Artsem Martysiuk
SUMÁRIO 6
PRIMEIRAS PALAVRAS
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CARTAS E MENSAGENS
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INTERNACIONAL
Apesar das restrições impostas pelo governo comunista, cristãos são cada vez mais influentes na sociedade chinesa
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REFLEXÃO Ed René Kivitz
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CH INFORMA
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TESTEMUNHO
Tim Stafford escreve sobre Philip Yancey, um dos mais lidos e celebrados autores cristãos da atualidade
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SOLIDARIEDADE
Entidade presidida por Joni Tada, americana que ficou tetraplégica, distribui cadeiras de rodas ao redor do mundo
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ESPIRITUALIDADE Eduardo Rosa Pedreira
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POLÊMICA
Fechados no início do ano, templos da Igreja Maná, acusada de cometer irregularidades, continuam interditados em Angola
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ESPECIAL J. I. Packer
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COMPORTAMENTO
Viciados em sexo encontram ajuda em ministérios evangélicos especializados
CAPA
Voluntariado evangélico cresce e crentes empreendedores se tornam elemento fundamental do chamado Terceiro Setor
CH DIGITAL HISTÓRIA
Novos estudos rechaçam suposto envolvimento amoroso entre Jesus e Maria Madalena
Em visita à Austrália, Bento XVI toca fundo na ferida da pedofilia cometida por padres
RELIGIÃO
PAVAZINE CINECULT LIVROS E RESENHAS ENTREVISTA
Para dirigente da Missão Avante, Igreja brasileira comete grave omissão no evangelismo transcultural
SONS DO CORAÇÃO OS OUTROS SEIS DIAS ÚLTIMAS PALAVRAS
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PRIMEIRAS PALAVRAS Revista Cristianismo Hoje A verdade com conteúdo evangélico www.cristianismohoje.com.br
Em nome do próximo
U
Uma das instruções mais claras da Bíblia aos servos de Deus é quanto ao socorro ao próximo. “A fé sem obras é morta”, advertem as Escrituras – e cada vez mais crentes em Jesus têm seguido à risca o mandado divino e feito da ação social um instrumento para melhorar a vida das pessoas e anunciar o Evangelho de Cristo da maneira mais prática possível. Nesta edição de CRISTIANISMO HOJE, você vai conhecer iniciativas que, em diversas áreas, têm promovido transformação social e assistência aos necessitados. É o caso de um professor universitário da pequena cidade de Pentecoste (CE), que montou um curso pré-vestibular para jovens carentes da região. Com as aulas, fé e muito empenho, 150 deles já conseguiram entrar para a universidade pública. Já a americana Joni Tada, vitimada por um acidente que a deixou tetraplégica, fez de sua tragédia pessoal a motivação para o surgimento de Rodas para o Mundo, entidade internacional de amparo a deficientes físicos. Este sexto número da revista traz muito mais informação que edifica. Na segunda reportagem da série sobre a China, o leitor vai conhecer o novo perfil da Igreja no Gigante Asiático; na Entrevista, o pastor Josué Martins dos Santos, dirigente da Missão Avante, alerta os evangélicos brasileiros quanto ao perigo da omissão na obra evangelística transcultural; e, na reportagem A bênção de ser ouvido, o drama da compulsão sexual, que afeta muitos crentes, é tratado sob o ponto de vista cristão. Já há grupos especializados que têm conseguido excelentes resultados contra este tipo de vício. A partir desta edição, o conteúdo de CRISTIANISMO HOJE é compartilhado com o portal www.cristianismohoje.com.br. Ali, além de uma seleção de matérias, artigos e colunas da revista impressa, o internauta tem muito recursos e serviços à disposição. São notícias atualizadas diariamente, reportagens e artigos on line exclusivos, meditações diárias, produtos, blogs, portal de voz e muito mais. Tudo para fornecer ao leitor cristão conteúdo gratuito, com isenção e seriedade. Aproveite tudo isso! Carlos Fernandes Diretor de Redação
Quem somos Cristianismo Hoje é uma publicação evangélica, nacional e independente, que tem como objetivo informar, encorajar, unir e edificar a Igreja brasileira, comunicando com verdade, isenção e profundidade os fatos ligados ao segmento cristão, bem como o poder transformador do Evangelho a todos os seus leitores
A revista tem uma parceria com o grupo Christianity Today International, um dos mais importantes grupos de mídia cristã do mundo, com 11 revistas e 29 sites de conteúdo Conselho Editorial Carlo Carrenho, Carlos Buczynski, Eleny Vassão, Eude Martins da Silva, Marcelo Augusto Souto, Mário Ikeda, Mark Carpenter, Nelson Bomilcar, Richard Werner, Ronaldo Lidório, Volney Faustini e William Douglas Editor Marcos Simas Diretor de redação e jornalista responsável Carlos Fernandes – MTb 17336 Jornalistas desta edição Gary Gnidovic, John W. Kennedy, Leandro Marques, Marcelo Barros, Tim Stafford e Valter Gonçalves Jr Colunistas Carlo Carrenho, Jaqueline Rodrigues, Nataniel Gomes, Nelson Bomilcar, Rubinho Pirola, Sérgio Pavarini e Whaner Endo Tradutores Karen Bomilcar e Leandro Marques Revisores Alzeli Simas e Paulo Pancote Colaboradores desta edição Ed René Kivitz, Eduardo Rosa, J. I. Packer e Ziel Machado Projeto gráfico oliverartelucas Publicidade publicidade@cristianismohoje.com.br Assinaturas 0800 644 4010 assinaturas@cristianismohoje.com.br MR Werner Distribuidora de livros Ltda. CNPJ 06.013.240/0001-07 – IE 07.450.716/001-45 Caixa postal 2351 Brasília, DF CEP 70842-970 Informações e permissões para republicação de artigos faleconosco@cristianismohoje.com.br Distribuição Fernando Chinaglia Distribuidora S. A. Rua Teodoro Silva, 907 – Rio de Janeiro, RJ Fone (0xx21) 2195-3200 Impressão Tiragem - 20.000 exemplares Endereço editorial Caixa Postal 107.006 Niterói - RJ - CEP 24360-970 Cristianismo Hoje é uma publicação bimestral da Msimas Editora Ltda. CNPJ 02.120.865/0001-17 ISSN 1982-3614
Cartas e mensagens
É difícil se ver um Evangélico que se preze, com “E” maiúsculo. Lendo a entrevista com o pastor Ricardo Gondim [edição nº 5, jun/jul 2008], percebi o quanto o segundo mandamento, estabelecido por Deus, está esquecido. Também fiquei pensando o quanto o ser humano pode sofrer em conseqüência da falta de amor e desrespeito do próximo. Como membro da Igreja Betesda aqui em Fortaleza, solidarizo-me com Gondim e rogo a Deus que ele não se deixe levar pelos comentários pejorativos e inflamados, mas que continue sendo este profeta intrépido, sem medo de apregoar o Evangelho do Reino de Deus. Romeuda Brito Gondim é daqueles poucos profetas que não têm medo de denunciar as mazelas da religião, tampouco as injustiças sociais inerentes à nossa sociedade. O problema é que falar destemidamente custa caro. José Duarte Costa Gosto bastante dos artigos do pastor Ricardo Gondim, da sua sinceridade e abertura. Mas me preocupa o fato de o público que o admira torná-lo uma espécie de ídolo ou guru evangélico – e parece que, inconscientemente ou não, ele alimenta isso. Creio que ter mágoas ou gostar de tomar vinho são coisas naturais no ser humano. Mas o que me preocupa é qual o tipo de impacto declarações como essas podem ter sobre as pessoas. Gondim é um ser humano, mas é também ministro de Deus, e neste caso penso que é prudente ser prudente (...) Fico preocupado quando vejo uma revista evangélica se preocupar com o que um pastor lê, bebe ou sobre qual é sua orientação política. David Ribeiro
Ricardo Gondim é usado por alguns “teólogos de blog” como trampolim para projeção pessoal. Muitos de seus críticos são mais conhecidos pela capacidade de criticar do que por construções suas. Tive a oportunidade de caminhar com Gondim em um programa de mentoria, onde ele e outros líderes guiam jovens da igreja, auxiliando-os na caminhada. O amor que vejo esse homem passar é algo que talvez seus críticos jamais compreendam. Rodrigo Abreu Parabéns pela matéria A fé que cura [edição nº 5]. Como evangélico e médico, senti paz através do texto bem escrito, ponderado e com unção. Murilo Melo Sou evangélica e é ótimo saber que a medicina está abrindo os olhos para o poder da fé. Sem dúvida, esse avanço ajudará pessoas sem fé, que passarão a acreditar que Deus pode fazer um grande milagre em suas vidas. Lílian Kelly Interessante o artigo Formação espiritual: A explosão necessária [coluna Espiritualidade, de Eduardo Rosa Pedreira, edição nº 4]. Concordo que esta é a realidade que vivemos. Não temos um plano que proporcione um crescimento autêntico da espiritualidade. Esquecemos que também fazendo parte deste processo, e não só o Espírito Santo. Marcos Bittencourt Cartas recebidas pelo portal www.cristianismohoje.com.br
Por necessidade de clareza e em função do espaço disponível, CRISTIANISMO HOJE reserva-se o direito de editar as cartas que recebe, adaptando sua linguagem ou suprimindo texto
Humor
Rubinho Pirola
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Fotos de Gary Gnidovic
INTERNACIONAL (First published in Christianity Today, copyright © 2008. Used by permission, Christianity Today International)
Olhos abertos para a fé Na segunda reportagem da série sobre a China, o enviado especial de Christianity Today fala sobre a ação crescente dos cristãos no Gigante Asiático Gary Gnidovic
Soldado guarda a Praça da Paz Celestial, com imagem de Mao ao fundo: a nova China do século 21 presencia mudanças inimagináveis décadas atrás
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C
Com pouco mais de uma semana de viagem, eu me sentia supreendentemente confortável num país culturalmente tão diferente e desafiador quanto a China. Já havia aprendido a me comunicar com os motoristas de táxi, a andar de ônibus pelas cidades e – o mais impressionante – estava até conseguindo me virar nos restaurantes com menus escritos em mandarim. Uma noite, enquanto procurava uma igreja oficial, caí num bueiro destampado bem no meio de uma agitada área de compras da cidade de Taiyuan, na Província de Shanxi. Não me feri com gravidade, e quando levantei, sujo e com algumas escoriações, percebi que um grupo de pessoas formara um pequeno círculo ao redor de mim. Enquanto tentava explicar o que havia acontecido e para onde eu me dirigia, fui conduzido até um carro patrulha. O policial com quem falei ofereceu levar-me até a igreja, e assim o fez. Este incidente propiciou-me um vislumbre do rápido crescimento da presença cristã naquele país. Viajei para a China com minha câmera fotográfica buscando ampliar minha compreensão sobre a situação do Cristianismo na mais populosa nação do mundo. E de lá retornei com a sensação de que o Espírito de Deus está movendo-se de uma maneira especial entre aquela gente. Quase todos os cristãos que conheci haviam se convertido nos últimos seis meses. Freqüentei tanto igrejas oficiais, que funcionam com a permissão do governo, quanto congregações domésticas clandestinas. Ao contrário do que freqüentemente somos tentados a pensar, as igrejas registradas não são comunidades apáticas ou subservientes ao governo socialista, mas congregações vibrantes e cheias de vida. Em relação às chamadas clandestinas, parece que a designação “igreja escondida”, pela qual por muito tempo foram conhecidas no Ocidente, já não se aplique hoje em
Profissionais reunidos em culto no local de trabalho: Igreja está cada vez menos escondida
Crentes visitam abrigo de crianças especiais: Evangelho em ação
dia. Ao contrário – cada vez mais os crentes têm saído à público e os recém-convertidos tendem a movimentar-se com liberdade entre ambos os grupos. Como reflexo da transformação da economia chinesa, que já se ombreia com a das grandes potências mundiais, a sociedade chinesa está também passando por enormes mudanças. A crescente juventude de classe média está buscando um novo sentido para suas vidas, enquanto que as populações mais maduras anseiam por algo que preencha o vazio deixado pelo abandono das idéias marxistas. Durante a viagem, fiz minha primeira parada numa congregação doméstica em uma grande cidade da China central. Esta igreja havia nascido 15 anos atrás, na sala de estar de uma mulher que chamaremos de Yen. Ela ainda recorda a ligação de seus avós com missionários ingleses. Durante os anos de 1980, o interesse de Yen pela Bíblia cresceu grandemente, fazendo com que ela e sua família começassem uma reunião dominical em seu pequeno apartamento. Rapidamente, o grupo cresceu e, atualmente, Yen e seu marido são os pastores de uma igreja com 800 membros. Nos domingos pela manhã, a congregação reúne-se no bem iluminado saguão de um imponente edifício público. Os encontros começam com cânticos. Eles então oram pelo governo, pedindo a Deus que conduza as autoridades à prática da justiça. No culto em que estive presente, nove dos muitos curiosos que se debruçavam sobre as muretas do andar de cima para observar acabaram se decidindo por Cristo. Após a reunião, os membros da igreja aproveitaram o domingo para visitar pessoas com debilidades físicas e mentais. É uma atividade comum para eles. Alguns dos membros da igreja chegam mesmo a adotar crianças especiais – algo raro e desafiador no contexto da cultura chinesa. Refletindo Cristo – Mais tarde, passando pelas periferias de Pequim, visitei uma escola para filhos de trabalhadores migrantes, um segmento que tem crescido na proporção do avanço econômico do país. Só em Pequim, estima-se que haja 5 milhões de migrantes. O estabelecimento foi
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INTERNACIONAL
Atividades comunitárias, como aulas de ginástica, são realizadas com objetivo de aproximar grupos cristãos das pessoas
fundado e é dirigido por cristãos, assim como um orfanato. Embora as instalações fossem bastante modestas para os padrões europeu e americano, as crianças pareciam felizes e bem educadas. Na cidade, conheci ainda um jovem intelectual cujo passo inicial para a fé cristã foram as leituras do filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard. Ele hoje está envolvido com a preparação de livros sobre o Cristianismo para o mercado acadêmico. Um outro cristão que conheci, ativista de direitos humanos, trabalhava num caso que visa o estabelecimento da igualdade de tratamento de pessoas deficientes perante as leis chinesas. Em outra conversa, troquei idéias com um influente economista que descreveu sua convicção de que a fé cristã servia como combustível para a inovação. Para ele, os
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Famintos por Jesus
enjamin (nome fictício) é pastor de uma rede de igrejas domésticas urbanas na China. Convertido ao Evangelho em 1993 numa igreja oficial, estudou num seminário nos Estados Unidos e, de volta a seu país, tornou-se um plantador de igrejas. Nesta entrevista, ele fala sobre os desafios do trabalho cristão na China: CRISTIANISMO HOJE – As autoridades governamentais interferem nas igrejas domésticas urbanas? BENJAMIN – Desde 2000, a China tem se tornado mais e mais aberta. O governo está ciente de nossa existência. O governo chinês mantém um olho aberto e o outro fechado para a Igreja. Existem propostas de medidas legais para limitar a ação das igrejas domésticas em determinadas regiões, como Shangai. Há cinco anos, medidas similares foram propostas por autoridades em Pequim, mas acabaram não sendo implementadas e o movimento está crescendo sem problemas na capital. Esta nova abertura é uma realidade que ninguém pode subestimar. O Senhor tem nos protegido.
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valores do Cristianismo são um quadro de referência fundamental para a justa utilização dos recursos econômicos de uma nação. Na tarde de outro domingo, fui convidado a subir ao vigésimo oitavo andar de um arranha-céu no coração de Pequim. Ali, no escritório de uma agência de publicidade, jovens profissionais – todos cristãos – realizam cultos de louvor a Deus toda semana. Há ainda muitas outras iniciativas de cristãos que têm provocado impacto na sociedade chinesa. Uma delas é o Serviço Sempre-Verdejante (Shanxi Evergreen Service), sediado em Shanxi. O curioso nome homenageia o missionário norueguês Peter Torjesen, morto durante um ataque japonês da Segunda Guerra Mundial. Apelidado carinhosamente de Folha Sempre-Verdejante, Torjesen é honrado como mártir pelas autoridades locais. Em 1990, Finn Torjesen obteve autorização oficial para dar continuidade ao trabalho missionário de seu avô. Desde 1993, o Serviço Shanxi Sempre-Verdejante tem conseguido algo quase impossível: é uma entidade oficial chinesa de orientação evangélica, reconhecida pelos serviços filantrópicos que realiza. A instituição ensina técnicas agrícolas a famílias camponesas e disponibiliza recursos para o desenvolvimento comunitário, a educação e o aconselhamento familiar. Comprometidos com a idéia de que o modo como os cristãos podem melhor servir à China é sendo abertos sobre sua fé, seus integrantes estão obtendo resultados bastante expressivos. O serviço resume sua missão em quatro palavras: “Servindo Shanxi, refletindo Cristo”. (Tradução: Leandro Marques; adaptação: Carlos Fernandes)
Qual a receptividade dos chineses à pregação do Evangelho? As pessoas na China estão famintas para aceitar a Jesus. O Espírito Santo já abriu os seus corações. Elas estão correndo para as igrejas. Quando você organiza um encontro evangelístico e pergunta quem deseja receber a Cristo como Salvador, várias pessoas levantam as mãos. De que maneiras a Igreja está influenciando o país neste momento? Muitos chineses julgam os cristãos como sendo dignos de confiança. Se eles desejam contratar um funcionário, ou uma babá para cuidar de suas crianças, preferem um cristão. Isso acontece porque os cristãos têm boa reputação aqui. Durante muitas crises provocadas por desastres naturais na China, as igrejas têm se envolvido no trabalho de assistência nas áreas mais carentes, inspirando até mesmo a ação por parte do governo. As igrejas têm tido uma grande influência através do exemplo de boa conduta e moral dos crentes.
REFLEXÃO | Ed René Kivitz
A oração de uma palavra só
A
As pessoas que convivem comigo dificilmente me descreveriam como um homem de oração. Mas peço licença a Paulo, apóstolo, para usar suas palavras em minha defesa –“Ninguém me considere insensato! Ou então suportai-me como insensato, a fim de que também eu me possa gloriar um pouco. O que vou dizer, não o direi conforme o Senhor, mas como insensato, certo que estou de ter motivo de me gloriar”. Sou um daqueles denunciados por Willian James, que ora simplesmente porque não consegue evitar a oração. Minha vida de oração não se explica por outra razão senão o mais profundo desespero. Durante muito tempo carreguei a culpa de orar por razões diversas – a busca da santidade, o amor ao Senhor (o famoso e piedoso “buscar a Deus por quem Deus é”) ou mesmo aquela intercessão generosa, solidária e compassiva. Mas encontrei consolo nas palavras de Thomas Merton: “A oração é uma expressão de quem somos”. A oração nunca me fez sentido. Para falar a verdade, ainda não faz. Também não consigo compreender a mecânica ou dinâmica processual da oração. Jamais consegui me ajoelhar aos pés de um deus deliberativo, que recebe as petições e súplicas das mãos do “anjo protocolador” e as despacha à luz de critérios misteriosos. Não consigo imaginar um deus pensando se responde ou não à súplica de uma mãe no corredor do hospital ou considerando se atende ou não ao clamor de uma comunidade que pede chuva. Alguém deve imaginar que Deus ouve as orações, avalia a questão e depois dá ordens aos seus anjos conforme sua perfeita vontade: “Gabriel, faça com que aquele advogado desista da compra do apartamento, pois decidi que vou deixar que o casal que orou esta manhã feche o negócio”; ou “Miguel, dê um jeito de aquele menino esquecer o agasalho e ter que voltar para buscar, porque a mãe dele está orando e eu vou poupá-lo do acidente que está para
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acontecer na esquina da escola”. Se o leitor acredita que as coisas de fato acontecem desta maneira, nada contra. Não tenho qualquer argumento para afirmar que Deus não faça ou não possa atender orações desse tipo. Respeito seu ponto de vista, até porque não duvido que você tenha inúmeras histórias de orações cujas respostas de Deus o levam a acreditar que as coisas funcionam assim mesmo. Quando comecei a pensar nessas coisas, minha experiência de oração mudou muito, e para melhor. Tudo começou quando Jesus me ensinou a invocar a Deus usando a expressão Abba. Os historiadores, Joachim Jeremias por exemplo, afirmam que abba era a palavra do dialeto siro-ocidental aramaico que uma criança usava para se referir ao seu pai. O Talmud, comentário rabínico da Torah, diz que “quando uma criança saboreia o trigo, aprende a dizer abba e imma”, querendo dizer que “papai” e “mamãe” são as primeiras palavras de um pequeno recém-desmamado que está aprendendo a falar. Na verdade, a melhor tradução para abba seria “papa” ou mesmo “pa”, algo como o mero balbuciar, assim como para imma, seria “mama” ou simplesmente “ma”. O fato é que abba era um termo infantil, anterior à construção conceitual, despido de significados culturais, ainda não elaborados na mente, mas perfeitamente compreensível ao
“Diante do Abba, a oração é parecida com um suspiro, um gemido profundo; também é semelhante a um salto de alegria incontida, um literal derramar do coração”
Martin K
coração. A criança que pronuncia abba ou imma não detém qualquer conceito de pai ou mãe, não sabe o significado de expressões como pessoa, identidade, individualidade. Ignora o que é família, casal, irmão, irmã – quanto mais conceitos abstratos como sociedade ou comunidade. Tudo quanto uma criança que pronuncia abba sabe é que existe apenas um a quem se refere assim. Diante de muitos braços estendidos em sua direção, a criança identifica quem são seu abba e sua imma. É como se, intuitivamente, pensasse assim: “Esse é meu abba, essa é minha imma; posso ir no seu colo ou lançar-me em seus braços. Ali estou suprida e segura”. Joachim Jeremias relata que Jesus se dirigia a Deus “como uma criancinha fala a seu pai, com mesma simplicidade íntima, o mesmo abandono confiante”. Jeremias considerou este Abba “ipsissima vox de Jesus”, isto é, maneira própria e original de falar do Filho de Deus. Os apóstolos assim compreenderam, e Paulo vai dizer mais tarde que o clamor Abba é ipsissima vox dos filhos de Deus, adotados na comunhão do Espírito Santo. Muito provavelmente, Abba é a palavra com que Jesus invoca Deus Pai quando do seu brado final e triunfante do alto da cruz: “Abba, nas tuas mãos entrego o meu espírito”. Logo, a expressão da mais absoluta confiança está presente no momento da mais profunda solidão e senso de abandono e desamparo. Eis a fé, como disse Martin Buber, como “adesão a Deus”. Não a uma imagem de Deus, um conceito, uma idéia do divino. Mas uma adesão a Deus, uma adesão que transcende imagens, conceitos, idéias e também sensações e percepções. A fé como adesão a Deus tal qual a adesão de uma criança desmamada no colo de sua mãe: além, ou aquém, da consciência racional, que decodifica e disseca o Senhor como um cadáver sobre a mesa da academia.
Mas, ao mesmo tempo, trata-se de fé como adesão adulta, madura, capaz de transitar além, ou aquém, das sensações e percepções, ciente tão somente de que Deus está, Deus é, e que seus braços acolhem. A oração de uma palavra só, Abba, é pronunciada na mais tenra infância e na mais extrema maturidade. Entre os dois momentos da pronúncia do Abba está a prepotência de quem acredita compreender e manipular o Deus “que habita em luz inacessível”. Diante do Abba, a oração deixa de ser um arrazoado inteligente, ou uma ladainha de murmurações e súplicas que serão depois catalogadas em colunas de “respondidas na data tal”. Diante do Abba, a oração é mais parecida com um suspiro, um gemido profundo, ou uma efusão de lágrimas; também é semelhante a um salto de alegria incontida, um literal derramar do coração. O Abba é aquele que transcende nossos dogmas, nossos sentidos e nossas manipulações. Mas é aquele que compreende e acolhe o que não dizemos pela simples razão de não sabermos o que dizer, ou como dizer. É aquele que recebe o peso dos nossos corações simultaneamente depositados aos pés da cruz e entregues em suas amorosas mãos, devolvendo ao aflito “a paz que excede a todo o entendimento”. Caso lhe seja possível compreender a oração com um estar diante daquele a respeito de quem pouco ou quase nada sabemos, exceto que é nosso Abba; se a oração é para você expressar diante dele o que lhe pesa no coração, através de gemidos profundos e um singelo balbuciar Abba, num salto de fé que transporta para além das sensações, percepções e conceitos; ou caso considere que um simples suspiro balbuciando Abba implica a mais profunda e legítima oração, então não apenas você vai orar mais, muito mais, como também – e principalmente – nunca mais será a mesma pessoa.
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CH INFORMA
Silêncio nos trens
Sexo crente
Uma decisão judicial está colocando em alerta crentes que praticam evangelismo pessoal nos trens suburbanos do Rio de Janeiro. Em julho, a juíza Viviane do Amaral, da 7ª Vara Empresarial da Comarca da Capital, baixou uma liminar proibindo o uso de equipamentos sonoros no interior das composições da SuperVia, empresa que explora o transporte ferroviário fluminense. A sentença determina que a concessionária recolha microfones e caixas de som usados pelos evangélicos. Em caso de desobediência, a SuperVia será condenada a pagar multa de R$ 10 mil diários. As pregações são uma tradição nos trens do Rio. Diariamente, grupos de igrejas e evangelistas itinerantes percorrem os vagões falando de Jesus, geralmente usando apenas a voz. Há até os chamados “vagões de crentes”, verdadeiras congregações
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sobre trilhos. A novidade é que, ultimamente, os pregadores começaram a requintar o trabalho, empregando sistemas de amplificação de som, o que desagrada a muitos passageiros. Em São Paulo, situação semelhante já se arrasta há um ano e meio. A Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) vem impedindo as ações evangelísticas nas suas composições desde o começo de 2007. “Os trens não são local adequado para se fazer pregações”, critica o gerente de Segurança da empresa, Júlio Gonçalves. “Trata-se de perseguição religiosa. Nossos direitos estão sendo violados”, reclama o pastor Marcelo Oliveira Silva, presidente da Cruzada Evangelística Interdenominacional dos Trens das Boas Novas, que promete recorrer judicialmente. Até o fechamento desta edição, as proibições continuavam valendo nas duas cidades.
Tiroteio religioso
Obama em oração e McCain no púlpito: religião pode ser decisiva nas eleições americanas
O candidato democrata à presidência dos Estados Unidos, Barak Obama, tem sofrido tiroteio religioso na sua campanha à Casa Branca.
Divulgação
Usuários de trem em São Paulo: proibição às pregações é questionada por evangélicos
Dúvidas que atormentam os crentes na delicada área do sexo normalmente são jogadas para escanteio nas igrejas. Pode-se transar antes do casamento? Sexo anal é pecado? Casais crentes podem freqüentar motéis? Pois um espaço livre para o debate destes e de outros temas apimentados foi criado no site www.sexocristao.com. Sucesso entre internautas evangélicos, o site tem uma sugestiva imagem de abertura – sob um lençol, aparecem os pés de um casal. Enquetes, artigos, fóruns, pesquisas e notícias relacionadas a sexualidade e comportamento mantêm a página atualizada. O lema do site é “O sexo como Deus planejou”.
Divulgação
Arquivo
Crentes protestam contra restrições ao evangelismo ferroviário no Rio e em São Paulo
Frente a frente
Uma das vozes mais respeitadas entre os conservadores americanos, James Dobson – dirigente da organização Foco na Família –, acusa Obama de “distorcer a Bíblia”. O motivo das críticas do religioso é o discurso Apelo à renovação, proferido pelo candidato, que é senador pelo Estado do Illinois, em 2006. No texto, Obama disse que as pessoas religiosas não possuem o monopólio sobre a moralidade e que deveriam elaborar seus argumentos em termos universais, e não religiosos – recado claro à direita fundamentalista, segmento que teve papel decisivo nas duas eleições do republicano George W.Bush, em 2000 e 2004. Dobson, partidário de Bush, disse que também não apóia o atual candidato republicano, John McCain, porque ele teria apoiado as pesquisas com células-tronco e, como senador pelo Arizona, não se “empenhou o suficiente” para impedir a aprovação à união civil entre pessoas do mesmo sexo. “Neste ano, tivemos muitas frustrações com ambos partidos políticos”, disse Dobson em seu programa de rádio, que conta com uma audiência de milhões de conservadores. A religião, aliás, pode ser fator decisivo nas eleições. A polarização entre os dois candidatos pode ser medida pelas preferências demonstradas em pesquisa realizada pelo Instituto Gallup, que ouviu quase 100 mil americanos. Dois terços do eleitorado considera a religião “muito importante” em suas vidas – o que, em tese, beneficia McCain, cujas bases incluem a direita protestante. Neste segmento, 50% das intenções de voto são do republicano, contra 40% que são dadas a Obama. Contudo, o democrata lidera na parcela dos eleitores menos religiosos, com uma margem de 55% contra os 36% do adversário.
Cachimbo da paz
“A Igreja anda pulando a cerca” Autor do sucesso É proibido pensar, João Alexandre fala de seu trabalho mais recente e critica o comportamento de parte da Igreja e da liderança evangélica:
Escola Bíblica na Missão Caiuá: entidades missionárias e igrejas que atuam no Mato Grosso do Sul assumiram compromisso de respeitar culturas indígenas
Diversas igrejas e agências missionárias que atuam no Mato Grosso do Sul foram convocadas pelo Ministério Público para assinar um documento comprometendo-se a respeitar os cultos e a cultura dos indígenas da região. O objetivo do Termo de Ajustamento de Conduta é evitar conflitos entre missionários e índios. A iniciativa partiu de um grupo de índios, que procurou a Funai para se queixar de que os missionários hostilizam suas crenças tribais. Os problemas acontecem na reserva guarani de Dourados, a 224 quilômetros da capital do Estado, Campo Grande. Ali, vivem cerca de 12 mil índios e estão instalados 36 templos e instituições religiosas. Uma delas é a Missão Caiuá, ligada à Igreja Presbiteriana, que desenvolve um respeitado trabalho social e religioso há décadas. Mas há também congregações pequenas e independentes, como as igrejas Pentecostal Indígena de Jesus, Avivamento da Última Hora e Nova Jerusalém Indígena. Comunidades católicas também atuam na reserva. O acordo prevê a aplicação de multa e outras sanções em caso de descumprimento das normas estabelecidas.
CRISTIANISMO HOJE – Em quê você pensou para compor a música É proibido pensar? JOÃO ALEXANDRE – Pensei na superficialidade, na irrelevância e na impertinência que caracteriza o discurso evangélico de hoje. Temos uma verdadeira chuva de evangelhos diferentes, transformando-nos mais em clientes que acham que o Todo-Poderoso precisa se adaptar aos nossos caprichos. Que tipos de reação você recebeu a partir do lançamento do CD? Recebi e-mails me encorajando e me ofendendo. Outras mensagens diziam que eu preciso me converter e me acusaram de ter feito a música para vender CD. Mas estou bem tranqüilo e não perdi o sono por causa disso. Levei quase três anos para compor É proibido pensar, depois de ouvir muitos conselhos de irmãos e amigos. Não é de hoje que tenho vergonha de ser chamado de evangélico; prefiro o título de cristão, pois fica mais parecido com Cristo, o noivo, e menos comprometedor em relação à Igreja, a noiva. Isso porque o primeiro permanece fiel, mas a segunda anda pulando a cerca... Existe um pensamento no meio evangélico de que líderes e ministérios são, de certa forma, intocáveis. Por que a crítica é tratada como rebeldia? É muito engraçada a atitude de alguns músicos e líderes que conheço. A grande maioria que ouviu a canção concorda comigo em número, gênero e grau – mas, na hora em que os desafio a caminhar junto comigo, levantando a bandeira da verdade, pulam fora. Para ser bem sincero, às vezes me sinto um boi de piranha. Existem raras exceções, mas os músicos e líderes, mesmo concordando comigo, preferem manter sua imagem de sempre, adoçando milhões de ouvidos, cantando e pregando o que todo mundo gosta de ouvir. Pois bem, eu prefiro cantar os que as pessoas precisam ouvir. Visite o portal www.cristianismohoje.com.br e veja a entrevista completa.
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CH INFORMA
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Prejuízo no Vaticano
A Cidade-Estado do Vaticano: queda na arrecadação preocupa Santa Sé
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A alta do euro em relação ao dólar vem causando prejuízos ao Vaticano. Em 2007, o caixa da Santa Sé apontou uma perda de 9 milhões de euros (cerca de R$ 23 milhões). De acordo com as autoridades financeiras do Estado católico, a receita do ano passado totalizou 237 milhões de euros, para uma despesa de 246 milhões. “A causa principal é a brusca e acentuada inversão de tendência na flutuação das taxas de câmbio, sobretudo do dólar”, diz um comunicado oficial. Parte da arrecadação do Vaticano provém de contribuições das igrejas nacionais, o chamado Óbulo de São Pedro. Ano passado, o país que mais contribuiu foram os Estados Unidos, com qua-
se US$ 19 milhões. A Igreja Católica no Brasil, a maior do mundo em número de fiéis nominais, enviou donativos da ordem de US$ 1,4 milhão.
Fumantes de Cristo Os fumantes da cidade de Alkmaar, na Holanda, já têm à sua disposição a primeira igreja do mundo dedicada aos fumantes. É isso mesmo – ali, a fumaça dos cigarros é considerada uma expressão de espiritualidade. Pelo menos, no entender de Cor Bush (nenhum parentesco com o presidente americano), que transformou seu estabelecimento na Universal Igreja dos Fumantes de Deus. Ele tomou a iniciativa para contornar os efeitos
de uma nova lei que proíbe o fumo em espaços públicos na Holanda, que entrou em vigor no último dia 1º de julho. A santa trindade venerada nessa igreja será “a fumaça, o fogo e a cinza”, diz Cor Bush, que afirma querer defender a liberdade religiosa garantida pela Constituição holandesa, nação de maioria religiosa protestante. Os fiéis que aderem à curiosa congregação recebem um documento autorizando-os a acender seus cigarros dentro do recinto. “A comunidade da Igreja dos Fumantes é livre para fumar na santa paz”, encerra o comerciante.
Candidato ecumênico Candidato a prefeito do Rio de Janeiro por uma coligação de partidos ligados ao seu, o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), que até o fim de julho liderava as pesquisas de intenção de voto, disse que pretende, se eleito, fazer uma aliança “com católicos, espíritas e evangélicos para tirar o Rio da crise.” Crivella é bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) e sobrinho de seu líder, o bispo Edir Macedo. A declaração é mais uma tentativa do senador descolar sua candidatura da desgastada imagem da denominação, que tem como prioridade os ataques ao espiritismo, tratado como “coisa do diabo” nas pregações de seus pastores. Em campanha, Crivella também visitou o arcebispo emérito do Rio de Janeiro, cardeal Eugênio Salles, com quem comprometeu-se a não misturar “política com religião” caso chegue à prefeitura. “Não serei o prefeito da Universal”, garantiu o candidato. Segundo ele, Dom
Eugênio desejou que Deus o abençoasse.
Pensão por morte de obreiro A Justiça fluminense condenou a Igreja Pentecostal Deus É Amor a indenizar a família de um obreiro assassinado durante um culto. O crime ocorreu num templo da denominação em Itaboraí, Região Metropolitana do Rio de Janeiro, há nove anos. Rogério da Silva Oliveira, então com 26 anos, estava contando o dinheiro arrecadado durante um culto quando foi morto por um ladrão. No entender do desembargador que relatou o processo em segunda instância, a contabilidade de ofertas em cultos é uma “atividade de risco”: “Para afastar a responsabilidade da igreja, seria necessário que a mesma tivesse demonstrado nos autos que ao menos procurou reforçar a segurança do local”, justificou o magistrado. Segundo o acórdão, a Deus É Amor terá que pagar R$ 20 mil à viúva do fiel assassinado e uma pensão de um salário mínimo (415 reais) a seus dois filhos, hoje com 11 e 12 anos, até completarem a maioridade. O pensionamento deverá ser retroativo a dezembro de 1999, quando ocorreu o crime. Pesou na decisão o fato de que a morte do Rogério causou grandes dificuldades financeiras à família, que dependia inteiramente de seu sustento. A denominação já anunciou que vai recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) por entender que fatos assim podem ocorrer em qualquer lugar e que a igreja não pode ser responsabilizada. Por sua vez, a advogada da família vai pedir indenização ainda maior.
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Mente e coração
O britânico John Stott é considerado um dos maiores teólogos da atualidade. Pregador, professor de Bíblia e autor de vários livros já publicados em português, ele foi uma das figuras mais importantes na formulação do Pacto de Lausanne (1974). Ele diz coisas como:
“A experiência não deve nunca ser o critério da verdade, mas a verdade deve sempre ser o critério da experiência.” Batismo e plenitude do Espírito Santo “A vida cristã não diz respeito apenas à nossa própria vida privada. Se nascemos de novo e adentramos a família de Deus, ele não somente se torna nosso Pai, mas qualquer outro cristão existente no mundo, a despeito de sua nação ou denominação, se torna nosso irmão ou irmã em Cristo (...) Mas de nada vale supor que a membresia na Igreja de Cristo universal é suficiente; nós temos que pertencer a algum ramo local dela.” Cristianismo básico “Não basta termos pena das vítimas da injustiça se não fazemos nada para mudar a situação injusta na qual elas se encontram.” A cruz de Cristo “As Escrituras reconhecem tanto nossa ignorância (“eles não sabem o que fazem”) quanto nossa fraqueza (“ele se lembra que somos pó”), mas elas nos dignificam, pois fazem-nos prestar contas de nossos pensamentos e de nossas ações.” Cristianismo autêntico “Responsabilidade social se torna um aspecto não apenas da missão cristã, mas também da conversão cristã. É impossível ser verdadeiramente convertido a Deus sem ser, por conseguinte, também convertido ao nosso próximo.” Missão cristã no mundo moderno
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TESTEMUNHO (First published in Christianity Today, copyright © 2008. Used by permission, Christianity Today International)
A caneta que cura
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Philip Yancey escreve para salvar seu passado – e o futuro de outros Tim Stafford
Conheci Philip Yancey quando ambos tínhamos 22 anos. Éramos ambos editores recém-formados na revista Campus Life, de Youth for Christ [Mocidade para Cristo]. Ele era de altura mediana, sem nenhuma gordura em seu corpo e tinha um cabelo enrolado numa espécie de loiro afro. Magro, embora não atlético, possuía toda a energia necessária. Ele chegou ali vindo de uma criação fundamentalista na Georgia, através do Columbia Bible College e do mestrado no Wheaton College. Sua mãe o criou como mãe solteira enquanto ensinava turmas de escola bíblica; Yancey cresceu pobre, em um trailer, junto com o irmão. Ambos foram criados para tocar piano e apreciar música clássica, de que, aliás, Yancey gosta até hoje. Eles aprenderam a trabalhar duro e a respeitar autoridades – e, mais ainda, aprenderam o Cristianismo fundamentalista. Nada importava muito, comparado a isso. Muitos se esquecem da infância fundamentalista, mas Yancey não foi um destes. Ele absorveu o caminho estreito, sua mentalidade rígida e sua forte e brava abordagem da verdade. E depois a rejeitou. Quando o conheci, ele havia escapado deliberadamente do fundamentalismo, mas isso já seria outra história... Philip Yancey havia deixado aquele mundo, mas não penso que saiu ileso. A força do fundamentalismo é sua pressão e pureza. Fundamentalistas sabem no que acreditam e são firmes em promover sua crença. Geralmente, eles podem dizer o que você pensa também; muitas vezes, são melhores em definir e criticar as posições dos outros do que em ouvir sobre como os outros os entendem. O que parece permanecer com os ex-fundamentalistas são os princípios, a vontade de lutar pela verdade e também uma forte reação à sabedoria rígida da mente dos fun-
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damentalistas. Pelo menos é o que vejo em Yancey: um poderoso senso de honestidade e idealismo, e resistência sobre fazer julgamentos. Em Wheaton, aquele que logo seria um dos mais celebrados escritores cristãos trabalhou para reconstruir seu mundo, procurando limpar-se das características fundamentalistas enquanto preservava (e descobria) a fé genuína e honesta. A bem da verdade, Yancey havia chegado ao Wheaton College a fim de preparar-se para o campo missionário, em parte porque seu pai, falecido em decorrência de pólio quando os filhos eram crianças, havia planejado ser missionário. Quem conhece Philip Yancey sabe que o que ele planeja fazer, faz. Campus Life, no entanto, foi um acidente, e não algo planejado. Ele precisava de um emprego enquanto freqüentava a escola e a revista lhe ofereceu esta oportunidade. A publicação era praticamente toda escrita pela equipe. O trabalho de um editor era, mais do que qualquer coisa, escrever. Tornou-se óbvio imediatamente para Harold Myra, nosso chefe e mentor, que Yancey era um talentoso e ativo escritor. Foi um achado para a revista – da mesma forma, um achado para ele. Esclarecido, cheio de vitalidade e criativo, Yancey teria sido bem-sucedido em qualquer coisa. Seria, sem dúvida, um ótimo missionário. Mas o ato de escrever deu a ele a oportunidade de colocar sua energia e sua inventividade em prol de seus ideais e princípios. Durante os anos em que trabalhei na Campus Life, nunca o vi esquecer um só detalhe. Ele era perfeccionista e determinado; tinha uma personalidade controlada e dirigida, que o levava a mergulhar sem reservas em tudo o que fazia. Mas era muito mais compreensivo do que a maioria dos perfeccionistas.
Foto Divulgação / EMC
“Yancey entende a dor. E trabalha duro, tremendamente duro, para, através de sua caneta, transmitir uma mensagem simples: a do amor de Deus”
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TESTEMUNHO
Acho que o levei à loucura com os meus esquecimentos, mas raramente ele se mostrou impaciente. Suspeito que isso se deva ao seu passado fundamentalista. Simplesmente, ele não queria julgar os outros e machucá-los como os outros o haviam ferido. Seus escritos melhoraram de forma incrível ao longo dos anos. Não me lembro de nenhum sinal, nos primeiros anos que trabalhamos juntos, de que ele seria um artista com as palavras, um escritor capaz de nos encantar. Philip Yancey é autodidata. Todos os seus melhores escritos são marcados por uma observação precisa e pelo cuidado ao chegar a conclusões. Com humildade, convida seus leitores a acompanhá-lo numa jornada de aprendizado, também trilhada por ele. Sim, Yancey continua sendo um missionário em seu coração. Ele quer mudar vidas. Desde que o conheço, ele está voltado a pessoas sofredoras. Compartilha suas experiências através de cartas e conversas. De alguma forma, as pessoas reconhecem esta sensibilidade nele – tanto que começou a receber uma quantidade enorme de confissões, mesmo antes de ser um autor conhecido. As pessoas o procuram para falar sobre sua dor. Alguém disse um dia que escrever começa com uma dor de cabeça. No caso de Yancey, começou com uma dor no coração. Alguns de seus títulos dão bem a idéia disto: Onde está Deus quando chega a dor? e Decepcionado com Deus. Por outro lado, sua visão mais concreta e positiva da fé pode ser vislumbrada em obras como Maravilhosa graça, O Jesus que eu nunca conheci e Aliviando a bagagem, entre tantos outros. Dois lugares foram de grande importância na vida de Yancey. No fim dos anos 1970, ele e sua mulher, Janet, mudaramse para Chicago. O trabalho dela no centro de idosos da LaSalle Street Church envolveu o casal em uma igreja histórica. LaSalle era uma congregação que acreditava no Evangelho e aceitava pessoas problemáticas da forma que chegavam. A comunidade mostrava preocupação tanto com o corpo quanto com a alma. E lá, o escritor podia ser ele mesmo; até dava aulas na escola dominical. Como ex-fundamentalista, Yancey estava ressabiado com a Igreja, mas LaSalle o trouxe de volta. Ele descobriu que poderia ser parte do Corpo de Cristo – seus dons seriam bem-vindos e honrados. Acontece que Chicago era muito mais do que aquela igreja. Os Yancey mergulharam na complicada cultura das grandes cidades, com todas as suas coisas boas e ruins – a
magnífica Sinfônica local, por exemplo, ou o beisebol apaixonante do Chicago Cubs. Havia também aglomerações, violência urbana e grandes restaurantes. Tudo muito diferente do que havia na sua Geórgia, mas ele se adaptou àquele ambiente cosmopolita. Ainda assim, uma grande parte de Philip Yancey estava radicalmente insatisfeita em Chicago. É que ele precisa da natureza, assim como o violino precisa de um arco. Portanto, nos últimos 15 anos, o casal vive no Colorado, em uma situação oposta à de Chicago – sem grandes concertos ou estádios de beisebol, mas também sem mendigos ou crimes. Há poucos restaurantes, mas eles têm as montanhas. E, em 2007, Yancey alcançou um objetivo importante para ele (e objetivos sempre são importantes para Philip Yancey): escalou o último dos 54 picos mais elevados do Colorado. O alpinismo é para ele apenas recreação, mas superar os obstáculos da subida o ajuda a avaliar tanto a beleza das montanhas quanto a capacidade de sua força de vontade. A mesma tenacidade ele carrega para as letras. Escrever é sua vocação, e ele a exerce com muita seriedade. Eu confesso que apenas gosto de escrever. Poderia escrever sobre quase tudo; minha paixão é escrever da forma mais artística e articulada possível. Se eu disser ao leitor algo que ele não sabia, então considero meu trabalho feito. Mas, Philip Yancey, não. Ele escreve para curar. Por vezes, retoma a semente de seu passado fundamentalista – as Boas Novas para os que sofrem e estão perdidos – e está determinado a transmitir essa mensagem. Apto, como qualquer perfeccionista, a se autocondenar, ele carrega uma alarmante mensagem que ainda sente dificuldade em aceitar: a de que Deus nos ama! O dom especial de Philip Yancey é o de comunicar a graça aos que sentem dor, e o faz aproximando-se deles gentilmente, e não empurrando palavras com força. É claro – todos experimentaram a dor. Portanto, de alguma forma sua mensagem é universal. Ainda assim, a resposta visceral vem dos cristãos machucados pela vida, feridos pelas falhas das igrejas. Gente que questiona se Deus pode cuidar deles enquanto permite que sofram desta maneira. Philip Yancey entende a dor. E trabalha duro, tremendamente duro, para, através de sua caneta, transmitir uma mensagem simples: a do amor de Deus. (Tradução: Karen Bomilcar)
“Todos os seus melhores escritos são marcados por uma observação precisa e pelo cuidado ao chegar a conclusões”
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Tim Stafford é escritor senior de Christianity Today
Joni Eareckson Tada, fundadora e dirigente do ministério: exemplo de vida que serve de inspiração para milhões
Fé e esperança sobre rodas Used with permission of Joni and Friends
Ministério Joni e Amigos realiza trabalho cristão de apoio a portadores de deficiência física ao redor do mundo
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Leandro Marques
Voluntário organiza cadeiras para doação: até hoje, quase 50 mil unidades foram distribuídas a carentes
“Deus, se eu não posso morrer, então mostra-me como devo viver.” A oração, em tom de desespero, foi feita em 1967 por Joni Eareckson Tada, uma jovem americana então com 17 anos. Crente daquelas nominais, que achava fazer um favor a Deus acreditando nele, a garota acabara de ver interrompidos todos os sonhos e expectativas típicos da adolescência. Um mergulho mal calculado em águas rasas provocou uma dramática guinada em sua trajetória. O clamor, feito depois que ela recebeu a dura notícia de que seu corpo estava definitivamente paralisado do pescoço para baixo, foi plenamente respondido – Joni não
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Divulgação / Joni and Friends Ministry
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tubro do ano passado: “Nós pesquisamos as necessidades de vários centros de reabilitação nos arredores do Rio. E, com a ajuda do Rotary Club, distribuímos 200 cadeiras”, lembra. A próxima já está marcada para o dia 22 de setembro, no mesmo local. Embora a participação evangélica nestas ocasiões ainda seja pouco expressiva, Kim acredita haver um crescente interesse pelo ministério de JAF. “Estamos começando a ver mais igrejas se unindo a nós e solicitando que realizemos workshops e seminários temáticos”, afirma. Além disso, diz ela, diversos grupos cristãos têm buscado treinamento e capacitação para trabalhar com pessoas portadoras de necessidades especiais. Testemunho – Evidentemente, a história pessoal de Joni é a principal inspiração do ministério. Pouco depois do acidente, enfadada com as exaustivas sessões de fisioterapia, ela desenvolveu a notável habilidade de escrever e desenhar com o lápis entre os dentes. Logo começou a pintar quadros e uma de suas exposições, na cidade americana de Baltimore, foi mostrada pela TV local, A reportagem chamou a atenção dos produtores do programa The Today Show, da rede NBC. Joni foi convidada para uma entrevista com a célebre jornalista Barbara Walters. Transmitida ao vivo para todos os EUA, a conversa fez da moça uma celebridade. Logo uma editora encomendou-lhe um livro. Assim nasceu Joni, an unforgettable story (“Joni, uma história
Used with permission of Joni and Friends
apenas aprendeu a viver com sua deficiência como fez dela a motivação para uma intensa atividade espiritual e social. Passado mais de 40 anos, ela está à frente da organização Joni and Friends (“Joni e amigos”), que tem levado esperança e inspiração a pessoas com necessidades especiais em todo o mundo. Ao todo, a organização já distribuiu, gratuitamente, quase 50 mil cadeiras de rodas, além de aparelhos ortopédicos, próteses e medicamentos em dezenas de países – inclusive no Brasil, que a entidade visitará em setembro próximo. Nascido em 1979, em Burbank, na Califórnia, o ministério Joni and Friends (JAF) tem a visão de promover e potencializar o trabalho cristão entre os portadores de deficiências físicas e seus familiares. O desafio consiste em empurrar as igrejas para além da apatia com a qual normalmente encaram tal responsabilidade, equipando-as para uma ação mais dinâmica e eficaz junto a um segmento historicamente negligenciado e cada vez mais numeroso. Estima-se que, só no Brasil, cerca de 18 milhões de pessoas convivem com alguma deficiência física, motora ou mental. “Nós queremos que a igreja de Jesus Cristo valorize as pessoas deficientes como membros mais fracos, merecedores de maior honra”, costuma dizer Joni, citando o texto de 1 C oríntios 12.22-23. Buscando conscientizar as igrejas e simultaneamente atender às demandas espirituais e psico-afetivas deste segmento, JAF iniciou seu ministério promovendo pequenos retiros em parceria com igrejas que abraçaram a visão. Hoje, centenas de pessoas participam dos eventos promovidos pela entidade todos os anos. Os resultados destes encontros, testemunha Kim Shanower – há 17 anos com JAF e atual líder do ministério no Brasil – têm sido “a reinclusão dos deficientes e seus familiares na sociedade e a salvação de muitas, muitas almas”. A ponta de lança do ministério é o programa Wheels for the World (Rodas para o Mundo), que distribui gratuitamente cadeiras de rodas aos carentes. Boa parte delas são reformadas por detentos de 17 penitenciárias americanas, além de um batalhão de voluntários. No Brasil, JAF já realizou duas distribuições em 2006 e 2007, contando sobretudo com a assistência de associações filantrópicas seculares, como o Rotary Club, uma vez que a maioria das igrejas ainda ignora a presença do ministério no Brasil. Kim Shanower, que juntamente com a missionária inglesa Gaynor Smith coordenou as duas distribuições ocorridas na sede do Clube Naval na cidade de Niterói, Região Metropolitana do Rio de Janeiro, recorda o sucesso que foi a última edição do evento, em ou-
A entidade Rodas para o Mundo pratica a filantropia e o evangelismo em todo o mundo
Used with permission of Joni and Friends
SOLIDARIEDADE
Joni and Friends esteve no Brasil ano passado e volta em setembro deste ano
inesquecível”), publicado em 1976 e que alcançou enorme sucesso editorial em todo o mundo, sendo lançado no Brasil pela Editora Vida. Pouco depois da publicação de sua autobiografia, a Associação Evangelística Billy Graham a convidou a participar da produção do longa-metragem Joni. Além de coescrever o roteiro do filme, Joni atuou também como atriz no papel dela mesma. Dali para a frente, a americana, que parecia condenada a uma vida quase vegetativa, tornou-se uma artista, escritora, conferencista e radialista de suces-
so. Seus livros, quadros e testemunho de fé inspirariam milhões de pessoas ao redor do globo e abriria portas inimagináveis para a comunicação do Evangelho. O enorme crescimento de sua popularidade e as milhares de cartas que passou a receber de pessoas que encontraram no seu exemplo coragem para viver levaram Joni a finalmente compreender a passagem de Romanos 8.28 – “Todas as coisas cooperam para o bem daqueles que temem a Deus”, como ela mesma declarou num artigo intitulado Rodas da liberdade, publicado na revista Christianity Today: “Percebi que o conceito de ‘bem’ que Deus tinha para mim não incluía ficar em pé. As coisas que cooperavam para o meu bem diziam mais respeito a uma atitude de apreciação às pequenas coisas, como uma profunda gratidão pelas amizades, e um caráter que refletisse paciência, persistência e alegria que não dependem das circunstâncias. Minha cadeira de rodas é a prisão que Deus tem usado para libertar meu espírito”, escreveu. E, a julgar pelos resultados de seu ministério, para libertar também inúmeras outras vidas ao redor do mundo.
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Dan Colcer
ESPIRITUALIDADE | Eduardo Rosa Pedreira
A espiritualidade do seguimento 26 | CRISTIANISMO HOJE
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No princípio, era o seguidor! Jesus irrompia inesperadamente e dizia: “Segue-me, venha após a mim”. A resposta positiva exigia uma ruptura com a maneira de viver até aquele momento do que aceitava o convite. A vida deveria ser reorganizada. O centro era o mestre e o caminho apontado por ele. Quem aceitava tal convite nos seus termos tornava-se um discípulo. Também, no princípio, existia o simpatizante: aquele que se emocionava com as palavras do Cristo, achava fantásticos os seus milagres, impressionava-se com a originalidade de suas atitudes, nutria enorme curiosidade por encontrá-lo – mas não colocava o pé no caminho. Simpatizava até o ponto de não precisar mudar seu estilo de vida. Tinha admiração, mas não estava interessado na transformação resultante da formação espiritual à qual todos os discípulos viveriam quando resolvessem caminhar o caminho proposto pelo Filho de Deus. Ainda no princípio, havia o consumidor. Este sequer tinha tempo de ouvir o Senhor; desejava, isso sim, comer o pão e o peixe multiplicados, ansiava pela cura da perna atrofiada, somente tinha interesse em ser restaurado da lepra... Uma vez alcançada a graça, nem sequer lembrava de retornar para agradecer. O discípulo seguia Jesus porque o admirava; o simpatizante admirava sem o seguir, e o consumidor nem seguia e nem admirava, posto que Jesus era apenas um provedor de suas necessidades, e não alguém a apontar-lhe um caminho transformador. Jesus conviveu indistinta e graciosamente com estes três grupos dentro da multidão que gravitava ao seu redor. Nunca se negou a oferecer caminho aos seguidores, admiração aos simpatizantes e provisão aos consumidores. Todavia, o rabi sabia que os discípulos eram os protagonistas para cumprir sua missão no mundo. Certamente, ele não contava com simpatizantes e consumidores para o estabelecimento do Reino de Deus. Estava certo, como sempre! Nos duzentos anos que se seguiram à sua morte, o pequeno e frágil grupo inicial de discípulos, apaixonado por sua missão, se espalhou por todo Império Romano. Eles haviam sido convocados pessoalmente para seguir um caminho; colocaram o pé na estrada e saíram pelas vilas e cidades com a mesma convocação com que foram convocados: sigamos o seu caminho. Quanto aos simpatizantes e consumidores, não se sabe o que aconteceu com eles. Afinal, quem fez a história foram os discípulos.
Não resta dúvida: o cerne da espiritualidade cristã está em seguir a Jesus. Quando decidimos conscientemente seguir o seu caminho, então a espiritualidade cristã começa a fluir em nós. O Pai, pelo seu Espírito, vai nos transformando na imagem de seu Filho à medida que damos os passos no caminho. Fora do seguimento, não há espiritualidade. Todos nós estamos necessitados de retornar à experiência original dos primeiros discípulos. Sim, nossa carência essencial está em “ver” Jesus de novo surgir em meio à nossa complexa e agitada vida, cheia de cansaço e dores, e sussurrar com ternura e vigor ao nosso coração: “Vem e segue-me!” Quando ele irromper no nosso cotidiano, como aconteceu com os pescadores da Galiléia ou com o coletor de impostos da Judéia, com aquele sedutor olhar a nos convidar a seguir o seu caminho, e largarmos as redes ou a segurança da coletoria, aceitando seu convite, então, experimentaremos real comunhão com o Deus trinitário. Longe do caminho do Filho, não seremos capazes de enxergar a face do Pai e tampouco vivenciar a presença do Espírito. De fato, no cristianismo bíblico, espiritualidade é um mero sinônimo de seguimento. Se as nossas orações, liturgias, louvores, corais, células, congressos e mensagens não apontam o caminho do Senhor e não convocam o mundo para segui-lo, então, tudo isso pode até ser espiritualidade, mas não é cristã. Se nossas igrejas se tornam fontes de atração para consumidores e admiradores, ao invés de espaços comunitários formadores de discípulos, tenhamos consciência: todos devem ser tratados com graça e amor, como Jesus fez, mas só cumpriremos sua missão no mundo sendo e formando seguidores. Não deveríamos, mas, infelizmente, estamos hoje diante de uma encruzilhada, que por natureza é o entroncamento de dois caminhos. Entrar por um é necessariamente excluir o outro. Ou escolhemos a espiritualidade do entretenimento, que produz simpatizantes e consumidores, ou optamos pela espiritualidade do seguimento, a que gera discípulos. Tenhamos, contudo, uma certeza – desde sempre, Jesus já fez a sua escolha. Basta, apenas, que o imitemos nela.
“Não resta dúvida: o cerne da espiritualidade cristã está em seguir a Jesus”
Eduardo Rosa Pedreira é pastor da Comunidade Presbiteriana da Barra da Tijuca e presidente do Renovare Brasil (www.renovare.org.br)
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POLÊMICA
Portas fechadas Igreja Maná, dirigida pelo controvertido Jorge Tadeu, continua com suas atividades suspensas pelo governo de Angola
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Marcelo Barros
A Igreja Maná, maior denominação neopentecostal de Portugal, está enfrentando sérios problemas em Angola. Criada em 1984, em Lisboa, pelo pastor Jorge Tadeu – logo alçado à posição de apóstolo –, ela tem sido obrigada a fechar suas portas no país africano. Em janeiro deste ano, o governo angolano promulgou o Decreto 6, baseado na Lei 14/92, que revoga o reconhecimento oficial às atividades da Maná. O ato resultou da conclusão de um processo instaurado pelo Ministério
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da Justiça para apurar “violações sistemáticas” da lei angolana e da ordem pública. Traduzindo, há suspeitas em relação à arrecadação de fundos e à transferência de verbas para o exterior. Segundo dados da própria organização, a Igreja Maná mantinha 800 templos e casas de culto em nove províncias angolanas. Os membros tiveram que retornar para casa numa sexta-feira, quando encontraram as portas fechadas por medida judicial.
Desvio de verba – A questão tem sido tratada, pela igreja, como um episódio de perseguição religiosa. Em um abaixoassinado intitulado Defesa da liberdade religiosa e exercício de culto dos fiéis, os membros da igreja protestaram contra a interdição dos templos. Diz um
trecho: “Temos direito à liberdade de culto e seu exercício (...) uma vez que a Constituição refere que a liberdade de consciência é inviolável”. Mas as autoridades angolanas sustentam outra tese. O processo acusa a denominação de praticar atos contra a dignidade das pessoas e a ordem pública. Em maio de 2007, o bispo José Luís Gambôa, um dos líderes da igreja na África, foi suspenso pela cúpula da Maná por suspeita de desvio de fundos, equivalentes a US$ 1 milhão, que teriam sido doados pela petrolífera Sonangol. A verba deveria ser destinada à instalação de uma escola. O fato foi decisivo para chamar a atenção das autoridades para as atividades da igreja. Ao mesmo tempo, abriu-se um inquérito interno na igreja que culminou com a expulsão do bispo. Para complicar ainda mais a história, o bispo Joaquim Muanda, que substituiu Gambôa na liderança Maná em Angola, disse publicamente que não havia provas de que o dinheiro fosse fruto de uma doação da companhia de petróleo, onde curiosamente o seu antecessor trabalhava. Muanda, sem constrangimento, acusou Gambôa de Levi LeviSimões Simões
A Maná está recorrendo da decisão, mas ainda não houve mudança. O ministro da Justiça de Angola, Manuel Aragão, após uma reunião com deputados da Comissão de Assuntos Religiosos do Parlamento, disse que a Maná poderia até reabrir suas portas aos fiéis se “reunisse os pressupostos legais”. A partir daí, seria necessário ainda requerer novamente o reconhecimento oficial. O ministro deixou, no entanto, a advertência de que o governo pode não ser favorável à reabertura de suas atividades. A igreja está implantada em Angola há 20 anos. No mundo, a Maná está presente em 32 países, nove deles africanos, e detém um império de mídia que inclui vários canais de televisão e rádio em Portugal, Espanha, Brasil e Moçambique (ver quadro). Aqui, a igreja tem cerca de quarenta templos em cinco estados, a maioria deles em São Paulo. A partir da publicação do decreto proibindo as atividades da igreja, todos os telefones de dirigentes da Igreja Maná em Angola foram desligados. Alguns locais de culto da denominação foram lacrados, alguns deles com guarnição policial à porta. CRISTIANISMO HOJE tentou, por dois meses, fazer contato com Tadeu e outros dirigentes da denominação, sem sucesso. Por meio de uma nota na ocasião do fechamento, o dirigente da Maná declarou que o decreto 14/92 contém imprecisões – uma delas, segundo o religioso, seria o fato de o processo ter como réu a Igreja Maná, representada por Jorge Tadeu. “Não represento a igreja lá. Temos igrejas legalizadas em vários países e cada uma tem a sua estrutura, com autonomia administrativa e financeira”, explicou o líder.
Sede da Igreja Maná em Lisboa: denominação enfrenta problemas com suas congregações em Angola
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POLÊMICA
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Apóstolo da mídia Arquivo
roubo, já que o dinheiro foi parar numa conta pessoal dele. O ex-bispo, por sua vez, argumentou em diversas entrevistas à imprensa angolana que ocultou o dinheiro para impedir que fosse transferido para Portugal, já que acreditava que a verba deveria ser utilizada na África. A diretora para Assuntos Religiosos do Ministério da Justiça, Fátima Viegas, lembra que o ministro pode conceder ou revogar, a qualquer momento, o reconhecimento oficial ao funcionamento de igrejas. “Este assunto da Igreja Maná é uma questão de soberania e autoridade do Estado, e a partir do momento em que há um desrespeito contra autoridade do Estado, este deve agir”, defende. “A Lei 2/04, que trata da liberdade de consciência e religião, é clara nesse sentido.” Dizendo que a igreja precisa “refletir e analisar seus erros”, Fátima lembra que a Maná teve muito tempo para se manifestar enquanto o processo estava tramitando, mas que se manteve em silêncio mesmo diante de denúncias graves. Atitudes extremistas da Igreja Maná também colaboram para prejudicar sua imagem. É o caso, por exemplo, da divulgação de um comunicado da denominação, atribuindo o desabamento do edifício onde funcionava a Direção Nacional de Investigação Criminal de Luanda – tragédia ocorrida no dia 29 de março e que provocou a morte de 30 pessoas – a um suposto “castigo divino” contra as autoridades do país por terem interditado seus templos. Houve, na igreja, quem comparasse o episódio às pragas bíblicas com que Deus castigou os egípcios no Êxodo. Durante seus quase 25 anos de existência, a Igreja Maná já esteve envolvida em várias situações polêmicas, não só no continente africano, como também em Portugal. Embora alardeie possuir “2 milhões de fiéis” em solo lusitano – um evidente despropósito, já que os evangélicos são apenas 1% dos quase 10 milhões de habitantes – , a Igreja Maná não é bem vista por suas co-irmãs. Ouvido por CRISTIANISMO HOJE, o pastor Jorge Humberto, diretor da Aliança Evangélica Portuguesa, disse que a denominação não faz parte da entidade. “É que a identidade teológica deles não se afina com o que acreditamos ser mais saudável”, explica. Além disso, o dirigente lembra que a maneira de agir da igreja é meio truculenta. “Alguns de seus opositores são simplesmente amaldiçoados pelos seguidores de Tadeu. Além disso, eles praticam um proselitismo agressivo”. Contudo, Humberto diz que a Aliança está preocupada com a situação dos crentes angolanos: “Eles bateram com a cara na porta quando buscavam alimento para suas almas. Esses irmãos não podem ficar desamparados”, defende. (Colaborou Carlos Fernandes)
Líder de um ministério multinacional, o líder da Maná adota métodos controvertidos
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m dos maiores disseminadores da chamada confissão positiva, corrente teológica que defende, entre outros pontos, o papel fundamental do crente na obtenção de bênçãos e milagres divinos, Jorge Tadeu é um líder controvertido. Ele ganhou projeção internacional quando a Igreja Maná, denominação carismática que fundou em 1984, começou a expandir-se pelo mundo a partir de Portugal. Considerada a maior igreja de língua portuguesa da Europa e da África – sobretudo em nações lusófonas, como Angola –, a Maná faz amplo uso da mídia para veicular sua mensagem e conquistar novos adeptos. Os canais de televisão ManáSat 1 e ManáSat 2 têm emissão via satélite com alcance da Europa Ocidental, África, parte dos Estados Unidos, América Central e América do Sul. A igreja mantém ainda uma construtora, uma universidade e uma editora. Nascido em Moçambique, Jorge Tadeu graduou-se em engenharia e tem especialização em grandes estruturas. Convertido ao Evangelho na África do Sul, onde estudou teologia, o apóstolo da Maná escreveu vários livros que expressam suas convicções já nos títulos, como Cura divina – como receber manter, Falar em línguas e Amor: Arma de guerra. Temas como a contemporaneidade dos milagres e dos dons do Espírito Santo, além da batalha espiritual, são recorrentes em suas mensagens. Casado com Christel Tadeu, sua segunda mulher e uma das líderes mundiais da denominação, Tadeu tem cinco filhos. Presença constante no Brasil, ele visitou o país pela última vez em julho, pregando numa série de eventos em várias cidades. (CF)
ESPECIAL | J. I. Packer (First published in Christianity Today, copyright © 2008. Used by permission, Christianity Today International)
Conte suas sur
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Já se passaram mais de vinte e cinco anos desde que aquele homem do clero, de cabelos longos, com seu violão, regeu as crianças da igreja a cantar “Deus é uma surpresa, bem na frente de seus olhos”. Mas aquelas palavras permaneceram comigo porque, tanto agora como naquela época, têm a ver com a minha própria experiência. As melhores partes da minha vida hoje se apresentam, na retrospectiva, como uma série de surpresas – surpresas felizes, presentes das mãos de um Deus muito gracioso. Será que isso é algo fora do comum? Eu duvido. Mas também duvido que nós compartilhamos as surpresas felizes com a freqüência ou a atenção que deveríamos. Há grande sabedoria naquele antigo hino cujos versos dizem: “Conta as bênçãos, conta quantas são/Recebidas das divinas mãos/Uma a uma, dize-as de uma vez/E verás surpreso o quanto Deus já fez”. Recentemente, há poucos minutos, percebi que eu precisava responder a algumas
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doces palavras ditas a meu respeito – e deveria respondêlas de forma pessoal e também devocional. Instantaneamente, listei algumas das mais felizes surpresas que já me aconteceram e a história saiu mais ou menos como vou descrever a seguir. Foi uma surpresa feliz quando Deus me tornou um cristão, após eu ter enganado a mim mesmo durante dois anos, achando que já era um, simplesmente porque ia à igreja. Jesus Cristo entrou na minha vida, reivindicou-me como seu e me tornou uma pessoa diferente – tudo isso em um espaço de cerca de 20 minutos após a segunda parte de um sermão evangelístico. Lembro desta experiência como se fosse ontem. Na época, eu considerava aquilo uma surpresa arrasadora. Mas agora, defino aquele encontro com a palavra “feliz”. Feliz também é a palavra que encontro hoje para a surpresa de perceber que, cerca de um ano após a minha
Fotomontagem/Vince Petaccio
rpresas conversão, e em meu segundo ano na universidade, Deus estava me chamando para o ministério pastoral. Naquela época, eu era uma pessoa estranha, um tipo solitário; e, como eu pensava e sentia de uma forma pobre e simples no que dizia respeito a relações humanas, lutei contra o chamado. Mas o Senhor encheu-me de poder (preciso usar esta palavra), dizendo que eu deveria crer nele e seguir em frente. Confesso que fazer isso foi amedrontador, mas Deus sabia o que estava fazendo: desde então, meu chamado para pastorear almas tem moldado todas as atividades ao longo da minha vida. Planejei ir direto para o seminário em Oxford, universidade onde eu já estudava. Mas outra surpresa feliz aconteceu quando, ao fim de meu primeiro curso de graduação, fui escolhido, sem haver me candidatado, para ser professor substituto de latim, grego e filosofia na Escola de Teologia de Londres. Lá, descobri que tinha o dom de
lecionar para adultos e desenvolvi uma verdadeira paixão por ensinar pastores. Retornei a Oxford sabendo que o trabalho com aquele tipo de educação seria central no cumprimento de meu chamado pastoral. A sucessão de surpresas em minha vida estava apenas começando. Pouco tempo antes da minha ordenação para uma igreja, conheci uma jovem em um retiro no qual nenhum de nós planejara estar. Após dois dias e uma noite sem dormir, percebi que havíamos sido feitos um para o outro – e, para minha alegria, pouco tempo depois ela chegou à mesma conclusão. Ao olhar para trás, nestes 55 anos juntos, só posso afirmar que aquele encontro foi arquitetado por Deus como outra de suas maravilhosas e felizes surpresas. Logo veio outra feliz surpresa, que fez de mim um autor de livros. Certa ocasião, fui solicitado a escrever um esboço em um panfleto. Era coisa de seis ou sete mil palavras, mas relutei por um ano – e, quase sem querer, acabei escrevendo um livro de sessenta mil palavras. Fundamentalismo e a Palavra de Deus continua sendo impresso hoje, mesmo 50 anos depois. O sucesso deste livro me mostrou que a escrita tem um papel central no processo educacional que eu procurava preencher no meu chamado pastoral. Outra surpresa feliz na minha descoberta da escrita foi quando transformei alguns artigos de revista no livro O conhecimento de Deus, obra que se tornou não apenas uma ferramenta de alento para o mundo cristão, como também uma confirmação para mim. A última surpresa desta história foi quando fui “recrutado”, como dizem hoje em dia, por meu amigo mais antigo de Oxford, James Houston, para integrar o Corpo Docente da Regent College em Vancouver, Canadá, do qual ele foi fundador e diretor. Nada estava mais distante dos meus pensamentos naquele momento do que deixar a Inglaterra, e eu já havia inclusive recusado outros convites. Mas a aproximação com Houston me fez mudar para a situação que defino hoje, sem questionamentos, como os melhores 28 anos da minha vida até agora. Descobrir que Deus estava me chamando para fazer o que posso fazer como imigrante britânico no Canadá – britânico de nascimento, agora canadense por opção, como às vezes me apresento – foi mesmo algo maravilhoso e hoje interpreto essa guinada como mais uma das surpresas muito felizes que o Senhor me proporcionou. Todas estas situações foram marcos de mudança na minha vida que eu utilizo para ilustrar a verdade de que os cristãos servem a um Deus de surpresas felizes. Disse isso em um encontro de que participei, e após o término da minha fala, a liturgia solicitava que cantássemos Onde meu Salvador me levar. Confesso que hinos vitorianos raramente me
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“Cristãos pessimistas que dizem não ter muito a agradecer a Deus estão errados. As surpresas felizes nos ajudam a continuar expressando todos os dias a gratidão devida ao Senhor” tocam (gosto mais de Watts, Wesley e Newton), mas como eu mesmo tenho minhas falhas ao formular idéias e comunicá-las, o conteúdo daquela antiga canção veio a mim como uma verdadeira interpretação teológica do que eu havia acabado de dizer a respeito dos meus 63 anos como cristão. Senti meu coração apertar-se e, quase às lágrimas, entendi que aquela era outra surpresa feliz de minha trajetória, na forma de uma inesperada confirmação divina. Paulo, discipulando convertidos, fala sempre da virtude, da obrigação e da bênção de agradecer a Deus constan-
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temente: “Deixem-se encher pelo Espírito, dando graças constantemente a Deus Pai por todas as coisas” (Efésios 5.18, 20); “Portanto, assim como vocês receberam Cristo Jesus, o Senhor, continuem a viver nele, enraizados e edificados nele, como foram ensinados, transbordando de gratidão” (Colossenses 2.6–7); “Dêem graças em todas as circunstâncias, pois esta é a vontade de Deus para vocês em Cristo Jesus” (1 Tessalonicenses 5.18). Em seus momentos difíceis, o próprio apóstolo encontrou motivos para agradecer repetidamente o privilégio de exercer seu ministério (1 Timóteo 1.12–14), pelo trabalho da graça que enxergava através do evangelismo e na vida cotidiana das igrejas. Cristãos pessimistas que dizem não ter muito a agradecer estão errados. Alguns momentos específicos de minha experiência são sem dúvidas peculiares para mim; mas não posso crer que a qualidade dessas situações seja de alguma forma especial. Portanto, incentivo todos os crentes a enxergar as surpresas felizes, pois elas nos ajudam a continuar expressando todos os dias a gratidão devida a Deus. (Tradução: Karen Bomilcar) J. I. Packer é editor senior de Christianity Today
(First published in Christianity Today, copyright © 2008. Used by permission, Christianity Today International)
A bênção de ser ouvido Compulsivos sexuais encontram apoio em ministérios cristãos especializados nos EUA
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John W. Kennedy
Um a um, oito homens chegam à sala de aula no andar de cima da igreja. Ali, todas as noites de quinta-feira, eles participam de uma reunião. O ambiente é pesado, e não poderia ser de outra maneira. “Meu nome é Kevin. Sou um viciado por sexo em processo de recuperação”, inicia um dos participantes sentados ao redor da mesa. Em seguida, cada homem fala por cerca de cinco minutos sobre como tem enfrentado as tentações na área sexual. O que os leva a abrir o coração acerca de uma área tão delicada de suas vidas não são aquelas situações comuns enfrentadas por muitos crentes, como os apelos eróticos da mídia ou um eventual assédio no ambiente de trabalho. O problema é muito mais grave – todos eles são atormentados por compulsão sexual. Tornaram-se vítimas de um desejo lascivo insaciável que os leva a trair suas esposas e até a se envolver com prostitutas. O pequeno grupo local faz parte de uma crescente rede de homens que, ao redor dos Estados Unidos, buscam ajuda através do ministério chamado Operation Integrity (Operação Integridade). Ninguém está autorizado a dar conselhos, criticar, defender ou desculpar o comportamento de um companheiro durante estes encontros semanais, que em média duram 90 minutos. O trabalho é baseado na fé
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e no estabelecimento de etapas de recuperação. É bom que se diga que ninguém ali é acusado de crimes como pedofilia ou atentado ao pudor. Trata-se de homens respeitáveis, pais de família exemplares e profissionais zelosos. Gente envolvida com o Evangelho, que ocupa os bancos das igrejas aos domingos e até exerce cargos eclesiásticos. Mas poucos têm a coragem de confessar as taras e os hábitos sexuais destrutivos aos seus pastores, mulheres e filhos. As reuniões da Operação Integridade (OI) como esta, realizada na Coast Hills Community Church, uma grande igreja não-denominacional em Aliso Viejo, no sul da Califórnia, são na verdade a última esperança para muitos deles. Após compartilhar suas histórias, os participantes do movimento se revezam para ler parágrafros do livro When Lost Men Come Home” (“Quando homens perdidos voltam para casa”), escrito pelo fundador do ministério, David Zailer. A partir daí, tem início uma conversa franca. Os depoimentos, em sua maioria, mostram que os envolvidos apresentaram progressos desde que começaram a freqüentar o grupo, mas nenhum ainda chegou àquele almejado estágio da libertação do problema. Fé e força de vontade são fundamentais no processo, assim
Darko Novakovic
COMPORTAMENTO
Greg Schneider
como a solidariedade. Ao fim da tarde, os participantes trocam abraços e palavras de incentivo. “Estamos todos nesta trincheira juntos” diz Sonny, um dos participantes, após a reunião. “Eu me fortaleço através destes homens”. “Homens desesperados” – Zailer, o fundador da Operação Integridade, convidou Christianity Today a participar de uma das sessões, que são confidenciais. Por isso, os outros nomes citados nesta reportagem são fictícios. Ele é claro ao dizer que os encontros de nada adiantarão se não houver total envolvimento. “Precisamos ser o mais honestos possível. Um homem pode aparecer por sentir-se culpado, ou porque a mulher o obrigou a vir ou ainda por ter boas intenções. Mas se ele não estiver quebrantado, não ficará. Nosso programa é para homens desesperados”, explica. Embora não esteja classificada no Manual Diagnóstico e Estatístico dos Distúrbios Mentais, a chamada adição sexual é amplamente reconhecida como um problema. Especialistas dizem que este tipo de distúrbio é definido pelo comportamento obsessivo, independente de suas conseqüências negativas para a própria pessoa ou suas relações. Na verdade, o viciado em sexo típico é aquele indivíduo que já tentou parar mas não obteve sucesso – e, no caso dos cristãos, tal comportamento costuma trazer profundo sentimento de culpa. “Acontece que o viciado em sexo não odeia a si mesmo ou a seu pecado o suficiente para abandonar o vício”, continua Zailer, que fundou a Operação Integridade em 2001. Evidentemente, fala por experiência própria. Criado no Evangelho, ele foi abusado sexualmente aos oito anos de idade por um amigo de sua família, membro da mesma igreja. Na adolescência, tornou-se dependente de álcool, cocaína e crack. Mais tarde, passou cinco anos atuando em filmes pornográficos, valendo-se de sua imagem atraente e da boa compleição física. Como pena alternativa a uma condenação de oito anos de prisão por envolvimento com drogas, Zailer passou 18 meses em um programa de tratamento. Enquanto tentava parar com seu vício sexual, ele tornou-se mais obsessivo quanto ao sexo: “Eu fiz diversos compromissos de parar”, revela. “Mas não houve quantidade suficiente de determinação pessoal ou atividade religiosa que me protegesse”. Zailer encontrou poucos no círculo da igreja que estivessem dispostos a conversar honestamente sobre pecados sexuais. Então, elaborou doze passos que, no seu entender, seriam capazes de libertar gente como ele. Este processo está na base do trabalho do ministério. Todos os envolvidos mantêm uma lista telefônica e desenvolvem suas próprias amizades dentro do grupo. O homem que precisa de ajuda começa a ter contato com um mentor, muitas vezes diariamente. A rotina de Zailer é pesada. Ele trabalha como
David Zailer, fundador do Ministério Integridade: “Sem quebrantamento, não há mudança”
construtor de piscinas e recebe, diariamente, dezenas de ligações de pessoas que buscam encorajamento. Algumas vezes, a conversa é rápida, apenas para saber se vai tudo bem. Em outras ocasiões, contudo, a confissão de um drama e o posterior aconselhamento podem levar horas. Império dos sentidos – Autoridade amplamente reconhecida quando o assunto é a ajuda à compulsivos sexuais, Patrick Carnes, autor e diretor executivo do Gentle Path Program, estima que 8% dos homens adultos e 3% das mulheres adultas tornam-se viciados em sexo em algum momento de suas vidas – o que equivale a dizer que, apenas nos Estados Unidos, cerca de 30 milhões de homens apresentam algum distúrbio sério nesta área. O obsessivo torna-se depedente da resposta neuroquímica do corpo durante as mais variadas práticas sexuais, o que inclui masturbação, parceiros múltiplos, exibicionismo, voyeurismo, pornografia na internet e até crimes como abuso sexual e estupro. A busca contínua por novas sensações torna a vítima um escravo do sexo. Conselheiros cristãos e psicólogos dizem que a extensão do problema da adição sexual é a escassez de programas de tratamento, o que faz com que milhões de freqüentadores de igrejas, tanto homens como mulheres, continuem presos ao problema por décadas. Por outro lado, a própria cultura de Igreja, que proporciona poucas oportunidades para tratar o pecado sexual, inibe a maioria das vítimas de buscar solução ou compartilhar seu drama com os irmãos. Geralmente, o
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COMPORTAMENTO
compulsivo sexual não busca ajuda até que uma crise ocorra – por exemplo, quando a esposa descobre uma agenda repleta de telefones de mulheres ou é demitido do emprego por acessar sites pornográficos na internet. Há quem tenha sido pego no flagra – por exemplo, navegando por sites pornô – pela família no domingo pela manhã, antes de sair para a igreja. Além da Operação Integridade, diversas organizações cristãs voltadas para homens sexualmente compulsivos começam a emergir. Já existem mais de 60 grupos do gênero nos EUA, que se dedicam especificamente a ajudar quem sofre de adição sexual. Os nomes das instituições sintetizam a natureza do trabalho: Pure Warriors (Guerreiros Puros), Pure Desire (Desejo de Pureza), Pure Life (Vida Pura), Samson Society (Sociedade Sansão). Seus métodos diferem, mas todos estes programas partilham a crença de que um viciado em sexo é impotente para mudar seu comportamento sozinho. “Satanás adora quando pensamos que podemos derrotar este problema sozinhos” diz Mark R. Laaser, autor do livro Healing the Wounds of Sexual Addiction (“Curando as feridas da adição sexual”). Para Nate Larkin, fundador da Samson Society, um processo de adição pode começar com a insatisfação conjugal. Mas afinal, o vício sexual é mesmo um distúrbio ou simplesmente um tipo de comportamento imoral? Bob Hugs, psicólogo clínico de Laguna Hills, Califórnia, é porta-voz de muitos terapeutas cristãos que enxergam a adição sexual tanto como uma escolha pecaminosa quanto um distúrbio biológico. O começo pode ser a repetição de um comportamento sexual. “Essa adição pode se apropriar do indivíduo e roubar sua vontade própria”, diz Hughes, que ajudou Zailer em sua recuperação e já encaminhou trinta de seus pacientes às reuniões da OI. Douglas Weiss, 45 anos, diretor executivo do Centro de Aconselhamento Heart to Heart, em Colorado Springs, diz que o cérebro de um viciado não discerne se seu comportamento sexual é moral ou imoral. Ex-compulsivo sexual e sóbrio há 20 anos, Weiss conduz diariamente seminários intensivos para que os viciados determinem o perfil de sua adição – se a dinâmica é primeiramente biológica, psicológica ou espiritual, se é baseada em traumas ou relacionadas à repulsa sexual, ou uma combinação de fatores. Desafio à Igreja – Embora só tenha sido identificada como distúrbio comportamental nas duas últimas décadas, adição sexual já apresenta uma preocupante evolução. Uma delas diz respeito ao perfil das vítimas. Até recentemente, aqueles que sofreram abuso sexual na infância possuíam maior probabilidade de se tornarem compulsivos, numa espécie de tentativa de mudar o resultado do que lhes
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Compulsão é patologia
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o Brasil, ainda não existem entidades cristãs organizadas para prestar apoio espiritual a vítimas de compulsão sexual. A lacuna costuma ser preenchida por ministérios que atuam na área de família, nos quais o trabalho de aconselhamento nem sempre aborda o tema especificamente. Viciados em sexo têm à disposição serviços de natureza secular, como o desenvolvido pelo Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad), mantido pela Universidade Federal de São Paulo. A iniciativa surgiu em 1995 como grupo de apoio a compulsivos sexuais, e hoje atende gratuitamente cerca de 50 pessoas. Quatorze destes pacientes estão submetendo-se a um estudo que visa avaliar a eficácia do uso de antidepressivos no tratamento da patologia. “Nós queremos dar fundamentação científica para os resultados”, diz o coordenador do Ambulatório de Tratamento do Sexo Patológico do Proad, Aderbal Vieira Jr. Segundo ele, as causas da compulsão são variáveis, podendo ser comportamentais ou neurológicas. “O sexo compulsivo vem sendo estudado há 15 anos, o que para a medicina é muito pouco”, admite o especialista. aconteceu através de uma reprodução de comportamento. Agora, uma das preocupações dos ministérios especializados é a redução na média de idade dos compulsivos. Muitos adquirem o vício já na adolescência. Ao mesmo tempo, será que a Igreja pode ser verdadeiramente eficaz se não é um lugar seguro para que um homem compartilhe suas lutas? A política da tolerância zero adotada por muitas denominações evangélicas – que consiste, em muitos casos, na proibição peremptória à abordagem do assunto – só dificulta as coisas. “A Igreja terá que decidir se lutará para ser a noiva pura de Cristo” diz Stuart Vogelman, diretor executivo do Pure Warrior Ministries (Ministério Guerreiros Puros) de Valleyford, Washington. “O silêncio é o maior inimigo da saúde sexual. Provavelmente, esta será a batalha mais difícil que a igreja já enfrentou e a maioria das comunidades cristãs não está equipada para isso”, alerta. “Existem homens feridos em todos os países, que tentam curar suas feridas através do comportamento sexual compulsivo” diz Vogelman, que passou 23 anos como um consultor internacional de negócios na área da saúde. “Mas esses mesmos homens envenenados pelo diabo estão saindo do poço para ministrar a outros homens enquanto se recuperam”, sinaliza. “Essa nova epidemia dá à Igreja uma oportunidade incomparável”, ele diz. “O inimigo tem agido. Homens desesperados farão o que for preciso para obter ajuda”. (Tradução: Karen Bomilcar)
margarit ralev
CAPA
Fé e muito trabalho Voluntariado evangélico cresce e crentes empreendedores se tornam elemento fundamental do chamado Terceiro Setor
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Valter Gonçalves Jr.
Não dá para olhar a Igreja Evangélica brasileira e ignorar a ação de um enorme contingente de pessoas que dedica tempo, dinheiro e muito trabalho para mudar a realidade de comunidades inteiras. Em vez de esperar pelo céu, eles colocam o pé na estrada para mostrar que o Reino de Deus já começou. Os exemplos de evangélicos fazendo trabalho voluntário são muitos, e não apenas no âmbito das igrejas – eles atuam em ações de saúde, segurança pública, moradia, educação. Os voluntários estão em todos os setores, fazendo até o que seria papel dos governos. CRISTIANISMO HOJE colheu histórias de cristãos com diferentes perspectivas sobre o trabalho social, que têm em comum a resposta ao chamado do Evangelho. “Os personagens bíblicos tinham profissão”, lembra o dentista Tércio Obara, de 39 anos. “Nós também temos; todo mundo sabe fazer alguma coisa. E devemos usar isso para viver o amor prático que Jesus ensinou”, completa. Há 13 anos ele presta gratuitamente seus serviços profissionais em expedições que, começando pela periferia de São Paulo, cidade onde mora, já alcançaram favelas e grotões espalhados pelo Brasil e chegaram até a outros países. Casado com Lucimara, que também é dentista, e pai de Giovana e Rafaela, Tércio criou o Sorrindo com Cristo, um ministério que, apesar de já ter uma longa estrada, não virou organização não-governamental (ONG) nem ganhou certificado algum de entidade sem fins lucrativos. A cada três meses, Tércio, Lucimara e os voluntários que se apresentam às incur-
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“Coloquei oito moradores de rua na minha casa. Foi meio na loucura; eu não sabia o que fazer nem tinha recursos suficientes para ajudar aquela gente, mas estava cumprindo o mandamento de Jesus de amar ao próximo” (Márcio de Carvalho, o Coyote, pastor da Comunidade Refúgio, que evangeliza viciados e jovens de perfil underground em Londrina, no Paraná)
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sões por lugares pobres e desassistidos pelo poder público, fazem o Sorrindo com Cristo continuar existindo. São fins de semana dedicados a saúde bucal, especialmente de crianças. Além de serviços odontológicos, o time da solidariedade costuma contar com outros profissionais de saúde e com gente de várias outras áreas. Basta se apresentar, preenchendo uma detalhada ficha de inscrição e se integrar à equipe. O planejamento é meticuloso. “Só vamos onde somos convidados, e depois de pensar muito em cada detalhe. As carências são muitas e oramos para decidir os destinos”, explica o dentista, que paga do próprio bolso os custos com os deslocamentos e com o material utilizado – até mesmo insumos caros para cirurgias e próteses. “Para quem é atendido, o custo é zero”, explica. “Deus sempre me abençoou. Nada nos falta, e não me arrependo de ter usado meus recursos assim.” Tércio, que é membro da Igreja Metodista Livre de Diadema (SP), não nega o viés evangelístico das ações. Há sempre um pastor ou um missionário prestando assistência espiritual, e equipes de jovens da igreja entretêm crianças e ensinam a Bíblia para as pessoas atendidas. O Sorrindo com Cristo já visitou favelas cariocas, lugarejos do sertão nordestino e comunidades amazônicas. Até ao Nepal, pequeno país de milenar tradição budista da Ásia, o ministério já foi. Lá, foram feitos mais de cem procedimentos, entre cirurgias, próteses, limpezas e restaurações. “Deixamos um consultório dentário montado lá”, conta. Tércio Obara tem compartilhado suas experiências em cursos realizados em várias igrejas do Brasil. “Não podemos esperar pela ação do governo. A Igreja tem gente privilegiada, gente profissional e com habilidade para atuar de todas as formas. Essa visão é bíblica e histórica”, conclui,
Aula improvisada ao ar livre e grupo de estudos na pequena cidade de Pentecoste (CE): iniciativa educacional de reforço e pré-vestibular já levou 150 jovens a ingressar em universidade pública
lembrando o exemplo de John Wesley, que há 250 anos, além de evangelizar, pregava justiça social e levava atendimento médico aos pobres da Grã-Bretanha. Rede social – No fim de maio, aconteceu em Belo Horizonte (MG) o II Congresso Evangélico Nacional dos Profissionais de Saúde, cujo lema foi “Saúde integral para todos – Direito e missão”. Entidades como os Médicos de Cristo e a missão Asas de Socorro apoiaram o evento. Ao mesmo tempo, a Rede Evangélica Nacional de Ação Social (Renas) lançou a iniciativa de cadastrar ongs pela internet, para dar forma ao Mapa da Ação Social Evangélica, numa tentativa de articular esforços dos crentes em todo país e possibilitar mobilização e troca de experiências, informações, recursos e tecnologia social. Instituições internacionais de peso, como Visão Mundial, Compassion e Exército de Salvação, estão associadas ao movimento. A idéia se aproxima do Mapa do Terceiro Setor, iniciativa da Fundação Getúlio Vargas que já cadastrou 5,5 mil ongs pelo Brasil e facilita a vida de pessoas ou empresas que queiram doar tempo, trabalho ou dinheiro aos necessitados. Iniciativas desta natureza se multiplicam na mesma proporção em que se agiganta a quantidade de ongs com as mais diversas finalidades e de gente disposta a fazer trabalho volun-
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Divulgação
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Tércio Obara (acima), com o grupo de voluntários no interior do Brasil, e dentista atendendo criança no Nepal: “As carências são muitas e oramos para decidir os destinos”
tário. A pesquisa As fundações privadas e associações sem fins lucrativos no Brasil, realizada pelo Insituto Brasileiro de Geografia e Estatítica, o IBGE, junto com o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, o Grupo de Instituições Fundações e Empresas e a Associação Brasileira de Organizações NãoGovernamentais, mostrou que havia em 2002 mais de 276 mil entidades do gênero no país. E este número só cresceu. Em 2006, o Programa de Voluntários das Nações Unidas, em parceria com The Johns Hopkins Center for Civil Society Studies, apontou 326 mil organizações dessa natureza no Brasil. Casa cheia – Dimensionar o voluntariado cristão no Brasil é, porém, uma tarefa praticamente impossível. Cada igreja costuma ter sua própria política de ação social – além disso, as missões e ongs evangélicas também se apresentam como alternativas para o trabalho voluntário. Sabe-se que o serviço prestado pelos crentes representa grande parte do chamado terceiro setor. Para Márcio de Carvalho, o Coyote, de 31 anos, tudo foi uma simples questão de fé. Ligado à cena underground em Londrina (PR), onde curtia o som blackmetal, Coyote se converteu ao Evangelho em 1999, época em que trabalhava como office-boy. E, de pronto, encheu a pequena casa onde morava de moradores de rua, entre viciados em drogas, prostitutas e travestis. Ele foi no rastro do pastor Fábio Ramos de Carvalho (1965-2007), da igreja
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Caverna de Adulão, de Belo Horizonte, que na década de 1990 havia feito missões urbanas em Londrina e costumava deixar as portas abertas para quem quisesse entrar. “De cara, coloquei oito moradores de rua na minha casa. Foi meio na loucura; eu não sabia o que fazer nem tinha recursos suficientes para ajudar aquela gente, mas estava cumprindo o mandamento de Jesus de amar ao próximo”, conta Coyote, que hoje é pastor e tem doutorado em aconselhamento. A iniciativa virou uma igreja, a Comunidade Refúgio, que hoje tem cerca de 60 membros, e uma organização que atende a pessoas com aquele mesmo perfil: os mais rejeitados pela sociedade. O dirigente coloca o foco nos dependentes químicos, que precisam de suporte contínuo. “Nem todos se recuperam, mas as portas estão sempre abertas”, garante Coyote. O cearense Manoel Andrade Neto, 49 anos, doutor em química, estabeleceu uma rotina que segue à risca. Professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), ele tem dedicado seus fins de semana, durante 14 anos, ao trabalho com pessoas fora da idade escolar. Gente pobre, sem muita chance de prosseguir nos estudos e muito menos de alcançar um lugar entre os aprovados no vestibular para uma universidade pública. Manoel, casado e com duas filhas, organizou um grupo de estudos em sua cidade natal, Pentecoste, a 103 quilômetros da capital Fortaleza, onde mora. À sombra de um frondoso juazeiro, junto a uma casa de fazer farinha, o grupo de sete estudantes de Pentecoste ouviu as aulas de Manoel e pôde fazer proezas. Eles conseguiram passar para a UFC, e como a idéia do professor era a de reproduzir a experiência, os alunos que obtiveram sucesso auxiliaram outros. Já são 150 os universitários de Pentecoste. Vários grupos de estudos se formaram. E o trabalho cansativo e desgastante de Manoel, que envolveu toda a família em sua empreitada, tem gerado transformação social não apenas na pequena cidade de 33 mil habitantes. Os frutos já são incontáveis, e os alunos passaram a organizar mais grupos de estudos e associações para reivin-
“Tudo que faço tem um significado político e ao mesmo tempo espiritual” (Manoel Andrade Neto, professor voluntário e coordenador do Programa de Educação em Células Cooperativas, o Prece, em Pentecoste, no Ceará)
Arquivo pessoal
Caminhos da solidariedade Conheça algumas instituições evangélicas que atuam no Terceiro Setor, prestando serviços comunitários nas mais diversas áreas: Sorrindo com Cristo (São Paulo) www.sorrindocomcristo.blogspot.com
Ligado à cena underground, Coyote converteu-se ao Evangelho, tornou-se pastor e agora realiza missões urbanas
Instituto Coração de Estudante (Ceará) www.coracaodeestudante.org.br
dicar melhoria da vida dos moradores. Sob a bandeira do Instituto Coração de Estudante, floresceu o Programa de Educação em Células Cooperativas (Prece) e várias iniciativas populares, com foco na educação, têm acontecido. Há 13 Escolas Populares Cooperativas. Trabalho voluntário e descentralizado, nas mais diversas áreas profissionais.
Renas – Rede Nacional Evangélica de Ação Social www.renas.org.br
“Capital imenso” – Tudo que faço tem um significado político e ao mesmo tempo espiritual”, afirma o professor, que é membro da Igreja Presbiteriana Independente e não tem nenhuma filiação partidária. Para ele, não basta ser voluntário, é preciso refletir mais profundamente sobre o que se está fazendo. “Não sou contra uma pessoa dar sopa ao faminto, mas faz sentido alguém repetir isso por 20 anos?”, questiona, sem deixar de reconhecer a importância do trabalho assistencial. “Mas isso é muito complexo. No início, eu tinha uma certa ingenuidade, mas percebo que, se não tomar cuidado, a igreja acaba contribuindo indiretamente para perpetuar o atual estado de coisas”, avalia. Ele mostra especial indignação com os políticos. “Para onde vai o dinheiro da saúde e da educação, que não chega aos necessitados? É preciso mobilizar e cobrar, buscando transformação social”, pontifica Manoel, levantando a bandeira de um voluntariado mais consciente. No início, lembra o professor, o grupo de estudos contava também com estudos bíblicos. Mas tudo cresceu muito rápido e a igreja não conseguiu acompanhar na mesma velocidade. O viés cristão da iniciativa, no entanto, permanece e dá testemunho do que pode acontecer quando um crente põe a mão na massa. “O maior capital social do mundo está nas igrejas. Quem tem um grupo de pessoas reunidas uma vez por semana, todas juntas?”, observa. “Milhões e milhões de pessoas se reúnem e têm um grau de afetividade muito forte. Imagine se esse capital for mobilizado para transformações políticas e sociais. As igrejas precisam focalizar esse aspecto e provocar impacto”.
Comunidade Refúgio (Londrina – PR) www.refugio.org.br/index.php?option=com_ frontpage&Itemid=1
Congresso Evangélico Nacional dos Profissionais de Saúde www.cenps.com/novo_site/default.htm
Portal da Filantropia www.filantropia.org Mapa do Terceiro Setor www.mapadoterceirosetor.org.br Compassion www.compassion.com/default.htm Visão Mundial www.visaomundial.org.br Exército de Salvação www.salvationarmy.org/BRA/www_bra.nsf Asas de Socorro www.asasdesocorro.org.br Grupo de Institutos, Fundações e Empresas www.gife.org.br/index.php Associações Brasileira de Organizações Não-Governamentais www.abong.org.br
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CH DIGITAL | Whaner Endo
D John Lee
Eu twitto! Tu twittas?
Depois da troca de e-mails, dos blogs, podcasts e das redes sociais, a nova onda do mundo da internet é a microblogagem. Variante um pouco distante dos blogs, o conteúdo dos microblogs é formado por textos curtos (no máximo, 140 caracteres) que, a priori, deveriam responder à pergunta: o que você está fazendo agora? O Twitter, o serviço mais popular entre os microblogueiros, surgiu em 2006 e hoje já possui alguns concorrentes, como o Ponce, que integra a microblogagem com o compartilhamento de arquivos, e o Jaiku, que foi adquirido pelo Google. De todos, o Twitter é o mais original e o que mantém o conceito inicial dessa nova mídia, além de ser o mais utilizado no Brasil, gerando duas expressões muito conhecidas entre os blogueiros: “twittar” e “baleiada”. Os microblogs já se tornaram uma nova mídia, tanto para os internautas quanto para os antenados marqueteiros. Para Jonathan Scwartz, diretor-executivo da gigante da tecnologia Sun Microsistems, os microblogs “são a alternativa mais interessante desde o YouTube e têm potencial para atrair grande audiência”. Hoje em dia, várias empresas, celebridades e famosos já perceberam o poder do Twitter. Para esse público, a microblogagem é uma mídia perfeita para os seus teasers. Embora muitos ainda considerem a microblogagem algo banal, já que você vai encontrar textos como “estou tomando um café” ou “acabo de fazer minha corrida matinal”, ela é uma ótima ferramenta de transmissão de informações instantâneas para grupos de pessoas. Nos EUA, órgãos públicos e empresas estão usando-a para transmitir informações. Durante a Flip – Festa Literária Internacional de Paraty, em julho, várias pessoas twit-
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“Os microblogs já se tornaram uma nova mídia, tanto para os internautas quanto para os antenados marqueteiros” taram sobre o que estava acontecendo nas mesas, tanto as de discussão quanto as de bar. Além do Twitter oficial da Flip, o Jornal do Brasil, o Publishnews e este colunista, dentre outros, transmitiam informações por microblog. Como qualquer nova mídia, existe uma necessidade de adaptação da linguagem. O poder de síntese é fundamental, mas saber por que utilizar o Twitter é algo que a grande maioria ainda não descobriu. Por ser um sistema multiplataforma, ou seja, os textos podem ser enviados por torpedo, programas de mensagens instantâneas, email ou pela própria web, o grande salto é saber o que escrever – e aí é que, talvez, a Igreja se sobressaia, já que a nossa mensagem é (ou deveria ser) a mais importante de todas! Começar a twittar é muito fácil: basta acessar o site www.twitter.com, clicar no botão verde (Join), escolher um nome de usuário – que será o mesmo da URL do seu twitter –, uma senha, indicar o seu email e completar o sistema de segurança (Captcha). A janela seguinte é para você procurar pessoas que conhece para tornarem-se seus seguidores. Pronto! Já é possível deixar sua mensagem.
Twittando-se Se você quer começar a twitar, aqui vão algumas sugestões:
twitter.com/ccriativo
Twitter do Portal Cristianismo Criativo
twitter.com/iMasters
Twitter do Portal iMaster, de Tecnologia
twitter.com/whaner Whaner Endo
Whaner Endo é publisher da W4 Editora, colunista do portal Cristianismo Criativo e mestrando em comunicação social pela Universidade Metodista de São Paulo
HISTÓRIA
Reprodução
Nada a Novos estudos rechaçam a tese de que Maria Madalena teria sido mulher de Jesus
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A tela Noli me tangere: estudos divulgados recentemente mostram que proximidade entre Maria Madalena e Jesus não ia além da devoção
Carlos Fernandes
Desde O Código da Vinci, polêmico livro de Dan Brown lançado em 2004, a memória de Maria Madalena não teve mais sossego. Apontada como amante de Jesus Cristo na obra ficcional, a discípula, que era uma de suas mais próximas seguidoras – segundo o Novo Testamento, ela esteve com ele ao pé da cruz e foi uma das primeiras a testemunhar a ressurreição do Mestre – já “ganhou” até filhos no imaginário literário. E o pai, especulam, teria sido ninguém menos que o Filho de Deus. Embora não haja qualquer indício bíblico de que os dois tenham tido qualquer proximidade amorosa, tais suposições, que já vêm de muitos séculos, ganharam corpo nos últimos anos, através do estudo de textos apócrifos, e foram alimentadas por uma boa dose de imaginação, interesses e conflitos entre organizações religiosas. Pois agora especialistas nas Escrituras têm trazido a público novos elementos capazes de refutar definitivamente a tese do romance. “Os textos que mencionam esse tipo de envolvimento entre Madalena e Jesus foram es-
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critos pelo menos 100 anos depois dos evangelhos bíblicos”, aponta Ben Witherington III, especialista em Novo Testamento do Seminário Teológico Asbury, nos Estados Unidos. E a intenção de tais autores seria justamente combater visões mais ortodoxas do Cristianismo, então em fase de franca expansão. A maioria dessas fontes foi escrita em grego ou em copta, língua egípcia falada durante o período romano. Uma das mais conhecidas é o evangelho de Filipe, escrito extra-bíblico provavelmente compilado no século 3 da Era Cristã – portanto, não escrito por nenhum contemporâneo de Jesus – e que fala até em beijos entre o suposto casal. Todos esses textos compartilham a teologia gnóstica, baseada numa espécie de revelação secreta e esotérica. Com isso, Maria Madalena passou a ser usada pelos gnósticos como um símbolo do “conhecimento verdadeiro” que teriam de Jesus, e como a verdadeira predileta de Cristo, da qual eles seriam seguidores. Esse aspecto polêmico e tardio de tais textos torna bastante improvável
além de devoção que haja em seu conteúdo alguma memória histórica envolvendo a Madalena real. Inclusive, o gnosticismo era combatido pela comunidade do Cristianismo, que seguia os ensinos de apóstolos como Pedro e Paulo.
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“Pesquisas sem seriedade” – Mas quem foi Maria Madalena? Além do que se diz dela na Bíblia, particularmente no evangelho de Lucas, a tradição afirma que, devido ao nome por que era conhecida (Magdalini, em grego), ela
A mulher de Magdala na visão do pintor Ticiano: para pesquisadora, ela nunca foi casada
provinha de Magdala, vilarejo de pescadores a noroeste do Mar da Galiléia. Provavelmente, começou a seguir Jesus depois que ele expulsou dela sete demônios – fato que, segundo os historiadores, colaborou para disseminar sua imagem de “pecadora arrependida”. Ao contrário de muitos rabis de seu tempo, Jesus era seguido também por mulheres. “Duas das qualidades extraordinárias de Jesus são o fato de que ele recrutava seguidores de ambos os sexos”, continua Witherington. Além de Madalena, havia Maria, mãe de Jesus; outra Maria, mãe de Tiago; Maria de Betânia, irmã da Marta e Lázaro; além de Joana, Suzana e outras. Contudo, é fantasioso imaginar que alguma delas tenha tido papel de destaque em seu ministério. Todavia, a cultura judaica da época impedia que as mulheres ensinassem ou mesmo falassem em público. É certo que o grupo feminino acompanhava a comitiva para suprir necessidades básicas como alimentação e abrigo, inclusive com seus bens. O fato seria considerado escandaloso pelos judeus do século I, para quem as mulheres deveriam ficar em casa com seus maridos e, quando viajassem, teriam de ser acompanhadas por parentes do sexo masculino. Daí teriam surgido as insinuações de uma relação mais próxima entre Jesus e a mulher de Magdala – hipótese rechaçada pelo padre John P. Meier, professor da Universidade de Notre Dame, em Indiana (EUA) e autor dos livros da série Um Judeu Marginal: “Embora o Novo Testamento cite claramente a família de Jesus, como seus pais e irmãos, não há nenhuma referência de que ele tenha tido filhos ou mesmo se casado”, lembra, embora o casamento fosse considerado quase uma obrigação religiosa no primeiro século. Para Meier, Jesus manteve-se celibatário como sinal do compromisso exigido por sua missão. A historiadora e arqueóloga Fernanda de CamargoMoro, autora do livro Arqueologia de Madalena (Editora Record), lembra que as mulheres de então eram conhecidas pelo parentesco com alguma outra pessoa – normalmente, o marido, cujo nome era associado ao delas. “É possível até que ela nem tenha se casado com ninguém, já que sua alcunha é uma mera referência ao lugar onde nasceu”, opina. “Concluir que Maria Madalena era casada com Jesus é resultado de pesquisas superficiais e sem seriedade”, conclui.
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RELIGIÃO
Missa campal em Sydney: Bento XVI pediu desculpas aos australianos pelos crimes de pedofilia cometidos por padres no país
“Balde de lágrimas” Bento XVI faz duro discurso na Austrália contra os padres pedófilos, mas associações de vítimas querem mais
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A visita do papa Bento XVI à Austrália, entre os dias 15 e dos e processados por crimes sexuais contra crianças e 20 de julho, não será esquecida tão cedo. Ao contrário de adolescentes. “Trata-se de um ato diabólico de crueldade outras viagens pastorais do pontífice católico ao redor do e uma grave traição da confiança, uma desgraça para a mundo, habitualmente marcadas pela monotonia protoco- Igreja”, afirmou o papa. Dirigindo-se a bispos, padres e lar e por temas amenos, Joseph Ratzinger usou sua estada seminaristas, ele clamou por penitência: “Eu gostaria de no próspero país da Oceania para criticar o materialismo, parar para pensar e admitir a culpa que todos nós senexortar os jovens a abandonar o pecado e pedir perdão timos como resultado do abuso sexual de menores por aos australianos pelos abusos sexuais alguns sacerdotes neste país.” O papa cometidos por padres. Usando termos disse às vítimas que, como seu pastor, duros, o líder católico disse que os co“também compartilha do sofrimenlegas de batina que cometem crimes to”. O porta-voz do Vaticano, Federiprecisam ser entregues à justiça – um co Lombardi, afirmou que Ratzinger avanço em uma igreja normalmente mudou o texto original de seus disconhecida pela leniência com que trata cursos para acrescentar trechos mais os deslizes de seus sacerdotes. contundentes. Ratzinger foi à Austrália presidir Em abril deste ano, Ratzinger já a 23ª Jornada Mundial da Juventude O pontífice católico usou palavras havia feito um mea culpa durante sua Católica. “Não se deixem enganar”, duras: “Ato diabólico de traição e viagem aos Estados Unidos, onde em exortou. “Os falsos deuses, indepen- desgraça à Igreja” 2002 o escândalo da pedofilia de badentemente do nome, da imagem ou tina também causou estragos à Igreda forma que lhes atribuamos, estão quase sempre ligados ja – inclusive o pagamento de indenizações milionárias. à adoração de três realidades: os bens materiais, o amor Mas na Austrália o papa pôs o dedo ainda mais fundo na possessivo e o poder”. Segundo o chefe do Vaticano, o ferida. Agora, entidades de apoio às vítimas querem que a apego a coisas supérfluas e ao luxo leva as pessoas ao va- Igreja Católica no país pare de lutar contra os pedidos de zio e à infelicidade, sobretudo em um mundo “marcado compensação na Corte de Justiça. Helen Last, diretora de pela pobreza, pela injustiça e a desigualdade”. um desses grupos, disse que a atitude do papa foi apenas uma gota em um balde – “Um balde cheio de lágrimas “Sofrimento” – Mas as palavras mais duras de Bento que todos nós, que trabalhamos com as vítimas, estamos XVI foram dirigidas aos padres pedófilos. Nos últimos compartilhando nos últimos 30 anos na Austrália.” (Caranos, cerca de 100 sacerdotes australianos foram acusa- los Fernandes, com agências)
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PavaZine# | Sérgio Pavarini
(Não) faz parte do meu show
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Querida Ana Paula, Fui um dos primeiros blogueiros a divulgar sua performance leonina em Anápolis (GO). Como apregoa o jornalismo sadio, escrevi para os amigos do Diante do Trono a fim de abrir espaço para uma eventual manifestação sua. Eles me agradeceram com a costumeira fidalguia e fizeram chegar a você a informação. Sem obter qualquer tipo de resposta, postei o vídeo. Não me arrependi, como aconteceu com outro rapaz. Até hoje o fogo da discussão permanece aceso e mesmo seus fãs mais entusiasmados coram ao relembrar a cena patética. Em meio a uma logorréia nonsense, você creditou a Deus a responsabilidade da patacoada. Infelizmente, os resultados mostraram que o animal da tal unção estava mais para hiena do que leão, tal o nível das piadas e deboches que se seguiram. Fiz outras visitas ao seu blog e cada dia me assustava mais com o que lia. Até mesmo atos prosaicos como escolher uma roupa eram atribuídos ao Espírito “fashion” Santo. O cinto preto largo representaria autoridade, e botas pretas transmitiriam “força, poder e conforto necessário para pular e pisar com força, profeticamente, no diabo”. Examinei meu guarda-roupa e, decepcionado, nada encontrei de “profético”. Inspirado por seus delírios, imaginei os pastores da Universal vestidos de caubóis nas sessões de descarrego.
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Congresso do Diante do Trono. Litros de chororô e muito siri-cantana-lagoa, perdão, na Lagoinha. Aliás, ainda não consegui entender o porquê de tantas palavras estranhas em línguas (a ordem pouco importa, no caso) nos eventos públicos. Se contrariar a instrução paulina sobre esse assunto fosse estratagema eficaz,
“Quem teve a graça de ser aquinhoada com muitos talentos será intensamente cobrada, não é?” dona Sonia Hernandes estaria livremente batendo suas canelas episcopais em solo verde-amarelo – e sem a tornozeleira com GPS. Soube que rolou também a tal “unção do chulé”. Em vez de incentivar o serviço humilde, o ato foi criativamente entremeado por afirmações de que você e seu irmão seriam “curados” das críticas. No final da mis-en-scène burlesca, a água do “rio de Deus” foi jogada sobre os espectadores. Infelizmente, o espaço nobre de que disponho aqui é inversamente proporcional à sua capacidade
de protagonizar episódios bizarros. Você explicou que apareceu num programa brega de óculos escuros por causa de conjuntivite. Pela sucessão de “causos”, suponho que seja miopia crônica mesmo. Vide o lance da morte do fundador do Bloco Galo da Madrugada. Temo pelo futuro das reuniões de oração no país se você continuar a repetir sandices, com a de que episódios assim são resultado de intercessão. O que me anima é ver o número crescente de pessoas discutindo bereanamente cada uma dessas ocorrências. Que Deus reavive em você o desejo de receber mesmo um “novo coração”. Quem teve a graça de ser aquinhoada com muitos talentos será intensamente cobrada, não é? Isso me motiva a interceder para que não se realizem em sua vida versos do poeta Agenor: O seu futuro é duvidoso; eu vejo grana, eu vejo dor. Minhas palavras podem parecer histriônicas, mas é genuíno meu desejo de ver águas purificadoras banhando ministérios de música em todo o país, Ana. Tenho investido minha vida nesse intento, por isso jamais vou me calar, querida. Amando eu me acalmo e me desespero. Big abraço Sérgio Pavarini é jornalista, marqueteiro e editor da newsletter semanal Pavazine. Blog: pavablog.blogspot.com E-mail: pavarini@uol.com.br
Montagem de Vitor Coelho sobre fotos de divulgação
CINECULT | Nataniel Gomes
Hollywood, heróis e fé
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Hollywood já descobriu há muito tempo que as histórias em quadrinhos têm um público fiel de ardorosos fãs e um potencial cinematográfico fantástico. Quem não se lembra, por exemplo, dos verdadeiros blockbusters baseados em quadrinhos como Superman, com Christopher Reeve, e Batman, estrelado por Michael Keaton? Recentemente, o público pôde ver nos cinemas as trilogias do HomemAranha e dos X-men, os dois filmes do Quarteto Fantástico, Hulk, o Justiceiro, a volta do Superman, Homem de Ferro, Demolidor, Motoqueiro-Fantasma... Além de mais um filme do homem-morcego e um solo de Wolverine. Mas o que isso tem a ver com o Cristianismo? Muito. Afinal de contas, o ponto em comum de todos esses filmes é a eterna luta entre o Bem e o Mal, protagonizada desde o início dos tempos entre as hostes celestiais e as forças das trevas. Na verdade, as histórias em quadrinhos não são maniqueístas, o herói podia acabar com o vilão na hora que bem quisesse, mas ele alimenta a esperança de redenção e justiça. Desde a década de 1960, quando começaram a surgir num contexto de profundas transformações sociais e comportamentais, essas histórias trouxeram personagens cheios de contradições como qualquer ser humano, com suas angústias e desafios. Vejamos alguns casos recentes que o cinema retratou: Homem de Ferro – Tony Stark é um multimilionário da indústria armamentista que se torna vítima das próprias armas que constrói e vende pelo mundo. Quando isso acontece, descobre que precisa mudar de vida e assume seu papel na luta contra a violência. Torna-se um mocinho, mas, a exemplo de Paulo, tem o seu “espinho na carne” – ferido em um atentado, precisa ficar constantemente ligado a um aparelho que o mantém vivo. E ainda enfrenta as constantes tentações do álcool e das mulheres.
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X-Men – Os protagonistas são seres humanos que nasceram diferentes dos demais. Por isso, são perseguidos e discriminados como se fossem animais. Surgem então dois caminhos para os mutantes: ajudar a humanidade, como propõe Charles Xavier, o líder dos X-Men, ou simplesmente exterminar o homo sapiens, a sugestão de Magneto. As analogias estão ligadas ao momento de criação dos personagens. Charles Xavier representa o ministro batista e defensor dos direitos humanos Martin Luther King Jr, e Magneto encarna o perfil de Malcolm X, ativista que defendia uma luta armada. Demolidor – O jovem Mathew Murddock perde a visão em um acidente, mas consegue potencializar seus outros sentidos e se torna um advogado (afinal, a justiça é cega, mas ele vê o que ninguém consegue enxergar). Cristão praticante, ele se veste como um demônio para atemorizar os criminosos. Quarteto Fantástico – Mostra um grupo de amigos que sofre os efeitos de uma tempestade cósmica e desenvolvem super-poderes: força, elasticidade, invisibilidade e transformação em fogo. Mesmo possuindo dons diferentes e necessários para salvar o mundo, eles vivem brigando entre si, como fazemos em nossas igrejas. Superman – Enviado a este mundo por seu pai, ele é adotado por um casal, dedica sua vida a salvar pessoas e cumpre uma vocação para praticar o bem. Isso lembra alguma coisa? Embora criado por judeus, o personagem retrata a figura messiânica de Jesus de forma bela, certamente de maneira inconsciente. É por isso que o autor de Eclesiastes diz que Deus colocou a eternidade no coração do homem. Nataniel dos Santos Gomes é doutor em Lingüística, professor universitário e editor da Thomas Nelson Brasil
LIVROS E RESENHAS | Jaqueline Rodrigues
Resgate do fundamental Cuidado pastoral em tempos de insegurança Ronaldo Sathler-Rosa 144 páginas Aste
Fidelidade, companhei rismo e espiritualidade são palavras cujo significado muita gente tem tentado resgatar. Nos dias de hoje, quando os relacionamentos são baseados no imediatismo, o ministério pastoral enfrenta o desafio de conciliar as demandas da vida moderna com a singeleza do contato pessoal. Parece que já não existem pastores à moda antiga, daqueles que visitavam hospitais e asilos, comiam bolo com café na casa dos irmãos e conheciam as ovelhas como a palma das mãos. O ministro de sucesso, hoje, é aquele que se destaca mais como pregador-palestrante, longe das pessoas. Pois Cuidado pastoral em tempos de insegurança é uma lufada de ar fresco. Resultado de anos de experiência em ensino e pesquisas do pastor metodista e doutor em Filosofia Ronaldo SathlerRosa, o livro enfatiza a essencialidade dos relacionamentos. Com o livro, a Aste acertou em cheio um dos problemas mais inquietantes da Igreja do século 21: a superficialidade.
Motivação correta A essência da adoração – Arquivos Compilado por Matt Redman 160 páginas Tempo de Colheita
“Adoração é um estilo de vida!” é o que mais
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se escuta nos bancos das igrejas hoje. Mas, o que é isso exatamente? Como alcançar esta dimensão e que meios devem ser usados, já que a música é fundamental nos cultos evangélicos e é através dela que os corações se aquecem para ouvir a Palavra de Deus? Este lançamento da editora Tempo da Colheita fornece idéias práticas e orientações pastorais sobre louvor musical e a teologia da adoração. Quem já não cantou Aclame ao Senhor, Vem, esta é a hora ou Meu Redentor vive nos cânticos congregacionais de sua igreja? Pois é a partir desse panorama da música cristã contemporânea que A essência da adoração fornece orientações importantes para dirigentes de louvor, pastores, líderes de ministérios musicais e qualquer pessoa que tenha em seu coração a motivação de adorar ao Senhor.
Brincando de aprender Zooclopédia – 52 mensagens e lições bíblicas do mundo animal Kurt L.Goble 224 páginas Shedd Kids
Se você acha que os animais não têm nada a ver com a nossa fé, está completamente enganado. A EBD infantil ganhou uma nova e divertida ferramenta capaz de tornar o ensino da Palavra de Deus mais atraente para os pequenos – e, melhor de tudo, mantendo o foco no Criador. Com subsídios pedagógicos claros, Zooclopédia oferece a cada lição um material dinâmico e rico em idéias ao professor, tornando as manhãs de domingo inesquecíveis. Aí, é só soltar a bicharada e deixar a garotada aprender brincando. Jaqueline Rodrigues é professora de Português-Literatura, graduanda em Teologia e diaconisa da Igreja Missionária Evangélica Maranata, no Rio
ENTREVISTA
Marcelo Barros
“O que vamos dizer ao Senhor?” Para o pastor Josué Martins dos Santos, a Igreja brasileira tem pecado pela omissão na obra missionária
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Quando se trata de missões, o pastor Josué Martins dos Santos não está para brincadeira. Profundo conhecedor do assunto, ele fala com a paixão de quem se dedica à obra missionária há mais de 30 anos. “É impossível ser um pastor de ovelhas e não se importar com aqueles que vão para o inferno porque o Evangelho não lhes está disponível”, sentencia. Para ele, não há justificativa para a igreja que não se envolve com a pregação da Palavra até os confins da Terra, como ordenou Cristo. “Temos um tremendo potencial espiritual, numérico, econômico e vocacional”, argumenta. “Mas, mesmo com 40 milhões de evangélicos, não somos uma Igreja missionária porque estamos em pecado, doentes, não temos santidade.” Paulista de Santos, 58 anos de idade, Josué é ligado à denominação Batista e preside a Missão Avante, entidade que atua junto às igrejas na questão do despertamento, preparo e envio de novos obreiros. Foi com essa disposição no coração e com a experiência de quem tem posto a mão no arado – e também com uma boa dose de sinceridade – que o pastor Josué respondeu às perguntas formuladas por CRISTIANISMO HOJE: CRISTIANISMO HOJE – Muitos dizem que, antes de se fazer missões transculturais, é preciso evangelizar o Brasil. O que o senhor pensa sobre isso? JOSUÉ MARTINS DOS SANTOS – É preciso deixar bem claro que, em nosso país, o Evangelho já está disponível a todos os brasileiros, com exceção de uma parte das áreas indígenas. Portanto, a prioridade missionária da Igreja brasileira não pode ser o Brasil. Como tem sido a atuação brasileira nos campos transculturais? Ouvi de um líder indiano a seguinte declaração: “Vocês, brasileiros, têm entusiasmo, alegria e sabem fazer amigos, mas algo está errado. Vocês não estão plantando igrejas autóctones, e isso é uma falha”. De fato, o trabalho missionário é este – plantar novas igrejas que sejam autóctones entre o povo que está sendo alcançado. A igreja que será plantada em outra cultura precisa ser autogovernada e auto-sustentada. Deve ter uma “cara” local e poder, sozinha, evangelizar seu próprio povo. Se não for para gerar igrejas autóctones entre o povo a ser alcançado, então não há necessidade de missionários naquela cultura. E os brasileiros não fazem isso? Os missionários brasileiros trabalham de forma descontextualizada. Nossa eclesiologia precisa ser repen-
“O comportamento de muitas igrejas com seus missionários é semelhante ao trabalho escravo: exige-se tudo e investe-se uma miséria”
sada. Como Igreja, continuamos à procura de modelos importados, de pacotes prontos. A Igreja brasileira não sabe quem ela é e também não sabe para quê existe; somos superficiais e nossa profundidade bíblica é a de um pires. Muitos missionários brasileiros chegam ao campo e sua primeira iniciativa é procurar um salão ou local para reuniões, equipá-lo e colocar uma placa com o nome do feudo eclesiástico a que pertencem. Essa prática nada tem a ver com missões transculturais; é uma repetição do modelo americanizado e de outros sistemas que erroneamente se preocupam com o crescimento quantitativo, e não qualitativo. A pregação do Evangelho, em qualquer cultura, deve gerar uma conversão genuína e um crescimento saudável. Mas uma boa parte dos missionários brasileiros que trabalham em outras culturas não estão evangelizando nem discipulando. Isso ocorre porque os missionários são produtos da sua igreja local; eles repetem no campo o modelo onde foram gerados na fé. Mas a falha, então, é de quem envia... Claro. A corrida pelos resultados numéricos nos campos acontece porque a igreja que envia, ou a organização parceira, precisa apresentar resultados para justificar, digamos assim, o investimento feito. Cada um está competindo para abrir mais campos missionários que as outras denominações e organizações. O negócio é estabelecer sua placa em mais lugares. O comportamento de muitas igrejas com seus missionários é semelhante ao trabalho escravo: exige-se tudo e investe-se uma miséria. Em razão disso, há missionários abandonados, com baixos salários, doentes, desanimados, frustrados, largados nos campos. Muitos não voltam por vergonha
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ENTREVISTA
e medo de enfrentar os “coronéis” que os enviaram mas nunca os visitaram. Isso é uma pseudovisão missionária. Além dessa excessiva vinculação denominacional, quais são os outros equívocos? Há um bom número de missionários brasileiros trabalhando com a nova onda do Evangelho integral. São obreiros envolvidos em projetos sociais, esportivos e educacionais, mas que não estão evangelizando e discipulando os locais. Estão curando as pessoas, ensinando práticas comunitárias, trabalhando com crianças abandonadas – porém, não estão plantando igrejas. Afinal, o que é o trabalho missionário? Ora, o Evangelho é integral em si mesmo, mas em muitos lugares os missionários cuidam de coisas e estruturas, mas não têm tempo para cuidar de vidas. Nosso chamado fundamental é para salvar pessoas e levá-las ao céu. Os enviados são mal escolhidos? O problema é que enviamos pessoas que eram líderes em nossas igrejas. São pastores, professores de Escola Bíblica, músicos, enfim, pessoas que exercem uma série de funções eclesiásticas,
“No Brasil, temos muitos burocratas em missões. São doutores em missões, mas nunca visitaram um campo, nunca pastorearam, nunca deram um centavo à obra; no entanto, estão escrevendo e ensinando sobre missões”
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mas que nunca evangelizaram, nunca discipularam. Gente que tinha cargo na igreja, mas não tinha ministério. Sua atividade não era com pessoas, no sentido de restaurar e capacitar outros para o serviço cristão. Porém, em nossa visão equivocada de reconhecer um obreiro aprovado, enviamos gente com base no seu ativismo e na religiosidade. Nestes últimos 22 anos, tenho visitado muitos campos missionários. E encontro pessoas brincando de fazer missões, com motivações equivocadas, fazendo da obra um trampolim para alcançar seus interesses. Há missionários nos campos que nunca se submeteram a ninguém, não respeitam a liderança nacional existente e também não respeitaram os missionários que já estavam trabalhando ali antes deles. Parte dos nossos missionários comporta-se de forma ufanista, crendo que já sabem tudo, conhecem tudo e não precisam de ajuda de ninguém. Isso é soberba, é pecado. Há problemas na formação dos obreiros? Eu creio que sofremos da síndrome da Coréia, onde a preocupação maior era com a capacitação acadêmica. Ninguém poderia ser enviado se não recebesse um sólido preparo teórico. Hoje, no Brasil, temos centenas e centenas de acadêmicos de missões, mas não temos missionários para enviar. Aqui, temos muitos doutores em missões que nunca visitaram um campo missionário, nunca pastorearam, nunca deram um centavo à obra; no entanto, estão escrevendo e ensinando sobre missões. São os burocratas em missões. Em outro extremo, enviamos pessoas analfabetas de Bíblia, frutos de uma educação missiológica deficiente e de uma formação acadêmica mais voltada para a defesa da fé denominacional do que do Evangelho. Em razão da inexistência de um treinamento bíblico, missiológico e antropológico equilibrado e sadio, a Igreja brasileira enviou gente que cria que, pelo fato de ser batizada com o Espírito Santo e falar em outras línguas, estava capacitada. Outros iam para o campo porque eram bons soldados denominacionais, acreditando que conhecer as doutrinas e a visão de seu grupo seria suficiente para a realização da tarefa. Assim, enviamos pessoas que não tinham um caráter restaurado e por isso pecaram no campo, quebraram suas famílias, envolveram-se com
“Somos 40 milhões de evangélicos no Brasil, mas não somos uma Igreja missionária porque estamos em pecado, doentes, não temos santidade”
coisas escusas. Em determinados locais, esses desacertos prejudicaram o trabalho missionário como um todo e a comunicação do Evangelho levou anos para ser restaurada, com conseqüências até hoje. Estima-se que o Brasil tenha hoje algo em torno de 40 milhões de evangélicos. Por que o país não é a maior potência missionária do planeta? Creio que existem três questões fundamentais para tal paradoxo. Primeiro, a nossa teologia não é cristocêntrica. Estudamos teologia e não percebemos que a Bíblia foi escrita em razão do projeto missionário de Deus. Isso revela que a nossa exegese do texto não está clara. Nós estamos apenas repetindo o modelo de teologia sistemática que recebemos; não fizemos nenhuma reflexão sobre o que cremos. Quando nossos irmãos e irmãs terminam seus cursos de teologia, o que receberam da parte do Senhor? No que crêem? Certamente, não crêem na Bíblia, pois com 180 mil igrejas evangélicas no país, o número de missionários não cresceu, os vocacionados para missões transculturais desapareceram, o dinheiro para missões não chega aos campos. A segunda questão é moral – não há santidade no ministério e na liderança. Pastores e líderes estão envolvidos com todo tipo de sujeira e coisas escusas. Vemos casamentos quebrados, pastores divorciados indo para o segundo, terceiro, quarto matrimônio. Pastores e líderes estão envolvidos com imoralidade e pornografia, fazem da igreja uma escada para conquistar poder e dinheiro. Como uma igreja com esse perfil de liderança vai evangelizar o mundo perdido? Missões resultam de uma vida santa e piedosa. A vocação missionária é resultado da intimidade com Deus.
E quanto à terceira questão? A terceira está relacionada ao foco ministerial de cada pastor e igreja. Este foco está errado. Estamos construindo grandes templos, estruturas enormes, sem nos perguntarmos por que estamos investindo milhões naquilo que nosso Senhor não mandou fazer. Para algumas mentes doentias, o pastor bem-sucedido é aquele que reúne o maior número de pessoas no domingo à noite ou tem a maior igreja da cidade. Não importa o estado das ovelhas, não importa se as famílias vão bem, não importa se as atitudes são espúrias. Contanto que a igreja cresça, “Deus está abençoando”. As igrejas cheiram mal e ouvimos os ufanistas dizerem que “o Brasil é do Senhor Jesus”. Quantos somos realmente? Podemos ser 40 milhões, mas não somos uma Igreja missionária porque estamos em pecado, doentes, não temos santidade. Qual sua expectativa acerca do 5º Congresso Brasileiro de Missões, o CBM, que acontece agora em outubro, em São Paulo? Vamos participar do 5º CBM e nossa expectativa é ver uma ação do Espírito Santo trazendo um real e verdadeiro retorno ao compromisso com o término da tarefa proposta em Mateus 28.18 a 20. Para isso, precisamos de quebrantamento, confissão, arrependimento, perdão e restauração; se isso acontecer, então o fogo do Espírito Santo virá sobre nós. Todo movimento missionário na história da Igreja, desde Atos, foi fruto do derramar do fogo do Espírito Santo no coração de homens e mulheres que tinham fome e sede de Deus. E nós podemos fazer mais, muito mais. Temos um tremendo potencial espiritual, numérico, econômico e vocacional. Mas, se não houver um retorno à visão de Deus para os povos não-alcançados, a nossa parte em missões será dada a outras nações. Temos homens e mulheres de Deus realizando um trabalho sério e pagando um alto preço para obedecer ao Senhor em todos os continentes. A questão é se queremos pôr a tarefa de missões como prioridade em nossa vida, ministério e igreja. Se a igreja não prega o Evangelho aos que não o ouviram, ela está em pecado. Se o pastor não tem no coração uma profunda compaixão pelos perdidos, quero encorajá-lo a deixar o ministério e fazer outra coisa. É impossível ser um pastor de ovelhas e não se importar com aqueles que vão para o inferno porque o Evangelho não lhes está disponível. O que vamos dizer ao nosso Senhor no dia da prestação de contas?
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SONS DO CORAÇÃO | Nelson Bomilcar
Herança musical
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Piano e voz reúne clássicos da hinologia evangélica
Piano e voz, gravado ao vivo no auditório do estúdio Tribos, em Osasco (SP), traz hinos tradicionais, uma rica herança de nossa identidade cristã e evangélica, como Antífona, Nome precioso, Brilho celeste, Vencendo vem Jesus, Sossegai, e Sou feliz, entre outros. Lincoln Baena (vocal) e a excelente Maria Lídia (piano e teclados), músicos ligados à Igreja Batista Memorial, brindam o ouvinte com arranjos novos de clássicos do Cantor Cristão e de Salmos e Hinos. Maria Lídia caminha do erudito ao popular com rara interpretação. Sem dúvida nenhuma, música com excelência a serviço de Deus. Não deixe de ouvir e se emocionar com canções que fazem parte de nossa história. Contato: www.baena.com.br
Tempero baiano Álvaro Júnior é um criativo cantor e compositor da Boa Terra. E é da linda Salvador que sopram os ventos do talento e da criatividades desse artista, que no CD Autêntico faz, com muita sensibilidade, a ponte entre o universo evangélico e o mundo fora de nosso arraial, trazendo a beleza da música e da mensagem cristã. O trabalho tem um excelente conteúdo de letras, arranjos, execuções vocais e instrumentais – caso de Ouro fino, uma das canções que, ao som de um excelente pandeiro e percussão, nos convida a consagrar a vida a Jesus. O trabalho de Álvaro e de outros artistas recomendados nesta coluna podem ser ouvidos em podcast na internet, no programa Sons do Coração, da Rádio Transmundial, produzido e apresentado por este colunista. Contato: alvinhojunior@yahoo.com.br
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Cantador da fé Plantas e habite-se é o mais novo e criativo trabalho cultural e popular de Roberto Diamanso, um cantador nordestino, poeta e cristão que é a prova viva do Evangelho que redime a cultura, seja ela qual for. Roberto canta a dor, a angústia, o conflito da existência, o amor à sua terra, a realidade do amor do Senhor e a esperança que sempre brota do Deus Triúno. Ainda pouco conhecido no meio evangélico, mas andando como nunca por nosso país, ele faz música com singela espiritualidade, pura poesia e sensibilidade, repleta do conteúdo das Escrituras Sagradas. Como é bom termos artistas que têm a visão no Alto e os olhos na terra e em sua gente! Contatos: www.vpc.com.br
Música em tom confessional Uma das mais belas vozes da música cristã brasileira, Carlos Sider já é um veterano, com passagens pelo Grupo Mensagem, Igreja Batista do Morumbi e Projeto Raízes. Pois seu CD Diário de bordo é mais um registro, em tom confessional, de sua caminhada. Sider tem hoje um ministério itinerante pelo Brasil e junto a uma igreja local em Vinhedo, no interior de São Paulo. Com tanta bagagem, ele apresenta ao público uma produção musical tocante e edificante, cujos arranjos são feitos em parceria com Daniel Maia, que trabalha hoje com Tom Zé. O trabalho de Carlos Sider é referencial também na reflexão da fé que traz ao povo evangélico, através de seu portal virtual Provoice (www.provoice.com.br), extensão de sua carreira artística. Contato: www.vpc.com.br. Nelson Bomilcar é músico, compositor, produtor, escritor e pastor. Trabalha com o Instituto Ser Adorador (www.seradorador.com.br) e apresenta o programa de música cristã Sons do coração, pela rádio Transmundial e internet. E-mail: nmbomilcar@uol.com.br
De Santos Dumont para Congonhas, com escala em Paraty
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Como um bom paulistano que mora no Rio, sou um assíduo freqüentador da ponte aérea entre os aeroportos de Santos Dumont e Congonhas. Os vôos de 40 minutos são perfeitos para a leitura de um jornal ou revista e, no último dia 10 de julho, lá estava eu no avião para mais um bate-volta. A leitura da vez: o Jornal do Brasil. Durante o vôo, fiquei estarrecido lendo as repercussões do assassinato do garoto João Roberto pela polícia carioca. Mas o que mais me chocou foi a dificuldade encontrada para que as córneas da criança morta aos três anos fossem doadas por seus pais. De acordo com o jornal, a segunda córnea de João seria perdida porque o principal banco de olhos do Rio havia parado de funcionar por falta de materiais. Mais tarde, soube-se que ambas as córneas puderam ser doadas, mas que os últimos recursos materiais do hospital haviam sido usados. Por isso, outras córneas disponíveis não puderam mais ser aproveitadas. Ao ler isto, entristeci-me e revoltei-me nos ares brasileiros. Durante o vôo, sobrevoei a região de Paraty e faço aqui um parênteses para falar da Festa Internacional de Literatura, a Flip, cuja sexta edição aconteceu na primeira semana de julho. Trata-se de um evento maravilhoso, que traz alguns dos melhores escritores do mundo para discutir e debater literatura na charmosa cidade colonial fluminense. Paraty respira e vive literatura por cinco dias. Embora seja o sexto ano que a festa acontece, a presença de cristãos continua sendo mínima. São pouquíssimos os jornalistas, escritores e editores cristãos que comparecem. Público geral, então, pior ainda. Quem perde é a Igreja. Mas voltando à ponte aérea, depois de alguns compromissos na minha Terra da Garoa, era hora de voltar à Cidade Maravilhosa. No trajeto, encaro a revista de bordo e
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leio sobre dois atletas olímpicos brasileiros: Rogério Clementino e Yane Marques. Clementino será, em Beijing, o primeiro cavaleiro negro na história das Jogos Olímpicos. Ex-boiadeiro e tratador de cavalos, o sul-matogrossense chega à China depois de muita dedicação e empenho, acompanhado de seu cavalo Nilo – animal que ninguém queria montar por ser muito feio. E agora, os dois têm a chance de fazer bonito nas Olimpíadas. Já a pernambucana Yane Marques teve a audácia de praticar o pentlato moderno, que mistura corrida, esgrima, hipismo, tiro e natação. Direto do agreste, encarando um esporte pouquísimo popular no Brasil, Yane também defenderá as cores nacionais no Oriente. Se na ida a São Paulo fiquei extremamente triste com meu país, na volta fiquei orgulhoso de nossos atletas e da garra do povo brasileiro. Diante disso, surge a pergunta: que Brasil nós, cristãos, estamos ajudando a construir? O que temos feito, como Igreja, para ajudar os Clementinos e Yanes? E qual tem sido nossa atitude para evitar situações como as enfrentadas pelo garoto João Roberto e pelos doadores de córneas? O que temos feito para ajudar a sociedade em que vivemos? Para acudir vítimas de nossas calamidades sociais? Amar ao próximo como a si mesmo significa amar a sociedade e o povo como a nós mesmos – ou alguém ainda duvida disto? Escrevo este texto em São Paulo. Na volta ao Rio, li a respeito de Bia Figueiredo, brasileira e primeira mulher a ganhar uma corrida na categoria Indy Lights. E amanhã? Que notícia me espera no próximo vôo?
“O que temos feito, como Igreja, para ajudar a sociedade em que vivemos? Amar ao próximo como a si mesmo significa amar nosso povo como a nós mesmos – ou alguém ainda duvida disto?”
Carlo Carrenho mora no Rio, mas não tem sotaque carioca. É editor de livros e, no avião, prefere assentos no corredor
foto-montagem de Vitor Coelho
OS OUTROS SEIS DIAS | Carlo Carrenho
ÚLTIMAS PALAVRAS Ziel Machado
A
Com pingos nos is
Alguns meses atrás, a chamada de destaque de um programa semanal de TV chamou minha atenção. A matéria mostrava um pastor evangélico que, com base em sua leitura do Antigo Testamento, ensinava que teria o “direito biblico” de adulterar com irmãs de sua igreja. Como resultado deste ensino, alguns maridos consentiram que suas mulheres mantivessem relações íntimas com o tal pastor. Na matéria, o repórter indaga-lhe sobre a suposta base bíblica. O pastor, com voz altiva, desafiou o repórter e “a qualquer um”, a provar, biblicamente, que seu ensino, com base em Oséias 1.2 estava errado. O texto citado diz o seguinte: “Quando o Senhor começou a falar por meio de Oséias, disse-lhe: ‘Vá, tome uma mulher adúltera e filhos da infidelidade, porque a nação é culpada do mais vergonhoso adultério por afastar-se do Senhor’.” O repórter, desconfiado, pediu então ao pastor que fizesse uma leitura do texto, em voz alta. Tropeçando nas palavras, ele leu: “Vá, tome uma mulher, adultera”. Logo deu para perceber que, na sua leitura, o adjetivo “adúltera” se transformava no verbo imperativo “adultera” O pastor, além de ter problema com as vírgulas, não sabia reconhecer o acento agudo... Eu não desejaria estar na pele daquele homem no momento em que fosse admitir tamanho erro perante sua congregação. A realidade do crescimento evangélico brasileiro nos coloca diante de situações como essa, onde o primeiro obstáculo é o analfabestismo funcional de pastores e líderes. É gente que reconhece as letras do alfabeto, mas não sabe ler. E não podemos delimitar este problema do uso inadequado da Bíblia aos segmentos mais populares da Igreja Evangélica brasileira. Mesmo em setores mais privilegiados, é possível identificar equívocos na forma como se lida com a Bíblia. Alguns crêem que o simples
fato de citar um versículo torna seu ensino bíblico. Outros organizam suas mensagens em três pontos: lêem o texto, se esquecem do texto e jamais regressam ao texto. Temos também aqueles que insistem em usar a Bíblia como o papagaio de realejo que, com um fundo musical apropriado, pega um texto aqui, outro acolá, forçando conexões pouco respeitosas à tradição de exegese bíblica – ou ainda pior, pouco respeitosas ao Senhor que nos deu sua Palavra. Muito facilmente, nos esquecemos que o próprio Jesus foi tentado por alguém que, citando a Escritura, buscou desviá-lo da vontade do Pai. Se o diabo usou deste recurso com Cristo, tentando seduzi-lo à desobediência por meio de sua maneira peculiar de interpretar Palavra divina, porque não o faria conosco? A história nos mostra que ele não mudou em sua estratégia; e os resultados disso podem ser vistos, infelizmente, de forma abundante. Uma das possíveis razões para esta séria situação é o descuido para com a história da Igreja. Consideramo-nos filhos do movimento da Reforma Religiosa do século 16, mas descansamos sobre uma compreensão superficial daquele momento e das questões fundamentais levantadas e defendidas, com a própria vida, pelos reformadores. Umas das batalhas daquele tempo foi pelo livre exame das Escrituras – mas nos dias de hoje, vemos que se está confundindo livre exame com livre interpretação da Bíblia. Aqui reside a origem do estado de confusão que vivemos como Igreja. Está, portanto, na hora de recolocar os pingos nos is.
“Nos dias de hoje, confunde-se livre exame com livre interpretação da Bíblia”
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Ziel J.O.Machado é historiador, membro da Equipe Pastoral da Igreja Metodista Livre da Saúde, em São Paulo, e secretário regional para a América Latina da IFES