DESENVOLVIMENTO DA LITERACIA

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Pós-Graduação – Sucesso e Literacia Drª Lucília Salgado

Abordagem Territorial Desenvolvimento da Literacia / Prevenção do Sucesso Escolar

Cristina do Céu Almeida Queiroz Pinto 2006 / 07

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Pós-Graduação – Sucesso e Literacia Drª Lucília Salgado 2006 / 07

Abordagem Territorial Desenvolvimento da Literacia / Prevenção do Sucesso Escolar

Trabalho de: Cristina do Céu Almeida Queiroz Pinto Julho / 07

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Abordagem Territorial Desenvolvimento da Literacia / Prevenção do Sucesso Escolar

ÍNDICE Introdução – 1 -A Escola e a Literacia 2 -Da Literacia Emergente ao Leitor Competente 2.1 - A Literacia Emergente 2.2 - Literacia emergente - como esforço para descobrir o sentido do impresso 3 - Livros e família: um espaço a explorar 4 - No Jardim de Infância – Ler antes de Aprender 5 - Literacia no ensino básico 6 - Prevenção d Sucesso Escolar - (Parceiros Educativos) 6.1 – Biblioteca Escolar 6.2 – Biblioteca Municipal Conclusão Bibliografia

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"O homem que lê de viva voz se expõe totalmente. Se não sabe o que lê, ele é ignorante de suas palavras, é uma miséria, e isso se percebe. Se se recusa a habitar sua leitura, as palavras tornam-se letras mortas, e isso se sente. Se satura o texto com a sua presença, o autor se retrai, é um número de circo, e isso se vê. O homem que lê de viva voz se expõe totalmente aos olhos que o escutam". Daniel Pennac

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INTRODUÇÃO

O direito à saúde significa, entre outras coisas, o direito de todo indivíduo a uma atenção médica actualizada de acordo com os avanços científicos e técnicos dessa área profissional O direito à alfabetização não pode significar menos do que isso. Emília Ferreiro

Nos últimos dez anos temos vindo a ser confrontados com resultados de estudos nacionais e internacionais sobre competência e hábitos de leitura que nos apontam todos na mesma direcção: os adultos e jovens portugueses lêem pouco e mal, reforçando a evidência da causalidade recíproca, quem lê mal, lê pouco e quem lê pouco, lê mal. É reconhecido que somos um país que lê pouco. Recorrentemente chegamnos notícias sobre os diminutos hábitos de leitura dos portugueses e sobre os fracos desempenhos de leitura dos alunos. Para nos situarmos em dados recentes, recordemos as estimativas de 2000 (Barreto, et al) que apontam para uma taxa de analfabetismo adulto de 7%, referente apenas aos que nunca aprenderam a ler por não terem frequentado a escola. Se porém nos reportarmos ao Relatório da Avaliação Integrada das Escolas (IGE, 2001), teremos que alargar os referidos 7% para valores muito superiores, visto que 21% dos alunos que terminam a escolaridade obrigatória nas escolas avaliadas não possuem o domínio das competências básicas para se exprimirem oralmente e por escrito. O analfabetismo, ou iliteracia, ganha, portanto, novos contornos.

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Quanto ao desempenho de leitura dos alunos, a situação também não é animadora. Sempre que Portugal participa em estudos internacionais destinados a avaliar a competência de leitura da população escolar, os resultados não deixam dúvidas: os nossos alunos atingem níveis de desempenho abaixo da média e inferiores aos seus colegas de países com índices de desenvolvimento social e Estudo Nacional de Literacia de Benavente, 1996

económico idênticos (Elley, 1992; Sim-Sim Ramalho, 1993; PISA, 2001). - Por sua vez, os resultados das provas nacionais de aferição têm vindo a reforçar a evidência de que os estudantes portugueses lêem mal; e quando se é mau leitor durante o período escolar, transporta-se para a vida adulta as deficiências dessa competência. O problema é tanto mais grave quanto o âmbito do domínio da leitura não se limita a um simples conhecimento disciplinar, nem sequer a um conhecimento global que tem que ver com uma atitude discursiva em geral. O domínio da leitura é, de facto, um meio de apropriação e de construção de conhecimento nas diversas áreas do saber e, numa sociedade que se quer democrática e plural, o não acesso a este poderoso meio de participação social conduz directa e vertiginosamente ao risco de exclusão. É evidente que são várias, variadas e complexas as causas que subjazem ao baixo nível de leitura dos alunos portugueses. Entre elas, os reduzidos hábitos de leitura das famílias, a não frequência de bibliotecas e muitas outras causas, passíveis de uma interpretação sociológica. No entanto, queremos acreditar que esta situação pode ser revertida significativamente se se aproveitar, em toda a sua extensão, o acesso aos bens educacionais proporcionados pela Escola Básica. Se os bons leitores são moldados pelo seu ambiente e consequentemente se tornam melhores leitores, então ter-se-á que proporcionar o maior número possível de estímulos de leitura e este deve constituir-se como um esforço pedagógico para o desenvolvimento da literacia.

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Assim, conseguir levar as crianças a ler por prazer pode ser um factor importante para o aumento dos níveis educacionais e um forte contributo para minimizar o ciclo e desvantagens que podem levar à exclusão social. Mas, para que assim aconteça é necessário cativar as famílias, principalmente os pais, levando-os a perceber que a leitura não é um assunto exclusivo da escola e que as práticas de leitura em casa, em família, são fundamentais na criação de hábitos de leitura e ajudam a aumentar as competências leitoras proporcionando melhores condições para enfrentar a escola, a vida e o futuro. Hoje, também não nos restam dúvidas para que se afirme que só um trabalho conjunto e de parceria entre todos os parceiros educativos e sociais (família; comunidade; escola; bibliotecas, centros de saúde; autarquais…) pode contribuir efectivamente para uma melhoria das competências de literacia de cada um dos cidadãos portugueses, não descorando, em momento algum, que uma grande fatia desta responsabilidade cabe naturalmente à escola. Então, o que será preciso mudar? O que é que a escola pode fazer? Ao longo do presente trabalho iremos tentar apontar alguns percursos e estratégias alternativas que poderão efectivamente ajudar-nos a perceber que, porventura, a grande mudança está, tão somente, nas concepções que orientam o processo e as práticas pedagógicas, e que, no que diz respeito ao desenvolvimento da competência leitora e da literacia, é apenas necessário que cada professor esteja motivado para reflectir, reavaliar e reajustar, se for caso disso, a sua prática docente.

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1 - Escola e Literacia Ler não é decifrar. Escrever não é copiar “Os poucos estudos nacionais sobre o modo como a leitura está a ser ensinada nas nossas escolas indicam que o tempo lectivo semanal, que os professores dedicam ao ensino da leitura nos primeiros anos de escolaridade, é superior ao dos nossos parceiros europeus “(Sim-Sim, 1994) - 8 horas semanais de LP e uma hora diária dedicada à leitura (de acordo com as orientações curriculares para o ensino da Lìngua Portuguesa). “A questão não parece estar, portanto, no montante do tempo despendido, mas certamente na forma como esse tempo é gerido, quer em termos de organização e gestão da classe, quer quanto ao uso de materiais pedagógicos e práticas lectivas específicas” (APP, 2001). Estas, para além de não reflectirem o que a investigação tem vindo a revelar como determinante na aprendizagem da leitura, surgem como actividades repetitivas e desinteressantes. Os próprios docentes explicitam a necessidade de formação neste domínio e referem as grandes lacunas nos cursos de formação inicial que frequentaram. E, é neste contexto, que surge o Plano Nacional de Leitura, com o objectivo primário de motivar para a leitura cabendo aos professores a grande responsabilidade profissional de formar leitores e o Programa Nacional do Ensino de Português, do Ministério da Educação, no ano lectivo e 2006, tendo em vista a melhoria das condições de ensino da Língua Portuguesa no 1º ciclo do ensino básico. È verdade que o domínio da leitura e o consequente desenvolvimento da literacia implicam um processo de aprendizagem e treino que requer muitas horas de prática. Mas, acima de tudo é primordial

conseguir que as crianças e os jovens

adiram às actividades propostas pela escola descubram primeiramente o prazer de ler. Não há uma via única para ensinar a ler todas as crianças, o que significa que não é o método, mas sim o docente com as estratégias que utiliza, que marca a diferença no sucesso da aprendizagem da leitura.

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A importância dada ao ensino da leitura tem estado na base de muitas investigações, infelizmente não tão abundantes quanto necessárias em Portugal, e de muitas

recomendações

internacionais

e

directivas

governamentais

e

não

governamentais, como é o caso de associações de investigadores e de profissionais. Recentemente, em Agosto de 2001, o governo português aprovou os perfis de desempenho profissional dos professores, o perfil geral (D.L. nº 240/2001) e os perfis específicos para o educador de infância e para o professor do 1º ciclo (D.L. nº 241/2001) De acordo com os referidos perfis, o professor do 1º ciclo “promove a aprendizagem de competências de escrita e de leitura, mobilizando conhecimentos científicos acerca dos processos de produção e de compreensão de textos escritos e das suas relações com a comunicação oral” e […] “incentiva os alunos a utilizar diversas estratégias de aprendizagem e de desenvolvimento da leitura em variados tipos de textos e com diferentes finalidades” . Por sua vez, o educador de infância

“…favorece o aparecimento de comportamentos emergentes de leitura e escrita, através de actividades de exploração de materiais escritos”. Mas, ao equacionarmos a qualificação profissional para o ensino da leitura, há que não perder de vista os grandes objectivos desse mesmo ensino ao longo de toda a escolaridade e que poderíamos sintetizar nos seguintes propósitos referidos no Currículo Nacional do Ensino Básico (ME- 2001) no que diz respeito ao desenvolvimento da competência de leitura (i) promover a automatização do processo de decifração; (ii) promover a autonomia e a velocidade de leitura; (iii) promover a capacidade para usar a leitura como forma de aprendizagem; (iv) promover a capacidade para perseverar na leitura de um texto; (v) promover a capacidade para ler espontaneamente e com regularidade; (vi) promover a eficácia na selecção de estratégias adequadas ao fim de leitura em vista; (vii)

promover a capacidade para apreciar e fruir textos literários.

Sim-Sim, 2001, p.52, afirmava que “ensinar a ler eficazmente implica possuir um nível elevado de conhecimento da língua em que se ensina a ler, no nosso caso do Português, uma sólida compreensão dos conceitos que subjazem ao desenvolvimento de competências que resultam de processos de aquisição natural e espontânea, como são a compreensão e a expressão oral, e dos processos e estratégias 9


pedagógicas que devem enformar a aprendizagem de competências secundárias, como são a leitura e a expressão escrita” . Mas, na verdade, no que diz respeito à escola, é mais que evidente que se tem centrado no desenvolvimento de competências relacionadas com o código escrito, com um desprezo generalizado pelas competências de oralidade previstas já pelos programas oficiais para o ensino da língua (Programas para o Ensino Básico 1991), e esquecendo que é exactamente a consciência linguística que temos das regras da oralidade, quando devidamente transferida para a leitura e para a escrita, que promove o sucesso escolar. Mas, não. Hoje, teimosamente ainda se faz, como já se fazia ainda durante a primeira metade do século XX quando “ensinar era sinónimo de fazer aprender as letras e os números…”.(CABRAL,Maria

-

A

Escola

promove

o

desenvolvimento

das

competências de Literacia?,pag17). No entanto, ainda hoje se faz, como também até meados do séc. XX se fazia, por se acreditar que a leitura e a escrita eram capacidades isoladas e não componentes da competência global de literacia como hoje defendemos que são. Mesmo assim, na grande maioria dos casos, os alunos continuam a ter de aprender primeiro a ler, isto é, identificar a correspondência letra/som, depois descodificar os sentidos da palavras,

na

maioria

das

vezes

completamente

descontextualizadas,

para

posteriormente, poderem iniciar o árduo processo da produção escrita. Por outro lado, e apesar dos vários conceitos de Literacia existentes, vamos aqui, sumariamente, considerar a literacia, tal como ela é concebida nos Novos Estudos de Literacia (New Literacy Studies) - caracterizados pela integração do trabalho científico dos que adoptaram tanto uma perspectiva social como uma perspectiva analítica discursiva das práticas de construção de sentidos mediadas por textos tal como COOK-GUMPERZ, 1986; GEE, 2000; BAYNHAM e PRINSLOO, 2001, entre outros – “como um conjunto

flexível de práticas culturais definidas e redefinidas por instituições sociais, classes e interesses públicos em que jogam um papel determinante as relações de poder e de identidade construídas por práticas discursivas que posicionam os sujeitos por relação à forma de aceder, tratar e usar os textos e os artefactos e tecnologias que os veiculam e possibilitam, de acordo com o referenciado .” Neste sentido, quase se poderia usar o termo “literacias” apresentando-se como mais adequado para designar a pluralidade das práticas sócio-culturais, nos múltiplos domínios de acção humana. Também já sabemos, porque é consensual entre os diferentes autores, que o desenvolvimento da competência de literacia implica a apropriação do poder das 10


palavras; implica o desenvolvimento da capacidade de pensar, de reflectir, de criticar e de agir. Ora, pela relação intrínseca que a literacia mantêm com os processos educativos – a escola teria como dever - segundo os investigadores do New London Group (2000, p. 9) - “assegurar que todos beneficiem da aprendizagem por meios que os ajudem a participar de direito na vida pública, nos seus grupos, na vida económica”– mas é exactamente neste contexto que se fazem sentir as consequências do paradigma social destes Novos Estudos de Literacia. Na verdade, a perspectiva social obriga a colocar um conjunto de questões sobre o que significa ser letrado, hoje, numa sociedade em transformação e caracterizada pela diversidade e multiplicidade, e sobre como se aprende a ser letrado, nestas condições. Nas respostas, que passam a dizer respeito obviamente à escola, mas também a todos os que desempenham funções educativas, não limitadas exclusivamente à sala de aula, confrontam-se as novas condições materiais e culturais que caracterizam as actuais sociedades globalizadas e as interacções com as diferentes culturas, sub-culturas, e diferentes identidades que aquelas formas servem. Para além da confrontação com um mundo em permanente mutação e, em consequência com as crescentes exigências a serem colocadas às pessoas, nas suas mais variadas esferas de actuação: como produtores de sentido, em lugares de trabalho cada vez menos reconhecíveis; como cidadãos, numa esfera pública também em mudança e nas diversas e emergentes dimensões da vida pessoal, onde a linguagem verbal não é senão um entre os múltiplos modos de representação postos (e impostos) à disposição das pessoas para a produção de sentidos, para a aprendizagem e para a participação. Assim sendo, entre algumas das respostas com capacidade para ajudar a estruturar a acção pedagógica, tanto em contextos formais como não-formais, encontra-se a que concebe a literacia enquanto: “o modo como as pessoas e comunidades podem fazer parte, fluentemente, eficazmente e criticamente, nos vários eventos textuais e discursivos que caracterizam as sociedades e economias semióticas contemporâneas…” (Freebody; Luke, 2003, p. 53). Por meio deste enfoque, o envolvimento dos sujeitos com as literacias e o seu desempenho nos múltiplos domínios de prática que as exigem são fortemente influenciados pelas oportunidades de participação social que àqueles são dadas, dentro e fora da sala de aula. Neste contexto, ganha particular relevância o acesso à 11


literacia escolar, na medida em que é evidente que são os níveis de prática certificada que constituem o capital cultural necessário, e quantas vezes suficiente, para que uma pessoa possa entrar na vida pública e institucional. “O desenvolvimento da competência de literacia em contexto escolar pressupõe que os alunos, para além de serem capazes de ler e compreender diversos géneros, sejam também capazes de produzirem textos escritos que sirvam os seus objectivos de comunicação, nos domínios pessoal, académico e social. …”.(CABRAL,Maria L) Daí que a escola tenha como função proporcionar múltiplas e diferenciadas práticas pedagógicas, o uso das tecnologias, e o contacto com a maior diversidade possível de qualidade de textos e linguagens (verbais e não verbais) para que todas crianças e jovens independentemente de serem ou não de ambientes sócio-culturais e económicos empobrecidos terem a possibilidade de se transformarem em sujeitos “cosmopolitas” (cf. DIONÍSIO, 2005), cujos horizontes de expectativas pessoais e sociais estão para além dos limites da sua paisagem quotidiana. Perante o descrito concordo

que “chegou o momento da escola e dos

professores assumirem, de facto, que o ensino da leitura é algo mais que o fornecimento da instrução para a abertura do manual numa determinada página e para a indicação dos alunos que por uma ordem arbitrária devem seguir a leitura do texto”X” ou “Y”… Ensinar a ler, no contexto de ensino básico ou secundário, não pode ainda ser apenas a leitura apressada de um texto para a resposta das perguntas de interpretação que se lhe seguem no manual dos alunos:..” …”.(CABRAL,Maria) O papel da escola em relação ao ler e ao escrever alterou-se nos últimos tempos, exigindo do educador a compreensão do contexto do mundo contemporâneo, onde a palavra escrita amplia os modos de atingir a população, e exige de todos competências para agir com autonomia e espírito crítico frente a ela ou impõe-lhes uma atitude massificada e acrítica. Relacionando o ler/escrever à condição de poder pensar, interagir a partir do lido e ser capaz de dizer a sua palavra e o seu tempo por escrito, o presente programa valoriza o papel autoral de professores e alunos, capaz de dar um novo significado ao ensinar e ao aprender. O domínio de diferentes códigos e linguagens, que permitam a interacção do sujeito com múltiplas paisagens e grupos sociais, é um diferencial na educação e na própria constituição da cidadania. Neste sentido, a educação contemporânea destaca

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a essencialidade da leitura e da escrita como capacidades para interpretar e compreender as diversas manifestações socioculturais, no contexto identitário dos sujeitos. Ler e escrever não se instituem como meros instrumentais de codificação e descodificação dos signos alfabéticos, mas são inseridos num universo mais amplo de possibilidades e ultrapassam a tradição escolar. O principal papel da escola já não é mais o de mera transmissão de informações. Hoje, exige-se que ela desenvolva a capacidade de aprender o que subentende o domínio da leitura e da escrita. Ler e escrever são competências imprescindíveis à qualidade de vida de cada um. Ler e escrever, portanto, implicam redimensionar as práticas e os espaços escolares. Isto exige uma reflexão sobre a relação pessoal com o desenvolvimento da leitura e da escrita na sala de aula e, no limite, propõe o desencadeamento de novos modos de ser e fazer o ler e o escrever na escola: a formação de cidadãos e cidadãs para um mundo em permanente mudança nas suas escritas, e cada vez mais exigente quanto à qualidade da leitura. Será importante, assim, que cada professor na sua sala de aula vincule através da produção escrita conteúdos e/ou conceitos específicos da área em que actua com a vida de seus alunos, solicitando-lhes que escrevam sobre aspectos de suas vivências socioculturais, propondo que esses textos sejam lidos para os colegas e discutidos. O professor lê esses textos com interesse, pelo que querem expressar e não apenas para corrigir o Português ou verificar o acerto das suas respostas e orienta a reescrita dos mesmos, sempre que necessário, para que digam com mais clareza e mais riqueza o que querem dizer, para que cada aluno perceba que quando se escreve ou quando se fala, é com o fim de comunicar algo. Portanto na construção de textos na sala de aula é necessário primeiro que os alunos aprendam a pensar, para depois conseguir seleccionar e ordenar as ideias para finalmente redigirem os seus textos com coesão, coerência e clareza. A sala de aula é o lugar onde o professor ensina, onde ele mostra, pela sua presença e postura, a importância da leitura: ele traz os livros, apresenta-os faz com que todos participem na selecção do que se vai ler, conhece o interesse que vai emergindo de cada aluno, faz sugestões, discute e aprofunda os assuntos, responde a perguntas e

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lê com os alunos. Sempre consciente de que não há turmas homogéneas e, por isso, tre-se-á tantos projectos pessoais de leitor quanto o número de alunos. O professor é aquele que apresenta as diferentes possibilidades de leitura: “tudo e mais alguma coisa! Livros, poemas, notícias, receitas, paisagens, imagens, partituras, sons, gestos, corpos em movimento, mapas, gráficos, símbolos, o mundo enfim. Ele poderá contribuir para o desenvolvimento da capacidade de interpretar e estabelecer significados dos diferentes textos, criando e promovendo variadas experiências, situações novas, que levem a uma utilização diversificada do ler/escrever. Isso tornará possível a formação de uma geração de leitores capazes de dominar as múltiplas formas de linguagem e de reconhecer os variados e inovadores recursos tecnológicos, disponíveis para a comunicação humana no dia a dia. É por tudo isto, que a escola ainda é um espaço privilegiado para a aprendizagem e o desenvolvimento da leitura e da escrita, já que é nela que se dá o encontro decisivo da criança com o ler e o escrever. Para muitas crianças do nosso país, a escola é o único lugar onde encontra livros e a sala de aula é o único lugar onde estão sentados sem estarem voltados, apenas, para a televisão. Cabe ainda à escola a tarefa de levar o aluno a ler e a escrever, a atrever-se a persistir nesta aprendizagem entre a tentativa e o erro, a construir as suas próprias hipóteses a respeito do sentido do que ele lê e do que escreve, a assumir pontos de vista próprios para escrever a respeito do que vê no mundo, inclusive na TV, do que sente, do que viveu, do que leu nos diversos suportes que existem, do que ouviu na aula, promovendo nos seus textos um diálogo entre vida e escola, mediado pelo professor, um leitor mais experiente. Numa primeira instância, ler e escrever será alfabetizar, levar o aluno ao domínio do código escrito. Mas é preciso ter em atenção que alfabetizar, uma criança, não é apenas transpor a língua que já fala para um outro código, mas, sim que está a aprender uma outra linguagem, a linguagem escrita. Isto porque a língua que falamos, e isto é consensual, não é a mesma que escrevemos. A criança tem à sua frente uma estrada longa, até chegar à leitura e a escrita da maneira que nós, adultos, a concebemos, percebendo que a cada som corresponde uma determinada forma; que há grupos de letras separadas por espaços em branco, grupos estes que correspondem a cada uma da palavras escritas. 14


Atendendo que ler é compreender, na abordagem da leitura dever-se-ão implementar estratégias que facilitem a compreensão tendo sempre em atenção que o vocabulário utilizado no texto tem de ser maioritariamente do conhecimento da criança para que o texto lhe seja perceptível. Assim, antes de começar a ler é importante:  activar-se conhecimentos prévios;  antecipar sentidos - Durante a Leitura deve:  confirmar-se antecipações  estabelecer novas antecipações  ligar o conteúdo do texto a representações prévias  seleccionar ideias importantes  sumariar - Após a leitura devem-se:  confirmar as antecipações  resumir o texto  esclarecer todas as dúvidas que surjam Mas tal como é referido por Azevedo Fernando no livro “Formar Leitores – das Teorias às Práticas”, coordenado por si, “apesar de haver já alguma investigação e divulgação sobre que estratégias são facilitadoras de compreensão na leitura de textos quer narrativos quer informativos, na realidade o que acontece na leitura em sala de aula e nos conteúdos dos manuais constata-se ainda uma enorme distância entre os resultados da investigação e grande parte das práticas pedagógicas.

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2 - Da Literacia Emergente ao Leitor Competente Antes de se ensinar a criança a ler, ela já aprendeu. As crianças desde cedo realizam uma exploração empenhada sobre o material impresso que as rodeia. O contínuo desenvolvimento das competências linguísticas ao longo da infância determina a estreita relação entre competências de literacia emergente e o processo de aprendizagem da leitura e escrita. Na exploração do impresso, a investigação tem destacado uma elevada associação entre as actividades que envolvem livros e literatura e um conjunto de aprendizagens fundadoras da aprendizagem da leitura e da escrita. Características como a qualidade da língua, complexidade e diversidade de estruturas narrativas, destaque de características discretas das palavras – rima, estrutura silábica e fonológica, por exemplo – encontram-se reunidas no livro. Por isso, é prioritário que os educadores, facilitem, promovam e mediem a aproximação das crianças e dos livros. É, também, necessário dar uma dimensão ecológica a todo o processo educativo e integrá-lo em todos os níveis do sistema: indivíduos, família, comunidade e, poder politico e desta forma, desenhar uma medida abrangente de promoção literácita, procurando através de projectos criados por diferentes organismos e/ou instituições, como a própria escola, patrocinar a oferta de livros às famílias, desenvolver medidas de formação e informação a professores, pais e educadores e, sensibilizar os agentes políticos locais para a necessidade de medidas de desenvolvimento literácito sustentado. È certo que tudo começa no seio familiar e daí parte a necessidade de fomentar o uso de livros pelas crianças e pelas suas famílias, e assim promover medidas sustentadas de literacia familiar.

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2.1 - A Literacia Emergente

O impresso associado à capacidade de escrever e ler as produções escritas deu forma ao nosso mundo. Dificilmente imaginamos um dia da nossa vida sem a presença de algo impresso. A capacidade de manipular esses elementos impressos – desde os mais simples aos mais complexos – constitui uma competência a que se dá o nome de literacia (Sulzby & Teale, 1991). Ao longo da infância, e antes da entrada para a escola, a criança apercebe-se do poder do impresso e explora-o. Esta exploração permitir-lhe-á desenvolver um conjunto de conhecimentos fundamentais para a aprendizagem da leitura e escrita. Referida como literacia emergente, este espaço de desenvolvimento cognitivo e linguístico constitui-se como uma condição fundamental para o sucesso da aprendizagem formal da leitura e escrita e os efeitos, deste conjunto de aquisições literácitas, ecoarão ao longo do percurso escolar, determinando a qualidade de muitas aprendizagens. Hockenberger, Goldstein & Hass (1999) referem, citando Tealy & Sulzby (1986), que ao falar em literacia emergente há quatro aspectos principais a ter em conta: a) o desenvolvimento da literacia começa precocemente, antes da instrução formal da leitura e da escrita; b) as capacidades de ouvir, falar, ler e escrever desenvolvem-se de forma simultânea e interrelacionada nas crianças mais novas; c) as competências relacionadas com a litercia são uma parte integrante do processo de aprendizagem e, finalmente, d) a criança aprende a ler e escrever através do envolvimento activo com o seu ambiente . Estes pontos salientam não só a importância do desenvolvimento precoce das competências de literacia (Rush, 1999) como também o facto deste desenvolvimento ser um processo integrado que ocorre em todos os contextos de vida das crianças .

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A literatura aponta, ainda, para a existência de uma relação entre dificuldades na aquisição da leitura e um menor desenvolvimento de pré-competências de literacia aquando da entrada na escolaridade básica (Bowey, 1995; Juel, 1988). Alguns aspectos mais directamente relacionados com a aquisição do processo de leitura/escrita, denominados precursores da leitura, podem ser promovidos (Dickinson & Smith, 1994). Por exemplo, a leitura de livros conduz a um maior crescimento de vocabulário e a uma melhor compreensão de histórias, aspectos identificados como indicadores precoces de literacia. Outro aspecto referido na literatura como pré-competência de literacia é a consciência fonológica. Juel (1988) define este conceito como a consciência de que as palavras são compostas por sequências de sons distintos e com diferentes significados. Esta competência, segundo o autor, não é necessária no discurso oral em que não há uma clara distinção entre fonemas, mas é importante para a descodificação da escrita, logo é importante para a aprendizagem da leitura/escrita. Bowey (1995) salienta que as crianças de idade pré-escolar provenientes de níveis socio-económicos mais favorecidos são mais sensíveis à estrutura fonológica do que as crianças de meios socio-económicos desfavorecidos. Assim, o desenvolvimento de competências de literacia aparece associado a um desenvolvimento precoce das mesmas, levando a que o papel da casa e do Jardim de Infância seja preponderante nesse processo. Rush (1999) realizou um estudo sobre a relação entre o desenvolvimento de competências de literacia e as interacções de educadores com crianças de meios socio-económicos desfavorecidos. Neste estudo o autor salienta aspectos particulares da interacção que estão associados ao desenvolvimento de competências de literacia. São eles: o grau de estruturação das actividades de jogo e o envolvimento do educador na actividade, a linguagem do educador, a quantidade de momentos de leitura conjunta e as actividades de literacia. Sobre este último aspecto, Leseman e Jong (1998) referem que a introdução precoce dos livros e a participação das crianças em interacções com os pais, relacionadas com literacia, são factores importantes na aprendizagem da leitura e da escrita. Além do papel importante atribuído à família, outros autores salientam o contributo do jardim de infância no desenvolvimento de competências de literacia em crianças de idade pré-escolar. Dickinson & Smith (1994), num estudo sobre padrões de interacção das educadoras durante a leitura de livros em salas de educação pré18


escolar, concluem que a forma como as educadoras de infância lêem livros com crianças, num contexto de grupo, está fortemente relacionada com o desenvolvimento, a longo prazo, do vocabulário e de competências de compreensão de histórias.

2.2 - Literacia emergente

- como esforço para descobrir o sentido do impresso " Deixemos as crianças escrever a sua escrita e, se aquilo que nos parece um chapéu é para a criança uma serpente, que seja uma serpente ". Saint Exupery A literacia emergente é, segundo Whitehurst e Lonigan (2001), o conjunto de conhecimentos, competências e atitudes desenvolvimentalmente anteriores à aprendizagem da leitura e escrita. Constitui, assim, um conjunto de saberes adquiridos na interacção com materiais impressos e apoiada por adultos em situações significativas. Neste processo encontramos três conjuntos de competências fortemente associados ao sucesso nas tarefas de leitura escrita posteriores: competências de linguagem oral, conhecimento acerca do impresso e competências de processamento fonológico. Da linguagem produzida por uma criança em idade pré-escolar é possível observar como, antes de ser capaz de ler efectivamente – traduzindo os símbolos gráficos em sons, reconhecendo palavras e construindo sentido – ela já apresenta um discurso marcado por características do impresso. Nesta tentativa de leitura, a criança apresenta um discurso diferente do usado no dia-a-dia: a construção das frases é mais cuidada, o vocabulário mais extenso, a fluência do discurso mais pausada e fortemente integrada com a manipulação das páginas do livro. Na verdade, ao pretender ler ela irá mobilizar todos os conhecimentos que, entretanto, coleccionou acerca de o que significa ler. Neste caso, a criança marca o seu discurso oral por estruturas próximas – ou mesmo idênticas – às que seriam lidas no texto original. Este conhecimento sintáctico é patente na capacidade de produzir

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estruturas – frases – qualitativamente distintas das presentes nos simples relatos ou interacções orais. Manipulando um livro de histórias, pretendendo ler, a criança irá reestruturar todo o conhecimento que possui da narrativa, os seus elementos, conjugando-os em algo estruturado: relato com princípio, meio e fim, definição de problema, relações causa-efeito... Este conhecimento de estruturas narrativas desenvolve-se pela exposição e interacção com textos onde a diversidade de estruturas narrativas é patente. Finalmente, o conhecimento vocabular é fundamental para a eficácia das tarefas de leitura. A extensão do conhecimento vocabular, fortemente associada à estruturação do pensamento, facilitará o reconhecimento de palavras nas tarefas de leitura futuras. Vários estudos têm demonstrado como os níveis de vocabulário adquirido em idade pré-escolar são observados na qualidade da leitura 3, 4 e mesmo 5 anos após a saída do Jardim-de-infância. A manipulação eficaz do material impresso exige a compreensão de um conjunto de regras ou convenções acerca do impresso. A leitura de material impresso organiza-se segundo regras de direccionalidade: lemos da esquerda para a direita, traduzindo palavra por palavra, e voltando ao início da linha seguinte quando atingimos o extremo direito da linha que está a ser lida. Este comportamento é aprendido pelas crianças por modelagem de comportamentos leitores de adultos. Quando lemos, com e para as crianças, tornando intencionalmente visível o processo leitor, permitimos o acesso a um comportamento modelo que as crianças explorarão imitando-o. Na verdade, a observação deste comportamento leitor permite a descoberta de outras regularidades da língua impressa. O conhecimento de letras despoletado pela descoberta da escrita do nome é reforçado e estendido pelas experiências de observação das regularidades dos textos impressos. O contacto com o material impresso permite ainda perceber que tudo o que se fala pode ser escrito e o que está escrito pode ser lido. O regular contacto com materiais impresso que associam texto e imagens (nos livros por exemplo), a criança descobre que o que se lê é o texto e que o processo de extracção de sentido da imagem obedece a regras distintas. Partilhando com os adultos tarefas de leitura, a criança cedo perceberá que a leitura se efectua sobre as palavras; que a cada palavra lida corresponde um conjunto de caracteres separados 20


por um espaço; que as palavras são constituídas por letras que, no conjunto, traduzem as características fonológicas da palavra e não propriedades do objecto que representam... A exposição sucessiva a situações em que estas regras são claras e funcionais permite que a criança as apreenda e construa um alicerce de conhecimento literácito, progredindo para experiências de maior complexidade. Esta exposição à manipulação do impresso e dos livros deverá articular-se em termos qualitativos e quantitativos. A intencionalidade literácita do educador observa-se numa série de comportamentos: 

Demonstra prazer na leitura de livros e no uso do impresso.

Aponta com o dedo as palavras que vai lendo

Pensa alto sobre a narrativa e coloca questões.

Reconhece e valoriza as produções da criança, expandindo-as.

Relaciona o que lê com situações do dia-a-dia, ou experiência passadas.

(...) A sensibilidade para os sons da língua que a criança vem desenvolvendo desde o berço é fundamental para a sua capacidade de perceber e manipular a estrutura sonora – fonológica – das palavras. As palavras são compostas por unidades mínimas de som denominadas fonemas. A tomada de consciência destas unidades fonológicas permitirá à criança perceber regularidades sonoras em diversas palavras e estabelecer associações entre a estrutura oral e impressa. Esta capacidade de reconhecer

particularidades

sonoras

nas

estruturas

faladas

é

denominada

consciência fonológica e é reconhecida como a competência determinante para a aprendizagem inicial da leitura e escrita. As interdependências entre os diversos domínios de competência de literacia emergente são fortes, tornando possível que conhecimentos de linguagem oral como o conhecimento vocabular promovam uma crescente capacidade de análise fonológica. Na verdade, à medida que vamos aumentando o nosso vocabulário, a nossa capacidade de distinguir palavras parecidas como estruturas fonológicas distintas terá de se aperfeiçoar. O conhecimento de regras do material impresso - que se lêem as palavras e não as imagens, por exemplo – poderá promover a observação de regularidades sonoras nas palavras impressas. Este conhecimento, associado à observação e exploração do impresso, permitirá que se estabeleçam associações

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grafema-fonema, que sustentarão muitas das tentativas de leitura e escrita em contexto pré-escolar. Este conjunto de competências transformarão a exploração do impresso numa tarefa cada vez mais recompensadora para a criança, valorizada pelos adultos e, enquanto fonte de conhecimento e prazer, uma experiência de vida significativa e organizadora. Por tudo o que foi dito antes o Jardim – de- Infância deve, antes de mais, “constituirse como um espaço onde desenvolvimento e aprendizagem se assumam como vertentes organizadoras indissociáveis” (Silva, 1997). Com a consciência plena do que há para aprender, o educador deverá construir oportunidades de manipulação, sistematização e fruição do impresso. A organização do espaço e tempo educativo deverá reflectir uma postura clara sobre o que há para aprender neste período da vida a par dos contextos significativos em as aprendizagens decorrem. A exploração do património oral deverá compreender não só os aspectos estéticos da língua como os seus aspectos funcionais: perceber sonoridades comuns, rimas, vocabulário. A organização dos espaços de actividade na sala deverá compreender espaço para actividades de escrita emergente, espaço de exposição dos materiais produzidos e um... um espaço de biblioteca. Mais do que um refúgio para a agitação positiva de uma sala de Jardim-de-infância, ou um local onde os livros descansam e não se estragam, a biblioteca deve ser um espaço de descoberta e aprendizagem. Deverá compreender crianças e adultos em leituras partilhadas. Trabalho diário que não compreenda actos de leitura e escrita, rapidamente será tragado pelo esquecimento e ficará como uma memória remota, duvidosa. O educador deve assumir perante o grupo o estatuto de um modelo de actos literácitos: lendo, escrevendo, pensando e demonstrando prazer com tudo isto. As práticas de escrita no jardim-de-infância apresentam um potencial organizador da actividade para além da oportunidade de pôr em prática conhecimentos que a criança vai coleccionando sobre a leitura e escrita: regras sobre o impresso, conhecimento fonológico, conhecimento sobre diversas dimensões linguísticas. O espaço de jogo simbólico poderá beneficiar da associação de material e tarefas com impresso. A recriação de espaços de jogo simbólico só beneficia da 22


inclusão de materiais impressos e de escrita: a estruturação do jogo é mais real, e a definição de personagens reflectirá os comportamentos literácitos específicos de cada uma. Nas Orientações Curriculares, “a exploração do impresso e as aprendizagens associadas à leitura e escrita são objecto de uma reflexão pertinente.” (...) “O contacto com a escrita tem como instrumento fundamental o livro. É através dos livros que as crianças descobrem o prazer da leitura e desenvolvem a sensibilidade estética. Por isso, os livros devem ser escolhidos segundo critérios de estética literária e plástica.” (Silva, 1997: pg. 70) Os livros possuem um potencial vocabular não partilhado por nenhuma

outra

experiência

linguística.

Estudos

recentes (Stanovich,

2000)

demonstram que um livro de literatura para a infância possui em média 50% mais palavras raras do que um programa de televisão de grande audiência ou a conversa entre estudantes. Novamente se defende nas “Orientações Curriculares” que (...) “As histórias lidas ou contadas pelo educador, recontadas e inventadas pelas crianças, de memória ou a partir de imagens, são um meio de abordar o texto narrativo que, para além de outras formas de exploração, noutros domínios de expressão, suscitam o desejo de aprender a ler.” (Silva, 1997: pg. 70) Os livros reúnem um conjunto de estruturas narrativas diversas: conto, poesia, conteúdo científico ou humanístico... Em momentos avançados da aprendizagem da leitura e escrita a criança irá utilizar os conhecimentos que discretamente reuniu no contacto com a diversidade intertextual.

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3 - Livros e família: um espaço a explorar A família é de longe o mais natural, eficaz e económico contexto de desenvolvimento da criança (Bronfenbrenner, 1979). A investigação tem comparado práticas literácitas em contexto familiar e sucesso educativo. Paradoxalmente, o sucesso na aprendizagem – em especial a aprendizagem da leitura e escrita – está positivamente associada a práticas de leitura conjunta de livros, a visita a bibliotecas; mas não ao nível de formação académica dos pais ou a altos rendimentos mensais. “A criança que vê os pais lerem compreende o papel e a importância da leitura e terá mais probabilidades de construir um projecto pessoal de leitor.” (AZEVEDO, Fernando, “Formar Leitores – das teorias às práticas, 2007) A literacia familiar compreende os modos como pais, crianças e outros membros da família utilizam a literacia em casa e na sua comunidade. As experiências literácitas podem ocorrer espontaneamente durante rotinas do dia-a-dia ou serem iniciadas propositadamente pelos adultos. A observação das interacções familiares em torno de tarefas de literacia permite estruturar um conjunto de experiências promotoras de desenvolvimento literácito emergente (Hannon, 1995, 1998; Mata, 1999). Antes de mais, as famílias podem oferecer oportunidades para aprender: quando lêem histórias, apresentando estruturas narrativas, vocabulário e conceitos imersos nos textos; quando ajudam a compreender o impresso no meio social; quando os levam a bibliotecas ou mesmo quando permitem que as crianças possuam livros e materiais para explorar a escrita. A crença de que este conjunto de actividades é fundamental num plano de aprendizagem e desenvolvimento infantil promove o reconhecimento e a valorização das aquisições daqui decorrentes. A valorização dos esforços de leitura e escrita da criança possibilita a continuidade e envolvimento nas actividades. Por outro lado, a interacção em actividades de literacia permite a aprendizagem e aquisição de conhecimentos. Esta interacção deverá ser caracterizada por medidas de qualidade de instrução e qualidade sócio-emocional, permitindo o desenvolvimento de estratégias eficazes e de experiências gratificantes de compreensão do impresso.

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Finalmente, os pais ou adultos promovem modelos de literacia. As experiências de exploração conjunta do impresso devem permitir que a criança observe como e quando os pais ou adultos utilizam o impresso e como e quando obtém prazer das actividades de literacia. Por tudo isto é necessário promover a entrada, nos contextos familiares, de instrumentos de promoção literácita de qualidade. È necessário que os livros façam parte do quotidiano familiar e envolvam todos em experiências de prazer e descoberta. Mas, essencialmente, é necessário demonstrar aos pais o que os seus filhos podem aprender e como eles os podem ajudar.

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4 - No Jardim de Infância – Ler antes de Aprender Nas sociedades letradas, as crianças, desde os primeiros meses, estão em permanente contacto com a linguagem escrita por meio de seus diferentes portadores de texto, como livros, jornais, embalagens, cartazes. É através deste contacto diversificado no seu ambiente social que as crianças descobrem o aspecto funcional da comunicação escrita, desenvolvendo interesse e curiosidade pela linguagem. Neste seu ambiente de “letramento” as crianças podem fazer, a partir de dois ou três anos de idade, uma série de perguntas como “o que está escrito aqui?” “o que isto quer dizer?”indicando sua reflexão sobre a função e o significado da escrita ao perceberem que ele representa algo” .Para Teberosky (2001, p.31) “inicialmente, por volta dos dois ou três anos, a escrita (conjunto de marcas gráficas) é um objecto em si e não um objecto simbólico; é um conjunto de marcas que, geralmente, acompanham um objecto ou uma imagem”. Os desenhos e as brincadeiras de faz-de-conta são meios de facilitar a descoberta da leitura e da escrita, assim nos diz Silva (1994, p.18) “o sistema particular de linguagem, implícito no desenho e nas brincadeiras simbólicas de faz-deconta, deve contribuir para a sua percepção de escrita, uma vez que a convivência com esse tipo de linguagem poderá levá-la a entender, mais facilmente, talvez, o simbolismo da linguagem escrita”. Assim sendo o Jardim de Infância deve ser um espaço onde a criança possa desenvolver o contacto com a leitura e a escrita em igualdade de oportunidades independentemente de serem ou não de ambientes letrados. Onde cada uma possa conviver na diversidade e pensar sobre o que representa e de que modo se comunica através da escrita e onde a leitura e a escrita possam ser utilizadas com sentido. O trabalho desempenhado pelos educadores de infância é fundamental no processo de aquisição da leitura e da escrita e o jardim de infância é, sem dúvida, um espaço privilegiado de ampliação das capacidades de comunicação e expressão e de acesso ao mundo letrado pelas crianças. Ampliação, essa, que está relacionada com o desenvolvimento gradativo das capacidades associadas às quatro competências linguísticas básicas: falar, escutar, ler e escrever.

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O processo de construção de conhecimento deve ser feito através de práticas que têm como ponto de partida e de chegada o uso da linguagem e a participação nas diversas práticas sociais de escrita”. Pois, é a partir da percepção das funções simbólicas e do desenho que a criança passa a elaborar as da escrita. Ela percebe a escrita como sinais gráficos intermediários ou substitutos de algo, da mesma forma que o desenho, o que é, sem dúvida, um avanço importante para o sua concepção e aprendizagem da leitura e da escrita” (Silva, 1994, p.19). Ler não é decifrar palavras. A leitura é um processo em que o leitor realiza um trabalho activo de construção do significado do texto, apoiando-se em diferentes estratégias como seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor e de tudo o que sabe sobre a linguagem escrita e o género em questão. São inúmeras as estratégias das quais o educador pode lançar mão para enriquecer as actividades de leitura, como comentar previamente o assunto do qual trata o texto; fazer com que as crianças levantem hipóteses sobre o tema a partir do título; oferecer informações que situem o tema a partir do título; oferecer informações que situem a leitura; criar um certo suspense quando for o caso; lembrar de outros textos conhecidos a partir do texto lido; favorecer a conversa entre as crianças para que possam compartilhar o efeito que a leitura produziu, trocar opiniões e comentários etc. No que diz respeito à escrita, ao manusear o lápis e o papel, além de desenhar, a criança, muitas vezes, produz linhas sinuosas contínuas ou uma séria de círculos pequenos ou linhas verticais que imitam a escrita do adulto. Ao ser questionada, afirmará ser essa a sua escrita dando-lhe até uma interpretação relacionada com situações do seu dia-a-dia ou desejos a serem alcançados. Silva (1994, p.19) afirma que: “É certo, porém que nessa brincadeira de faz-de-conta, ela deixa para a imaginação do leitor a tarefa de encontrar para os seus rabiscos uma relação com aquilo que pretendeu representar. E, sem dúvida, o seu conceito simbólico de sinal escrito se desenvolve, na medida em que percebe a escrita como uma disposição gráfica representativa de uma palavra, uma idéia ou mensagem”.

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Vygotsky faz um alerta quando se refere à existência de uma pré-história da linguagem escrita, desconhecida, por vezes dos educadores: “Ensina-se às crianças a desenhar letras e construir palavras com elas, mas não se ensina a linguagem escrita. Enfatiza-se de tal forma a mecânica de ler o que está escrito que se acaba obscurecendo a linguagem escrita como tal. Ignora-se ou desconhece o que há por trás das letras. Neste sentido, apaga-se da escrita todo o seu conteúdo funcional, relegando o ensino a práticas descontextualizadas e de letramento. A criança chega a aprender a ler, mas não interpreta o escrito”.“(...) ensinar a escrita nos anos préescolares impõe necessariamente que a escrita seja relevante à vida (...) que as letras se tornem elementos da vida das crianças, da mesma maneira como, por exemplo, a fala. Da mesma forma que as crianças aprendem a falar, elas podem muito bem aprender a ler e a escrever” (Vygotsky, 1989, apud Garcia, 2003, p.141). Desde que exposta a situações de exploração de livros, a criança irá aprender a perceber narrativas simples, reconhecer livros, a manusear livros, observar as diferentes partes do livro… Numa faixa etária de jardim-de-infância estes conhecimentos permitir-lhe-ão uma maior atenção e entendimento da linguagem presente nos livros. .Experiências conjugadas em casa e no jardim-de-infância permitirão à entrada para a escola (6 anos) possuir conhecimento e capacidades fundamentais para aprender a ler e escrever com sucesso. Rush (1999) realizou um estudo sobre a relação entre o desenvolvimento de competências de literacia e as interacções de educadores com crianças de meios socio-económicos desfavorecidos. Neste estudo o autor salienta aspectos particulares da interacção que estão associados ao desenvolvimento de competências de literacia. São eles: o grau de estruturação das actividades de jogo e o envolvimento do educador na actividade, a linguagem do educador, a quantidade de momentos de leitura conjunta e as actividades de literacia. Sobre este último aspecto, Leseman e Jong (1998) referem que a introdução precoce dos livros e a participação das crianças em interacções com os pais, relacionadas com literacia, são factores importantes na aprendizagem da leitura e da escrita. Dickinson & Smith (1994), num estudo sobre padrões de interacção das educadoras durante a leitura de livros em salas de educação pré-escolar, concluem que a forma como as educadoras de infância lêem livros com crianças, num contexto 28


de grupo, está fortemente relacionada com o desenvolvimento, a longo prazo, do vocabulário e de competências de compreensão de histórias. O que se aprende,então, quando vemos e ouvimos contar uma história? O adulto que lê histórias, mostrando o livro e apontando para o texto à medida que lê torna claro que: a)As palavras representam “coisas”, cada palavra tem um sentido; b)As frases cosem as palavras umas às outras, as ideias são formadas de palavras; c)O livro tem que ser usado de uma determinada maneira; d)Ao ler, transformamos em fala os símbolos gráficos obedecendo a uma ordem (esquerda para a direita e de cima para baixo); e)O que se lê são as palavras impressas e não as imagens (as imagens interpretam-se); f)As palavras são conjuntos de letras; g)As letras das palavras correspondem aos sons da palavra falada (Ah! Então por isso é que aquela palavra tem a letra do meu nome!...). É importante ler histórias. Ler regularmente. Uma criança que ouça ler histórias durante cerca de 30 minutos por dia (180 horas por ano x 6 anos) entrará na escola com cerca de 1000 horas de leitura. Uma criança que apenas ouve ler no JI, ouvirá uma média de 200 horas (20 min x 180 dias X 3 anos). Esta é a razão para diferentes resultados na aprendizagem da L&E no 1 CEB. Ter muitos livros não é uma condição fundamental. Pois, pode-se sempre recorrer à comunidade e usar as bibliotecas. Criar o hábito de visitar e dedicar tempo à leitura em biblioteca será um bom hábito a criar nas gerações futuras. Sem nunca esquecer que o adulto é a melhor referência que a criança pode ter. É o seu modelo de uso da linguagem impressa. Por isso, sempre que possível deve falar, ouvir, perguntar, mostrar, comentar, e escrever junto das crianças. “Se fosse ensinar a uma criança a beleza da música não começaria com partituras, notas e pautas. Ouviríamos juntos as melodias mais gostosas e lhe contaria sobre os instrumentos que fazem a música. Aí, encantada com a beleza da música, ela mesma me pediria que lhe ensinasse o mistério daquelas bolinhas pretas 29


escritas sobre cinco linhas. Porque as bolinhas pretas e as cinco linhas são apenas ferramentas para a produção da beleza musical. A experiência da beleza tem de vir antes. (Almanaque Brasil de Cultura Popular, set. 2004). “(...) ensinar a escrita nos anos pré-escolares impõe necessariamente que a escrita seja relevante à vida (...) que as letras se tornem elementos da vida das crianças, da mesma maneira como, por exemplo, a fala. Da mesma forma que as crianças aprendem a falar, elas podem muito bem aprender a ler e a escrever” (Vygotsky, 1989, apud Garcia, 2003, p.141)…com prazer, acrescentamos nós. Em resumo, é inquestionável o papel da família e do jardim de infância na promoção de competências de literacia em crianças de idade pré-escolar, competências essas cruciais para o posterior desenvolvimento dos processos de leitura/escrita. O desenvolvimento dessas competências parece, também, atenuar as diferenças existentes entre as crianças de meios favorecidos e as crianças de meios mais desfavorecidos, promovendo um melhor desenvolvimento destas últimas

Jardim de Infância do Ladoeiro – 2004 (fotos enviadas por mail no âmbito de um projecto de intercâmbio entre a Escola do 1º CEB de Bruscos, em Condeixa e o Jardim de Escola e Escola do 1º Ceb do Ladoeiro, em Idanha-aNova. (em anexo resumo do projecto, num escrito pela Sara, do 4º ano, da Escola de Bruscos)

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5 - Literacia no ensino básico

A crença de que a alfabetização começa e acaba entre as quatro paredes da sala de aula e que a aplicação correcta de um método garante ao professor o controle do processo de alfabetização dos alunos, baseia-se tradicionalmente no enfoque de como se deve ensinar a ler e a escrever.

EB1 de Bruscos 2007sob orientação de Emília Ferreiro, Douturada em Psicolinguística Genética,

Piaget, na Universidade de Genebra, no final dos anos 60, desviou o enfoque do "como se ensina" para o "como se aprende", colocando assim a escrita no seu devido lugar – como objecto sócio-cultural de conhecimento. Tirando da escola o monopólio da alfabetização e colocando no centro dessa questão “o sujeito activo e inteligente” que Piaget descreveu – a criança. E, esta ideia de que o aprendiz precisa pensar sobre a escrita para se alfabetizar foi revolucionária. Hoje, já não podemos acreditar que o papel da escola é determinante para os pré-requisitos necessários à alfabetização, como se fossem, apenas e só, um conjunto de habilidades de prontidão que as crianças deveriam ter para serem alfabetizadas e, consequentemente, para verificar se essas habilidades estavam desenvolvidas a escola simplesmente aplicava uma série de testes ou exercícios a fim de perceber a maturidade da criança. Da mesma maneira que a função do professor já não é apenas ensinar essa tarefa estritamente escolar e as crianças já não aprendem apenas aquilo o que o professor lhes ensina. Mas, contrariando esta nova perspectiva de escola, ainda hoje, muitos professores ensinam primeiro as letras e/ou sílabas escritas e seus respectivos sons e como se só e apenas quando essas correspondências estão memorizadas as crianças sejam capazes de ler e escrever. Ainda hoje, quando a criança não aprende, ela é que “tem” muita das vezes problemas de aprendizagem, como sendo uma criança com necessidades educativas especiais a precisar de tratamento clínico, psicológico ou psicopedagógico.. E é esta concepção de aprendizagem de leitura e de escrita que ainda

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existe que tem de mudar não continuando a ignorar os trabalhos e as investigações de Emília Ferreiro e colaboradores que demonstraram que ao contrário do que se pensava a questão crucial da alfabetização não é de natureza perceptual, mas sim conceitual. Ou seja, por detrás da mão que segura o lápis e escreve e de um olho que lê, está um sujeito que pensa sobre a escrita. E que esse existe num meio social, não apenas entre as quatro paredes da sala de aula, com o qual ele toma contacto interagindo com o que o envolve e com a sua participação em práticas sociais de leitura e escrita. Por outro lado, considerar a alfabetização como construção de conhecimento em lugar de simples acúmulo de informações não significa assumir uma posição “espontaneísta” no que se refere ao ensino. Muito pelo contrário, uma abordagem psicogenética da alfabetização aumenta a responsabilidade da escola, em vez de diminuí-la. Nem significa que as crianças não precisem aprender o valor das letras. O que a psicogênese da língua escrita permite é compreender que esse saber não é suficiente para aprender a ler e a escrever. Mas que insuficiente não significa desnecessário. A leitura e a escrita são processos que despertam a atenção pela importância que desempenham em todo processo educativo. Autores como Piaget, Vygotsky, Emília Ferreiro, Ana Teberosky, entre outros têm contribuído de forma marcante para o estudo destes processos.

“Para aprender a ler e escrever, a criança precisa

construir um conhecimento de natureza conceptual: precisa compreender não só o que a escrita representa, mas também de que forma se pode representar graficamente a linguagem. Isso significa que a alfabetização não é o desenvolvimento de capacidades relacionadas à perfeição, memorização e treino de um conjunto de habilidades sensório-motoras. É antes, um processo no qual as crianças precisam resolver problemas de natureza lógica até chegarem a compreender de que forma a escrita alfabética em português representa a linguagem e assim poderem ler por si mesmas”. Saber ler significa informar-se, progredir e adaptar-se para agir e reagir. Ler implica avanços e recuos, antecipar sentidos possíveis, inferir sentidos implícitos, colocar hipóteses, questionar o texto, mobilizando e transferindo saberes e competências anteriormente adquiridos. De acordo com Rebelo, J.A.S., os modelos interactivos “pressupõem que, durante a leitura, todas as fontes de informação actuam 32


simultaneamente: tanto a identificação, o reconhecimento de letras, a sua tradução em sons, como a compreensão, formulação de hipóteses e conjecturas para descobrir o seu significado

estão

intimamente

implicados

no

processo,

numa

relação

de

interdependência.” De acordo com a corrente psicolinguística, a compreensão é o produto constante da interacção das várias habilidades. Esta teoria defende que não haverá compreensão quando não existirem, por parte do leitor, conhecimentos que possam ser mobilizados, de forma a fazê-los interagir com os novos dados fornecidos pelo texto. Apreender o sentido do texto é dialogar consigo mesmo, com as suas concepções, sentimentos e emoções, é dialogar com o universo textual, quer ele reflicta um mundo real ou um mundo imaginário, e adoptar pontos de vista críticos que, não sendo capacidades inatas, se aprendem e desenvolvem ao fazer interagir texto e leitor, construindo, assim, leitores activos, curiosos, implicados e críticos, ou seja, leitores competentes. Em suma, podemos dizer que o papel do leitor consiste em tornar visível o que a escrita sugere por alusões e sombras. Mais do que nunca, podemos dizer que a leitura é o centro da actividade escolar. Daí que se considere, em grande medida, que muito do insucesso escolar se deva, frequentemente, à falta de desenvolvimento da competência de leitura. A tarefa de estudar (todos os conteúdos de todas as disciplinas) passa, impreterivelmente, por descodificar e compreender os textos que contêm todo o conhecimento que o aluno deve adquirir. Quanto mais competente for como leitor, mais possibilidades tem de sucesso. Na sociedade moderna, o impresso é uma realidade incontornável: não é possível viver, interagir a diverso níveis sociais sem o domínio básico das ferramentas da literacia: compreender e produzir linguagem nas vertentes orais e impressas. A linguagem é uma ferramenta essencial ao pensamento. Sem a capacidade de representar simbolicamente o que vemos e não vemos, os nossos pensamentos não iriam alem do que é palpável: literatura, arte, filosofia, ciência e história seriam impossíveis.

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A linguagem facilita a relação com o mundo e com os outros. Usando esta capacidade podemos comunicar, ordenar, controlar, perguntar, criar… A linguagem desenvolve-se em contexto de relação social: precisamos viver com os outros para desenvolver a linguagem. As crianças desenvolvem a sua linguagem ouvindo, observando, falando, provocando os adultos. Pode-se, então, também falar de uma evolução da escrita na criança, evolução influenciada, mas não totalmente determinada pela acção das instituições educativas. Mais ainda, pode-se descrever uma psicogênese nesse domínio - isto é, pode-se não somente distinguir etapas sucessivas, mas também interligá-las em termos de mecanismos constitutivos que justificam a sequência dos níveis sucessivos - (Emília Ferreiro - A escrita... antes das letras 1990). No decorrer da pesquisa de Emília Ferreiro e Ana Teberowsky ,as autoras perceberam que todas as crianças, independente de sua nacionalidade, passam no seu processo de construção da escrita pelas mesmas etapas que o homem passou quando “descobriu” a escrita. De uma forma geral, refazem a mesma trajectória que a humanidade percorreu no surgimento da escrita, fazendo uso de: Escrita Pictográfica – forma mais antiga de escrita, usada pelo homem para representar só os objectos que podiam ser desenhados. O desenho do próprio objecto representava a palavra que se queria utilizar. Escrita Ideográfica – quando o uso de um sinal ou marca representava uma palavra ou conceito. Usavam símbolos diferentes para representar palavras diferentes. Escrita Logográfica – quando utilizavam desenhos, referentes ao nome dos objectos (som) e não ao objecto em si. Tais estudos demonstram que as crianças constroem hipóteses a respeito da escrita e da leitura, da mesma forma que o fizeram para a aprendizagem da língua oral. Em todo o momento em que necessitam escrever algo, as crianças são colocadas à prova, pois necessitam pensar, se questionar, e os sinais devem representar o que vão escrever, dentre outros aspectos. Muito antes de iniciar o processo formal de aprendizagem da leitura/escrita, as crianças constroem hipóteses sobre este objecto de conhecimento.

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Até os 4 anos, elas tentam compreender que tipo de objecto são as letras e os números de nosso sistema de representação convencional. As grafias, segundo Ferreiro, são consideradas somente como "letras", "números", "a, e, i, o, u", etc. Para a criança desta faixa etária as "letras" ou os "números" não substituem nada, são aquilo que são, um objecto a mais que como outros no mundo possuem um nome. Esta maneira de pensar muda mais tarde. As grafias servem para substituir outra coisa, passam a ser "objectos substitutos", que têm um significado, ainda que diferentes do nosso ponto de vista de adultos alfabetizados, pois para as crianças as grafias não representam sons. O primeiro tipo de relação consiste em dar alguma correspondência entre os sinais gráficos e os objectos do mundo. Como os objectos têm nome, a relação estabelece-se quando para um certo conjunto de letras se atribui o nome do objecto ou imagem que o acompanha. Porém o nome ainda não é a representação de uma pauta sonora e sim uma propriedade dos objectos que podem ser representados através da escrita, a atribuição depende muito mais das correspondências que existem na relação com o objecto do que das propriedades daquilo que está escrito. Desta forma um mesmo conjunto de letras significa “vaca” perto da imagem de uma vaca, sem que se exclua que pode significar também outra coisa se estiver relacionado a outras imagens. Chega o momento no processo evolutivo que as crianças estabelecem alguma hipótese entre os sons e as letras. A primeira hipótese que aparece é que as letras representam sílabas. A hipótese silábica consiste em atribuir uma sílaba a uma letra, a qualquer delas e a correspondência é mais quantitativa que qualitativa. Para um nome trissílabo fazem falta 3 letras. Mas, no caso de nomes monossílabos ou bissílabos, duas e uma letra são "poucas". Com poucas letras (menos de três) se vai de encontro a uma outra hipótese da criança que consiste em exigir uma quantidade mínima para que uma coisa sirva para "ler". A criança tem muitas ideias sobre a escrita sem que encontremos a tal naturalidade e simplicidade do sistema alfabético. "A relação entre escrita e linguagem não é um dado inicial. A criança não parte dela, mas, chega a ela". Passa de uma correspondência lógica (uma letra para cada sílaba) para uma correspondência mais estável (não mais qualquer letra para qualquer sílaba). 35


Portanto, a ideia de que a escrita é um objecto substitutivo, isto é, tem um significado, está bastante distante da redução a uma simples associação entre fonemas e sons e não depende unicamente de uma representação dos fonemas. Nas aprendizagens envolvidas no processo de alfabetização é necessário distinguir, como o faz Emilia Ferreiro: 1. A aprendizagem de certas convenções fixas, exteriores ao sistema de escrita, como por exemplo: orientação, tipo de letra; 2. A aprendizagem da forma de representação da linguagem que define o sistema alfabético; 3. Aceitar como escrita o que é escrito de formas não convencionais ao sistema; 4. Conhecer o conjunto de "idéias prévias", "esquemas de conhecimentos" a partir dos quais intervir no processo de aprendizagem; 5. Fazer uso de uma metodologia que permita às crianças saírem de suas teorias infantis e progressivamente construir as convenções sociais que estão imbricadas nas actividades de leitura e escrita. A criança tem a sua frente uma estrada longa, até chegar à leitura e a escrita da maneira que nós, adultos, a concebemos, percebendo que a cada som corresponde uma determinada forma; que há grupos de letras separada por espaços em branco, grupos estes que correspondem a cada uma da palavras escritas. Assim, segundo processo de construção da escrita, segundo Emília Ferreiro e Ana Teberowsky, a criança passa pelas fases seguinte:

Na fase 1- Início dessa construção, as tentativas das crianças dão-se no sentido da reprodução dos traços básicos da escrita com que elas se deparam no quotidiano. O que vale é a intenção, pois, embora o traçado seja semelhante, cada um "lê" em seus rabiscos aquilo que quis escrever. Desta maneira, cada um só pode interpretar a sua própria escrita, e não a dos outros. Nesta fase, a criança elabora a hipótese de que a escrita dos nomes é proporcional ao tamanho do objecto ou ser a que está se referindo.

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Na fase 2- A hipótese central é de que para ler coisas diferentes é preciso usar formas diferentes. A criança procura combinar de várias maneiras as poucas formas de letras que é capaz de reproduzir. Nesta fase, ao tentar escrever, a criança respeita duas exigências básicas: a quantidade de letras (nunca inferior a três) e a variedade entre elas, (não podem ser repetidas).

Na fase 3- São feitas tentativas de dar um valor sonoro a cada uma das letras que compõem a palavra. Surge a chamada hipótese silábica, isto é, cada grafia traçada corresponde a uma sílaba pronunciada, podendo ser usadas letras ou outro tipo de grafia. Há, neste momento, um conflito entre a hipótese silábica e a quantidade mínima de letras exigida para que a escrita possa ser lida. A criança, neste nível, trabalhando com a hipótese silábica, precisa usar duas formas gráficas para escrever palavras com duas sílabas, o que vai de encontro às suas ideias iniciais de que são necessários, pelo menos três caracteres. Este conflito a faz caminhar para outra fase.

Na fase 4- Ocorre, então a transição da hipótese silábica para a alfabética. O conflito que se estabeleceu - entre uma exigência interna da própria criança ( o número mínimo de grafias) e a realidade das formas que o meio lhe oferece, faz com que ela procure soluções. Ela, então, começa a perceber que escrever é representar progressivamente as partes sonoras das palavras, ainda que não o faça correctamente. Na fase 5 - Finalmente, é atingido o estágio da escrita alfabética, pela compreensão de que a cada um dos caracteres da escrita corresponde valores menores que a sílaba, e que uma palavra, se tiver duas sílabas, exigindo, portanto, dois movimentos para ser pronunciada, necessitará mais do que duas letras para ser escrita e a existência de uma regra produtiva que lhes permite, a partir desses elementos simples, formar a representação de inúmeras sílabas, mesmo aquelas sobre as quais não se tenham exercitado.

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Assim, algumas crianças chegam à escola com a compreensão do princípio alfabético. Outras pensam que o número de letras de uma palavra é igual ao número de sílabas de uma palavra, enquanto outras, ainda nem sequer entenderam que as letras escritas tem relação com os sons das palavras. Devemos ter sempre presente que as crianças não chegam à escola com o mesmo nível de compreensão quer seja do ler quer do escrever. Como professores precisamos ter consciência de que os conhecimentos, para poderem ser ensinados, passam necessariamente por uma transformação em relação aos seus contextos de origem. Porém, é muito importante evitar que nesta transformação percam o seu significado, o seu sentido original. Ao mesmo tempo em que se preserva o sentido do objecto do conhecimento é indispensável que se proteja o sentido deste saber do ponto de vista do sujeito que trata de reconstruir esse objecto, isto é: a criança. Por essa razão, a transposição didáctica deve implicar fidelidade ao saber de origem, assim como fidelidade às possibilidades do sujeito de atribuir um sentido ao que vai aprender. Há ainda um outro factor que merece também uma atenção especial. Porque, hoje, também se considera que a organização do espaço físico/pedagógico e dos materiais, são também factores que influenciam o desenrolar de todo o processo de aprendizagem. Sempre que possível, a organização do espaço físico/pedagógico deve ser aconchegante, onde as crianças se sintam protegidas e acolhidas, e ao mesmo tempo seguras para se arriscar e vencer desafios. Quanto mais flexível, rico e desafiador for esse ambiente, mais ele possibilitará a ampliação do conhecimento acerca de si mesmas, dos outros e do meio em que vivem, proporcionando o funcionamento equilibrado de um projecto colectivo, onde cada um tem um papel importante. Ao estar envolvida em espaços e equipamentos inovadores as crianças vão poder experimentar, de forma lúdica e com prazer, situações práticas de leitura e de escrita aprofundando conhecimentos emergentes e desenvolvendo novas capacidades. Assim

pode-se ajudar a criança a desenvolver actividades que

reproduzam vivências sociodramáticas sugestivas, provocando situações lúdicas que conduzam a uma forma adequada do desenvolvimento da literacia.

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Os professores tendem a criar o seu estilo de trabalho elegendo um tipo de comunicação que está, entre outros aspectos, relacionado com o espaço pedagógico e a sua organização. Contudo o processo de aprendizagem não é estático. Por isso, é dever do professor encarar as suas opções pedagógicas de uma forma aberta e flexível, tentando conciliar o processo educativo com as dinâmicas socioculturais e históricas da sociedade em que se insere. Assim, sendo cabe ao professor evoluir e progredir nas suas investigações fundamentando e reajustando, se for caso disso, as suas práticas.

EB1 de Bruscos -2007 – turma A em actividade

EB1 de Buscos – Carnaval 2008 – turma A

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6- Prevenção d Sucesso Escolar – Os Parceiros Educativos Pensar de acordo com uma perspectiva pedagógica relativamente à problemática da leitura significa, fundamentalmente, considerar a importância do acto de ler na formação integral do Homem

O carácter de relação que o acto pedagógico assume pressupõe, por um lado, uma dimensão individual pela implicação de cada sujeito na sua diferença constitutiva, e, por outro lado, uma dimensão social pelo que a relação exige de abertura ao(s) outro(s) e ao espaço onde a palavra e a acção se exercem. A educação tem de ser a via para a construção e a afirmação da individualidade do sujeito num processo que o implica enquanto elemento participante de uma sociedade, tem de ser uma proposta para esse percurso, coerente e criadora no conjunto de possibilidades que oferece à realização do indivíduo. Assim, com um trabalho de envolvência com os vários parceiros sociais da escola, principalmente com as bibliotecas escolares e/ou municipais, pode-se promover um conjunto de actividades que conduzam os alunos ao contacto com os livros no sentido de os levar a desenvolver o gosto pela leitura. De uma forma lúdica, os alunos poderão encontrar uma utilidade prática para o acto de aprender e deixar de associar os livros e a aprendizagem da leitura a um acto monótono, penoso, gerador de insucesso escolar e fonte de mau estar nas nossas escolas.

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6.1 - A Biblioteca Escolar

A biblioteca escolar pode e deve desempenhar um papel importantíssimo para se conseguir alcançar um bom desempenho na leitura e escrita ajudando a despertar, desde cedo, o gosto pelos livros com iniciativas que possam chamar e atrair os alunos e a família à biblioteca, principalmente aqueles que serão mais desfavorecidas socialmente e portanto com menos acesso ao mundo dos livros e das leituras. Na verdade, na generalidade das escolas, as actividades desenvolvidas no âmbito da promoção da leitura e da literacia caracterizam-se pelo seu carácter pontual, não sistemático e essencialmente delineadas para preencher um plano de actividades. Não poderá afirmar-se que exista uma estratégia concertada que envolva a generalidade dos professores uma vez que, globalmente considerados, os projectos educativos não contemplam a leitura e a literacia como prioridades, nem esta temática tem sido objecto de reflexão nos vários órgãos de coordenação pedagógica. Constitui, de alguma forma, excepção a literacia tecnológica na medida em que é oferta quase generalizada das escolas a formação na área das Tecnologias de Informação, para além do seu carácter obrigatório como disciplina autónoma nos currículos dos 9º e 10º anos de escolaridade. Assim, de uma maneira geral, as actividades desenvolvidas são da responsabilidade conjunta das bibliotecas escolares e do departamento de Língua Portuguesa, sendo as mais comuns a organização de concursos literários, a promoção de encontros com escritores, a dinamização de clubes de leitura, a organização de feiras do livro, a exposição de trabalhos desenvolvidos no âmbito da Área de Projecto e da comemoração de datas significativas, o apoio aos alunos a nível da pesquisa bibliográfica ou a publicação de jornais escolares. Para além do carácter pontual destas actividades, há ainda dois aspectos que condicionam sobremaneira os resultados que poderiam vir a atingir: em primeiro

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lugar, nos agrupamentos de escolas, estas actividades centram-se maioritariamente na escolasede, e, na generalidade das escolas, no departamento curricular de Língua Portuguesa, por força da inexistência de uma praxis que envolva o trabalho colaborativo entre os professores, sejam eles do mesmo ciclo ou de ciclos de ensino distintos; em segundo lugar, estas actividades tendem a atrair os alunos que revelam já hábitos de leitura e competências no domínio da literacia, deixando de fora precisamente aquela franja da população escolar cujas lacunas formativas urge colmatar. Tomar consciência de que quase tudo está por fazer e, partindo desse pressuposto, urge procurar chamar para a causa da leitura e da literacia, numa primeira fase, todos aqueles cujas intervenções e formas de actuar revelam alguma preocupação com esta temática. A constituição de grupos de trabalho que incluam educadores e professores do pré-escolar ao 3º ciclo, com a missão de debater e propor medidas de combate à iliteracia e à ausência do hábito de leitura de acordo com o previsto no Plano Nacional de Leitura, poderá ser o ponto de partida para a inclusão destas temáticas nos projectos educativos de forma a que envolvam a globalidade dos alunos e das famílias ao longo do ano lectivo. A constituição de uma equipa de coordenação da Biblioteca Escolar onde estejam representados os vários grupos disciplinares (Língua Portuguesa, Línguas Estrangeiras, Matemática, Ciências Físicas e Naturais, História e Geografia, Expressões Artísticas), assim como o pré-escolar e o 1º ciclo, é um passo importante no envolvimento que se pretende o mais abrangente possível pela acção que estes elementos poderão empreender junto dos órgãos de coordenação pedagógica a que pertencem. A Biblioteca Escolar é um recurso pedagógico com o qual poderão e deverão contar na planificação das actividades que pretendem desenvolver ao longo do ano lectivo para que o envolvimento dos professores com a Biblioteca Escolar deixe de ser pontual e passe a ser feito de uma forma sistemática. O envolvimento das famílias na promoção da leitura e da literacia deverá ser um dos grandes objectivos dos projectos curriculares e a forma de concretizá-lo passará pelo apoio prestado pelo director de turma, ou pelo professor titular de turma

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no caso do 1º ciclo, aos pais e encarregados de educação logo no início do ano lectivo no sentido de tomarem consciência da importância da leitura, como um fim em si mesma e não como um meio, na estruturação do pensamento, aconselhando-os nas leituras a fazer, na forma mais adequada de ajudarem os seus educandos, na organização do seu estudo... A conclusão dos catálogos e a sua disponibilização para consulta por parte dos utilizadores é um objectivo a ser concretizado no mais breve período de tempo possível por parte das equipas afectas às bibliotecas escolares. Por forma a permitir uma eficaz recuperação da informação atendendo à faixa etária da grande maioria dos

utilizadores,

é

de

especial

importância

assegurar

uma

indexação

simultaneamente exaustiva e pertinente de todos os documentos. A ida à biblioteca de todos os alunos ao longo do ano lectivo para aí realizarem algumas actividades, de reduzida complexidade, no âmbito da pesquisa de informação nos vários suportes é um investimento que compensa largamente a longo prazo e poderá ser articulada com os professores de Estudo Acompanhado e Área de Projecto. A disponibilização de horas de apoio à leitura para todos os alunos aos quais sejam diagnosticadas dificuldades no domínio da leitura logo no início do ano lectivo é provavelmente

a

medida

mais

sensata

para

combater

a

iliteracia

e,

consequentemente, o insucesso escolar. A realização de sessões de animação da leitura, nomeadamente em articulação com professores de Língua Portuguesa, Educação Visual, Educação Musical ou Estudo Acompanhado, deverá ser feita de forma sistemática e continuada, de forma a envolver os alunos pelo menos duas vezes por período. Deverão, por isso, ser destacados em exclusividade os elementos da equipa da Biblioteca Escolar necessários para assegurar essas actividades. O exemplo que todos os professores deverão proporcionar aos alunos na divulgação dos livros e das leituras é essencial para que estes tomem consciência do carácter transversal da leitura em todas as áreas do conhecimento. Neste domínio, o papel da Biblioteca Escolar deve ser bipartido entre a difusão deste princípio junto dos professores e a disponibilização de documentos que estes poderão levar para as suas aulas, permitindo assegurar a presença permanente do livro nas salas de aula e o destaque do seu valor formativo/informativo. 43


Finalmente, aceitando-se como correcta a afirmação de que se lê pouco na escola, pelo menos em relação à leitura não escolarizada, então, tal como previsto no Plano Nacional de Leitura, é importante que se assuma a necessidade de proporcionar tempos e espaços exclusivamente dedicados à leitura desescolarizada, mas também à escrita, já que esta é simultaneamente uma consequência e um estímulo à leitura.

É função principal da Biblioteca Escolar 

Colocar à disposição dos utilizadores documentação geral e especializada

Favorecer a pesquisa multidisciplinar

Facilitar o ensino-aprendizagem através das novas tecnologia

Centralizar os recursos de produção, conservação e distribuição de informação.

Oferecer ao longo de todo o dia, um local aprazível, acolhedor e estimulante, aos alunos que desejem ali trabalhar durante os períodos sem aulas.

Promover o desenvolvimento de projectos que promovam a interactividade entre o aluno - escola – família e comunidade em geral

6.2 Biblioteca Pública . Os contextos institucionais (a escola, a biblioteca, etc), o contexto familiar e os contextos informais têm um papel importante/determinante na emergência de comportamentos de literacia. Nestes contextos, são analisados não só as interacções entre o adulto e a criança, em situações de literacia partilhada, como também as tentativas independentes da criança na exploração do material impresso. Ao longo dos últimos anos, têm-se vindo a verificar relevantes transformações nas bibliotecas públicas portuguesas, traduzindo-se na diversidade de actividades e no âmbito de actuação junto da comunidade. Novos papéis começaram a ser desenvolvidos pelas bibliotecas municipais relacionados com a educação, a cultura e com a informação. Começa a entender-se a necessidade de partilhar o livro com as crianças mais pequenas, refutando a concepção tradicional de leitura, que confunde o acto de ler

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com a simples decifração dos signos gráficos, assim como sobrevaloriza a comunicação escrita sobre a comunicação oral. Apesar de nas bibliotecas só se desenvolverem habitualmente actividades de promoção do livro e da leitura para crianças em idade pré-escolar e escolar, começam a surgir Bebetecas, espaços destinados a bebés e respectivos pais. Desmistifica-se, assim, a ideia de que as bibliotecas se destinam, unicamente, aos que sabem ler, iniciando-se com os bebés actividades de partilha da leitura, transformando o livro num objecto quotidiano. A implementação de serviços e actividades específicas para pais e bebés numa biblioteca pública contribui para o contacto precoce das crianças com o livro, aumenta os hábitos de leitura das crianças em idade pré-escolar, sensibiliza, estimula e orienta os pais e educadores na utilização lúdico-educativa do livro, fidelizando-os na utilização sistemática dos serviços e actividades. A biblioteca e a família têm um papel fundamental a desempenhar na aprendizagem da leitura, não no sentido formal do termo, mas olhando para o acto de ler como uma forma de estabelecer relações de afecto e de prazer. A criação de laços de afecto, de cumplicidade e de protecção pode ser o ponto de partida para a criação de projectos que permitam o contacto com os livro contando histórias partilhadas, e acrescentando, à cumplicidade já existente (entre pais e crianças), a faceta de contadores de histórias, tendo como principal objectivo estabelecer uma relação de afecto, de prazer,

de cumplicidade e de comunicação entre pais,

filhos e livros, num espaço e num ambiente descontraído, onde estarão mais crianças e adultos que partilham a mesma experiência, ou seja, contactar com os livros e com a leitura antes da idade escolar. Assim, pode-se não pretender que o animador/mediador da leitura substitua aos pais ou ao familiar que acompanha a criança, mas antes pelo contrário, queremos que este tenha um papel activo e interventivo, com práticas de leitura conjuntas, estimulando o prazer de escutar, de imaginar, de criar e, claro, de aprender. Objectivos gerais: 

envolver pais e crianças no processo de aprendizagem da leitura estimulando as relações de afecto e de cumplicidade; 45


estimular actividades de leitura conjunta (interacção entre pais e filhos);

iniciar a criança, o mais cedo possível, no mundo dos livros e das bibliotecas;

demonstrar diferentes materiais didácticos de apoio à aprendizagem literácita;

implicar alguns agentes da comunidade (instituições de saúde, de ensino, órgãos de comunicação social local) no projecto;

evidenciar o papel da biblioteca pública na criação de competências de leitura desde a idade pré-escolar, proporcionando o crescimento intelectual, social e cultural da criança; São objectivos específicos:

ler, contar e cantar histórias, com ritmos e entoações distintas, de forma a promover o desenvolvimento linguístico da criança;

propor aos adultos sugestões de exploração de histórias e distintas formas de abordar um livro;

elaborar um guia de leituras, sugerindo os livros adequados a essas idades;

estimular a realização de actividades de leitura em casa, de uma forma continuada, incentivando ao empréstimo de recursos documentais, adequados às suas idade Assim, parece-nos ser possível desenhar um conjunto de resposta de formação para pais, educadores e outros interessados que promovam a sensibilidade para os processo e indicadores de literacia emergente e a aprendizagem de modelos de interacção. Por outro lado, temos consciência de que nem sempre é claro o investimento que se realiza na qualidade do ambiente literácito familiar e os ganhos em cultura, conhecimento e até bem-estar social. Por isso, serão necessárias também implementar acções de sensibilização para decisores políticos locais (Autarcas). Acreditamos que é possível demonstrar que de um investimento se trata; que os recursos financeiros que mobilizamos hoje terão retorno na qualidade da aprendizagem das crianças envolvidas, na elevação dos níveis

de

aprendizagem,

de

leitura,

na

qualidade das gerações futuras, para além de Biblioteca de Algés, Janeiro 2008 46


uma não desprezível promoção de qualidade de vida sócio-emocional das famílias envolvidas. E acima de tudo não nos podemos esquecer da relação pais-filhos. que deste modo poderá ser enriquecida e fortalecida através da cumplicidade do prazer de partilhar momentos com o livro e com a leitura.

6.3 AS ACTIViDADES DE TEMPO LIVRE E AS ACTIVIDADES EXTRA CURRICULARES As actividades de tempo livre, assim como as actividades extra curriculares, oferecidas pela novo projecto de escola a tempo inteiro, são momentos privilegiados para o desenvolvimento das competências de literacia de uma forma lúdica. Isto porque são momentos em que se poderá aliar o enriquecimento curricular, no caso das AEC, às actividades lúdicas contribuindo, assim, para que acriança “aprenda a brincar”, de uma forma descontraída e sem esforço intelectual. “Não podemos esquecer que a criança, para se desenvolver, precisa de descansar e de brincar, não se devendo sobrecarregar o seu tempo de trabalho diário.” ( SALGADO, 2007) Desta forma, as actividades educativas oferecidas, nestes contextos, poderão ser inseridas em actividades de lazer, sabendo que nestas se deverá comportar, de forma integrada, as componentes do Descanso, Divertimento e Desenvolvimento (Dumazdier, 1976, citado por Salgado,2007). Assim as actividades desenvolvidas deverão permitir ás crianças repousar (Descanso) de uma forma agradável e sem stress

(Divertimento)

e

enriquecê-las

cultural

e

educativamente

(Desenvolvimento).(SALGADO, 2007). De acordo com Garvey, 1977, “A criança aprende a estruturar a linguagem através do jogo, isto é, brinca com verbalizações e ao faze-lo, generaliza e adquire novas formas linguísticas” - “O empenhamento no jogo e os níveis de complexidade envolvidos, alteram e provocam mudanças na complexidade das operações mentais “(Levy, 1984) - “O jogo promove o desenvolvimento cognitivo (descoberta, capacidade verbal, produção divergente, resolução de problemas, processos mentais, capacidade de processar informação” (Rubin, Fein & Vandenberg, 1983).

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Daí que os monitores, destas actividades, aliando a sua criatividade às suas competências pedagógicas quando desenvolvem jogos de pistas; a leitura e definição de regras; o próprio cumprimento das regras de uma actividade ou jogo; uma pesquisa na Internet; a exploração de um jogo, duma história ou de um texto, seja em grupo seja individualmente, estejam a contribuir para o desenvolvimento das competências necessárias ao desempenho da leitura e da escrita e ao desenvolvimento das competências literácitas. São todas estas razões que caracterizam o Jogo e que o tornam uma linguagem pedagógica universal que justificam a sua utilização em contexto educativo contribuindo para o seu sucesso e envolvendo os participantes numa aprendizagem com características lúdicas e cooperativas preparando-os para a vida em sociedade.

6.4 OUTROS PARCEIROS COMUNITÀRIOS Partindo da premissa que para “educar uma criança é necessário uma aldeia” então quanto mais cedo se começar o trabalho melhor. Daí que uma intervenção precoce, a nível familiar, poderá contribuir para a prevenção precoce de situações de exclusão social e do sucesso educativo, das crianças. Uma educação familiar imersa nos livros e na leitura pode começar até nas consultas de planeamento familiar e de educação infantil. Assim, tanto as equipas multidisciplinares da Intervenção Precoce como os próprios Centro de Saúde podem ter um papel muito importante na árdua tarefa de conseguir que toda a gente tenha acesso à leitura e à escrita o mais cedo possível salvaguardando, assim, o desenvolvimento das competências de literacia e a qualidade da participação em sociedade de cada indivíduo.

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CONCLUSÃO

Pensando nos objectivos da alfabetização,

hoje, não é viável continuar a

ensinar a escrita e a leitura como actos de pura codificação e descodificação. Muito mais do que aprender um sistema fechado, a aquisição da língua escrita deve estar ao serviço da formação de sujeitos críticos e pensantes, capazes de se expressar e de compreender o mundo. Alfabetizar não pode ser um exercício de mera informação, mas de promoção do desenvolvimento humano, de formação do sujeito e conquista da cidadania. E, nessa perspectiva, é também um investimento na sociedade democrática. Os nossos alunos devem ser capazes de ler muito para além das marcas de impressão das palavras. Respeitando a compreensão sobre a natureza da língua escrita e, essa, é a meta para quem se propõe a ensinar alguém a aprender a ler e escrever. Por isso, é indiscutível a necessidade de compreender o funcionamento do sistema da escrita – “A representação da linguagem, a natureza fonológica da escrita, as regras e convenções só têm sentido se o aluno puder cultivar e exercer as práticas de letramento: cultivar no sentido de usufruir das possibilidades da língua escrita no âmbito da sua cultura, e exercer como meio de responder activamente às solicitações e apelos da sociedade letrada (SOARES, 1998; RIBEIRO, 2003). No entanto, não se pode esquecer que o processo de aprendizagem

acontece num dado contexto sociocultural, sendo profundamente vinculado às suas configurações e valores. Isso quer dizer que o aluno não aprende em função de um potencial intelectual intrínseco independente do mundo. Ele aprende a partir das vivências e dos apelos do seu universo de acção e interacção. Quando o aluno está imerso num universo sociocultural, ele aprende, compreende a razão de aprender, deseja aprender, disponibiliza-se para a aprendizagem, enfrenta o desafio de aprender,

impõe-se as questões relativas à

aprendizagem, vai construindo a sua própria aprendizagem, na ampla relação com as pessoas e com os objectos que o rodeiam. Por isso, não é justo comparar indivíduos que tenham diferentes procedências, valores e experiências. Como esperar que uma

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criança proveniente de um círculo não letrado, com pouco acesso ao material escrito, tenha o mesmo interesse e o mesmo desempenho que seu colega que teve inúmeras oportunidades de ouvir histórias, ler livros, conviver entre adultos alfabetizados e utilizadores da escrita? Respeitando os processos singulares e às vezes imprevisíveis das pessoas, cabe aos professores o papel de estimular a empreitada do conhecimento, lidando com a diversidade, oferecendo oportunidades àqueles que foram marginalizados e criando oportunidades para que todos possam aprender. O compromisso do professor em estimular a aprendizagem e promover o amadurecimento das concepções acerca da escrita remete-nos à necessidade de se repensar as nossas concepções sobre a progressão do conhecimento e mais especificamente da aprendizagem da leitura e da escrita. Em primeiro lugar, é preciso rever a tradicional oposição entre aprender e fazer uso da aprendizagem. Durante muito tempo, a escola trabalhou com a lógica de primeiro aprender a escrever para depois escrever textos com fins socialmente legitimados; primeiro descodificar as letras e seus respectivos sons para depois se aprender a ler, sem dúvida uma rotura entre o descobrir a escrita, aprender a escrita e usar a escrita. Hoje, o objectivo tem de ser o da criação de uma dialéctica permanente entre o que se ensina e as práticas sociais de uso da língua . É permitir que o aluno possa aventurar-se desde o início (e cada vez mais) no universo letrado. Este, sim um importante mecanismo para demolir as barreiras entre a escola e o mundo e assim garantir a razão de aprender, o significado do que é aprendido; e mais do que isso, a vontade de continuar aprender sempre pela vida fora Em segundo lugar temos que ajustar o ensino da escrita a um projecto pessoal que supere a própria aprendizagem da escrita. É necessário que o aluno crie essa vontade de aprender a ler e a escrever, que construa e desenvolva as suas próprias concepções de leitura e de escrita e que perceba o porquê de ser importante saber ler e escrever. Em terceiro lugar, importa focar a intervenção do professor de modo a que a relação pedagógica seja efectivamente construtiva e motivadora. Enfrentando

a

diversidade e a complexidade do processo de aprendizagem de cada aluno de forma natural, reflectida e ajustada.

50


Por outro lado, é incontestável, perante os resultados dos vários estudos de investigação que a escola de hoje ainda não promove a a troca de saberes construídos pelo exercício profissional. Assim como também não incentiva o professor a investir nas experiências significativas dos seus percursos de formação e na reflexão teórico-prática. Porém, destaca-se que, no momento em que estes reflectem, em grupo e de forma informal e via relatos autobiográficos, sobre seus processos formativos, percebem o quanto precisam buscar novos subsídios teórico-práticos para poderem instaurar práticas educativas críticas e reflexivas, construindo novos sentidos em relação às suas histórias de vida e às suas práticas docentes Se calhar, o melhor será tanto para os formadores como para os pais não se debaterem tanto assim na aquisição de "métodos de trabalho" pelos alunos que, muitas vezes, não passam, de uma falsa segurança pedagógica, de aprendizagens metodológicas, sem qualquer relação directa com os conteúdos de ensino e sem articulação com a construção da inteligência do aluno … mas dedicarem-se seriamente a provocar a tomada de consciência. …Ensinar não é apenas debitar conhecimento..”“ Ensinar é sobretudo ser capaz de agir de modo a que um outro descubra a necessidade de aprender, de crescer, apoiando-o no processo de resolução de problemas com que se depara no seu próprio percurso de aprendizagem e crescimento. È ser capaz de fazer com que esse outro descubra o melhor caminho para o seu próprio desenvolvimento, desafiando-o, apoiando-o e encorajando-o na realização das tarefas necessárias à construção das competências, atitudes e valores que irão caracterizar a sua identidade como indivíduo e como membro de um grupo social.”(CABRAL, Maria) Por tudo o que para trás ficou dito, é urgente que cada professor tenha consciência que porventura, hoje, já não pode ser o “detentor do saber” e que a sua tarefa passa primordialmente por gostar de ensinar a aprender e conseguir ajudar o aluno a crescer em autonomia e responsabilidade, a compreender o que faz quando trabalha, a estabilizar procedimentos eficazes, a distanciar-se para adquirir novos conhecimentos transferíveis e a melhorar a sua eficácia cognitiva. Na certeza, porém os processos de aprendizagem que visam a consecução de objectivos de desenvolvimento das competências de literacia dos alunos não só devem ter em conta as características das suas experiências de vida e o seu capital cultural, mas devem considerar, também, as normas, os valores sociais e as relações de poder que caracterizam as 51


interacções realizadas no âmbito da família, enquanto núcleo suporte do crescimento psicossocial dos indivíduos. O que, como é facilmente perceptível, vem dificultar, e muito, a tarefa de quem pensava que “só tinha de ensinar e dar o programa” e “sem a valorização do espírito e da prática de investigação por parte dos docentes, e sem a ocorrência de programas de formação contínua apelativos e relevantes para as necessidades de aprendizagem dos profissionais do ensino das línguas dificilmente se inverterá o rumo das rotinas instituídas ao nível da sala de aula.” (CABRAL, Maria ). Mas, acreditamos que os professores vão ser capazes de dar o salto, aderir à mudança (inevitável, claro!) e seguirem o novo caminho indicado, que queremos acreditar, vá mudar o rumo das estatísticas e contribuir para que os alunos possam desenvolver efectivamente, na escola, as suas aprendizagens e competências de literacia ou seja, que a escola contribua de facto para que cada aluno aí possa desenvolver as competências necessárias para se tornar cidadão, em pleno, numa aldeia global. As constantes reformas curriculares, os constantes estudos sobre a complexidade da construção da escrita, apresentada por Ferreiro e colaboradores, sugerem a necessidade de iniciativas que, tanto do ponto de vista político quanto no plano pedagógico, possam estimular a continuidade de pesquisas básicas e aplicadas, ampliar o debate e a troca de experiências dos educadores, aproximar a universidade da escola básica, valorizar a educação, incidir sobre a formação inicial e continuada dos professores, favorecer a desburocratização escolar, a autonomia das instituições de ensino, o aprimoramento das condições de trabalho e a dignificação da profissão docente. Se há um contingente de crianças que ainda não sabem ler, mesmo após quatro anos de escolarização, isso deve-se muito provavelmente às políticas educacionais e administrativas que com medidas económicas reforçam os vícios e a burocratização do ensino público: corporativismo, formação de professores insuficiente e inadequada; centralização administrativa; medidas educacionais tomadas com o objectivo de maquiar estatísticas e agilizar o fluxo escolar; entre tantas outras mazelas que fazem o ensino emperrar sejam quais forem os métodos. Na certeza, porém, de que a mudança só terá realmente efeitos positivos quando se der uma dimensão verdadeiramente ecológica a todo o processo educativo 52


envolvendo todos os níveis de ensino, provocando o envolvimento de cada indivíduo, da família, da

comunidade e do poder politico. Só desta forma, acreditamos ser

possível desenhar uma medida abrangente de promoção de literacia. Isto é: facilitar o acesso de livros às famílias, desenvolver medidas de formação e informação a pais e educadores e, sensibilizar os agentes políticos locais para a necessidade de medidas de desenvolvimento literácito sustentado. Caberá aos educadores – enquanto profissionais de educação – fecharem este círculo. Na certeza de que os livros farão parte da vida das crianças que habitam nos adultos se... nos diversos momentos da sua vida puderam crescer com livros.

(...) ser capaz de ler não define a literacia no complexo mundo de hoje. O conceito de literacia inclui a literacia informática, a literacia do consumidor, a literacia da informação e a literacia visual. Por outras palavras, os adultos letrados devem ser capazes de obter e perceber a informação em diferentes suportes. Além do mais, compreender é a chave. Literacia significa ser capaz de perceber bem ideias novas para as usar quando necessárias. Literacia significa saber como aprender". STRIPLING, Barbara K. , ERIC,1992, in CTAP Information Literacy Guidelines K-12,

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ABORDAGEM TERRITORIAL INTEGRADA Investigação Empírica I – Situação Actual Condeixa-a-Nova com os seus 15340 habitantes (dados de 2001), apresenta-s como um dos Municípios com menor número de residentes na Sub-região do Baixo Mondego. Faz também parte do distrito de Coimbra, confrontando com os Municípios de Montemor-o-Velho a Noroeste, Coimbra a Norte, Miranda do Corvo a Nordeste, Penela a Sudeste e Soure a Sudoeste. Apresenta uma localização privilegiada no Centro Litoral a curta distância de Coimbra (12 Km) O Município de Condeixa-a-Nova, apresenta uma distribuição populacional condicionada pela existência de diferenças orográficas no seu território, que lhe confere uma certa heterogeneidade morfológica, factor que se vai traduzir por assimetrias municipais, relacionadas com as maiores ou menores dificuldades nas acessibilidades. Estas características têm vindo desde sempre a condicionar a estrutura do povoamento, mostrando uma configuração que parece confirmar muito do descrito na Tipologia de Áreas Urbanas, apresentada pelo INE. De acordo com o referido, parece ser correcto definir este Município como sendo medianamente urbano, dado que apenas as Freguesias de Condeixa-a-Nova, Condeixa-a-Velha e Sebal,

que

integram

o

sector

central,

são

consideradas

como

“Área

Predominantemente Urbana” (AMU), e apenas a Freguesia de Belide é classificada como “Área Medianamente Urbana”, sendo todas as restantes classificadas como“Área Predominantemente Rural” (APR). A análise da repartição da população activa empregada por sector de actividade económica sublinha a importância que as actividades relacionadas com o sector terciário têm no Município, uma vez que este sector representa, no ano mais recente (2001, 69,8% dos empregados. No que se refere ao sector secundário, actividade com marcada expressão n Município, indica-se que apresenta uma estrutura com um número de activos inferior ao registado no Continente em 2001 (28,1% contra 35,5%). 54


Por último, destaca-se a evolução ocorrida nas actividades do sector primário, com uma diminuição de 75,7% dos activos na década de noventa, correspondendo em 2001 os empregados a apenas 2,2% dos activos, valor inferior ao verificado no Continente (4,8%). Trata-se, como veremos, em especial de actividades ligadas à agricultura (produtos hortícolas) especialmente para auto-consumo. Na leitura da evolução e da estrutura da população residente empregada efectivamente por grupos de actividades, em 2001 tinha o seguinte panorama:  Trabalhadores da produção industrial e artesãos 18,9% dos activos empregados, que registou desde 1991 um reforço dos activos (5,0%, de 1191 para 1251 indivíduos).  domésticos e trabalhadores similares), que se cifrou em 62,5% (superior ao ocorrido no Continente 18,8%),

num contexto também de acréscimo em termos estruturais

(de 13,7% para 16,8%).  Trabalhadores não qualificados da agricultura, indústria, comércio e serviços tem na estrutura da população residente empregada uma importância também elevada, mesmo tendo ocorrido uma diminuição de 3,1% desde 1991, representando ainda em 2001 cerca de 14,0% dos empregados.  Profissões intelectuais e científicas e

empregados administrativos, apresentando

importância na estrutura de emprego do Município (12,2 e 10,7%, respectivamente), registam na década de noventa variações expressivas (468,3% e 90,8%, respectivamente), que devem ser entendidas no quadro da dinâmica económica (e demográfica) que descrevemos. No caso deste grupo (Profissões intelectuais e científicas e

– Empregados

administrativos), a dinâmica descrita deve ser entendida também no quadro do relacionamento que este Município tem com Coimbra, cidade universitária por excelência, e que tem motivado a fixação de população que trabalha neste cidade. Por último, refere-se que em termos estruturais a repartição de activos por profissões segue de perto o comportamento observado no Continente. A rede educativa é composta por 25 estabelecimentos dos diferentes níveis de ensino, sendo que a Educação Pré-escolar apresenta dez equipamentos (40%), enquanto que o 1º CEB é assegurado por 11 estabelecimentos de ensino (44%). Os restantes quatro estabelecimentos de ensino abrangem os 2º e 3º CEB – dois estabelecimentos de ensino – o Ensino Secundário e o Ensino Profissional.

55


No Município de Condeixa-a-Nova é possível observar-se a presença de nove estabelecimentos de Educação Pré-escolar afectos à rede pública e apenas um à rede particular sem fins lucrativos Os nove estabelecimentos de Educação Pré-escolar pertencentes à rede pública distribuem-se por cinco freguesias, sendo que as Freguesias de Ega e Sebal apresentam, individualmente, três equipamentos afectos a este nível de ensino. O único estabelecimento de Educação Pré-escolar da rede particular sem fins lucrativos localiza-se na Freguesia de Condeixa-a-Nova. Por seu turno, nas Freguesias de Belide, Bendafé, Furadouro, Vila Seca e Zambujal não funciona qualquer estabelecimento de Educação Pré-escolar.

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A rede educativa do 1º CEB do Município de Condeixa-a-Nova é composta por 10 estabelecimentos de ensino que, na sua totalidade, integram a rede pública. As freguesias que apresentam o maior número de estabelecimentos do 1º CEB é o Sebal, com três estabelecimentos de ensino. As restantes freguesias, exceptuando as Freguesias de Bendafé, Condeixa-a-Velha, Furadouro e Zambujal que não apresentam

qualquer

estabelecimento

de

CEB,

integram,

apenas,

um

estabelecimento afecto a este nível de ensino. O número de crianças a frequentar a Educação Pré-escolar no Município de Condeixa-a-Nova registou um aumento de 62,11%, passando de 161 a 261 crianças entre os anos lectivos 1996/1997 e 2006/2007 . Porém, este crescimento tem vindo a ocorrer de forma irregular, verificando-se mesmo ligeiros decréscimos nos anos lectivos 1997/1998, 2001/2002, 2004/2005 e 2006/2007. No

ano

lectivo

2006/2007

e,

como

foi

referido

anteriormente,

os

estabelecimentos de Educação Pré-escolar da rede pública são frequentados por 261 crianças, o que representa 84,47% do total de crianças matriculadas neste nível de ensino. Por outro lado, a frequência do único estabelecimento da rede particular sem fins lucrativos, no ano lectivo 2006/2007, é de apenas 48 crianças, valor que corresponde a apenas 15,53% do total de inscritos. Ao contrário do observado na Educação Pré-escolar, a evolução da população escolar a frequentar o 1º CEB no Município de Condeixa-a-Nova pode ser subdividida em dois momentos distintos, embora, na globalidade, se tenha verificado um decréscimo de -19,85%, na medida em que se passou dos 655 alunos, no ano lectivo 1991/1992, para os 525 alunos matriculados, no ano lectivo 2006/2007. Se até ao ano lectivo 2000/2001 foi possível identificar um decréscimo da população escolar bastante significativo, passando dos 655 aos 450 alunos matriculados, o que se traduziu numa diminuição de -31,30%. A partir desse ano lectivo observou-se um aumento do número de alunos a frequentar o 1º CEB, passando dos 468 para os 525 alunos, o que correspondeu a um crescimento de12,18%. No ano de 2001, 36,39% da população residente tinha concluído o 1º CEB, enquanto que, no ano de 1991, a população residente com o 1 º CEB concluído representava 48,53%, valores que evidenciam uma diminuição de -12,14%. No que

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respeita ao 2º e 3º CEB, 18,99% da população residente no território municipal tinha concluído este nível de ensino no ano de 2001, o que corresponde a um decréscimo de apenas -1,34% em relação ao ano de 1991 (20,33%). Por outro lado, comparativamente ao ano de 1991, a população residente com o Ensino Secundário concluído observou um aumento bastante significativo, passando de 7,45% a 14,61%, valores que evidenciam um crescimento de 7,16%. A população residente a frequentar o Ensino Médio e Superior verificou, igualmente, um aumento, passando de 3,69% a 12,87%. No que concerne ao aproveitamento escolar referente ao ano lectivo 2005/2006, a retenção no 1º CEB era de 2,14%, embora, e tal como se tem vindo a observar na globalidade do território nacional, os 2º e 3º CEB (15,61%) e o Ensino Secundário (33,33%) registem os valores mais elevados. Directamente relacionado com o aproveitamento escolar encontra-se o abandono escolar, sendo de referir que no Município de Condeixa-a-Nova foi possível observar a ocorrência de 15 casos nos 2º e 3º CEB. A delimitação de novos Territórios Educativos para a Educação Pré-escolar e o 1º CEB tem como princípio base a criação de condições de igualdade e de oportunidade de ensino para a totalidade dos alunos, com vista à estabilização das trajectórias escolares e à cobertura da população a escolarizar nos diferentes níveis de ensino, sempre de acordo com uma perspectiva de proximidade, no caso da Educação Préescolar, e uma perspectiva de qualidade, no caso do 1º CEB. No ano lectivo 2006/2007, 168 alunos frequentam o Ensino Recorrente no Município de Condeixa-a-Nova, repartindo-se por dois estabelecimentos de ensino, designadamente a EB2,3 Condeixa-a-Nova (24 alunos) e a Escola Secundária com 3º CEB Fernando Namora (144 alunos). O Ensino Secundário é o nível de ensino que apresenta o maior número de alunos, com 142 alunos, enquanto que os restantes 26 alunos frequentam o 3º CEB. No Município de Condeixa-a-Nova, o reconhecimento, validação e certificação de competências encontra-se a cargo da Escola Secundária com 3º CEB Fernando Namora, desde Setembro de 2006, e na qual se encontram inscritos 54 adultos dos quais 40 pretendem a equivalência ao 3º CEB e apenas 14 ao 2º CEB.

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O Ensino Recorrente / educação de adultos é fundamental, uma vez que este território apresenta, ao nível da sua população global, índices de escolaridade relativamente baixos. A taxa de analfabetismo no ano de 2001 era de 17,14%, valor acima da média nacional. No entanto, importa referir que, no último período intercensitário, se observou uma diminuição da taxa de analfabetismo, representando um decréscimo de -2,86% relativamente ao ano de 1991 (20%). De referir, também, a ligeira diminuição da população residente analfabeta com dez ou mais anos que ocorreu na última década, passando de 13,13% para 10,65% Perante os dados obtidos poder-se-á concluir que há ainda um longo caminho a percorrer no domínio da educação das gentes deste concelho. No entanto, a ligeira diminuição da população residente analfabeta com dez ou mais anos no último período intercensitário evidencia já algum sucesso da aposta educativa da Câmara Municipal de Condeixa-a-Nova, na promoção e incentivo do Ensino Recorrente e no alerta, aos mais jovens, para a importância da escolarização como forma de se assegurar um futuro mais próspero. Resta-nos agora continuar

acreditar e contribuir para que este seja

efectivamente um objectivo a alcançar num esforço conjunto e partilhado pelos diferentes agentes educativos na promoção de uma educação de qualidade .

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PROJECTO: “ Vamos criar uma Miateca” “A leitura no séc. XXI coloca-nos desafios múltiplos e complexos, para os quais a escola e a biblioteca têm de encontrar as respostas adequadas. Adequadas na forma e no tempo. Perceber o papel, a importância e as funções da leitura nas sociedades contemporâneas, gerindo com eficácia o presente e antecipando o futuro (...) In Prefácio – Teresa Calçada, Vice-comissária do Plano Nacional de Leitura

Ensinar às crianças a ler e a escrever para se expressarem de maneira competente na língua portuguesa de forma a

serem cidadãos autónomos e

participativos é um dos objectivos de todo o processo educativo que não depende só da escola. Por isso, este projecto visa proporcionar um percurso partilhado que permita às crianças dar sentido à leitura e à escrita, em igualdade de oportunidades, contribuindo para a criação de uma “Miateca” ( de minha Biblioteca) que se pretende seja um espaço reservado, na Biblioteca Pública, para os trabalhos de autor, criados a partir de projectos comuns aos parceiros educativos intervenientes – Educadores – Professores o 1º CEB – Agrupamento de Escolas e Câmara Municipal. PÚBLICO ALVO - Alunos dos Jardins de Infância e Escolas do 1º Ceb, do Agrupamento de Escolas de Condeixa-a—Nova PROBLEMATIZAÇÃO Em cada sala de aula deparamo-nos com alguns alunos que não lêem nem escrevem, outros que conhecem as letras, mas não descodificam nem constroem palavras nem frases e outros que até já lêem. Tudo em

função das hipóteses

conceptuais que cada um ainda está a desenvolver, e que é em muito consequência da influência do meio familiar, letrado ou não, de onde provêm. Com este projecto pretendemos ajudar os alunos, em igualdade de oportunidades, a estabelecerem relações entre o escrito e o oral para que avancem nas suas habilidades de leitura e escrita.

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OBJECTIVOS GERAIS  Envolver os vários parceiros educativos na construção de um projecto comum para o desenvolvimento dos níveis de literacia da população escolar e da população em geral  Promover a interactividade entre cidadão/escolas/biblioteca de forma a que cada um sinta e faça da biblioteca um espaço onde se alia o conhecimento ao prazer de estar, aprender, saber e partilhar.  Criar um espaço, na BP, para trabalhos de autores da comunidade escolar  Reservar na BP um espaço disponível para que cada um possa guardar/divulgar e partilhar os seus trabalhos  Fazer da BP um espaço usado e partilhado por toda a comunidade escolar e população em gera  Estimular a criação de hábitos de frequências da biblioteca na população mais jovem OBJECTIVOS ESPECÌFICOS  Promover o trabalho cooperação e parceria entre educadores e professores do 1º Ceb do Agrupamento de Escolas  Promover o prazer da leitura e da escrita  Promover a igualdade de oportunidades para a criação de um projecto leitor de cada uma das nossas criança  Estimular o desenvolvimento das competências linguísticas em cada um dos nossos alunos  Promover no seio familiar hábitos de partilha de momentos de leitura  Promover a criação de um projecto de escolarização no seio familiar  Promover o espaço da Biblioteca Pública como um espaço de todos e de cada um  Criar hábitos de frequência da Biblioteca Pública

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DESENVOLVIMENTO DO PROJECTO

 Cada

turma do 2º,3º ou 4º ano elaborará um texto reconto de uma

história tradicional a partir da sua versão original que encontrou na BP

 Com a

adaptação elaborada a turma constrói a sua apresentação em

power point

 Apresenta

o trabalho a uma turma do Pré-escolar o do 1º ano de

escolaridade

 A turma

à qual foi feita a presentação da história, fará a impressão do

texto, e a ilustração da história e a encadernação do livro, onde deve constar: - Título da história - Autor da versão original - Adaptação de… - Ilustração de…. - O nome e a idade dos autores  Durante a realização do trabalho de projecto os encarregados de educação serão chamados a participar em sessões de leitura partilhada em sala de aula, devendo acompanhar e participar no desenvolvimento do mesmo. DIVULGAÇÃO E PUBLICAÇÃO

No final do ano lectivo serão apresentados todos os trabalhos numa sessão aberta a toda a comunidade podendo os melhores serem premiados e editados numa pequena brochura e num cd.

AVALIAÇÂO DO PROJECTO

Ao longo do projecto pais, educadores e professores farão tantas reuniões de trabalho quantas as sentidas como necessárias em vários momentos para avaliação e reajuste dos procedimentos necessários à concretização do projecto

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Serão realizadas reuniões intercalares com o coordenador do projecto a fim de se proceder à avaliação do trabalho, planificação e reajustes necessários com vista a concretização do projecto NOTA: A metodologia e as estratégias utilizadas para a elaboração do trabalho, fica ao critério do professor, sob coadjuvação do coordenador do projecto, respeitando a sua autonomia, na flexibilidade, gestão e selecção de estratégias e métodos para o desenvolvimento do seu, promovendo o envolvimento e a criatividade da sua turma.

NOTA FINAL Se realmente o projecto contribuir para derrubar barreiras e, nesta primeira fase, aproximar efectivamente os diferentes parceiros educativos envolvidos neste projecto Educadores, Professores, Pais, Autarquia e Agrupamento de Escolas, terá todo o sentido alargá-lo a outros parceiros da comunidade (Centro de Saúde, Equipa da Intervenção Precoce) a fim de fazermos uma abordagem territorial integrada para promoção das competências de literacia da população do concelho, fazendo divulgação dos produtos, do projecto, às famílias que frequentam as consultas de planeamento familiar e as consultas de Saúde Infantil promovendo assim, nas famílias, a consciencialização da importância da leitura e da criação de um projecto leitor no desenvolvimento das competências de literacia e no sucesso educativo e social dos seu filhos.

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