empresas, as quais têm o cliente como foco e se utilizam da inovação como uma das estratégias para satisfazer às necessidades destes. Na extremidade oposta, o item referente à atuação agressiva em novos segmentos de mercado obteve a menor pontuação média (2,94) e o maior valor para o desvio padrão, indicando que, embora, em média, as empresas se aventurem em novos segmentos de mercado com menor intensidade, existe entre elas certa heterogeneidade de comportamento em relação ao tema. Esse fato parece indicar que, mesmo num segmento reconhecidamente inovador, como o eletroeletrônico, os inovadores mais radicais são minoria, implicando valores tímidos de média para a dimensão exploration, em comparação à dimensão exploitation. Quanto às atividades de exploitation, destaca-se que, além de obterem médias altas para seus indicadores, também apresentam menores valores de desvio padrão, indicando haver maior coesão de comportamento das empresas investigadas em relação às ativi-
Tabela 1 – Dados referentes à escala de mensuração do construto ambidestralidade Dim.
Indicador
EXPLOITATION
EXPLORATION
Busca por novas ideéias tecnológicas pensando “fora da caixa”, ou seja, fora dos limites da empresa, pesquisando tecnologias diferentes das correntes. Explica o seu desempenho em função da exploração de tecnologias inovadoras, ou seja, fundamenta seu sucesso na habilidade em explorar novas tecnologias. Cria produtos e/ou serviços que são inovadores para a empresa. Busca formas criativas e diferenciais para satisfazer as necessidades de seus clientes. Aventura-se agressivamente em novos segmentos de mercado. Objetiva satisfazer novas necessidades (dos segmentos atuais ou novos). Busca melhorar gradualmente a qualidade e reduzir custos de seus produtos e serviços. Busca aumentar gradualmente o grau de confiabilidade de seus produtos e serviços. Procura ampliar os níveis de automação em suas operações. Pesquisa frequentemente a satisfação dos clientes atuais. Sintoniza suas ofertas (produtos e serviços) para obter a satisfação de seus clientes atuais. Estreita e aprofunda relações com sua base de clientes existentes. Consistência interna (Alfa de Cronbach) Variância explicada KMO (Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) Teste de esfericidade de Bartlett
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Média
Desvio padrão
3,56
1,024
0,817
0,199
3,36
1,001
0,817
0,217
3,74
0,965
0,887
0,090
3,95
0,822
0,681
0,413
2,94 3,77
1,101 0,809
0,610 0,568
0,036 0,419
4,29
0,728
0,151
0,692
4,35
0,655
0,230
0,740
3,71 3,90
0,890 0,876
0,198 0,058
0,590 0,804
4,00
0,754
0,318
0,772
4,11
0,816
0,086 0,856 30,1% 0,853
0,737 0,836 29,2 %
Carregamento
789,255 (sig=0,000)
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dades de aproveitamento (Tabela 1). Entre as maiores médias obtidas nas atividades relacionadas ao construto exploitation, encontram-se os itens referentes à preocupação das empresas em relação à ampliação da qualidade e confiabilidade de seus produtos e à diminuição de seus custos, respectivamente µ=4,35 e µ=4,29. No tocante ao desempenho social das organizações, os dados apresentados na Tabela 2 evidenciam que as ações relacionadas ao ambiente externo à organização, voltadas à comunidade de entorno e demais stakeholders (µ= 3,05), são praticadas com menor intensidade quando comparadas àquelas voltadas ao ambiente interno (µ= 3,84). Como exemplo, o indicador referente ao envolvimento de stakeholders (sociedade, governo e demais partes interessadas) nas tomadas de decisões relevantes da empresa demonstra que este é praticado com pequena ou média intensidade (µ=2,53). Esse número evidencia a pequena maturidade das empresas em relação às práticas de governança corporativa e desclosure (abertura de informações). As práticas relacionadas a investimentos com vistas à melhoria da qualidade de vida da comunidade local obtiveram média µ=2,69, indicando que
as organizações ainda atuam com pequena ou média intensidade nessa seara. Esse fato parece ser decorrente de aspectos culturais da sociedade brasileira, a qual atribui esse tipo de ação, primordialmente, ao governo. Por outro lado, os indicadores relativos à responsabilidade social para com o público interno indicam que as empresas estão mais focadas em ações que, além impactarem na qualidade, produtividade e custos de produção, também atendam as diretrizes da legislação trabalhista. Exemplo disso são os altos escores atribuídos pelas empresas aos indicadores referentes à prevenção de lesões e doenças decorrentes do trabalho (µ=4,05) e à melhoria de condições e satisfação dos empregados com o trabalho (µ=3,88), práticas previstas em sistemas de gestão de saúde e segurança do trabalho e preconizadas pela norma NBR ISO 18.001. O desempenho ambiental das organizações investigadas é retratado na Tabela 3, na qual os indicadores referentes aos processos produtivos demonstram que as empresas concentram maior esforço nas atividades de execução (µ= 3,75), em comparação às de concepção (µ= 3,23). Entre os 13 itens, o indicador que aborda a recuperação de produtos obsoletos para posterior tratamento e adequada disposição final, além de apre-
Tabela 2 – Dados referentes à escala de mensuração do construto desempenho social Indicador
Média
Desvio padrão
Oferece treinamentos e cursos de capacitação para todos os empregados. Busca reduzir a taxa de rotatividade da mão de obra. Enfatiza em sua gestão as ações para evitar lesões e doenças relacionadas ao trabalho. Implementa práticas que conduzem a melhores condições de trabalho, de modo a aumentar o bem-estar e a satisfação dos empregados com o trabalho.
3,71 3,82
0,932 0,858
0,692 0,778
0,295 0,032
4,05
0,862
0,664
0,335
3,88
0,823
0,833
0,196
3,75
0,939
0,781
0,138
3,81
0,978
0,237
0,512
3,16
1,136
0,051
0,825
2,69
1,129
0,228
0,819
2,53
1,111
0,155
0,692
0,836 33%
0,728 26,1%
SOCIAL - comunidade (AMBIENTE EXTERNO)
SOCIAL – Trabalhadores (Ambiente Interno)
Dim.
Busca sugestões dos empregados em relação à melhoria da qualidade de produtos, processos e desempenho do sistema de saúde, segurança e meio ambiente. Prioriza a geração de oportunidade de trabalho para a comunidade local/regional. Adota política de inclusão de deficientes, negros, mulheres e demais grupos considerados como minorias. Realiza investimentos para a melhoria da qualidade de vida da comunidade local. Busca envolver os stakeholders (sociedade, governo, empregados e demais partes interessadas) nas tomadas de decisões relevantes da empresa. Consistência interna (Alfa de Cronbach) Variância explicada KMO (Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) Teste de esfericidade de Bartlett
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sentar a menor média (µ=2,23), também apresentou o maior valor de desvio padrão (σ=1,395). Esse fato demonstra a pequena disseminação da prática take-back entre as empresas estudadas, além da heterogeneidade de comportamento frente a ela. Percebe-se alto comprometimento com a implantação de soluções por parte de empresas que atuam em mercados internacionais exigentes e regulamentados, em relação à destinação adequada dos produtos eletroeletrônicos que atingem o limite da vida útil, enquanto outras empresas da amostra nada fazem acerca do tema. Na mesma linha, a questão referente à substituição de fontes de energia convencional por energia proveniente de fontes renováveis também obteve baixos valores médios (µ=2,56) e alto valor para o desvio padrão (σ=1,331). Esse baixo valor pode ser resultante da pequena divulgação dos benefícios decorrentes do emprego de fontes de energia alternativa, da falta de regulamentação sobre o tema ou do elevado custo que estas ainda representam no curto prazo.
Os indicadores relacionados à dimensão ambiental da sustentabilidade que obtiveram maiores valores médios foram aqueles que abordam a redução de consumo de material por produto (µ=3,97) e o desenvolvimento de produtos energeticamente eficientes e econômicos (µ=3,95). Subjacente a esses resultados, pode-se observar que as práticas ambientais mais difundidas entre as organizações são relacionadas ao atendimento à legislação, à racionalização de processos e à obtenção de legitimidade perante os clientes, em um sentido instrumental-utilitário. A título de exemplo de práticas ambientais relacionadas ao atendimento a legislações, pode-se citar a referente à eliminação do emprego de substâncias químicas tóxicas, tais como o cloro flúor carbono, os retardadores de chamas bromados (BFRs), bifenis polibrominados (PBBs) e os éteres fenil-polibrominados (PBDEs). Como exemplo de práticas ambientais com vistas à racionalização de processos e consequente ampliação de lucros,
Tabela 3 – Dados referentes à escala de mensuração do construto desempenho ambiental Média
Desvio padrão
2,23
1,395
0,725
-0,015
3,24
1,307
0,705
0,312
3,22
1,204
0,703
0,300
3,81
1,164
0,671
0,298
3,34
1,169
0,628
0,195
Busca a diminuição do uso de materiais em embalagens. Substitui fontes de energia convencionais por energia proveniente de fontes renováveis (limpas). Desenvolve produtos eficientes em relação ao consumo de energia, prevendo economia na fase de utilização.
3,47
1,083
0,622
0,497
2,56
1,331
0,618
0,298
3,95
0,960
0,571
0,348
Busca reduzir o consumo de energia por produto.
3,88
0,794
0,175
0,846
Procura reduzir o consumo de material por produto. Busca reduzir o consumo de água por produto. Desenvolve ações para reduzir a quantidade de resíduos gerados em seu processo produtivo.
3,97 3,48
0,822 1,126
0,163 0,251
0,843 0,744
3,67
0,956
0,386
0,705
Difunde a prática da reciclagem em suas operações.
3,77
1,113
0,483
0,500
0,858 30,5%
0,848 26,6%
AMBIENTAL - PROCESSOS (EXECUÇÃO)
AMBIENTAL - PROJETOS (CONCEPÇÃO)
Dim.
Indicador Oferece produtos com política take-back (retornam à empresa após o uso, para reciclagem). Adota práticas que visam reduzir a emissão de gases (estufa e ácidos). Desenvolve produtos com vistas a facilitar sua desmontagem, reaproveitamento e reciclagem de seus materiais (logística reversa). Busca eliminar o emprego de materiais químicos tóxicos, persistentes e bioacumulativos. Utiliza embalagens recicláveis/ biodegradáveis.
Consistência interna (Alfa de Cronbach) Variância explicada KMO (Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) Teste de esfericidade de Bartlett
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pode-se citar a busca pela redução do consumo de matéria-prima, água e energia empregados tanto na composição dos produtos quanto em seu processo de produção. Finalmente, como exemplo da busca pelo reconhecimento e legitimidade perante os clientes, pode-se citar a questão da eficiência energética dos produtos eletroeletrônicos, avaliada pelos consumidores por meio do selo Procel (Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica), o qual impacta nas opções de compra do consumidor em função de sua classificação.
Segmentação da amostra em função da tendência à ambidestralidade organizacional
Por meio da Análise de Cluster, conduzida pelo método não hierárquico de aglomeração denominado k médias (K-means clustering), a amostra composta pelas 131 empresas foi segmentada em função dos escores apresentados para as capacidades de exploration e exploitation, originando os quatro grupos definidos na Figura 2. Entre os grupos determinados pela Análise de Cluster, verificou-se que o maior deles foi o composto pelas organizações ambidestras (44 empresas – 33,59% da amostra), indicando que praticamente um terço das empresas investigadas tem investido tanto em inovações incrementais, com vistas ao sucesso
atual, quanto em inovações radicais, com vistas à obtenção de êxito futuro. O grupo composto por empresas cujo foco recai com maior intensidade nas atividades de exploitation, ou seja, em inovações incrementais com foco em retornos no curto prazo, foi composto por 37 empresas (28,24%), sendo o segundo maior. As empresas com maior foco nas atividades de exploration formaram o terceiro grupo em tamanho, o qual foi composto por 31 empresas (23,66%), indicando que um número considerável de empresas investe em atividades referentes a inovações radicais, com foco no retorno no longo prazo. O menor, entre os quatro grupos, foi o composto pelas organizações conservadoras (19 empresas – 14,50%), evidenciando que a timidez frente a investimentos em inovações radicais e incrementais é uma posição assumida por uma pequena porção das empresas do setor eletroeletrônico participantes desta investigação.
Análise da relação entre a ambidestralidade e os desempenhos social e ambiental Os resultados da Análise de Variância (ANOVA) expostos na Tabela 4 evidenciaram a existência de diferença estatisticamente significativa entre as médias de desempenho socioambiental apresentadas pelos grupos definidos na Análise de Cluster.
Figura 2 – Resultado da análise de cluster – categorização das empresas componentes da amostra Desenvolvimento de Inovações Radicais 5
1 1
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Cluster 1
Cluster 3
Organizações com foco em exploration
Organizações ambidestras
31 empresas
44 empresas
Cluster 4
Cluster 2
Organizações conservadoras
Organizações com foco em exploitation
19 empresas
37 empresas 5 Desenvolvimento de Inovações Incrementais
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Essa constatação deu-se por meio dos valores assumidos por F e pelo nível de significância dos resultados, os quais apresentaram valores inferiores a 0,05, tanto em relação ao desempenho ambiental (F(3,126)=13,33; p<0,05) quanto em relação ao desempenho social (F(3,126)=14,10; p<0,05). Dessa forma, para verificar entre quais grupos efetivamente ocorria a diferença de desempenho, conduziu-se o teste post-hoc de Sheffé (HAIR e outros, 2005), o qual indicou que o grupo que composto pelas empresas possuidoras dos maiores escores para as atividades de exploration e exploitation, concomitantemente, diferencia-se dos demais em relação aos desempenhos investigados. Essas evidências permitem concluir que as organizações ambidestras destacam-se por efetivamente apresentarem desempenhos organizacionais superiores, tanto na questão social quanto na ambiental, inclusive quando analisadas em relação às dimensões componentes de cada escala (Figura 3).
CONCLUSÕES Estudos têm verificado que o adequado balanceamento entre as capacidades organizacionais de exploration e exploitation de tecnologia conduzem as empresas a desempenhos econômicos superiores (TUSCHMAN e O’REILLY, 1997; O’REILLY e TUSCHMAN, 2004; HE e WONG, 2004; MOM, VAN DEN BOSCH, VOLBERDA, 2009; LAVIE, STETTNER, TUSHMAN, 2010). Entretanto, apesar da importância que o tema sustentabilidade vem assumindo na atualidade, percebe-se uma lacuna no que tange a investigações acerca da relação entre a ambidestralidade e as demais dimensões do desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, o presente
trabalho teve como propósito estudar a relação entre a ambidestralidade e o desempenho socioambiental das organizações. Adotando escalas anteriormente empregadas para mensurar o desempenho ambiental e social (LCSP, 2001) e as capacidades de exploration e exploration em organizações (LUBATKIN e outros, 2006), dados empíricos foram coletados por meio de uma survey conduzida em 131 empresas atuantes na indústria eletroeletrônica. Com base na pontuação atribuída pelos gerentes e diretores das empresas participantes da pesquisa ao grau com que suas organizações desenvolvem as práticas descritas nas escalas, testes estatísticos foram viabilizados. Ao validar as escalas, como uma das contribuições desta pesquisa, corroboraram-se os estudos de He e Wong (2004); Lubatkin e outros (2006); Jansen e outros (2009) com relação à bidimensionalidade da capacidade ambidestra, formada pelas dimensões exploration e exploitation. Entre essas duas dimensões, a capacidade de exploitation, voltada ao aproveitamento das tecnologias e capacidades correntes, apresentou os maiores escores, destacando-se as atividades voltadas à ampliação do grau de confiança em produtos e serviços, seguidas pelas atividades com foco na melhoria da qualidade e na redução de custos dos mesmos. Com relação à capacidade de exploration, o maior escore foi atribuído às atividades relacionadas à busca por formas diferenciais para satisfazer as necessidades de clientes, sendo o menor escore atribuído às atividades relacionadas a aventurar-se agressivamente em novos segmentos de mercado, evidenciando que as empresas participantes desta pesquisa inovam mantendo o foco em seus clientes e mercados atuais. As escalas empregadas na mensuração do desempenho social e ambiental das empresas também
Tabela 4 – Teste de diferença entre médias de desempenho ambiental e social de empresas conservadoras, com foco em exploitation, com foco em exploration e ambidestras ANOVA entre as médias apresentadas pelos quatro clusters nas dimensões Ambiental Amb. projeto Amb. processo Social Soc. trabalhadores Soc. comunidade
F
Sig.
13,33 12,19 8,92 14,10 15,50 5,70
0,000* 0,000* 0,000* 0,000* 0,000* 0,001*
OBS.:* p < 0,05
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Figura 3 – Média dos desempenhos apresentados pelas organizações conservadoras, com foco em exploration, com foco em exploitation e ambidestras
3,92 3,89
4,5
Organizações conservadoras
3,37
4
Organizações com foco em exploration Organizações com foco em exploitation
3,25
Escore
3,5
3,27
3,13
3,19
3
Organizações ambidestras
2,88
2,5
Dese
bie
nta
l
So
cia
l
2
Am
mpen
ho
4,14 4,5 3,77
Organizações conservadoras Organizações com foco em exploration
4
3,77
3,44 3,32
3,5 Escore 3
Organizações com foco em exploitation
3,06 2,88
2,5
Organizações ambidestras
3,02
Dese
Pr
Pr
oje
oc
to
es
so
2
mpen
ho
4,31 4,5 3,77 4
Organizações conservadoras Organizações com foco em exploration
3,5
3,43
Escore 3
Organizações com foco em exploitation Organizações ambidestras
3,5 3,44
2,93
2,86
2,88
2,5
Dese
mpen
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de ida Co mu n
Tra b
alh ad
ore
s
2
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se mostraram bidimensionais, sendo o desempenho social composto pelos fatores trabalhadores (ambiente interno) e comunidade (ambiente externo), e a escala de desempenho ambiental dividida em atividades de projeto (concepção) e processo (execução). Com relação ao desempenho social, a dimensão trabalhadores, referente ao ambiente interno à organização, apresentou os maiores escores, destacando-se as atividades voltadas ao desenvolvimento de ações para evitar lesões e doenças decorrentes do trabalho e as voltadas a aumentar o bem-estar e a satisfação dos empregados com o trabalho. A dimensão comunidade obteve os menores escores, cabendo destacar o pequeno valor obtido pelo indicador referente ao envolvimento de stakeholders nas tomadas de decisões relevantes da empresa (µ=2,53), evidenciando a incipiências das ações de desclosure. Com relação ao desempenho ambiental, destacaram-se positivamente as ações voltadas à redução do consumo de material por produto produzido, ao desenvolvimento de produtos eficientes e econômicos durante o uso e à eliminação do emprego de materiais químicos tóxicos. Em outro extremo, chamou atenção a incipiência das atividades relativas à adoção de fontes energia renovável e à política take-back, na qual produtos que atingem o final de sua vida útil voltariam à empresa para tratamento e destinação adequada de resíduos (µ=2,23). Os escores atribuídos aos indicadores de desempenho social e ambiental supracitados corroboram o raciocínio de Barbieri (2006) e Hart (2006), segundo o qual as empresas inicialmente buscam minimizar seus impactos socioambientais em função de exigências legais, passando gradativamente a ações de prevenção, até chegar à abordagem estratégica, quando a sustentabilidade deixa de ser vista como obrigação estatutária e passa a ser reconhecida como oportunidade de negócios e fonte de vantagem competitiva para a empresa. Com relação à sua capacidade de exploration e exploitation, as 131 empresas componentes da amostra investigada foram agrupadas em função dos escores obtidos nessas dimensões, sendo que 33,6% enquadraram-se no perfil de organizações ambidestras, inovando com grande intensidade, tanto incremental como radicalmente; 28,2% das empresas investigadas possuem maior foco nas atividades de exploitation; 23,7%, nas atividades de exploration, e apenas 14,5% foram consideradas empresas conservadoras por inovarem muito pouco, fato que demonstra que as empresas do setor eletroeletrônico apresentam bom dinamismo em relação às inovações incrementais e radicais.
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No que diz respeito ao desempenho ambiental e social das empresas, verificou-se que as organizações classificadas como ambidestras apresentaram os melhores resultados, sendo essas diferenças estatisticamente significativas. Dessa forma, além das constatações apresentadas em estudos anteriores acerca da superioridade do desempenho econômico obtido pelas organizações ambidestras (TUSHMAN e O’REILLY, 1997; JANSEN, VAN DEN BOSCH, VOLBERDA, 2006; MOM, VAN DEN BOSCH, VOLBERDA, 2009), pôde-se, por meio desta pesquisa, também constatar a tendência apresentada pelas organizações ambidestras com relação à obtenção de desempenhos sociais e ambientais superiores, respondendo à questão proposta por este estudo. Embora cumprindo o objetivo de estudar a relação entre a ambidestralidade e o desempenho socioambiental em organizações do setor eletroeletrônico, este estudo traz limitações com relação à generalização estatística de seus resultados, os quais foram baseados em dados obtidos em um único setor econômico e por meio de amostra não probabilística. Dessa forma, sugere-se que a presente pesquisa seja complementada por meio de levantamentos conduzidos em outros setores industriais, preferencialmente empregando técnica de amostragem probabilística, o que possibilitaria uma generalização estatística embasada em dados mais robustos.
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artigos Recebido em 23.04.2012. Aprovado em 06.11.2012 Avaliado pelo sistema double blind review Editor Científico: Bento Alves da Costa Filho
HEDONISMO E MORALISMO: CONSUMO NA BASE DA PIRÂMIDE HEDONISM AND MORALISM: THE BOTTOM OF THE PYRAMID HEDONISMO Y MORALISMO: EN EL CONSUMO EN LA BASE DE LA PIRÁMIDE
RESUMO
A estabilidade econômica no Brasil permitiu que itens acessíveis somente às classes sociais mais abastadas fossem consumidos na “base da pirâmide”. Tal fato despertou interesse acadêmico e empresarial por melhor compreender esse fenômeno. Duas linhas argumentativas surgiram, com distintas perspectivas. Enquanto uma defende um discurso hedonista, ao incentivar o consumo pela base da pirâmide, como forma de diminuir a pobreza, a outra, cuja perspectiva
dominante é moralista, critica tal visão, pois acredita que somente a inserção das pessoas com menor poder aquisitivo no processo de produção contribuirá para melhorar suas vidas.. Um dos objetivos do presente ensaio é, portanto, discutir como a literatura sobre o consumo na base da pirâmide apresenta elementos desses tipos de discursos. Além disso, busca-se estimular mais estudos, propondo uma agenda inicial de pesquisa
PALAVRAS-CHAVE Hedonismo, moralismo, pobreza, consumo, renda.
Marcus Wilcox Hemais mhemais@gmail.com Doutorando em Administração de Empresas pelo Instituto Coppead de Administração – Universidade Federal do Rio de Janeiro; e Professor do Instituto de Administração e Gerência, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro – RJ, Brasil Leticia Moreira Casotti leticia@coppead.ufrj.br Professor do Instituto Coppead de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro – RJ, Brasil Everardo Pereira Guimarães Rocha everardo@puc-rio.br Professor do Departamento de Comunicação Social, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro – RJ, Brasil
Abstract Economic stability in Brazil has allowed items that were formerly only accessible to the better-off social classes, to be consumed at ¨the bottom of the pyramid¨. This has aroused the interest of both the academic and business world and led to a desire for a better understanding of this phenomenon. Two lines of argument have arisen with distinct perspectives. The first supports a hedonistic approach, which believes that consumption at the base of the pyramid is driven by a wish to reduce poverty, while the other, where a moralistic standpoint is predominant, criticizes this view because it believes that people´s lives can only be improved by including people with less purchasing power in the production processes. One of the aims of this essay is thus to discuss how the literature on consumption at the bottom of the pyramid, shows features of these types of approaches. In addition, it seeks to encourage further studies by setting out a research agenda. keywords Hedonism, moralism, poverty, consumption, income. Resumen La estabilidad económica en Brasil permitió que artículos accesibles solamente a las clases sociales más adineradas fueran consumidos por la “base de la pirámide”. Tal hecho despertó el interés académico y empresarial para comprender mejor ese fenómeno. Surgieron dos líneas argumentativas, con distintas perspectivas. Mientras una defiende un discurso hedonista, al incentivar el consumo por la base de la pirámide como forma de disminuir la pobreza, la otra, cuja perspectiva dominante es moralista, critica tal visión, pues considera que solamente la inserción de las personas con menor poder adquisitivo en el proceso de producción contribuirá a mejorar sus vidas. Uno de los objetivos del presente ensayo es, por lo tanto, discutir cómo la literatura sobre el consumo en la base de la pirámide presenta elementos de esos tipos de discursos. Además, se busca estimular más estudios, proponiendo una agenda inicial de investigación. Palabras clave Hedonismo, moralismo, pobreza, consumo, renta.
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INTRODUÇÃO O interesse acadêmico em consumidores de baixa renda data desde a década de 1960, sendo David Caplovitz (1967) um dos primeiros estudiosos sobre o assunto. O tema continuou a ser pesquisado, especialmente nos Estados Unidos, durante a década de 1970 (ANDREASEN, 1976), ao mesmo tempo que cresciam debates sobre consumerismo (KOTLER, 1972). Essa temática foi posta em segundo plano, todavia, à medida que o movimento consumerista perdia suas forças. O tema voltou a ganhar destaque no meio acadêmico, no início dos anos 2000, a partir dos estudos de C. K. Prahalad (PRAHALAD e HAMMOND, 2002; PRAHALAD e HART, 2002). O livro do autor (PRAHALAD, 2006a) foi listado entre os mais vendidos em importantes revistas e livrarias americanas e inglesas, mostrando sua relevância na divulgação do tema (LANDRUM, 2007). Prahalad chamava a atenção para o fato de haver quatro bilhões de pobres no mundo, na “base da pirâmide”, com rendimento de até dois dólares por dia. Mesmo que suas condições de consumo fossem restritas, seu volume representava uma oportunidade única de mercado para empresas, que, além de lucrar, ajudariam esses indivíduos a saírem da pobreza. Após Prahalad, discussões sobre quem são aqueles que compõem a base da pirâmide passaram a ser vistas na literatura (SACHS, 2005). No Brasil, por exemplo, diferentes critérios existem para estratificar classes sociais ou econômicas. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo IBGE, leva em consideração a renda média mensal domiciliar para classificar a população em seis estratos (INSTITUTO..., 2009). Com base no PNAD, a Fundação Getulio Vargas (FGV) transforma os seis estratos em cinco, dividindo-os em classes A, B, C, D e E (NERI, 2010). O Critério de Classificação Econômica Brasil, elaborado pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP), por sua vez, considera a posse de bens e o grau de instrução do chefe do domicílio para estratificar a população em oito classes econômicas: A1, A2, B1, B2, C1, C2, D e E (ASSOCIAÇÃO..., 2012). Entender quais classes sociais constituem a base da pirâmide ou mesmo a população de baixa renda no Brasil tem se mostrado um desafio para pesquisadores (MATTOSO, 2010; NOGAMI e PACAGNAN, 2011). A classe C, por exemplo, pode ser incluída na base da pirâmide (LIMEIRA, 2008) ou ser considerada “a nova classe média” (NERI, 2010). Consciente de tais dificuldades, o Centro de Excelência em Varejo da Fundação
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Getulio Vargas (CEV-FGV) definiu consumidores de baixa renda, no Brasil, como aqueles pertencentes às classes D e E, segundo classificação do IBGE, ou seja, com renda familiar diária inferior a cinco dólares (NOGAMI e PACAGNAN, 2011). Essas discussões e divergências sugerem a dificuldade e a crescente importância em entender as classes inferiores do estrato social, também chamadas de “base da pirâmide”, conforme Prahalad, ou de “baixa renda”. Embora importante, não é o foco do ensaio, entretanto, debater as diferenças entre classificações. O que se pretende é discutir o aumento do interesse em torno do consumo na base da pirâmide e as críticas que surgiram em relação ao tema. Após Prahalad proferir sua visão sobre a base da pirâmide, autores questionam se a ideia e a forma proposta para erradicar a pobreza servem, na realidade, a esse fim (ARORA e ROMIJN, 2011; KARNANI, 2007a, 2011; JAISWAL, 2008). Para os defensores dessa perspectiva, o incentivo ao consumo na base da pirâmide não soluciona o problema da pobreza, e as grandes empresas multinacionais não devem autoproclamar-se como salvadoras da sociedade. As críticas feitas por Karnani geraram um interessante debate, entre ele e Prahalad, sobre a validade da proposta de incentivo ao consumo na base da pirâmide. Durante esse debate, Prahalad diz que: Estou surpreso que você [Karnani] tenha caído na mesma armadilha em que a maioria cai. O consumo pode aumentar a renda... O tempo dirá se a base da pirâmide é um mercado ou não. Eu acredito que é... O debate não é mais sobre quantos indivíduos são realmente pobres; é sobre como trazer os benefícios dos padrões globais a preços acessíveis, de modo a aumentar o acesso (PRAHALAD, 2006b, tradução nossa).
e Karnani alega que: Uma crítica à proposta da base da pirâmide é que tratar o pobre como um consumidor pode levá-los a fazerem más escolhas de consumo, que não são de seu interesse próprio. Assim, empresas poderiam acabar explorando esses pobres. Os proponentes da base da pirâmide ignoram tais argumentos, por considerá-los arrogantes e condescendentes, e afirmam que os pobres são consumidores conscientes (KARNANI, 2007b, tradução nossa).
As duas perspectivas sobre o consumo na base da
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pirâmide podem ser diferenciadas com base em seus discursos. De acordo com Rocha (2005, 2009b), discursos sobre consumo podem ser do tipo “hedonista” ou “moralista”. O primeiro representa o consumo como algo necessário para se atingir a felicidade e o sucesso, e o segundo o apresenta como a principal causa dos males da sociedade. Com base nessa contextualização, o presente ensaio discute as distintas perspectivas sobre o consumo na base da pirâmide, utilizando a nomenclatura proposta por Rocha. Autores defensores do incentivo ao consumo na base da pirâmide utilizam discursos predominantemente “hedonistas”, e os que criticam essa perspectiva apresentam discursos essencialmente “moralistas”. O principal objetivo deste ensaio, portanto, é discutir como a literatura sobre o consumo na base da pirâmide apresenta elementos desses tipos de discursos, além de propor uma agenda de pesquisa mais específica para a realidade brasileira.
OS DISCURSOS HEDONISTA E MORALISTA DE CONSUMO Um dos primeiros autores a tratar do tema de consumo foi Thorstein Veblen, em 1899. O autor defendia que o consumo era um fenômeno que não poderia ser enquadrado dentro de modelos econômicos tradicionais e que, por isso, deveria ser visto como algo fora desses padrões. O consumo conspícuo seria o substituto do ócio como a atividade que transmitiria características pessoais de cada indivíduo a seus pares (VEBLEN, 1965). Depois de Veblen, outros autores, dentro das ciências sociais, continuaram a estudar o consumo (BOURDIEU, 2007; DOUGLAS e ISHERWOOD, 2009; McCRACKEN, 2003). Em comum entre eles, está a ideia de que o consumo se relaciona com cultura e valores sociais. Qualquer teorização sobre o consumo precisa ser, também, uma teorização sobre a cultura e a vida social (DOUGLAS e ISHERWOOD, 2009). Sem o consumo, “certos atos de definição do self e de definição coletiva seriam impossíveis” (McCRACKEN, 2003, p. 11). O consumo, por essa perspectiva, ajuda a definir a cultura e os valores dos indivíduos de uma sociedade. No Brasil, a preocupação em entender as dinâmicas relacionadas ao consumo levou Rocha (2005, 2009b) a analisar os tipos de discursos existentes sobre o tema. O autor identificou quatro principais tipos: hedonista, moralista, naturalista e utilitarista. Como a proposta do
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presente trabalho é mostrar dois extremos dos discursos sobre o consumo na base da pirâmide, optou-se por focar os dois primeiros. O discurso naturalista não se enquadra nesse caso, pois busca explicar o consumo como algo que existe em razão de necessidades “da natureza, da biologia ou do espírito humano” (ROCHA, 2005, p. 131). Similarmente, o discurso utilitarista foge ao escopo desejado no presente ensaio, pois sua função é compreender o consumo por meio de estudos e pesquisas que gerem maior conhecimento gerencial sobre como vender mais. Rocha (2005, 2009b) observa que o discurso hedonista é a ideologia mais conhecida sobre o consumo. O autor afirma que esse discurso caracteriza o consumo como um meio para se chegar ao sucesso e à felicidade. Assim, o consumo é descrito como uma forma de gratificação imediata, que dá sentido à vida e se torna uma “espécie de passaporte para a eternidade, consumir freneticamente é ter a certeza de ser um peregrino em viagem ao paraíso” (ROCHA, 2005, p. 127). Apesar de o consumo possuir associações a conotações negativas, tais como materialismo e individualismo, Miller (2001) acredita que o sofrimento e as dificuldades pelas quais os indivíduos passam atualmente são resultado direto da falta de bens. O consumo, logo, seria uma forma de atenuar tais sentimentos. O processo contínuo de procurar, comprar, saborear, usar e descartar um bem ou um serviço é, no fundo, uma busca por laços sociais. O consumo, portanto, permite que relações entre indivíduos sejam criadas e mantidas. A partir do momento em que se possui um bem, o indivíduo torna-se integrante de um grupo, que compartilha valores e pensamentos semelhantes (BOURDIEU, 2007). Diferentemente dessa visão, o discurso moralista responsabiliza o consumo por variados tipos de problemas da sociedade (ROCHA, 2009b). De acordo com esse discurso, o consumo leva os indivíduos a terem atitudes impensadas, cujas consequências podem ser drásticas para a sociedade. Logo, o estímulo ao consumo é um mal que precisa ser combatido. Autores que utilizam o discurso moralista sobre o consumo acreditam que possuem o dever de defender a correta orientação da sociedade, chamando a atenção aos males que o consumo pode causar. Falar mal do consumo, nesse contexto, torna-se politicamente correto, já que se trata de um fenômeno alienador, individualista e restrito a poucos (ROCHA, 2005). Por trás do discurso moralista, está uma ideologia que vê a produção como atividade superior ao consumo. Enquanto o conceito de produção é visto como positivo,
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associado a construir e trabalhar, atos que engrandecem o ser humano, o conceito de consumir é visto como negativo, uma praga que deve ser repelida, por remeter a excessos e banalidades (ROCHA, 2005). As duas diferentes correntes de pensamento sobre o consumo mostram como o tema pode inspirar pontos de vista diversos. Esses mesmos contrastes podem ser vistos também quando o objeto de análise é o consumo nas camadas mais baixas da sociedade. As seções seguintes mostram como o discurso hedonista e o discurso moralista são encontrados em textos sobre o consumo na base da pirâmide.
O DISCURSO HEDONISTA DE CONSUMO NA BASE DA PIRÂMIDE Até há pouco mais de uma década, quando se falava em consumo, remetia-se mais às camadas abastadas da sociedade, com a justificativa de que somente estas possuíam condições financeiras para consumir produtos hedônicos. Os indivíduos de baixa renda sequer eram vistos como consumidores, pois a percepção predominante era de que consumiam somente o necessário para sobreviver (BARROS, 2006a). Essa percepção – acadêmica e empresarial – está mudando, à medida que consumidores de baixa renda têm consumido mais, especialmente após a estabilidade econômica de diversos países em desenvolvimento, tais como o Brasil, já que seu poder aquisitivo aumentou (ROCHA, 2009a). Apesar de a renda média desses consumidores ser menor do que a dos de classes mais abastadas, seu poder de compra é elevado, devido à grande quantidade de pessoas que se encontram nessa situação (PRAHALAD, 2006a). Empresas e pesquisadores passaram a enxergar consumidores de baixa renda com outros olhos, desde então, em função do seu “novo” poder de consumo. Os antes excluídos, agora, são vistos como uma “fortuna na base da pirâmide” (PRAHALAD e HART, 2002). Em vez de representarem um problema social, cuja responsabilidade em acudir é do Estado, esses indivíduos devem ser tratados como consumidores, cuja responsabilidade em atender é das grandes empresas (PRAHALAD, 2006a). Segundo essa perspectiva, grandes empresas deveriam adaptar seus bens e serviços às realidades mais restritas desse público, se desejam aproveitar oportunidades na base da pirâmide. A balança, então, equilibrar-se-ia, pois os consumidores abraçariam as empresas
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que melhor os atendessem, as quais, por sua vez, ajudariam a elevar os padrões de vida desses indivíduos (PRAHALAD, 2006a). Além de lidar com o problema da pobreza mundial, tais práticas também servem para combater a estagnação econômica, deflação, falhas do governo e, até, guerras civis e terrorismo (PRAHALAD e HAMMOND, 2002). Para reforçar essas ideias, casos de sucesso de empresas que foram bem-sucedidas ao se voltarem para a população de baixa renda, tais como Banco Graamen, Cemex, Nestlé e Unilever, passaram a ser documentados em publicações sobre o consumo na base da pirâmide (ALTMAN, REGO, ROSS, 2009; PRAHALAD, 2006a; WOOD, PITTA, FRANZAK, 2008). Hammond e Prahalad (2004), por exemplo, citam o caso da Hindustan Lever e da Procter & Gamble, na Índia, que aumentaram suas vendas de xampus quando adaptaram suas embalagens, tornando-as menores, voltadas especialmente para consumidores de baixa renda. O preço do produto, em consequência, foi reduzido, o que possibilitou a sua aquisição por parte desse segmento de mercado. De acordo com os autores, além de proporcionar a “quase todos os indianos a possibilidade de desfrutar de acesso a xampu” (Hammond e Prahalad, 2004, p. 35, tradução nossa), essas empresas ajudaram a expandir o mercado e gerar maior acesso a bens e serviços, o que melhorou a qualidade de vida dos indivíduos. No Brasil, Prahalad (2006a) cita o sucesso das Casas Bahia. Um dos fatores responsáveis por impulsionar o crescimento da empresa, ao mesmo tempo que ajudou a melhorar a qualidade de vida de seus clientes, foi a venda por meio de crediário: 90% de todas as suas vendas são feitas com essa forma de pagamento. Barros e Rocha (2009) apontam que, para consumidores de baixa renda, o parcelamento das compras é uma opção “atraente por permitir à pessoa adquirir vários bens ao mesmo tempo ou, ainda, por colocar em prática estratégias que permitam a realização de alguns desejos de consumo” (Barros e Rocha, 2009, p. 37). A possibilidade de consumir produtos que antes eram restritos a classes mais altas faz com que consumidores de baixa renda passem a admirar empresas que se dedicam a vender para a base da pirâmide. De acordo com Barros e Rocha (2009), os fatores que mais contribuem para nutrir tal admiração são a facilidade de acesso a crédito e o bom atendimento. Trechos de entrevistas, tirados do trabalho de Barros e Rocha, reforçam essa ideia, quando consumidores dizem que as Casas Bahia “se dedicam mesmo, abrem o coração”, “são como uma mãe, facilita pra gente”, “só falta dar
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as coisas”, e “sou sempre bem atendida lá” (Barros e Rocha, 2009, p. 41). A importância que consumidores de baixa renda dão à compra é vista por Castilhos e Rossi (2009) e Barros e Rocha (2009) como uma forma de “consumo de pertencimento”. A posse de tais bens possibilita que esses indivíduos tenham acesso à “sociedade de consumo” e, ao mesmo tempo, troquem a identidade de “pobre” pela de “consumidor”. Por dar valor à sua dignidade (BARKI e PARENTE, 2010), incentivar esses indivíduos a consumir, portanto, é uma forma de dar-lhes poder (BONSU e POLSA, 2011). O prazer dos consumidores de baixa renda em consumir pode também ser entendido como um desejo de participar dos benefícios que a sociedade de consumo lhes pode proporcionar (BARROS, 2006b). Barros (2006b, p. 9) argumenta que a falta de conhecimento sobre os valores associados ao consumo na base da pirâmide não permite que se perceba “a grande ênfase que [consumidores de baixa renda] colocam na cultura material”. Por meio da posse, esses consumidores podem distinguir-se dos “mais pobres ainda” e imaginar que estão em vias de pertencer ao “mundo dos ricos”. Castilhos e Rossi (2009, p. 69) observam que “é pelo consumo, não pelo trabalho” que consumidores de baixa renda se diferenciam dos “pobres-pobres”, que não possuem uma casa ou o que comer. A posse de determinados bens, tais como automóveis, propriedades, computadores pessoais, aparelhos de DVD e televisores de 29 polegadas, é vista por moradores de uma determinada favela, em Porto Alegre, como uma afirmação de que possuem uma melhor condição de vida. As características do discurso hedonista, presentes na literatura que defende o incentivo ao consumo na base da pirâmide, mostram um lado glamoroso, em que empresas e sociedade podem beneficiar-se com o aumento do consumo para os pobres. Entretanto, esse não é o único discurso que aborda o tema. A seção seguinte analisará um segundo discurso, cuja principal característica é ser mais conservador e questionador em relação aos benefícios do incentivo ao consumo na base da pirâmide.
O DISCURSO MORALISTA DE CONSUMO NA BASE DA PIRÂMIDE As ideias defendidas inicialmente por Prahalad começaram a sofrer críticas de uma linha de pensamento que não acredita que o incentivo ao consumo na base da
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pirâmide possa ser lucrativo ou a forma ideal para grandes empresas ajudarem a diminuir a pobreza. Autores que defendem essa visão “moralista” sobre o consumo questionam Prahalad e propõem outra solução para melhorar a qualidade de vida na base da pirâmide. Karnani (2007a) rejeita os dados, apresentados por Prahalad (2006a), de que existem quatro bilhões de consumidores na base da pirâmide, com rendimentos de dois dólares por dia, e argumenta que, na verdade, os mercados na base da pirâmide são pequenos e pouco lucrativos. O autor salienta que gastos de comercialização para esses consumidores são altos, devido à sua grande dispersão geográfica; e economias de escala, impossíveis de se obterem, por causa de sua diversidade cultural. Além disso, 80% dos gastos de consumidores na base da pirâmide são com alimentos, vestuário e combustível, restando-lhes pouco dinheiro para ser gasto com outros produtos, de natureza hedônica. Para Karnani (2007a, p. 108, tradução nossa), a fortuna na base da pirâmide nada mais é do que uma “miragem”. O incentivo ao consumo na base da pirâmide é uma forma de empresas usarem ações de marketing para influenciar os hábitos desses consumidores, de modo que passem a gastar mais com produtos hedônicos (GER, 1992). As consequências disso, quando os consumidores em questão são pobres, podem ser desastrosas, pois o dinheiro gasto em produtos hedônicos reduz os recursos destinados a produtos essenciais (DAVIDSON, 2009). Empresas interessadas em vender para consumidores na base da pirâmide não devem, de acordo com Davidson (2009), praticar altas margens de lucro, baseando-se nos mesmos rendimentos de quando vendem para consumidores no topo da pirâmide. O preço de bens oferecidos à base da pirâmide deve possibilitar que consumidores nesse segmento tenham condições de comprá-los, melhorando, assim, sua qualidade de vida. Empresas que vendem para consumidores na base da pirâmide possuem uma vantagem sobre eles, por causa do baixo grau de educação formal que esses indivíduos possuem. Táticas empresariais consideradas éticas em países desenvolvidos, portanto, não podem simplesmente ser transferidas para mercados subdesenvolvidos ou emergentes, onde grande parte dos consumidores possui baixa renda (DAVIDSON, 2009). Enquanto Prahalad (2006a) argumenta que consumidores nesses países possuem o direito de determinar como gastam seus rendimentos, pois são conscientes de suas escolhas, Karnani (2007a) coloca-se contra a proposta de livre mercado ou de livre escolha, pois a aplicação desses princípios em outros países, onde a
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maior parte da população está na base da pirâmide, pode trazer implicações perigosas. De acordo com Jaiswal (2008), casos de empresas que não tiveram sucesso na tentativa de atender a base da pirâmide dificilmente são encontrados na literatura. Comumente, o que se retrata são as iniciativas bem-sucedidas. O autor argumenta, entretanto, que mesmo os casos de sucesso não refletem uma realidade universal sobre os mercados da base da pirâmide, já que são relatos de empresas que atuam em economias cujos crescimentos, nos últimos tempos, têm sido acelerados, tais como Índia, Brasil e México. Relatos de empresas bem-sucedidas em países com pouco desenvolvimento são difíceis de encontrar. O discurso moralista critica a visão de livre mercado ou de livre escolha por ignorar questões políticas e éticas sobre o consumo na base da pirâmide. Quando Prahalad (2006a) se refere a pobres, ele os coloca em um mesmo grupo de quatro bilhões, cujo elo comum é a pobreza. Chatterjee (2009) argumenta, entretanto, que essa condição socioeconômica varia de acordo com contextos históricos, culturais e políticos. Um entendimento descontextualizado sobre a pobreza “esvazia a vida dos ‘pobres’ de suas ricas histórias de dificuldades e sobrevivência” (Chatterjee, 2009, p. 6, tradução nossa), reforçando uma imagem estereotipada desses indivíduos. Segundo Karnani (2011), a visão “romantizada” do consumidor na base da pirâmide, trazida pela corrente de pensamento aqui denominada “hedonista”, faz com que os Estados criem poucas leis, regulações e mecanismos sociais para proteger esses indivíduos e, ao mesmo tempo, confiem demasiadamente nas soluções do mercado para resolver os problemas relacionados à pobreza. Para o autor, os governos devem prevenir a exploração dos pobres, já que esses indivíduos enfrentam realidades sociais, psicológicas, físicas e econômicas diferentes daqueles com condições mais abastadas. O discurso crítico sobre a proposta de estimular o consumo na base da pirâmide retrata o consumidor como refém das grandes empresas, já que, de acordo com Banerjee e Duflo (2011), esses indivíduos não possuem controle sobre seus impulsos, facilmente caem em tentação e gastam com o intuito de impressionarem seus vizinhos. Essas características de consumo também podem ser vistas em consumidores que possuem mais recursos financeiros, porém as consequências de escolhas ruins podem ser mais severas para os menos favorecidos. O pessimismo quanto ao incentivo ao consumo na base da pirâmide como solução para a pobreza levou autores dessa linha “moralista” a proporem uma respos-
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ta alternativa para esse problema. Nessa visão, a única maneira para melhorar a qualidade de vida dos pobres seria aumentando seus rendimentos (KARNANI, 2007a, 2011; JAISWAL, 2008). A forma para se alcançar isso seria incluí-los no sistema produtivo de bens e serviços e, assim, eles comprariam o que fosse fabricado por eles mesmos. Os pobres, portanto, passariam a ser vistos como investidores, empreendedores e produtores, e não como consumidores. Dessa forma, governos, por meio de empresas, seriam responsáveis pelo êxito de tal iniciativa. O setor privado serve a esse propósito apenas como um caminho pelo qual empregos podem ser criados. A melhora na qualidade de vida de indivíduos na base da pirâmide passa, segundo essa perspectiva, por melhores condições de trabalho. Somente incentivar consumidores de baixa renda a adquirirem mais bens e serviços não lhes traria benefícios, porque o aumento da posse de bens não significa aumento de renda.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: UMA AGENDA INICIAL DE PESQUISA O presente ensaio apresentou diferentes perspectivas na literatura sobre o consumo na base da pirâmide. As duas principais abordagens identificadas possuem características do que Rocha (2005, 2009b) chama de discursos hedonista e moralista de consumo. O discurso daqueles favoráveis ao incentivo ao consumo na base da pirâmide sugerem diferentes benefícios: às empresas, quando fala sobre lucratividade, fortunas e oportunidades de negócios; à sociedade, por ser uma forma de combater guerras e terrorismo; e, também, à população de baixa renda, ao argumentar que proporciona melhoria da qualidade de vida e felicidade pela gratificação imediata trazida pelo consumo. Diferentemente, os que discordam desse caminho escrevem sobre miragem, tentações, empresas manipulando consumidores e consumidores reféns, impulsivos. Embora não se oponha ao consumo, o discurso moralista responsabiliza o fenômeno consumista pelos problemas sociais, especialmente aqueles que afetam o consumidor de baixa renda. Por possuírem restritas condições financeiras e sofrerem de falta de bens essenciais, tais indivíduos são os que mais sofrem com o incentivo ao consumo proposto pela corrente hedonista. Essa abordagem ressalta, também, as restrições de recursos financeiros e a falta de bens essenciais como
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consequências severas para consumidores de baixa renda. Predomina, assim, um discurso que responsabiliza o fenômeno consumista pelos problemas sociais. O intuito, aqui, não é defender uma forma ou outra de discurso sobre o consumo na base da pirâmide. Acredita-se, porém, que ambos os caminhos discutidos possuem elementos que convidam a uma reflexão cuidadosa sobre o tema, especialmente no contexto brasileiro. Nesse segmento, foi verificado um crescente acesso a novos bens e serviços. Poucos são os estudos, todavia, que buscam aprimorar conhecimento e sensibilidade em relação a aspirações, sentimentos e comportamentos dos consumidores da base da pirâmide. Algumas pesquisas sobre esse segmento, no Brasil, tais como as de Barros (2006b), Barros e Rocha (2009) e Castilhos e Rossi (2009), sugerem que o consumo pode ser uma forma de inclusão social e melhora na qualidade de vida dos pobres; que o ato de consumir lhes oferece um sentimento de pertencimento à “sociedade de consumo” e uma perspectiva de que, com isso, serão mais felizes. Argumenta-se, assim, que a possibilidade de consumir é uma forma de proporcionar mais dignidade à vida da população de baixa renda. Cabe refletir, entretanto, se essa dignidade é uma sensação que pode se perder em curto prazo. O significado de consumir traz uma conotação quase imediatista. Por essa visão, o incentivo ao consumo como objetivo para diminuir a pobreza pode ser considerado uma ação de duração rápida, pois não busca solucionar as causas estruturais desse problema. Somente o aumento da quantidade de bens em posse de um indivíduo de baixa renda não significa que ele esteja fora da faixa de pobreza. O incentivo ao consumo na base da pirâmide pouco discute a sustentabilidade de tal ato (FARIAS e FARIAS, 2010). Parece, dessa forma, simplificar o combate à pobreza, sugerindo que esse problema pode ser resolvido no curto prazo, apenas aumentando a posse de bens de um consumidor. Defende-se aqui, portanto, um olhar de marketing que se preocupe com o longo prazo e com lucros e comportamentos sustentáveis. O discurso hedonista defendido por Prahalad (2006a) incentiva o consumo na base da pirâmide por meio de princípios de livre mercado ou de livre escolha, comumente adotados nos Estados Unidos, destacando que essa é a melhor solução para diminuir a pobreza e melhorar a qualidade de vida dos pobres. No Brasil, a possibilidade de comprar uma geladeira ou um fogão, nas Casas Bahia, também parece melhorar a autoestima de consumidores de baixa renda. Entretanto, para
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sair da pobreza, esses indivíduos precisam ter acesso a serviços básicos que exigem pensamento e investimento de longo prazo, cuja responsabilidade é do Estado, tanto do americano quanto do brasileiro. Os debates sobre o valor do consumo na base da pirâmide estão apenas começando. Para que tais estudos sejam aprofundados, acredita-se que pesquisadores da área de marketing e, mais especificamente, de comportamento do consumidor devem dar mais atenção ao tema. Dessa forma, para que esses debates ganhem realidade, propõe-se uma agenda inicial de pesquisa, a fim de que se possa avançar no conhecimento sobre uma população tão importante, no Brasil, tanto para governos quanto para empresas. Sugere-se, então, que futuras pesquisas busquem: • Conhecer o comportamento de consumo da população na base da pirâmide, de modo a enxergar a diversidade existente nesse segmento; • Conhecer os principais significados e sentimentos que envolvem o consumo na base da pirâmide; • Compreender quais benefícios e/ou problemas a população de baixa renda enxerga nos diferentes tipos de incentivo ao consumo na base da pirâmide; • Compreender como o consumo e o trabalho participam da formação da identidade de indivíduos na base da pirâmide; • Diferenciar o comportamento do consumidor de baixa renda de grandes centros urbanos, de cidades menores ou, até, do meio rural; • Compreender como consumidores de baixa renda percebem as políticas governamentais de incentivo ao consumo, seja pela facilitação ao acesso ao crédito ou por programas assistencialistas; • Compreender como ocorrem a difusão e a adoção de inovações em bens e serviços por consumidores desse segmento e como tais inovações contribuem para a sustentabilidade do consumo na base da pirâmide; • Buscar métodos de pesquisa, tais como técnicas projetivas e história de vida, que sejam adequados para entender práticas e significados associados a esses consumidores. Cabe observar, ainda, que, no Brasil, as experiências em pesquisar consumidores de baixa renda sugerem poucas dificuldades de acesso a essa população que, por muito tempo, quase não vivenciou a experiência de ser ouvida. Tal fato sugere que indivíduos desse segmento estão aptos a serem observados, perguntados e
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artigos HEDONISMO E MORALISMO NO CONSUMO NA BASE DA PIRÂMIDE
a falar sobre si mesmos, o que pode servir como mais um incentivo para aqueles que se motivarem a seguir ou ampliar essa sugestão de agenda de pesquisa.
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pensata LOGÍSTICA DA DISTRIBUIÇÃO BANCÁRIA: TENDÊNCIAS, OPORTUNIDADES E FATORES PARA INCLUSÃO FINANCEIRA
Marcos Bader 4025.bader@bradesco.com.br Diretor-geral do Bradesco Cartões - São Paulo - SP, Brasil José Roberto Ferreira Savoia jrsavoia@usp.br Professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo – São Paulo, SP, Brasil
Se, nos últimos 200 anos, o sistema bancário brasileiro conseguiu atender diretamente a pouco mais de metade da população do País, um novo desenho logístico no setor está se desenvolvendo para atingir o restante do mercado nas próximas 200 semanas.
Avanços tecnológicos e mudanças nos hábitos e expectativas da sociedade moderna têm direcionado a reestruturação de sistemas bancários, seus modelos de negócios, portfólio de serviços e produtos oferecidos. Nesse contexto, emerge a inclusão financeira, que constitui a possibilidade de levar serviços financeiros a pessoas até então excluídas do sistema bancário. No entanto, obter sucesso em iniciativas dessa natureza enseja desafios relevantes para os
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bancos, devido às características específicas dessa nova demanda, suas necessidades e desejos. A evolução recente da economia brasileira tem cooperado significativamente para o desenvolvimento da indústria e da tecnologia nacional, e o setor bancário, em especial, alcança reconhecidos níveis de excelência. O Brasil possui o maior e mais complexo sistema financeiro da América Latina e, diferentemente do que acontece em outros países da região, desen-
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volve tecnologias de prestação de serviços bastante alinhadas com as especificidades do País (Fonseca, MEIRELLES, DINIZ, 2010). Com cerca de 90% das transações financeiras realizadas em canais eletrônicos, os bancos de grande porte, no Brasil, já se posicionam para reconfigurar a logística bancária na direção da convergência e da mobilidade. A logística bancária, em especial aquela baseada nos canais eletrônicos de atendimento, cumpre papel fundamental na oferta dos produtos e serviços aos consumidores. A diversificação dos canais bancários promove uma constante dinamização da prestação dos serviços financeiros e cria um novo
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cenário concorrencial no setor, em que agentes financeiros e não financeiros atuam em conjunto, alterando o paradigma tradicional de distribuição e prestação de serviços, que passa a se orientar para a virtualização e a inclusão financeira. Cernev, Diniz e Jayo (2009) apontam essa mudança no paradigma na distribuição de serviços financeiros por meio de uma quinta onda de inovação em tecnologia bancária, influenciada pelo ambiente de mobilidade e convergência digital. Essa quinta onda manifesta-se na diversificação dos canais bancários, com foco especial no uso de celulares e de correspondentes bancários, com a finalidade de expandir a atuação dos bancos para além dos seus limites tradicionais, ampliando o mercado e atingindo o público de mais baixa renda. Essa nova logística bancária permite maior capilaridade, menores custos e é orientada às necessidades dos clientes, favorecendo a inclusão no sistema bancário e a universalização do acesso aos serviços financeiros. Como as necessidades desse público de baixa renda diferem daquelas do público atualmente atendido pelos bancos, os modelos de negócio bancário devem ser adequados ao universo da inclusão financeira. Este ensaio analisa os fatores mercadológicos, regulatórios, comportamentais e tecnológicos para a inclusão financeira nesse novo cenário e para a logística bancária, com base na observação de práticas do setor no Brasil. Para tanto, pretende-se, também, avaliar aqui as expectativas e necessidades dos clientes de baixa renda e o surgimento dos novos modelos de negócio na prestação
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de serviços financeiros no novo contexto.
NOVO PARADIGMA DA LOGÍSTICA BANCÁRIA A otimização dos canais físicos e eletrônicos que compõem o arsenal de distribuição bancária permite viabilizar economicamente o acesso a um percentual cada vez maior da população, representando uma ferramenta de política econômica e social de grande alcance e efetividade. Especificamente, os canais virtuais ou eletrônicos adicionam um poderoso elemento a essa logística bancária, ocupando espaço e relevância cada vez maiores no setor financeiro, produzindo mudanças e gerando oportunidades para a transformação da logística bancária ao redor do mundo. Na medida em que as transações migram para o ambiente eletrônico, a demanda pelos canais físicos diminui. Atualmente, o volume transacionado por cartões representa, mundialmente, em torno de 20% do valor transacionado no consumo privado, fato que indica o enorme potencial de substituição da moeda física pela eletrônica, corroborando a possível reformulação do modelo vigente. Novas tecnologias vêm permitindo a oferta e disseminação de serviços e produtos bancários em configurações que outrora não seriam possíveis, barateando significativamente os custos dos canais de distribuição e revisitando processos já existentes. Isso leva a uma alteração na logística bancária, que passa a contar com novos canais e com o aumento da quantidade de potenciais clientes, viabilizando a inclusão financeira.
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O uso dos meios virtuais de comunicação também alterou o relacionamento entre bancos e clientes, viabilizando um canal de comunicação bidirecional muito mais eficiente para segmentação, tornando possível um direcionamento mais assertivo de produtos e serviços aos clientes que, de fato, se interessariam. Essa realidade pode ser interpretada com base em dois cenários: no primeiro deles, os bancos sofrem pressão de instituições não financeiras que ingressam no mercado de meios de pagamentos e financiamentos, cortando margens e conformando-se com um processo de desintermediação financeira; no segundo, em sentido oposto, o avanço de modelos de negócios e as novas tecnologias permitem que as instituições financeiras aumentem a gama de serviços prestados, utilizando-se do conhecimento adquirido sobre seus clientes e investindo no surgimento de novos mercados. Reforçando o primeiro cenário, temos como exemplo as empresas de telecomunicações, fazendo uso de sua infraestrutura de rede para oferecer alternativas de pagamento eletrônico. Outro exemplo são as empresas de consumo – tais como supermercados – que estruturam suas próprias financeiras ou estabelecem acordos com instituições dessa área, propondo uma revisão da função e dos modelos de negócio dos intermediadores financeiros. Há, ainda, empresas que, como o PayPal, incorporam um elo adicional à cadeia de meios de pagamento, também ocupando o espaço tradicionalmente reservado a empresas do setor bancário. Nesse cenário, o risco para os bancos é ver seus serviços regulares transformados
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em commodity, pressionando suas margens e reforçando a desintermediação financeira. Para confirmar o segundo cenário, os bancos deveriam aprofundar o relacionamento com clientes, aumentando sua percepção do custo de troca para outro prestador dos mesmos serviços (The Economist, 2012, p. 14). Esse cenário oferece uma nova oportunidade às instituições financeiras de fazer uso de sua reputação e conhecimento dos serviços no mercado virtual, atuando de maneira cooperada com empresas de outros segmentos. Um exemplo seria o desenvolvimento em parceria com a indústria de telecomunicações de soluções que ofereçam aplicativos baseados em geolocalização. Para os bancos, as novas oportunidades que decorrem dessa evolução tecnológica dependem do desenvolvimento desses cenários e de uma revisita aos modelos de negócio e à cadeia de valor do setor financeiro. Na perspectiva dos bancos, esse paradigma logístico emergente demanda, por um lado, um grande esforço para se manter relevante na cadeia de valor, e, por outro, a necessidade de aproximar-se do cliente final, buscando, dessa maneira, ser o seu “proprietário”.
Inclusão financeira Um outro componente decisivo para o desenho dessa nova logística bancária está associado à crescente importância da inclusão financeira para as empresas do setor bancário. Segundo o Banco Central do Brasil (2011), um dos principais desafios da inclusão financeira é desenvolver canais de distribuição adequados que permitam que
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pessoas antes totalmente excluídas (ou pouco inseridas) dos sistemas financeiros formais tenham acesso a esses serviços e condição de decisão sobre seu uso para atendimento às suas necessidades. Dessa forma, “a utilização desses serviços financeiros deverá ser sustentável, garantindo o equilíbrio para a sociedade, para os agentes econômicos e, também, em nível individual, nas três dimensões do conceito de sustentabilidade: econômica, social e ambiental” (BANCO..., 2011, p. 17). Esse modelo de inclusão financeira é baseado no avanço das tecnologias que possibilitam a revisão da logística bancária. De fato, a inclusão financeira passou a ser tema de interesse global e tornou-se um importante objeto de estudo, em razão de seu elevado benefício social e potencial econômico. Por isso, vem despertando a atenção de agentes econômicos que atuam em caráter local e global e disputam novos espaços numa arena competitiva cujos limites e modelos de negócio ainda não estão completamente definidos. A inclusão financeira das pessoas menos favorecidas oferece um grande potencial de alavancagem para a economia das regiões nas quais esse segmento se concentra, trazendo esse público à economia formal. Além disso, é, de fato, plausível que, com as novas tecnologias, canais de distribuição bancária e novos modelos de negócios dentro do mercado financeiro, esse público venha a agregar rentabilidade às instituições financeiras, o que antes não acontecia, devido à inviabilidade econômica ou ao baixo (ou nulo) benefício marginal de se investir em infraestrutura para atender a essa camada da população. Todas essas mudanças
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no sistema bancário, portanto, são viabilizadas essencialmente pelos avanços tecnológicos. A seguir, vamos apresentar uma análise da inclusão financeira tendo como base quatro principais grupos de fatores associados a ela: os mercadológicos, os comportamentais, os regulatórios e os tecnológicos.
Fatores mercadológicos Uma das principais estratégias de inclusão financeira sendo desenvolvidas ao redor do mundo é o branchless banking, interpretada como a bancarização por meio de quaisquer dispositivos ou agentes que possam ofertar todos ou alguns dos serviços e produtos constantes do portfólio dos bancos tradicionais e que sejam, de alguma forma, diferentes do sistema de agências bancárias tradicionais. McKay e Pickens (2010), em pesquisa com instituições de branchless banking, identificaram que os seus serviços são, em média, 19% mais baratos do que aqueles prestados por instituições financeiras, e, para alguns serviços – tais como poupanças de médio prazo – pode ser até 50% inferior. Pickens, Porteous e Rotman (2009) afirmam que o sucesso da inclusão financeira via branchless bancking vai depender do desenvolvimento das tecnologias e modelos de negócios por parte da iniciativa privada. Outra estratégia de inclusão financeira está relacionada ao desenvolvimento das chamadas instituições de microfinanças (IMFs). Essas instituições, pela própria natureza dos serviços que prestam, apresentam custos de administração e operação bastante elevados, em comparação com os
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dos bancos, pois trabalham com micro-operações, com maior quantidade de transações do que um banco com clientes de renda mais alta. Essa situação coloca essas instituições na posição de cobrar altas taxas de juros de um público com baixo poder de barganha. Governos, investidores e sociedade argumentam que cobrar tarifas excessivas daqueles que não têm outro meio de financiamento seria um abuso de poder injustificado e também um limitador ao desenvolvimento do País. É razoável acreditar que as ineficiências as quais as IMFs ainda apresentam, e que impactam suas práticas de tarifação, podem estar associadas ao fato de atuarem em um mercado com menos concorrência, ainda em crescimento, e em fase de aprimoramento de seus modelos de negócios. Com o desenvolvimento do setor e aumento da concorrência, no entanto, é possível imaginar que poderá haver não somente uma diminuição natural das taxas cobradas como também um aumento da eficiência das instituições, que, de fato, ajudará a reduzir seus custos (Rosenberg, Gonzalez, Narain, 2009). Também, o poder de captação dessas instituições não é tão forte quanto o de bancos maiores, que conseguem taxas inferiores. Muitas IMFs ainda dependem de subsídios e doações, mas, com o desenvolvimento do mercado, essas instituições devem passar a operar com maior diversidade de fontes de financiamentos, tais como depósitos de clientes, emissão de títulos, capital próprio, entre outros. Logo, as instituições que antes faziam gestão somente de uma carteira de ativos começam a se preocupar com a gestão de ativos
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e passivos, passando a se envolver, como todos os demais participantes do mercado financeiro, com a relação risco-retorno, que, principalmente após as crises recentes, são foco primordial de qualquer instituição financeira. Assim, as IMFs, em seu processo de aperfeiçoamento e profissionalização, devem também desenvolver eficiência para controlar não apenas os riscos de crédito dos tomadores da instituição mas também os demais riscos enfrentados por outros tipos de instituições financeiras, tais como insolvência, câmbio e descasamentos entre passivos e ativos (Brom, 2009).
Fatores regulatórios O aumento da diversidade de serviços oferecidos via branchless banking provoca um aumento proporcional também dos riscos associados ao negócio. Portanto, para poder ofertar todos os serviços disponibilizados por canais bancários tradicionais, esse canal fica sujeito a regulamentações similares. Serviços de natureza mais simples, como o caso de sucesso do mobile wallet do Quênia, possuem baixo risco (por serem pré-pagos) e exigem níveis mais baixos de regulamentação. Assim, quanto mais cresce o risco dos negócios, mais os governos devem evoluir sua legislação, de maneira a proteger o sistema como um todo. Encontrar a medida certa em termos de regulamentação é um desafio (Lyman, Pickens, Porteous, 2008). Assim como o excesso de regulamentação pode aumentar os custos de transação e inibir o surgimento das iniciativas de branchless banking – enfraquecendo seu propósito essencial de bancarização dos mais pobres
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– sua ausência pode deixar o sistema sujeito a bolhas e crises. Se o branchless banking ainda é pouco difundido, apesar do seu menor custo, um dos motivos é o baixo estímulo a mudanças regulatórias que permitiriam o seu funcionamento. E esse estímulo a mudanças está diretamente associado ao perfil da regulação do sistema financeiro, que protege as necessidades sociais e provê incentivos à infraestrutura financeira. O papel dos governos na prevenção de crimes financeiros, assim como na regulamentação também das microfinanças, é primordial. Se o avanço das tecnologias propicia o aumento dos chamados e-crimes financeiros, aqueles que fazem uso dos novos canais disponibilizados pela logística bancária, os governos devem estabelecer regulamentações que estimulem as instituições financeiras a fazer maior quantidade de verificações de dados, visando diminuir seu risco financeiro. Assim, as novas tecnologias, que possibilitam o desenvolvimento de ferramentas para melhorar a análise de crédito e segmentação de clientes, também permitem o cruzamento e conferência de enormes quantidades de informações para prevenir crimes financeiros (The Economist, 2012, p. 12). E isso vale tanto para o sistema financeiro tradicional quanto para o universo das microfinanças. Também deve ser preocupação dos governos estabelecer formas de incentivo aos projetos de inclusão financeira que estimulem o seu desenvolvimento, deixando de ser puramente assistencialista e propiciando o desenvolvimento sustentável do segmento. Para tanto, é especialmente importante haver incentivos no sentido
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de construção de infraestrutura, quando necessário, de maneira a estimular instituições financeiras a aceitar o risco de entrar em novos empreendimentos, visando resultados possivelmente positivos que podem vir da inclusão das pessoas mais pobres no sistema bancário.
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Fatores comportamentais Quando se fala em inclusão financeira, em geral, o foco são as famílias pobres, mas não as extremamente pobres. Pessoas e famílias que vivem em situação de miséria acabam apresentando tamanhas necessidades urgentes – tais como alimentação, saneamento básico, habitação, mínimo de infraestrutura – que as suas necessidades de inclusão financeira ficam em segundo plano. Nesse caso, é possível, até mesmo, que haja receio e sensação de insegurança em entrar no sistema financeiro formal, por falta de conhecimento e de confiança em um sistema no qual, muitas vezes, não há contato físico com o dinheiro. Nesse cenário, educação financeira é absolutamente indispensável. Os hábitos e culturas das sociedades são fortes determinantes de seus hábitos de consumo de serviços financeiros. O microcrédito, por exemplo, expandiu-se no mundo muito mais fortemente do que as micropoupanças. Em geral, isso acontece porque é difícil elaborar um sistema de poupar quantias muito pequenas que torne o negócio lucrativo para o sistema financeiro (CGAP, 2010). Kempson e Whyley (1999) identificam quatro necessidades principais relacionadas a produtos e serviços financeiros para o público carente. São elas: • Gestão do fluxo de caixa diá-
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rio, para facilitar pagamentos e recebimentos; Segurança financeira de longo prazo, com aposentadorias e seguros de vida; Segurança financeira de médio prazo, contra perda de emprego e garantia de manutenção de padrão de vida mínimo aceitável, além de seguro de itens de bens de consumo doméstico; Aquisição de bens de consumo. Para atender a essas necessidades, os serviços prestados a esse público devem ser caracterizados por: Simplicidade e transparência, que permitam visualizar se o dinheiro está rendendo tanto quanto deveria, se estão sendo cobradas taxas justas pelos serviços adquiridos, ajudando a manter o controle rigoroso; Custo e valoração do dinheiro, com oferta de produtos mais específicos, ou “quebrados”, adequando os custos a necessidades específicas; Marketing apropriado, para estimular as ofertas que permitam inclusão financeira gradativa de pessoas que não tinham qualquer relacionamento estabelecido até então; Flexibilidade para renegociar termos ou diminuir pagamentos a um mínimo, pois a condição financeira das pessoas de baixa renda é bastante variável e suas necessidades podem mudar rapidamente; Mecanismos de cobrança adequados ao ciclo de recebimento.
Fatores tecnológicos A disseminação dos serviços de telecomunicações está viabilizando
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rapidamente novas perspectivas de logística de serviços financeiros, conforme já mencionado. Resumidamente, Bader (2011) destaca como fatores críticos de sucesso dessas novas tecnologias: (i) a sua facilidade de uso, enfatizando seu uso intuitivo; (ii) a segurança, inclusive a percepção de segurança dos clientes; (iii) a conveniência, que vai ao encontro da tendência de convergência; e, finalmente, (iv) a escalabilidade, pois essas novas tecnologias vão necessariamente atender grandes quantidades de clientes. Com tela e botões pequenos, e excesso de menus, o celular pode não ser o canal financeiro preferido de clientes de alta renda, que têm acesso a outras formas mais convenientes para realizar essas operações. No entanto, para o público de baixa renda, distante das agências bancárias e com baixo acesso a serviços financeiros, as transações por telefonia móvel podem tornar-se bastante atrativas. É por isso que o celular tem sido considerado como uma solução para o problema da bancarização. Para implementar serviços financeiros via telefonia móvel, as instituições financeiras precisam inicialmente negociar com as operadoras desses serviços (Mas e Kumar, 2008), o que garante a eficiência e segurança dos canais financeiros móveis. Controle sobre aspectos-chave, tais como qualidade do sinal captado, concede poder de barganha às operadoras nas suas negociações com bancos e IMFs. Operadoras de telefonia, por possuírem rede de postos de venda de cartões pré-pagos (ou convênios), podem expandir suas operações nesses pontos para oferecer também serviços de saque, o que é atrativo para que clientes
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possam facilmente ter acesso físico a dinheiro. Dado que se trata de um canal inovador para inclusão financeira, é necessária uma comunicação eficientemente com os clientes, para educá-los sobre a existência e funcionamento dos serviços financeiros móveis, explicando os sistemas de segurança com o objetivo de reforçar a confiança no seu uso. Essa divulgação pode ser feita por meio de parcerias entre agentes financeiros e operadoras, aproveitando o canal de comunicação e relacionamento que estas já têm com o público de baixa renda. A tecnologia móvel permite aos bancos disponibilizar maior gama de serviços, ampliando o portfólio oferecido e a facilidade de comunicação com os clientes atuais, otimizando a retenção de clientes. Por outro lado, esse serviço aumenta a base total de potenciais clientes, de fato aumentando o mercado. Sem contar a redução dos custos logísticos e atendimento a necessidades de “imediatismo” da sociedade. O maior problema enfrentado por esse tipo de tecnologia, nos países em desenvolvimento, é a infraestrutura necessária para garantir cobertura de sinal de telefonia móvel em algumas regiões. Essa infraestrutura tem alto custo de implantação e, a não ser que o retorno esperado se justifique, há pouco incentivo para fazer os investimentos devidos. Além disso, não há certeza de que os clientes serão receptivos a essa nova modalidade de bancarização, o que aumenta a resistência aos investimentos. Por esse motivo, é necessário avaliar a participação governamental no processo de garantir infraestrutura de telefonia
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a todos os habitantes nos países que mais precisam da inclusão financeira.
Inclusão financeira no Brasil O governo brasileiro tem incentivado a inclusão financeira tanto para reduzir as desigualdades sociais e acelerar o desenvolvimento econômico do País quanto para fortalecer o principal canal da transmissão de sua política monetária, que é o próprio sistema financeiro (Banco..., 2011, p. 15). De fato, nos últimos anos, temos observado a “redução gradual e continuada nos elevados níveis brasileiros de desigualdade. [...] Emergiu uma nova classe média, cada vez maior. O número total de pobres também caiu.” (Fishlow, 2011, p. 276). Há muito a ser feito, entretanto, pois 55 milhões de pessoas no Brasil ainda recebem seus rendimentos em dinheiro (Bader, 2011), por estarem fora do sistema financeiro formal. Se a internet não pode ser considerada como um canal que vá contribuir efetivamente para a inclusão financeira no País, devido a sua baixa penetração nas classes D e E, a grande base de cartões (de crédito, de débito e de loja) em uso representa um elemento estratégico para os bancos em busca do objetivo de bancarização. Dados apresentados pela Febraban (2011) indicam um aumento generalizado nas quantidades de transações financeiras no Brasil, em particular, aquelas realizadas por meio dos canais eletrônicos, inclusive cartões. Enquanto isso, a quantidade de correspondentes não bancários, modelo de branchless banking no País, cresceu 126,2% entre 2006 e 2010, muito mais do que qualquer outra rede
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de atendimento (Banco... e FEBRABAN, 2011). Na prática, isso significa que, no Brasil, todos os municípios contam com algum canal de distribuição bancária. Devido a essa expansão, houve também aumento significativo no número de cartões e contas no País. Se o número de contas-correntes ativas no País ainda é bastante inferior à população nacional, o número de cartões de débito já a supera. O número de cartões de crédito, apesar de estar aumentando, ainda apresenta amplo espaço para crescimento, principalmente quando comparado ao número de cartões de débito. Outro bom indicador da melhoria da inclusão financeira no Brasil é o crescimento do número de pessoas (CPFs) com relacionamentos ativos nas instituições financeiras, no período de 2006 a 2010, que chegou a 26,6% (FEBRABAN, 2011). Apesar disso, o Brasil tem menos da metade de agências bancárias por habitante do que se observa em países desenvolvidos. Em termos de microfinanças, o Brasil tem se tornado um destino bastante atrativo para receber investimentos voltados a esse tipo de empreendimento financeiro, devido ao bom momento econômico, com estabilidade política e grau de investimento. É importante observar que o fomento às microfinanças tem recebido crescente dos investimentos por parte de investidores institucionais. Por isso, os recursos destinados a esse setor precisam, além de cumprir um papel social, de retornos compatíveis com os riscos assumidos. O Brasil tem ainda ótimos níveis de penetração de celulares, o que também se constitui em uma vantagem para a construção
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da nova logística bancária e para o desenvolvimento da inclusão financeira. No Brasil, a cobertura de tecnologia de telefonia móvel já é bastante desenvolvida por todo o território nacional e, portanto, quaisquer iniciativas que façam uso da base instalada de rede das operadoras de telefonia celular têm boas chances de obter sucesso.
CONCLUSÃO Analisando as condições para o desenvolvimento de uma nova logística bancária, que leve em consideração a inclusão financeira da população de mais baixa renda, pode-se, então, sistematizar os principais fatores envolvidos na
construção desse novo cenário no Brasil. O Quadro 1, abaixo. apresenta uma síntese desses fatores, organizados pelos seus aspectos mercadológicos, regulatórios, comportamentais e tecnológicos. No novo paradigma de distribuição bancária, resultante do avanço tecnológico, desintermediação e desregulamentação financeira e das novas demandas dos clientes, a mudança no seu comportamento definirá a dinâmica de relacionamento cliente-banco nos próximos anos. No ambiente dos bancos, a adequada combinação dos canais preferenciais de relacionamento remoto, representados pela internet, autoatendimento, call center e mobile banking e otimizados pelas dimensões de transação e relacio-
namento, será o meio propulsor da convergência, suportada por uma plataforma multicanal que permita que o atendimento aos clientes culmine em uma experiência única de relacionamento integrado e completo, conjugando os fatores conveniência, facilidade de uso e segurança – sempre atendendo à tendência de convergência e mobilidade de prestação dos serviços em geral. Todas essas evoluções, conjuntamente, acabam por viabilizar um fluxo pré-identificado de clientes, que constitui hoje um valioso ativo das instituições financeiras, permitindo o uso eficaz das ferramentas de CRM, tornando-se um instrumento de vantagem competitiva. Munidos de novas tecnologias, os novos modelos de negócios e
Quadro 1 – Fatores críticos para o desenvolvimento de uma nova logística bancária no Brasil Aspectos
Fatores críticos
Mercadológicos
Taxas acessíveis – captação a custos baixos. Modelo de negócio compatível com características do público-alvo. Profissionalizar e aumentar eficiência das instituições de microfinanças. Gestão do risco de inadimplência desse novo público.
Regulatórios
Prevenção aos e-crimes e à lavagem de dinheiro. Regulamentação do setor de microfinanças de acordo com as características do setor – não muito rígida, para não aumentar demasiadamente o custo, nem muito branda, para não elevar o risco das microfinanças.
Comportamentais
Simplicidade e transparência dos produtos e serviços financeiros. Custo do serviço prestado e valorização do dinheiro. Marketing apropriado ao público – considerando seus interesses e localização. Flexibilidade dos produtos e serviços oferecidos. Mecanismos de cobrança adequados. Convergência com os hábitos culturais da região. Estar acompanhados de iniciativas de educação financeira dessa população.
Tecnológicos
Facilidade de utilização e manuseio intuitivo. Segurança das informações. Escalabilidade. Convergência. Mobilidade. Dinamismo – acompanhar tendências.
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paradigmas do sistema bancário vêm viabilizando a diminuição dos custos e aumento da oferta e capilaridade dos serviços bancários, propiciando um novo cenário – inédito – em que a inclusão financeira se torna, de fato, possível. Para atingir também esse público tão peculiar e específico, ainda não plenamente compreendido, é preciso analisar os fatores envolvidos com base nas quatro grandes dimensões analisadas neste ensaio: mercadológica, regulatória, comportamental e tecnológica.
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RESENHA TEORIZANDO A DINÂMICA DA ESTABILIDADE E DA MUDANÇA NAS ORGANIZAÇÕES
Silvio Eduardo Alvarez Candido seacandido@dep.ufscar.br Doutorando em Engenharia da Produção pelo Departamento de Engenharia de Produção, Universidade Federal de São Carlos – São Carlos – SP, Brasil
A THEORY OF FIELDS De Neil Fligstein e Doug McAdam. New York: Oxford University, 2012. 238 p.
A teoria dos Campos de Ação Estratégica (CAE), desenvolvida por Niel Fligstein e Doug McAdam, é apresentada neste livro recentemente lançado, fruto de uma longa cooperação iniciada quando os autores foram colegas no Departamento de Sociologia da Universidade do Arizona. O trabalho parte da verificação da necessidade de teorização da dinâmica da estabilidade e da mudança em espaços sociais de nível meso para explicar “verdades
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fundamentais sobre a vida social”. Baseada, sobretudo, na sociologia de Pierre Bourdieu, nas abordagens neoinstitucionalistas da análise organizacional e nas teorias dos movimentos sociais, a teoria dos CAE apresenta um referencial integrado para explicar a ação coletiva na sociedade. Parte-se da ideia de que a atividade simbólica colaborativa, na qual identidades e significados são compartilhados entre os indivíduos, consiste no fundamento da sociabilidade. Com base em literatura histórica e arqueológica, os autores propõem que são a capacidade e a necessidade autoconsciente de organização de grupos para a ação com fins coletivos que distinguem o homem como um ser social. Inspirados em trabalhos anteriores de Fligstein, buscam incorporar essa concepção de agência como microfundação do arcabouço analítico e conceitual por meio da ideia de habilidades sociais, definida como a habilidade dos atores do campo de assumirem a perspectiva dos outros para induzir a cooperação. Como em outras abordagens de campo, há, basicamente, dois grupos de atores. Os atores incumbentes são mais bem posicionados, com o domínio de maior quantidade de recursos e com suas visões e
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interesses influenciando fortemente os propósitos do campo e a forma como ele se organiza. Os desafiantes contam com menor influência sobre a dinâmica social, tendo, frequentemente, que se submeter a sua lógica para sobreviver. Assim, nos campos, as instituições estão diretamente relacionadas à configuração de poder e, uma vez que as posições se definem, há uma tendência de estabilização do espaço, com os sentidos e regras favorecendo os dominantes. Fligstein e McAdam dedicam o terceiro capítulo para mostrar as macroimplicações de sua teoria. Buscam evitar uma abordagem “campocêntrica”, partindo da ideia de que os campos são como “bonecas russas”, com um CAE formando e sendo formado por outros. Destacam, ainda, que a relação entre esses espaços relativamente autônomos pode ser de três tipos. Em um primeiro caso, campos podem manter relações hierárquicas, em que um campo depende de outro. Os espaços podem, ainda, ser mais cooperativos e recíprocos, condições que tendem a se desenvolver quando não existem grandes assimetrias de recursos. Por último, os CAE podem ser distantes ou próximos, dependendo da densidade dos vínculos mantidos entre seus integrantes. Campos Estatais são apre-
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sentados como componente-chave do macroambiente, considerados, por si só, um sistema com diversos subcampos. Os autores apresentam, também, sua visão sobre o papel da burocratização, das unidades de governança e dos sistemas de educação superior e das profissões para a compreensão do enraizamento dos CAE. No capítulo quatro do livro, é apresentado o aspecto central da teoria, que consiste na teorização da dinâmica de estabilidade e da mudança. Propõe-se que a compreensão e análise dos campos dependem da identificação do estado em que eles se encontram, descrevendo quatro estados possíveis. Campos emergentes são espaços pouco institucionalizados, em que os significados, a construção das identidades e formas de organização estão em disputa. Surgem por meio de processos de mobilização, nos quais, com base em uma leitura da realidade e de percepções de oportunidades e desafios, os atores desenvolvem novas interações, traçando seus contornos. A atuação dos atores socialmente hábeis, dos atores estatais e o surgimento de unidades internas de governança são fundamentais nesse momento, promovendo a superação da situação de caos inicial. A emergência dos CAE tende a ser seguida por momentos de estabilidade, o segundo estado destacado, em que os arranjos estabelecidos se institucionalizam. Apesar de os campos serem sistematicamente reproduzidos nessa situação, eles não são estáticos e caracterizam-se por uma dinâmica constante de mudanças incrementais. Conduzidos por seus atores socialmente hábeis, grupos dominantes buscam manter ou melhorar sua posição e os desafiantes atuam de uma posição bem mais desconfortável, utilizando-se de táticas como as alianças com
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grupos de outros CAE ou o afastamento do confronto direto com os incumbentes. Mas os campos não estão fadados a se reproduzir ou sofrer apenas mudanças incrementais, sendo o terceiro estado descrito pelos autores o de crise. Para os autores, a maioria das crises nos CAE é decorrente de choques exógenos, gerados em outros campos, que constituem ambiente mais amplo. Esses choques podem gerar alterações nas percepções de realidade de grupos dominantes e desafiantes, fazendo com que enxerguem ameaças e oportunidades para a realização de seus interesses. Com base nessa leitura, ocorrem processos de mobilização emergente, e os atores engajam-se em ações inovadoras, gerando momentos de contenção. Mudanças devidas às dinâmicas internas ocorrem como consequência das disputas e alterações pequenas e constantes no comportamento dos atores. É na interação entre incumbentes e desafiantes nos momentos de crise que novas ordens se constroem, sendo esses processos semelhantes aos recorrentes no momento de emergência dos CAE, com a diferença de que os atores já possuem referências claras sobre a configuração do campo. Em geral, os dominantes mantêm uma postura conservadora, buscando preservar as fontes culturais e políticas de suas vantagens, com apoio de aliados e das estruturas de governança. Já os desafiantes buscam forjar coalizões vencedoras e agem conforme uma visão compartilhada de como o campo pode vir a ser organizado. A perspectiva dos CAE é ilustrada de maneira sintética no livro, por meio de dois casos anteriormente estudados pelos autores: o das disputas raciais nos Estados Unidos e o do surgimento e degradação da indústria de seguros das hipotecas no mesmo país.
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Finalizando o trabalho, os autores apresentam considerações metodológicas para o estudo dos CAE, apresentando um roteiro que pode ser aplicado em pesquisas que adotem tanto métodos positivistas quanto realistas. Diferenças importantes da teoria apresentada por Fligstein e McAdam em relação a abordagens análogas podem ser destacadas. Comparando sua teoria com as abordagens de campo do novo institucionalismo na análise organizacional, destaca-se a maior ênfase em aspectos relativos aos interesses, ao poder e à mudança institucional. O arcabouço analítico e conceitual embutido no conceito de campo é, ainda, mais completo que o das abordagens de análises de redes, que, na visão dos autores, são excessivamente empíricas, o que não os desqualifica como poderosos instrumentos metodológicos. Comparada à abordagem bourdiesiana, verifica-se uma ênfase mais sistemática na ação coletiva, possibilitada graças ao diálogo com as teorias dos movimentos sociais e das organizações. A teoria dos campos desenvolvida pelos autores corresponde a uma contribuição importante para os estudos organizacionais, sendo sua leitura amplamente recomendada. Assumindo a complexa tarefa de integrar corpos teóricos distintos, a obra sugere um programa colaborativo de pesquisa sobre campos, mas é a aplicação do referencial teórico em pesquisas empíricas que poderá evidenciar sua real contribuição para uma compreensão da dinâmica da estabilidade e da mudança nas organizações. Somente assim, será possível avaliar o alcance desta obra de tom escolástico, que ainda carece de evidências empíricas que ilustrem sistematicamente suas amplas proposições teóricas.
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INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS EXECUÇÃO DA ESTRATÉGIA EMPRESARIAL O mundo está repleto de bons planos que falham devido a uma execução deficiente. Apesar disso, o estudo sistemático da estratégia empresarial, que teve origem na década de 1960, tem dado pouca atenção à execução das estratégias, concentrando-se na análise, concepção, planejamento e posicionamento da empresa no seu ramo de atividade. São abundantes os livros publicados sobre a formulação de estratégias empresariais, mas poucos tratam da
sua execução. O resultado dessa negligência foi, frequentemente, a descoberta de sérias dificuldades na implementação da estratégia, o que levou ao seu abandono ou ao insucesso em atingir os resultados esperados. Na última década, porém, a execução da estratégia ganhou status e passou a ser considerada importante na gestão. Abaixo, são comentados livros sobre o tema, selecionados por Fábio L. Mariotto, professor titular da FGV-EAESP.
EXECUTION: The discipline of getting things done. Larry Bossidy, Ron Charan e Charles Burck. New York: Crown Business, 2002. 320 p. Este foi o primeiro livro sobre execução de estratégia a tornar-se um best-seller. Dirigido a executivos, deve interessar também a consultores, professores de negócios e todos os que desejam que seus planos se realizem. Nada do que o livro diz é realmente uma novidade, mas ele tem a virtude de organizar suas observações e recomendações de modo a ressaltar os passos e cuidados necessários para transformar projetos em realidade.
MAKING STRATEGY WORK: Leading effective execution and change. Lawrence G. Hrebiniak. Upper Saddle River: Pearson Education, 2005. 408 p. Este livro contrasta com o anterior por ter um embasamento predominantemente acadêmico. Enquanto Execution é essencialmente uma lista de recomendações, Making strategy work dá uma abordagem integrada à execução estratégica, apresentando e detalhando decisões-chave na execução de planos. A principal contribuição que este livro traz à literatura de gestão estratégica é integrar, em uma clara estrutura conceitual, ideias provindas de variadas fontes e que, até agora, permaneciam pulverizadas.
THE EXECUTION PREMIUM: Linking strategy to operations for competitive advantage. Robert S. Kaplan e David P. Norton. Boston: Harvard Business School, 2008. 320 p. Esta é a mais recente contribuição de Kaplan e Norton para a já famosa série de textos em que propõem o uso do “boletim equilibrado” (balanced scorecard) e de mapas estratégicos para controlar a execução de planos. Esse último texto é um verdadeiro compêndio das abordagens mais recentes na formulação e execução de estratégias, por meio de uma cobertura abrangente desses tópicos. A argumentação é muito analítica e financeira e pouco comportamental.
EXECUTING YOUR STRATEGY: How to break it down and get it done. Mark Morgan, Raymond E. Levitt e William A. Malek. Boston: Harvard Business School, 2007. 304 p. Os autores estão ligados ao programa Stanford Advanced Project Management (SAPM), que mescla teoria acadêmica com processos da vida real, visando capacitar os indivíduos e as organizações a executar programas e carteiras de projetos. A ênfase do livro está na aplicação de conceitos trazidos da gestão de projetos para conseguir uma execução bem-sucedida da estratégia, o que representa um avanço na teoria da estratégia empresarial.
THE 4 DISCIPLINES OF EXECUTION: Achieving your wildly important goals. Chris McChesney, Sean Covey e Jim Huling. New York: The Free Press, 2012. 352 p. Este é o mais recente livro de execução de estratégia entre os comentados aqui. Sean Covey é o autor do famigerado livro Os sete hábitos das pessoas muito eficazes, o que já dá uma ideia do tipo de leitura, que alguns considerariam de autoajuda. O livro foi lançado com muita fanfarra e depoimentos favoráveis de famosos executivos e acadêmicos, mas ainda não se tornou um best-seller. Fábio L. Mariotto fabio.mariotto@fgv.br
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INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS CONEXÕES EM REDE E PERFORMANCE DA FIRMA Com frequência, pode-se encontrar argumentos em defesa de que o avanço da fronteira do conhecimento é sensivelmente associado ao desenvolvimento de pesquisas que integrem diversos campos do saber. A área de negócios tem testemunhado a proposição de estudos teóricos e empíricos apoiados no conhecimento da área de Análise Formal de Redes Sociais (AFRS), integrando biologia, sociologia, economia, psicologia, física, computação e matemática. Desse modo,
esforços têm sido dirigidos à produção de novas questões de pesquisa, alinhadas com dinâmica dos mercados. Entende-se que as empresas, bem como as pessoas que as compõem, são atores pertencentes a redes. E, conforme o posicionamento desses atores no âmbito dessas redes, diferentes efeitos podem ser verificados sobre a performance corporativa. O Professor Wesley Mendes-Da-Silva (FGV-EAESP), pesquisador do tema, apresenta cinco sugestões de leitura.
SOCIAL AND ECONOMIC NETWORKS. Matthew O. Jackson. Princeton: Princeton University, 2008. 504 p. O livro apresenta-se organizado em quatro partes. Na primeira, são apresentados os fundamentos de Análise de Redes Sociais. Em seguida, são abordados os modelos de formação das redes. Na terceira parte, são discutidas as implicações da estrutura das redes. E, por fim, o autor oferece métodos e ferramentas na análise empírica de redes sociais. De maneira compreensiva, o autor sintetiza aspectos basilares do campo de Análise de Redes Sociais.
CONNECTIONS: An introduction to the economics of networks. Sanjeev Goyal. Princeton: Princeton University, 2007. 289 p. Este livro constitui referência aos interessados no estudo de redes sociais aplicado a fenômenos econômicos. O autor aborda aspectos introdutórios de redes sociais e, simultaneamente, estabelece diálogo formal com o conhecimento econômico. A obra está estruturada em 10 capítulos, abordando desde conceitos iniciais até a discussão de antecedentes e implicações da formação de redes corporativas, explorando a sua formação e os seus respectivos aspectos colaborativos e competitivos entre as empresas.
COMPLEX SOCIAL NETWORKS. Fernando Vega-Redondo. Cambridge: Cambridge University, 2007. 294 p. Esta obra reporta-se especialmente à descrição e à análise formal de redes de grande porte, o que pode ser de elevado valor para uma quantidade expressiva de fenômenos, tais como: difusão de inovações tecnológicas em grandes sociedades, mercado de trabalho, confiança e negócios ou planejamento de desempenho de sistemas de transportes. O livro, organizado em seis capítulos, é caracterizado pelo tratamento formal das questões relativas à Análise de Redes Sociais.
INNOVATION NETWORS IN INDUSTRIES. Franco Malerba e Nicholas S. Vonortas (Orgs). Northampton: Edward Elgar, 2009. 262 p. Um dos campos de pesquisa atualmente mais efervescentes na área de negócios é a inovação. Este livro trata inovação como um fenômeno decorrente da formação de redes. A obra está estruturada em três partes, que discutem o estágio corrente do conhecimento no campo de redes sociais aplicadas ao estudo dos mecanismos de inovação nas indústrias, usos do conhecimento a indústrias específicas e políticas públicas para estímulo à inovação em ambientes estruturados em rede.
THE WEALTH OF NETWORKS: How social production transforms markets and freedom. Yochai Benkler. Yale University, 2006. 515 p. Ao assumir que se vive em um novo arranjo econômico, caracterizado pela relevância extrema da informação, suscitando sensíveis consequências para o futuro sociopolítico, este livro oferece reflexões ao redor da dinâmica dos mercados, com base nos conteúdos de Análise de Redes Sociais. A estrutura da obra apresenta-se em 12 capítulos, agrupados em três partes, que discorrem acerca da economia da informação e seus impactos sobre pessoas e empresas. Wesley Mendes-Da-Silva wesley.silva@fgv.br
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GOVERNANÇA
Entidade de caráter técnico-científico e filantrópico, instituída em 20 de dezembro de 1944 como pessoa jurídica de direito privado, visando ao estudo dos problemas da organização racional do trabalho, especialmente nos seus aspectos administrativos e social, e à conformidade de seus métodos às condições do meio brasileiro.
Suplentes: Antonio Monteiro de Castro Filho, Cristiano Buarque Franco Neto, Eduardo Baptista Vianna, Gilberto Duarte Prado, Jacob Palis Júnior, José Ermírio de Moraes Neto, Marcelo José Basílio de Souza Marinho, Mauricio Matos Peixoto.
Primeiro Presidente e Fundador: Luiz Simões Lopes
CONSELHO CURADOR Presidente: Carlos Alberto Lenz César Protásio
Presidente: Carlos Ivan Simonsen Leal
Vice-presidente: José Alfredo Dias Lins (Klabin Irmãos & Cia.)
Vice-presidentes: Francisco Oswaldo Neves Dornelles, Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, Sergio Franklin Quintella.
Vogais: Alexandre Koch Torres de Assis, Angélica Moreira da Silva (Federação Brasileira de Bancos), Ary Oswaldo Mattos Filho, Carlos Moacyr Gomes de Almeida, Fernando Pinheiro (Souza Cruz S/A), Edmundo Penna Barbosa da Silva, Estado do Rio Grande do Sul, Heitor Chagas de Oliveira, Jaques Wagner (Estado da Bahia), Luiz Chor (Chozil Engenharia Ltda), Marcelo Serfaty, Marcio João de Andrade Fortes, Maurício Matos Peixoto, Pedro Henrique Mariani Bittencourt (Banco BBM S.A), Orlando dos Santos Marques (Publicis Brasil Comunicação Ltda), Raul Calfat (Votorantim Participações S.A), Leonardo André Paixão (IRB-Brasil Resseguros S.A), Ronaldo Vilela (Sindicato das Empresas de Seguros Privados, de Previdência Complementar e de Capitalização nos Estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo), Sandoval Carneiro Junior.
CONSELHO DIRETOR Presidente: Carlos Ivan Simonsen Leal Vice-presidentes: Francisco Oswaldo Neves Dornelles, Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, Sergio Franklin Quintella. Vogais: Armando Klabin, Carlos Alberto Pires de Carvalho e Albuquerque, Ernane Galvêas, José Luiz Miranda, Lindolpho de Carvalho Dias, Manoel Pio Corrêa Jr., Marcílio Marques Moreira, Roberto Paulo Cezar de Andrade.
DIRETORIA Diretora: Maria Tereza Leme Fleury Vice-Diretora: Maria José Tonelli CONGREGAÇÃO Presidente: Maria Tereza Leme Fleury CONSELHO DE GESTÃO ACADÊMICA Presidente: Maria Tereza Leme Fleury DEPARTAMENTOS DE ENSINO E PESQUISA Administração da Produção e de Operações: Orlando Cattini Júnior Administração Geral e Recursos Humanos: Maria Ester de Freitas Contabilidade, Finanças e Controle: João Carlos Douat Fundamentos Sociais e Jurídicos da Administração: Isleide Arruda Fontenelle Informática e Métodos Quantitativos Aplicados à Administração: Fernando de Souza Meirelles Mercadologia: Inês Pereira Planejamento e Análise Econômica Aplicados à Administração: Domingo Zurrón Ocio Gestão Pública: Henrique Fingermann CURSOS, PROGRAMAS E SERVIÇOS Curso de Graduação em Administração: Nelson Lerner Barth Curso de Graduação em Administração Pública: Fernando Luiz Abrucio Cursos de Especialização (pós-graduação lato sensu): Renato Guimarães Ferreira
Mestrado e Doutorado em Administração de Empresas: Ely Laureano Paiva Mestrado e Doutorado em Administração Pública e Governo: Marta Ferreira Santos Farah Mestrado Profissional em Administração de Empresas (MPA): Marina de Camargo Heck Mestrado Profissional em Gestão e Políticas Públicas: Regina Silvia Viotto Monteiro Pacheco Mestrado Profissional em Gestão Internacional: Edgard Elie Roger Barki OneMBA: Marina de Camargo Heck GVnet - Programa de Educação a Distância (em parceria com o IDE): Stavros P. Xanthopoylos GVpec - Programa de Educação Continuada (em parceria com o IDE): Carlos Osmar Bertero Núcleo de Pesquisas: Thomaz Wood Júnior RAE-publicações: Eduardo Henrique Diniz CENTROS DE ESTUDOS Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios: Tales Andreassi Centro de Estudos de Administração Pública e Governo: Marco Antonio Carvalho Teixeira Centro de Estudos de Política e Economia do Setor Público: George Avelino Filho Centro de Estudos em Planejamento e Gestão de Saúde: Ana Maria Malik Centro de Estudos em Sustentabilidade: Mário Prestes Monzoni Neto Centro de Excelência em Logística e Supply Chain: Manoel de Andrade e Silva Reis
Suplentes: Aldo Floris, Brookfield Brasil Ltda, José Carlos Schmidt Murta Ribeiro, Roberto Castello Branco (VALE S.A.), Luiz Roberto Nascimento Silva, Manoel Fernando Thompson Motta Filho, Nilson Teixeira (Banco de Investimentos Crédit Suisse S.A), Olavo Monteiro de Carvalho (Monteiro Aranha Participações S.A), Patrick de Larragoiti Lucas (Sul América Companhia Nacional de Seguros), Rui Barreto (Café Solúvel Brasília S.A), Sergio Lins Andrade (Andrade Gutierrez S.A.). UNIDADES DA FGV-SP Escola de Administração de Empresas de São Paulo Diretora: Maria Tereza Leme Fleury Escola de Economia de São Paulo Diretor: Yoshiaki Nakano Escola de Direito de São Paulo Diretor: Oscar Vilhena Vieira FGV Projetos Diretor Executivo: Cesar Cunha Campos Diretor Técnico: Ricardo Simonsen Diretor de Controle: Antonio Carlos Kfouri Aidar Vice-Diretor de Projetos: Francisco Eduardo Torres de Sá Vice-Diretor de Estratégia e Mercado: Sidnei Gonzalez Diretoria da FGV para assuntos da FGV-SP Diretor: Francisco S. Mazzucca Diretoria de Operações da FGV-SP: Mario Rocha Souza
Centro de Excelência em Varejo: Jacob Jacques Gelman Centro de Tecnologia de Informação Aplicada: Alberto Luiz Albertin Instituto de Finanças: João Carlos Douat Centro de Estudos de Microfinanças: Lauro Emilio Gonzalez Farias Centro de Estudos em Finanças: William Eid Jr. Centro de Estudos em Private Equity: Cláudio Vilar Furtado APOIO Centro de Desenvolvimento do Ensino e da Aprendizagem: Francisco Aranha Coordenadoria de Avaliação Institucional: Heloisa Mônaco dos Santos Coordenadoria de Estágios e Colocação Profissional: Ana Luisa Vieira Pliopas Coordenadoria de Extensão Cultural: Daniel Pereira Andrade Coordenadoria de Relações Internacionais: Julia Alice Sophia von Maltzan Pacheco Serviço de Apoio e Atendimento Psicológico e Psiquiátrico aos Alunos do Curso de Graduação em Administração: Tiago Luis Corbisier Matheus Divisão de Comunicação e Marketing: Patricia Perim Freitas Santos Alumni GV: Francisco Ilson Saraiva Jr. ASSOCIAÇÃO DOS FUNCIONÁRIOS DA FGV-EAESP Presidente: José Pereira da Silva DIRETÓRIO ACADÊMICO GETULIO VARGAS Presidente: Julio D´Amore Mello
DIRETORES DA RAE Maio/1961 a jun/65: Raimar Richers; jul/65 a dez/66: Yolanda F. Balcão; jan/67 a jun/68: Carlos Osmar Bertero; jul/68 a jun/69: Ary Bouzan; jul/69 a jun/71: Orlando Figueiredo; jul/71 a dez/72: Manoel Tosta Berlinck; jan/73 a jun/75: Robert N.V.C. Nicol; jul/75 a mar/80: Luiz Antonio de Oliveira Lima, abr/80 a mar/82: Sérgio Micelli Pessoa de Barros; abr/82 a dez/83: Yoshiaki Nakano; jan/84 a set/85: Sérgio Micelli Pessoa de Barros; out/85 a set/89: Maria Cecília Spina Forjaz; out/89 a dez/89: Maria Rita Garcia L. Durand; jan/90 a set/91: Gisela Taschner Goldenstein; out/91 a nov/95: Marilson Alves Gonçalves; dez/95 a dez/00: Roberto Venosa; jan/01 a dez/04: Thomaz Wood Jr.; jan/05 a ago/07: Carlos Osmar Bertero; ago/07 a ago/08: Francisco Aranha; set/08 a jan/09: Flávio Carvalho de Vasconcelos; fev/09: Eduardo Diniz
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R AE n S ão Paulo n v. 53 n n. 1 n jan/fev. 2013
I SSN 0 0 3 4 -7 5 9 0
Linha Editorial MISSÃO
A RAE-Revista de Administração de Empresas tem como missão fomentar a produção e a disseminação de conhecimento em Administração de Empresas. FOCO
A RAE-Revista de Administração de Empresas tem interesse na publicação de artigos de desenvolvimento teórico, trabalhos empíricos e ensaios. Aceitam-se colaborações do Brasil e do exterior, nos campos da Administração de Empresas e de áreas afins. A pluralidade de abordagens e perspectivas é incentivada. Como revista generalista na área, cobre um espectro amplo de subdomínios de conhecimento, perspectivas e questões. O público primário da RAE é composto por acadêmicos – professores, pesquisadores e estudantes. SUBMISSÃO
Os trabalhos devem ser encaminhados à Redação pela internet por meio do SGP-Sistema de Gestão de Publicações, cujo acesso é feito pelo www.fgv.br/rae/sgp. Os artigos podem ser submetidos em português, inglês, ou espanhol, observando formato e normas de padronização definidos em nosso Manual da Redação. Recomendamos que os autores consultem ainda as Orientações para Autores, com considerações sobre posicionamento, estilo e estrutura antes de enviar seu trabalho para a Redação. O Manual da Redação e as Orientações para autores também podem ser acessados em www.fgv.br/rae/sgp. INEDITISMO E EXCLUSIVIDADE
Os artigos submetidos à publicação na RAE-Revista de Administração de Empresas devem ser inéditos e não devem estar sendo considerados por outro periódico. AVALIAÇÃO
O processo de avaliação de artigos submetidos à publicação na RAE-Revista de Administração de Empresas consiste em três etapas: uma triagem realizada pelo Editor chefe, que examina a adequação do trabalho à linha editorial da revista e seu potencial para publicação; a segunda, uma avaliação preliminar do editor científico que visa identificar a contribuição do artigo para a sua área de especialidade; e uma avaliação duplo-cega. A avaliação duplo-cega é coordenada por um editor científico da área de submissão do artigo, e consiste na interação entre os autores e dois pareceristas especialistas que, ao avaliar os trabalhos, fazem comentários e oferecem sugestões de melhoria. Essa etapa envolve reavaliações contínuas, reunindo esforços para aprimoramento dos artigos. Para familiarizar-se com os quesitos levados em consideração pelos pareceristas, sugerimos aos autores que consultem os formulários-modelo, disponíveis na página www.fgv. br/rae/sgp. Habitualmente, os editores acrescentam às sugestões dos revisores um aconselhamento editorial, cujo objetivo é adequar o artigo aos padrões da revista. PREPARAÇÃO PARA PUBLICAÇÃO
Depois de aprovado, o artigo é submetido à edição final e à revisão ortográfica e gramatical. DIREITOS AUTORAIS
A FGV-EAESP/RAE detém os direitos patrimoniais dos artigos que publica, inclusive os de tradução e adota a Licença de Atribuição (BY) do Creative Commons (http://creativecommons.org/licenses/by/3.0) em todos os trabalhos publicados, exceto quando houver indicação específica de outros detentores de direitos autorais. Em caso de dúvidas, solicitamos consultar a Redação (raeredacao@fgv.br).
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t %FBEMJOF GPS QBQFS TVCNJTTJPO | May 10, 2013 t ADDFQUBODF OPUJmDBUJPO UP UIF BVUIPST | August 22, 2013 t 3FHJTUSBUJPO %FBEMJOF | November 14, 2013 t $POGFSFODF | December 8-10, 2013
Maria Tereza Leme Fleury $IBJS 1SPHSBN $PNNJUUFF Maria JosĂŠ Tonelli Ely Paiva Rodrigo Bandeira de Mello