Masculinidades e Prevenção às DST/Aids

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MASCULINIDADES E PREVENÇÃO ÀS DST/AIDS

PROGRAMA ESTADUAL DE DST/AIDS: Centro de Referência e Treinamento DST/AIDS - SP Secretaria de Estado da Saúde - SP Coordenadoria de Controle de Doenças - CCD

SÃO PAULO – SP 2012


Secretário de Estado da Saúde de São Paulo Dr. Giovanni Guido Cerri Coordenadoria de Controle de Doenças (CCD) Dr. Marcos Boulos Programa Estadual de DST/AIDS – SP Coordenação do Programa Estadual de DST/AIDS Centro de Referencia e Treinamento em DST/AIDS Dra. Maria Clara Gianna Dra. Rosa Alencar Souza Gerência de Prevenção Ivone Aparecida de Paula Naila Janilde Seabra Santos Organização Ivone Aparecida de Paula – Gerência de Prevenção Patrícia Helena Vaquero Marques – Gerência de Prevenção Renata Galli Barbosa – Gerência de Prevenção Revisão Técnica Naila Janilde Seabra Santos Colaboração Dreyf Assis Gonçalves Emi Shima Projeto gráfico e diagramação Denis Delfran Pereira Ilustração e capa Denis Delfran Pereira FICHA CATALOGRÁFICA: _____________________________________________________________________ MASCULINIDADES E PREVENÇÃO ÀS DST/AIDS / Ivone Aparecida de Paula, Patrícia Helena Vaquero Marques, Renata Galli Barbosa (organizadoras) – São Paulo: Secretaria de Estado da Saúde, 2012. 200 pgs. ISBN: 978-85-99792-16-2 1. Programa Estadual de DST/AIDS de São Paulo. 2. Masculinidades.3. Prevenção às DST/AIDS.4. Gênero e sexualidade _____________________________________________________________________


MASCULINIDADES E PREVENÇÃO ÀS DST/AIDS

ORGANIZADORES IVONE AP. DE PAULA PATRICIA HELENA V. MARQUES RENATA GALLI BARBOSA

SÃO PAULO – SP 2012



SUMÁRIO

Apresentação .................................................................................................... 3 Introdução ........................................................................................................ 4

PARTE I – HOMENS. MASCULINIDADES E SAÚDE Saúde do homem Dalva Regina Massuia, Dilma P. de Almeida Cardoso, Stela Felix M. G. Pedreira ................11 Perfil da mortalidade dos homens negros no estado de são paulo Luís Eduardo Batista, Celso Ricardo Monteiro..............................................................19 Medos sexuais masculinos e política de saúde do homem: lacunas e desafios Romeu Gomes, Lúcia Emília Figueiredo de Sousa Rebello, Elaine Ferreira do Nascimento ..........................................................................................................41 Violências e masculinidades Lilia Blima Schraiber, Márcia Thereza Couto, Wagner dos Santos Figueiredo.....................57 Homens e atenção primária à saúde: tecnologias de atenção Wagner dos Santos Figueiredo, Lilia Blima Schraiber, Márcia Thereza Couto.....................71 Homem faz pré-natal? Precisa? Isso não é coisa de mulher? O prénatal do homem: uma nova estratégia de prevenção da transmissão vertical do hiv e da sífilis congênita Ivone Aparecida de Paula........................................................................................89 Debatendo algumas questões na produção de materiais didáticos e informativos para a população masculina Fernando Seffner ................................................................................................. 101 Vivendo e convivendo com hiv/aids no mercado de trabalho: limites e possibilidades Ana Rosa Platzer, Joseli Aparecida E. Cardoso .......................................................... 119


PARTE II - EXPERIÊNCIAS NO TRABALHO COM HOMENS Prevenção às dst/aids entre trabalhadores do transporte do estado de são paulo: desafios e possibilidades da educação entre pares Patrícia Helena Vaquero Marques ........................................................................... 133 Saúde nas empresas: ações de prevenção em dst/aids/hepatites b e c nas empresas em são josé do rio preto Renata Galli Barbosa, Aracelis de Castro Achcar, Maria Aparecida Batista da Rocha Silva, Maria Aparecida Fernandes ........................................................................... 141 Construindo saúde: prevenção na construção civil em praia grande Letícia Zampieri M. Lázaro..................................................................................... 147 Responsabilidade social: experiência de uma multinacional na prevenção às dst/aids Silvia Almeida ..................................................................................................... 151 A importância das ações de prevenção às dst/hiv/aids em estádios de futebol no município de são paulo Maria Elisabeth de Barros Reis Lopes ...................................................................... 157 O teatro como ferramenta na prevenção das dst/aids na unidade de regime semi-aberto p-1, do complexo penitenciário de hortolândia Sérgio Ferreira Júnior, Vivian Mae Schmidt Lima Amorim ............................................ 163 A camisa te deixa elegante, a camisinha te garante! - ação de prevenção as dst/aids no ceasa de campinas Shirlei Aparecida de Souza, Maria Cristina Prini, Maria do Carmo Martins ....................... 169 Conversa de rolê: experências de masculinidades entre jovens do skate e do graffiti no município de campinas Almir da S. Pinheiro, Ana Cristina dos Santos Vangrelino ............................................ 177 Acesso dos homens aos servicos de saude perfil dos usuários atendidos em dois serviços públicos em mauá Walkiria S. Zacheu, Hudson Galvão, Damásio Aparecido de Souza ................................ 185


Masculinidades e Prevenção às DST/Aids APRESENTAÇÃO

O desafio de trazer à tona uma reflexão teórica e alternativas de ações referentes ao enfretamento das DST/Aids em homens heterossexuais ou homens vivendo a heterossexualidade levou a elaboração deste livro, desenvolvida pelo Programa Estadual de DST/AIDS de São Paulo, através de seu Grupo de Trabalho Masculinidades e DST/AIDS. Esta publicação abordará assuntos referentes à prevenção das DST/Aids dando enfoque ao universo dos homens heterossexuais, sem, entretanto, excluir a importância dos HSH (homens que fazem sexo com homens) tanto do ponto de vista da epidemia como de suas legítimas lutas ao longo dos anos pelo pleno exercício de cidadania, pois ao falar de Masculinidades estamos nos referindo a todos os homens, independente de sua orientação sexual. Dividida em duas partes, na primeira serão discutidas questões relacionadas às masculinidades e sua interface com a saúde e na segunda, teremos a descrição de experiências no trabalho com homens. O Programa Estadual de DST/AIDS pretende que esta publicação possa instigar e subsidiar a discussão sobre a vulnerabilidade trazida pelas masculinidades e assim, fomentar o desenvolvimento de ações de prevenção, latu senso, que ampliem o olhar dos diversos locais em que os homens estejam presentes, facilitando o acesso desses homens a recursos e serviços que auxiliem na promoção de sua saúde.

Dra. Maria Clara Gianna Dra. Rosa Alencar Souza Coordenação do Programa Estadual de DST/AIDS - SP

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4 INTRODUÇÃO O perfil da epidemia de DST/AIDS, no Brasil, apresenta-se em constante transformação. Nos seus primórdios a grande maioria de casos notificados era em Homens que fazem Sexo com Homens (HSH). Paulatinamente foram sendo introduzidos novos casos em hemofílicos, politransfundidos, mulheres, crianças e usuários de drogas injetáveis. O uso de drogas injetáveis e a feminização da epidemia demarcam a heterossexualização da mesma, com consequente aumento da proporção de casos em homens pela transmissão heterossexual. Assim, o que se vê, desde quando tivemos os primeiros casos diagnosticados, na década de 80, até os dias atuais é uma expressiva participação dos homens na epidemia,

trazendo

a

cada

momento

as

vulnerabilidades

das

diversas

masculinidades. Na busca de estratégias e respostas eficazes para as DST/HIV/Aids em adultos e crianças, é imprescindível nos referir às questões de vulnerabilidade, gênero e masculinidades. Embora os estudos epidemiológicos, baseados no conceito de risco, sejam importantes para o conhecimento e planejamento de políticas voltadas para a saúde, eles não podem ser utilizados como únicos instrumentos para nortear as ações de prevenção e tratamento do HIV/Aids. Estamos agora diante de outro conceito de grande importância na saúde: o conceito

de

“masculinidade”.

Sua

operacionalização

tem

demonstrado

ser

absolutamente importante na epidemia das DST/HIV/Aids em ambos os sexos e em todas as faixas etárias. Segundo Connell (1997), a masculinidade “...seria a posição

nas relações de gênero, ou seja as práticas pelas quais homens e mulheres se comprometem com o lugar masculino e o lugar feminino na sociedade e os efeitos destas práticas na experiência corporal, na personalidade e na cultura. Questões relacionadas à masculinidade (ou masculinidades) e suas várias formas de expressão impactam diretamente, e muitas vezes prejudicialmente, sobre a saúde de homens e mulheres e conseqüentemente na saúde de seus filhos, como


Masculinidades e Prevenção às DST/Aids por exemplo, na transmissão vertical da sífilis e do HIV (SCHRAIBER et al, 2005; VILLAR, 2007; GOMES, 2003). Courtenay (2000), em seu artigo sobre masculinidade, diz que fazer saúde é uma forma de fazer gênero, e que então desta forma, a saúde é uma prática social e uma forma de prática que constrói a pessoa da mesma maneira que outras práticas sociais. Não é possível pensarmos em promoção de saúde sem que consideremos as vulnerabilidades relacionadas aos sexos, a relação entre eles e seus componentes sociais e culturais, não somente biológicos, o que denominamos, “vulnerabilidade de gênero”, tal como descrita por Gomes et.al. (2007) que referem que categoria gênero diz respeito a “...atributos e funções, socialmente constituídos, que

configuram diferenças e inter-relações entre os sexos, que vão para além do biológico. Assim, ser homem ou mulher implica a incorporação destes atributos e funções, como forma de representar-se, valorizar-se e atuar numa determinada cultura”. Esta definição e outras de que possamos encontrar, sempre incluirão a idéia relacional de gênero (CONNELL, 1997; UNAIDS, 1998). Atualmente, vários estudos têm enfatizado a questão da vulnerabilidade de gênero na epidemia do HIV/Aids e quais são as alternativas para reduzir estes componentes de vulnerabilização que trazem tantos transtornos nos cuidados de saúde para homens, mulheres e seus filhos. Mais especificamente, em se tratando das DST/Aids, faz-se necessário questionar qual a inclusão e acesso dos homens nas ações e serviços de orientação, aconselhamento, testagem, aos serviços de atenção básica, em espaços de reflexão, insumos de prevenção, etc. (GUERREIRO et al, 2002; FIGUEIREDO, 2005). Do ponto de vista da vulnerabilidade masculina vale ressaltar: menor acesso dos homens aos serviços de saúde, crença de que serviços de saúde são espaços femininos, forte sentimento de invulnerabilidade, necessidade de se colocarem em situação de risco para afirmarem-se como homens, a forma como lidam com questões

como

fidelidade

e

confiança

no

comportamento

da

parceira,

incompatibilidade entre trabalho e funcionamento dos serviços de saúde, e práticas de violência (FIGUEIREDO, 2008).

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6 Reconhecendo a necessidade de criar estratégias voltadas especificamente aos homens heterossexuais, foi instituído em 2005, o Grupo de Trabalho (GT) Masculinidades e DST/AIDS, que conta com a participação de representantes dos municípios do Estado, das instituições universitárias e de ONGs que têm interesse em desenvolver ações de prevenção voltadas a esse público. A missão desse GT “Masculinidades e DST/Aids” é: Propor políticas públicas em DST/Aids para população masculina e intervenções que favoreçam a atenção à Saúde do Homem, produzindo o conhecimento sobre as especificidades das vulnerabilidades

masculinas,

sistematizando

e

socializando

as

informações

produzidas para a atualização dos profissionais dos serviços de DST/Aids e da rede de Atenção Básica. Nestes anos de existência o GT “Masculinidades e DST/Aids” desenvolveu várias atividades em conjunto com municípios do Estado como a observação Participante do Grupo de Saúde do Homem do Centro de Saúde Escola do Butantã (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo); o Work Shop de Grupos Focais em parceria com a Prefeitura Municipal da Praia Grande, onde buscou-se a problematização e a reflexão sobre os papéis de gênero em saúde, através do trabalho com 271 Agentes Comunitários de Saúde; a realização de enquete sobre percepção de risco e vulnerabilidade, junto aos trabalhadores (homens) da Zona Portuária em parceria com a Prefeitura Municipal do Guarujá e duas oficinas estaduais sobre DST/AIDS e Masculinidades, em agosto de 2007 e maio de 2010; alguns municípios também elaboram materiais educativos específicos para a população masculina e realizaram ações de prevenção em locais alternativos como trabalho e lazer. Esse GT diante da constatação do aumento de casos de sífilis congênita e da dificuldade de tratamento do parceiro elabora a proposta de inclusão do parceiro no pré-natal, objetivando tratamento das DST/Aids quando necessário, colaborando para eliminação da Transmissão Vertical da Sífilis e do HIV. A proposta, descrita em capítulo específico desta publicação, passa a ser discutida e implantada nos municípios do Estado e no Conselho Empresarial do Estado de São Paulo subsidiando


Masculinidades e Prevenção às DST/Aids a elaboração de nota técnica nº001/ 2009 recomendando o estímulo a realização do pré-natal do homem. Em outra atuação foi estabelecida parceria com a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres (CNTTT) e o Instituto “O Resgate”, para formação de multiplicadores para trabalhadores do transporte urbano, rodoviário e de carga. Dando continuidade à difusão de seu trabalho e expansão das parcerias, em 2010 o GT “Masculinidades e DST/Aids” firma parceria com as Forças Armadas realizando Oficinas para formação de multiplicadores com os jovens que iniciam o serviço militar. Os homens idosos também foram incluídos em atividades de Prevenção em parceria com o Sindicato Nacional dos Aposentados com a realização de testagem para o HIV para os homens. O lançamento da “Política Nacional de Saúde do Homem” em 2008 pelo Ministério da Saúde, vem respaldar o trabalho do GT “Masculinidades e DST/Aids” junto aos municípios do Estado. Vale ressaltar, que o Plano de Enfrentamento das DST/HIV/Aids para mulheres (BRASIL, MS, 2007) e a Política Nacional de Saúde do Homem propõem estratégias de prevenção e assistência onde deverão ser incluídos homens e mulheres de forma relacional e não com estratégias dissociadas. Uma das ações inovadoras destas diretrizes é a inclusão legítima dos homens no pré-natal (casal grávido) e a criação de dispositivos que atendam de forma mais eficaz as necessidades de saúde dos homens, incluindo saúde sexual e reprodutiva (BRASIL, MS, 2008; BRASIL, MS, 2007). Vale lembrar que é importante que as ações de saúde propostas, levem em consideração estes homens e suas vulnerabilidades, percebendo-os como sujeitos de direitos, sem que necessariamente suas demandas de saúde estejam relacionadas a sua parceira e filhos.

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8 Alguns desafios se colocam na construção do trabalho com a população masculina heterossexual:  Como

romper

barreiras

culturais

enraizadas

na

constituição

das

masculinidades, visto que para cuidar de nossa saúde precisamos no mínimo nos sentir um pouco vulneráveis?  Buscar uma metodologia de trabalho na saúde que faça com que estes

homens sintam-se fragilizados e a partir disto se sensibilizarem para participar de ações que promovam saúde é uma boa alternativa ou isso poderá criar mais resistências?  Do ponto de vista do planejamento das ações e da organização dos serviços

de atenção básica, é viável continuar com a mesma lógica do atendimento oferecido para as mulheres?  Ao pensar na construção da identidade de gênero dos profissionais de saúde

e, portanto do coletivo identitário destas instituições que objetivam promover saúde, como mudar alguns conceitos sobre gênero e rever as práticas de atendimento para um encontro mais acolhedor e adequado à população masculina?

Estas são questões que afligem também vários dos municípios deste GT, mas acreditamos que o compartilhamento destas experiências e os momentos de estudos, debates e reflexões que acontecem neste grupo poderão nos ajudar nesta caminhada.


Masculinidades e Prevenção às DST/Aids REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. MS. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas, 2008. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Brasília-DF, 2008, pg. de apresentação. BRASIL. Ministério da Saúde. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST/AIDS. Plano Integrado de Enfrentamento da Feminização da Epidemia de Aids e outras DST, Brasília-DF, 2007, 2ª ed. CONNELL, R.W. La organización social de la masculinidad. In Vladdés T., Olavaria, J. Masculinidades- Poder Y Crisis. Chile: Ediciones de lãs mujeres, 1997.p. 31-48. COURTENAY, W.H. Constructions of masculinity and their influence on men’s well-being: a theory of gender and health. Social Science & Medice, p.1385-1401, 2000. FIGUEIREDO. W. Assistência à saúde dos homens: um desafio para os serviços de atenção primária. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 10(1):105-109, 2005. _____________. Masculinidades e Cuidado: diversidade e necessidades de saúde dos homens na atenção primária. Tese de doutorado. Medicina Prevenção Medicina USP/SP, 2008. GOMES, R. Sexualidade masculina e saúde do homem: proposta para um a discussão. Ciências & Saúde Coletiva, 8(3):825-829, 2003. GOMES, R.; NASCIMENTO, E. F. A.; CARVALHO, F. Porque os homens buscam menos os serviços de saúde do que as mulheres? As explicações de homens com baixa escolaridade e homens com ensino superior. Cad. de Saúde Pública, Rio de Janeiro, 23(3):565-574, março. 2007. GUERREIRO. I.; AYRES, J. R. C. M.; HEARST. N. Masculinidade e Vulnerabilidade ao HIV de homens heterossexuais. Rev. Saúde Pública, São Paulo, 36(4 Supl):50-60, 2002. SCHRAIBER.L.; GOMES.R.; COUTO.M.T. Homens e saúde na pauta da Saúde Coletiva. Ciências & Saúde Coletiva, 10(1):7-17, 2005. UNAIDS. Gênero e HIV/aids. Atualização Técnica. Coleção Boas Práticas da ONUSIDA, 1998.

VILLAR, G.B. Gênero, cuidado e saúde: estudo entre homens usuários da atenção primária em São Paulo. Tese de mestrado apresentada ao Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP de São Paulo, 2007.

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Parte I – Homens. Masculinidades e saúde

SAÚDE DO HOMEM

Dalva Regina Massuia1 Dilma P. de Almeida Cardoso2 Stela Felix M. G. Pedreira3

Desfiz os meus medos joguei fora o lixo acumulado em minh'alma que atolava os meus atos e mutilava meus sentimentos rompi minhas entranhas recusei o sofrimento enfrentei o presente e gritei: Isto é vida! Val Bomfim Os valores atribuídos a homens e mulheres e as regras de comportamento decorrentes desses valores, identificam em uma sociedade ou cultura, as relações de poder e a hierarquia. O sociólogo francês Pierre Bourdieu (1999) fala em seu livro “A dominação masculina” que existe um senso comum que obriga homens a serem fortes, potentes e viris. Vários estudos associam a potência sexual e a virilidade de um homem à sua auto-estima.

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Assistente Técnica de Planejamento em Ações de Saúde III – Grupo Técnico de Ações Estratégicas Coordenadoria de Planejamento de Saúde– SES/SP 2 Diretora Técnica de Divisão de Saúde - Coordenadoria de Planejamento de Saúde/SES/SP 3 Assistente Técnica IV da Coordenadoria de Planejamento de Saúde – Grupo Técnico de Ações Estratégicas – SES/SP

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids Para Nolasco (1995), “homem, masculino e pai são qualificações que definem um modo de inserção do sujeito na cultura da qual ele faz parte [...] juntas definem um padrão de comportamento a ser seguido pelos homens”. O Brasil, no seu modelo patriarcal, abrigou a família matrimonializada e suas inúmeras discriminações no contexto social, até a promulgação da Constituição Federal de 1988. A partir de então estabeleceram-se novas regras de realidade social que afetaram diretamente o núcleo familiar, regulamentando a possibilidade de novas concepções de família, instaurando a igualdade entre homem e mulher, ampliando o conceito de família e protegendo todos os seus integrantes. (Constituição Federal – 1998) Nesse contexto, o homem ainda vive as contradições entre o modelo anterior e as mudanças na vivência da masculinidade. As transformações do cuidar e ser cuidado devem ser o destaque, apontando para uma nova realidade na própria saúde. Na chamada “divisão social do cuidado” a prática de cuidar depende de práticas biológicas e/ou culturais, que estabelecem que o “cuidar do bem-estar” é da mulher e o “cuidar decisório”, é do homem. Isso é tomado como fato natural e encaminha algumas condutas com relação ao auto cuidado. É senso comum que a mulher se cuida mais, tanto na aparência, quanto no bem-estar. Nos cuidados de sua saúde a mulher incorporou a necessidade de exames preventivos, enquanto o homem procura mais os pronto-socorros e hospitais. O fator cultural é a principal barreira para que a população masculina não procure regularmente o médico. Os argumentos para adiar uma consulta são muitos, desde falta de tempo até o medo de encontrar doenças e se demonstrar frágil e suscetível à dor. O que se constata é que o homem brasileiro geralmente procura o serviço de saúde quando perdeu a capacidade de trabalho e essa visita não regular pode resultar em internação, cirurgia de emergência ou óbito.


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde

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Porque uma política de saúde dirigida ao homem? Os homens na idade adulta estão mais propensos a diversas doenças e mais vulneráveis a acidentes e agravos decorrentes da violência, dependência de tabaco, álcool e outras drogas. A saúde no universo masculino demonstra dados preocupantes. Por exemplo: a cada três mortes de pessoas adultas, duas são de homens. A expectativa de vida do brasileiro, em média, é de 73,2 anos; no entanto para o homem, segundo o IBGE - 2010, a expectativa é de 69,7 anos, enquanto para a mulher é de 77,3 anos. Isto significa que a população masculina vive, em média, sete anos e seis meses a menos do que as mulheres e têm mais doenças do coração, câncer, e as taxas de diabetes, colesterol, triglicérides e pressão arterial, são mais elevadas

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A chance de morrer é maior entre os homens do que entre as mulheres, em todas as faixas de idade: 732,24 óbitos masculinos por 100 mil homens 549,95 óbitos femininos por 100 mil mulheres Na maioria dos capítulos da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) os coeficientes de mortalidade são maiores para os homens com relação às mulheres. Estas apresentam coeficientes maiores somente nos capítulos das doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas, neurológicas, da pele e osteomusculares. A sobremortalidade masculina é de quase 32 mil óbitos por ano (em 2008). A doença isquêmica do coração e as doenças do fígado aparecem como causas importantes de óbito nesta população, entretanto as causas externas (agressões e

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Fonte: Base Unificada de Óbitos – Tabwin – SESSP/FSEADE – junho/2012- Número de óbitos por sexo, segundo faixa etária, ano 2010, no estado de São Paulo. CPS /GAIS – Grupo Assessor de Informações – SUS. 5

Fonte: Base Unificada de Óbitos – Tabwin – SESSP/FSEADE – junho/2012- Número de óbitos por sexo, segundo faixa etária, ano 2010, no estado de São Paulo. CPS /GAIS – Grupo Assessor de Informações – SUS.


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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids acidentes de transporte), que acometem sobretudo o adulto jovem, respondem por quase a metade desta sobremortalidade masculina. Ainda na faixa do adulto jovem, a AIDS aparece (em 2007) como 3ª causa de mortalidade para os homens, na faixa etária de 25 a 34 anos, e 4ª causa na faixa etária de 35 a 44 anos. Nas causas digestivas (doença hepática) a sobremortalidade masculina é significativa a partir dos 30 anos de idade. Diante disso, no mês de setembro de 2009, o Ministério da Saúde instituiu a Política Nacional da Saúde do Homem visando atingir homens na faixa etária de 20 a 59 anos, para que procurem o serviço de saúde ao menos uma vez por ano.

O PAPEL DA POLÍTICA ESTADUAL DE SAÚDE DO HOMEM A Política Estadual de Saúde do Homem está proposta de forma transversal prevendo a cooperação articulada entre os segmentos gestores e pelo conjunto de prestadores relacionados ao assunto, na linha da co-responsabilidade prevista no Pacto pela Saúde. Isto envolve a integralidade da atenção. No estado de São Paulo, o Grupo Técnico de Ações Estratégicas (GTAE) está estruturando sua área técnica de Saúde do Homem, sistematizando as ações empreendidas em diversas áreas de atenção. Os objetivos da política saúde do homem são:  Promover a melhora das condições de saúde da população masculina, aumentando sua perspectiva de vida;  Fazer com que mudem sua cultura e passem a cuidar da própria saúde;  Estimular a participação e inclusão do homem no planejamento de sua vida sexual e reprodutiva, enfocando a paternidade responsável.

As ações propostas são:  Campanhas para sensibilizar a população masculina e suas famílias, promovendo comunicação.

hábitos

saudáveis

através

de

informação,

educação

e


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde

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 Envolver nessa campanha, sociedades médicas, científicas, universidades, representações empresariais e dos trabalhadores.  Viabilizar atendimento nas unidades de saúde para a população masculina, viabilizando horário e acolhimento dos profissionais de saúde.  Ampliar o número de oferta de ultrassonografias transretais, como apoio ao diagnóstico do câncer de próstata.  Maior oferta de contracepção cirúrgica (vasectomia), de acordo com a legislação vigente, para inserir o homem no planejamento familiar.  Incluir o homem do Programa Saúde da Família, incluindo disfunção erétil, DST e outras patologias.

Áreas correlatas Por ser uma política transversal, entendida como um conjunto de princípios e diretrizes que se traduzem em diversas esferas e práticas de saúde, caracterizadas pela construção coletiva, a Política Estadual do Homem, após diagnóstico de prevalência de morbidades e causas de mortalidade, prevê ações em diversas áreas de atuação da SES SP: saúde do trabalhador, saúde mental, saúde da população privada da liberdade, tabagismo, álcool e drogas, violência, acidentes, hipertensão arterial e diabetes, pessoas com deficiência, sexualidade, adolescência e velhice, oncologia, alimentação saudável, prática de atividades físicas, entre outras.

Atividades previstas  Elaboração de material informativo e educativo, temático a ser desenvolvido,

sistematicamente voltado para profissionais de saúde,

gestores e população em geral;  Articulação para o lançamento do Programa Estadual da Saúde do Homem,

envolvendo

as

diversas

áreas

da

SES,

incluindo

a

Coordenadoria de Controle de Doenças, Coordenaria de Serviços de Saúde, CRT/Aids, Centro de Referência para Álcool, Tabaco e outras Drogas - CRATOD, Centro de Vigilância Epidemiológica - CVE, Centro de Vigilância Sanitária - CVS, Hospital Brigadeiro, Instituto de Cardiologia


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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids Dante Pazzanese, Fundação Oncocentro de São Paulo - FOSP, Centro Estadual de Referência à Saúde do Trabalhador - CEREST, etc.;  Sensibilização da população em geral com informações relacionadas à saúde do homem. Divulgação na mídia.  Estabelecer comunicação e capacitação permanente com as áreas envolvidas;  Captar precocemente o gênero masculino nas atividades de prevenção primária relativo ao risco cardiovascular, urológico e odontológico;  Elaborar relatórios e processos de avaliação do desenvolvimento da proposta. No ESP diversas ações já estão estabelecidas com vistas à saúde do Homem. Cabe destacar entre as diversas atuações, a proposta do Grupo Técnico de Masculinidades e AIDS do PE-DST/AIDS, o chamado “Pré-Natal do Homem” que visa à detecção e acompanhamento de doenças sexualmente transmissíveis no homem, no mesmo período em que é feito o pré-natal de sua parceira. Outras estratégias para prospectar vulnerabilidades masculinas, promover saúde e prevenir de doenças são feitas regularmente pelo CRT/AIDS envolvendo grupos específicos como trabalhadores do Porto de Santos, motoristas e cobradores de ônibus, CIPAS, etc. No ano de 2008 foi realizado o primeiro mutirão contra câncer de próstata para servidores estaduais, em conjunto com o Ambulatório de Urologia do Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE). O mutirão envolveu funcionários estaduais com mais de 50 anos. O objetivo foi detectar precocemente o câncer de próstata. Os pacientes passaram por uma coleta de sangue para dosagem de PSA, proteína secretada pela próstata que auxilia no diagnóstico precoce da doença e posteriormente, por consulta médica para avaliação geral. Os casos com detecção de problema foram encaminhados para tratamento.


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde Outra iniciativa da Secretaria de Estado da Saúde foi o Hospital do Homem que começou a funcionar no início de 2008, no Hospital Brigadeiro. Este Centro de Referência da Saúde do Homem reúne especialidades médicas como andrologia, sexualidade, esterilidade e trans-sexo, patologias da próstata e urologia, além dos núcleos de alta resolubilidade (check-up) e de ensino e pesquisa. São feitas palestras e cursos abertos ao público. O estilo de vida imposto pela urbanização leva ao sedentarismo, alimentação inadequada, estresse, tabagismo e obesidade. Estes fatores são a base para o desenvolvimento das dislipidemias, diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica e síndrome metabólica. Baseada neste cenário é que a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES/SP) realizou, em parceria com a Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (SOCESP), um Mutirão de Prevenção de Risco Cardiológico e Doenças Cardiovasculares. Este evento ocorreu nos municípios de São Paulo e Campinas, entre os dias 27/06 e 04/07/2009, envolvendo 520 unidades e mais de três mil profissionais da área de saúde dos municípios participantes e do serviço público estadual; que realizaram cerca de cem mil atendimentos. No entanto, os números evidenciam que a participação masculina (a de maior risco) ficou abaixo do desejável (em torno de 34%). Estes números refletem a pouca participação e conscientização da população masculina em relação à sua saúde. Assim, uma nova estratégia deve ser estabelecida para funcionar como porta de entrada do sistema de saúde, com o objetivo de enfrentar os determinantes do processo saúde e doença e com isso reduzir a morbidade e mortalidade dessa população. As ações visam sensibilizar o homem para a responsabilidade de cuidar de si e dos que estão ao seu redor, com ambiente e equipe capacitada para acolher e fornecer informações sobre as medidas preventivas contra os agravos e enfermidades que os atingem. A capacitação e motivação devem ser abrangentes, com respeito às peculiaridades culturais, sociais, econômicas e de diferentes estilos de vida e vulnerabilidade. (Portaria 1944 de 27/08/2009 – Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem).

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids O acesso da população masculina aos serviços de saúde deve respeitar a hierarquização prevista nos diversos níveis de atenção conformados em uma rede, possibilitando melhoria do grau de resolubilidade dos problemas e acompanhamento do usuário pela equipe de saúde. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOURDIEU, P. A dominação masculina. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1999. BRASIL. Constituição Federal 1988. Dos Direitos e garantias Fundamentais , Título II, Capítulo I, artigos 5°, Da Família, da Criança , do Adolescente, do Jovem e do Idosos, Artigos 226 e 227. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm BRASIL. Código Civil Brasileiro Livro IV, Artigo 1511, In: NOLASCO, S. O Mito da masculinidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Rocco; 1995. BRASIL. IBGE 2010 – Tábua Completa de Mortalidade/2010. Disponível em: www.ibge.gov.br/home/.../tabuadevida/2010/notastecnicas.pdf BRASIL. Ministério da Saúde - Portaria Nº. 1944, de 27/08/2009 - Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. COELHO,M.J. Maneiras de cuidar em Enfermagem. Rev. bras. Enfermagem, Brasília,vol.59, nº6, Nov./Dec, 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ leis/2002/l10406.htm.


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde PERFIL DA MORTALIDADE DOS HOMENS NEGROS NO ESTADO DE SÃO PAULO6 Luís Eduardo Batista7 Celso Ricardo Monteiro8 INTRODUÇÃO Estudos sobre as determinantes sociais em saúde relacionam as condições sociais, econômicas e políticas de um grupo populacional/social ao perfil de saúde (BARATA et al, 1997). Castelhanos, (1997); Viana, et al. (2001); Barros (1997); Brasil (2002) evidenciam que a qualidade de vida dos cidadãos determina a forma de adoecer e morrer. Estes trabalhos mostram desigualdades no perfil de saúde entre as regiões do país, entre sexos, idade e entre diferentes segmentos de classe social, todavia poucos associam a inserção social desqualificada/desvalorizada dos negros em nossa sociedade aos indicadores de saúde. A construção social da desigualdade de oportunidades entre brancos e negros condiciona a forma de viver destes enquanto grupos sociais. Segundo o censo demográfico 2000, a média de estudo da população branca foi de cerca de 2 anos superior a dos negros (soma da população de pretos mais pardos) no Brasil. Em todas as regiões do país a população preta se destacou com maior percentual com menos de quatro anos de estudo, sendo esse percentual (MS, 2005). Batista (2002), analisando dados da Pesquisa de Condições de Vida (PCV, 1998-F Seade), registra que no Estado de São Paulo escolaridade, renda, condições indesejáveis para habitação e acesso a saneamento básico e a bens de consumo são sempre menores/piores entre os negros. O autor se utiliza do aporte de Cashmore (2000) para enfatizar que a desvantagem dos negros quanto a salário, educação, habitação e a exclusão de vários direitos sociais perfaz um quadro de vulnerabilidade social (AYRES et al 1999).

6 A versão anterior deste texto foi publicada na Revista Ciência e Saúde Coletiva, volume 10, número 1, p. 71-80, 2005. Durante o processo de editoração, onde estava escrito a palavra preto foi alterado para negro, prejudicando a discussão entre o biológico/quesito cor e o social/negro presente no artigo. 7 Pesquisador Científico V do Instituto de Saúde / SES - SP 8 Sacerdote da Sociedade Ketú Asé Igbin de Ouro

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids Os dados de São Paulo confirmam o que já havia sido encontrado em estudos de abrangência nacional desenvolvidos por Paixão (2003), Soares (2000) e Henriques (2001). De fato, Soares, em análise das PNADs (Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios), de 1987-98, realizada em 2000 para o Ipea (Instituto de Pesquisas Avançadas), mostra diferenças de salário e inserção no mercado de trabalho entre homens brancos e negros, a estes sendo reservados os menores salários, as piores funções e as atividades menos qualificadas. Estudos evidenciam a maior mortalidade das crianças negras (TAMBURO, 1987; CUNHA, 2001); a maior mortalidade materna entre as mulheres negras (MARTINS e TANAKA, 2000) e a maior mortalidade por HIV/Aids entre os negros (WERNECK, 2001; BATISTA, 2002; LOPES & BATISTA, 2003). No que diz respeito à mortalidade masculina, Barbosa (1998) enfatiza as mais altas taxas de mortalidade por causas externas dos homens negros residentes na cidade de São Paulo. Este trabalho tem como objetivo apontar as diferenças existentes no perfil da mortalidade dos homens pretos e brancos, residentes no Estado de São Paulo, com enfoque nas desigualdades raciais. A análise comparativa será realizada a partir de três grupos de causas de morte: mortalidade por doenças infecciosas e parasitárias, transtornos mentais e causas externas.

METODOLOGIA Para alcançar os objetivos do presente trabalho, utilizou-se o banco de dados do Sistema de Informação em Mortalidade (SIM/DATASUS/FSEADE), ano de 1999, fornecido pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados - SEADE. Foi analisada a mortalidade pelo grupo de causas de morte da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – CID-10. A taxa de mortalidade específica por sexo e raça/cor foi calculada pelo número de óbitos por grupos de causas e raça/cor específica, dividido pela população de raça/cor específica multiplicada por 100 mil. No atestado de óbito há cinco variáveis para designar a cor da pele, as quais se baseiam nas categorias do IBGE – preto, pardo, branco, amarelo e indígena. Ao se utilizar o termo negro neste trabalho, está-se referindo à somatória das variáveis


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde preto mais pardo (PETRUCCELLI, 2002) ou ainda a uma construção sócio cultural – população negra – dependendo do contexto. Cabe salientar que a cor nos dados populacionais é auto-referida pelo entrevistado, enquanto, no atestado de óbito, quem define cor é um profissional de saúde. Portanto, ao calcular as taxas, pode ocorrer “erro” difícil de ser mensurado. Será analisada, neste trabalho, a mortalidade dos pretos em relação aos brancos, pois pode haver dúvidas sobre a cor de um pardo, especialmente quanto à heteroreferência mas não de um preto ou de um branco. Os pardos, amarelos e indígenas não serão objeto de análise neste momento. Batista et al. (2004), ao realizar o teste de X2, constataram que existe associação significante entre causas de óbito e raça/cor. Observaram que, no gráfico multidimensional, a mortalidade de pretos e pardos é distinta; em alguns grupos de causas, as mortes são as mesmas, mas a intensidade da mortalidade dos pretos é maior do que a dos pardos. Cabe salientar ainda que, apesar de o Sistema de Informação de Mortalidade possuir campos para informar escolaridade e ocupação/ramo de atividade, seu preenchimento é deficiente, dificultando realizar proxy do status socioeconômico do indivíduo e sua raça/cor e ou causa de morte. Tal dificuldade, porém, não inviabiliza o estudo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O perfil da mortalidade Dados do Saúde Brasil, 2005 mostram que a primeira causa de morte proporcional por causas definidas entre os homens foram as doenças do aparelho circulatório, seguida pelas neoplasias e as causas externas. Para as mulheres as três primeiras causas de mortalidade foram as doenças do aparelho circulatório, as neoplasias e as doenças do aparelho respiratório – aproximadamente 35% dos óbitos femininos por doenças do aparelho respiratório ocorreram após os 80 anos. (MS, 2005)

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids Na busca de sentido para essa diferença de mortalidade, Chor et al. indicam vários autores que explicam a maior mortalidade masculina pelas diversas situações de risco às quais os homens estão expostos em nossa sociedade (CHOR et al. 1992). Laurenti (1998), ao estudar o Perfil Epidemiológico da Saúde do Homem nas

Américas, afirma que os diferenciais de morbimortalidade de homens e mulheres podem ser socialmente determinados pelo estilo de vida, costumes, hábitos e comportamentos sociais, urbanização e nível socioeconômico: É indiscutível que a desvantagem masculina é resultado da ação de diferentes fatores de risco ligados ao biológico e outros tantos ligados ao gênero, isto é, comportamentais, culturais e sociais. [...] Assim, certos fatores comportamentais, mais do que biológicos, favorecem ou propiciam, do ponto de vista de gênero, a maior freqüência de determinados agravos ou mesmo maior letalidade, em um sexo ou no outro (LAURENTI, 1998). O autor trabalha com a idéia de que a forma pela qual os homens são construídos socialmente relaciona-se diretamente com a prevalência de óbitos masculinos por câncer de pulmão, mortes violentas (homicídio, suicídio e acidente por veículo a motor), alcoolismo e DSTs/HIV/Aids. Contudo, há que se perguntar: existe diferença na mortalidade por essas causas entre brancos e negros? Barbosa (1998) ao estudar o impacto do racismo na saúde afirma “ a violência

é estrutural, vitimiza de forma diferenciada, institui vítimas preferenciais, homem e negro”. (BARBOSA, 1998, p. 97). Considerando que as condições sociais provocam impactos na saúde; que associamos as piores condições de vida e acesso a bens e serviços de saúde de qualidade à mortalidade por tuberculose, malária, doença de Chagas, HIV/Aids, alcoolismo, morte materna, morte sem assistência, morte por causas mal definidas e causas externas; e sendo a população negra uma das maiores vítimas da violência estrutural - aquela que, em nossa sociedade, possui as piores condições de vida então a mortalidade por tais causas provavelmente será maior para os negros. No ano de 1999, ocorreram 236.025 óbitos no Estado de São Paulo: 141.446 de homens e 94.579 de mulheres; 93 mil eram homens brancos (perfazendo 750 óbitos a cada 100 mil homens brancos); 6.921, pretos (954 por 100 mil homens pretos); 23.073, pardos, amarelos e indígenas (528 por 100 mil homens pardos,


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde amarelos e indígenas) e 18.452 óbitos masculinos, cuja cor foi ignorada. Como se observa, a taxa de mortalidade é maior entre os homens pretos. Tabela 1. Taxas padronizadas de mortalidade (por 100.000 habitantes) e razão de taxas, segundo raça/cor. Brasil, 2003 Causas I II IV V VI IX X XI XIV XV XVI XVII

XVIII

Algumas Doenças Infecciosas e Parasitárias Neoplasias (Tumores) Doenças Endócrinas, Nutricionais e Metabólicas Transtornos Mentais e Comportamentais Doenças do Sistema Nervoso Doenças do Aparelho Circulatório Doenças do Aparelho Respiratório Doenças do Aparelho Digestivo Doenças do Aparelho Geniturinário Gravidez, Parto e Puerpério Algumas Afecções Originadas no Período Perinatal Malformações Cong., Deformidades e Anom. Cromossômicas Sintomas, Sinais e Achados Anormais de Exames Clínicos e de Laboratório não Classificados em Outra Parte

Taxa padronizada de mortalidade por 100.000 habitantes Brancos Pretos Pardos

Pretos

Pardos

24,00

39,50

21,10

1,60

0,90

93,40

79,80

40,00

0,90

0,40

29,90

38,90

19,70

1,30

0,70

4,00

7,60

3,10

1,90

0,80

9,70 172,60 65,90 28,20 10,00 0,60

5,60 198,90 53,10 30,40 11,20 1,50

3,90 95,80 30,60 18,20 5,30 1,00

0,60 1,20 0,80 1,10 1,10 2,50

0,40 0,60 0,50 0,60 0,50 1,60

13,30

7,50

15,40

0,60

1,20

5,70

2,60

3,80

0,50

0,70

54,40

97,60

76,00

1,80

1,40

85,10

74,40

1,40

1,20

7,90

4,00

1,30

0,70

Causas Externas de Morbidade e de 60,90 Mortalidade 6,10 Outras causas definidas FONTE: Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS/MS) Categoria de referência para razão de taxas: raça/cor branca. Taxas padronizadas por sexo e faixa etária. XX

Razão de taxas

Doenças infecciosas e parasitárias As doenças infecciosas e parasitárias são a sexta causa de morte no Estado; em 1999, foram responsáveis por 11.633 óbitos. De cada 100 mil pessoas, 32,37 morreram em função destas doenças. Dentre elas, HIV/Aids (9,81 por 100 mil habitantes) é a principal causa de morte, seguida pela tuberculose (4,09 por 100 mil). Dentre as tuberculoses, a respiratória registra com maior número de ocorrências; foram 1.287 óbitos em 1999, a taxa de mortalidade foi de 5,82 por 100

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids mil homens e 1,56 para cada 100 mil mulheres. Quando se compara a taxa de mortalidade de pretas e brancas, verifica-se que as pretas morrem mais (4,94 por 100 mil mulheres pretas, contra 1,56 por 100 mil mulheres brancas). A tuberculose respiratória teve maior incidência entre os homens pretos (16,13 por 100 mil, sendo de 4,88 por 100 mil entre os homens brancos). A razão entre a taxa de mortalidade indica que as mulheres e os homens pretos morrem três vezes mais que os brancos por tuberculose. Como pode uma doença perfeitamente curável causar a morte de um número tão expressivo de pessoas no Estado de São Paulo, considerado como o mais avançado do país? Por que as mulheres e homens pretos morrem três vezes mais que os brancos? Por que as taxas de mortalidade são tão expressivas entre os homens? Talvez a dificuldade de acesso aos serviços de saúde possa ser uma das respostas a essas perguntas. Tradicionalmente, os Centros de Saúde são tidos como locais para atendimento de mulheres e crianças. O homem procura mais o pronto socorro e a farmácia (por não ir a serviços de saúde, o diagnóstico é geralmente tardio), locais em que a organização do serviço não favorece o diagnóstico e tratamento da tuberculose, por exemplo.Pode ser que a tuberculose tenha sido diagnosticada no ambulatório, mas o cliente não entende que deve procurar o Centro de Saúde para dar continuidade ao tratamento. Segundo Galesi (1999) a tuberculose é uma doença da “pobreza”; daqueles que têm baixa escolaridade, ocupações pouco qualificadas, que comem mal, moram mal e não têm acesso aos serviços de saúde. A dificuldade de acesso e a má-qualidade da atenção podem estar colaborando para este quadro da mortalidade dos pretos. Todavia, a dificuldade das pessoas com menor escolaridade e renda se perceberem em risco e aderirem ao tratamento não é uma questão a ser considerada na elaboração da política de tuberculose. Quanto ao HIV/Aids, nos últimos anos, estudos apontam um processo de feminização,

interiorização

e

proletarização

da

epidemia;

a

transmissão

heterossexual e as mudanças na razão homem/mulher também são evidenciadas por autores como Bastos (1999; 2000).


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde A epidemia de Aids vem apresentando taxas de incidência substancialmente mais elevadas nas regiões periféricas (e mais pobres), entre os trabalhadores menos qualificados e/ou pessoas com menor grau de escolarização. Essas alterações se fazem acompanhar por alterações na razão homem/mulher entre os casos da doença – com o incremento da participação proporcional das mulheres – e pelo estabelecimento de um diferencial sociogeográfico no tempo de sobrevida das pessoas com Aids (menor entre as pertencentes às áreas mais pobres e segmentos mais pobres). Na dinâmica da epidemia, essas regiões da periferia sobressaem como categorias de exposição à transmissão heterossexual (BASTOS, 1999). Em 1999, ocorreram 3.525 óbitos por HIV/Aids no Estado de São Paulo. A taxa de mortalidade masculina é de 14,61 por 100 mil homens; a das mulheres é de 5,46 por 100 mil mulheres. As taxas de mortalidade por HIV/Aids foram de 25,92 para homens pretos, e de 14,44 para brancos. Dentre as mulheres, as taxas são de 11,39 e 4,92 para as pretas e brancas respectivamente (Gráfico 1). A razão entre a taxa de mortalidade de mulheres pretas sobre brancas indica que as mulheres pretas morrem 2,3 vezes mais que as brancas por HIV/Aids. Os homens pretos morrem 1,7 vezes mais que os brancos, por HIV/Aids. Os dados mostram que, além de estar feminilizando e proletarizando, a morte por Aids está “enegrecendo”.

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids Os dados aqui apresentados, ao mostrarem maior mortalidade por Aids entre mulheres e homens pretos, induzem a pensar no comportamento sexual dessa população. Fazem repensar o acesso aos serviços, pensar como são vistas a prevenção ao HIV/Aids e a percepção de risco para este segmento. Diante desse quadro – comportamento sexual, acesso a serviços e discriminação social - Lopes (2003) discute o impacto da escolaridade nos cuidados e na prevenção ao HIV/Aids e o impacto da discriminação racial na atenção às mulheres negras vivendo com HIV/Aids. As mulheres negras apresentam as piores condições de escolaridade, moradia, rendimento individual e familiar. Deixam de receber orientação anterior e posterior ao teste e, após terem chegado ao serviço especializado de saúde, tiveram menos chances de receber informações corretas e adequadas sobre os exames de CD4 e carga viral, sobre redução de danos no uso de drogas injetáveis e sobre uso de antiretroviral para recém-nascido. Ainda no serviço especializado elas relataram mais dificuldade em entender o que os médicos infectologistas e ginecologista diziam; maiores dificuldades em tirar dúvidas e falar sobre suas preocupações e em conversar sobre sua vida sexual e solicitar orientação (LOPES, 2003). Qual o impacto da discriminação racial na atenção à saúde dos homens pretos vivendo com HIV/Aids? Verificar como a população negra reage a informação que recebe sobre o HIV/Aids; como tal informação é assimilada e quais as condições de acesso a medicamentos básicos das mulheres e homens pretos, também merecem investigações. Quando se constata que os anti-retrovirais reduzem a mortalidade por Aids, cabe questionar se brancos e pretos possuem o mesmo acesso aos medicamentos. Será que possuem igual acesso à informação, ao diagnóstico e aos meios de prevenção? Será que têm o mesmo padrão de adesão ao tratamento com antiretrovirais? Diante disto, é fundamental que sejam observados aspectos outros como o impacto do medicamento no corpo do sujeito, associados as suas reais condições de vida, isto porque, parte-se da premissa, de que as desigualdades não podem ser niveladas de sujeito a sujeito, sendo assim, ou elas são acentuadas pelo processo de adoecimento, ou são corrigidas pelo conjunto de estratégias a serem definidas para o a garantia do direito e o modelo de assistência que se deseja para o combate a


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde epidemia, no contexto atual. Como vemos, a universalidade deve estar de fato, associada aos outros princípios do SUS. Nos últimos anos o Departamento de DST/AIDS e Hepatites Virais – SVS/MS tem produzido dados desagregados por raça/cor todavia, esta realidade da população negra ainda não é contemplada nos eixos estratégicos dos programas. Sabe-se, portanto, que os dados nos provocam a pensar em respostas qualitativas nos campos da promoção e da atenção a saúde e, que a única lógica possível para a construção da resposta necessária para tais questões, é de fato a transversalidade. Para o enfrentamento do racismo é fundamental a idéia de que medidas paliativas, são apenas paliativas, logo, no campo da gestão e, de todos os outros, é preciso para além dos dados, um conjunto de medidas concretas, cujos indicadores possam revelar não apenas o impacto, mas também a resolubilidade de cada uma delas. Os dados desafiam o Departamento de DST/AIDS e Hepatites Virais-SVS/MS a inserir a questão racial como questão fundante e contínua na estratégia para ampliar o acesso a insumos, diagnóstico e ao tratamento da população. Sendo assim, a coleta dos dados nos indica a necessidade de uso destas informações no total das estratégias e não apenas, na melhoria da informação. A pauperização por sua vez também nos convida a pensar prevenção e assistência conforme as realidades locais, sendo assim, os dados já disponibilizados também podem ser importantes ferramentas, se analisados, para o fomento, a elaboração e implantação de políticas públicas que somente poderão ser intersetoriais, se a intra-setorialidade for de fato, um componente de gestão no planejamento das ações.

Transtornos Mentais e Comportamentais No ano em estudo, ocorreram 1757 óbitos por transtornos mentais no Estado. A taxa de mortalidade feminina foi de 2,07 por 100 mil mulheres e a masculina de 7,86 por 100 mil homens. Quando se compara a taxa de mortalidade entre pretos e brancos, constata-se que a taxa de mortalidade das mulheres pretas supera a das brancas 3,29 e 1,92 respectivamente. A razão entre taxas mostra que as mulheres pretas morrem 1,7 vezes mais que as brancas por transtorno mental.

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids Dentre os homens, houve maior ocorrência de mortalidade dos pretos (19,58 por 100 mil) em relação aos brancos (6,38 por 100 mil). Quando se verifica a razão entre taxas, os homens pretos morrem três vezes mais que os brancos por transtorno mental. Quando a mortalidade se deu em função da demência, delirium e transtornos da personalidade, houve maior mortalidade de homens brancos. Quando a causa morte relacionava-se ao uso de álcool, as maiores taxas estão entre os homens pretos. Para Medrado (1997), o ato de beber pode estar associado a desafios, riscos, mistério. A habilidade de beber também se relaciona com os estereótipos masculinos, a socialização, a competitividade, a conquista e a atração. Como explicar a maior mortalidade dos homens pretos? Os dados disponíveis não permitem responder a essa questão, mas uma hipótese é que talvez algumas das maiores causas da mortalidade dos homens pretos por alcoolismo, drogadição e outras, sejam seu estilo de vida, o tempo livre em função do desemprego (e do trabalho esporádico/informal). Homem sem qualificação, sem trabalho e sem salário é um homem fragilizado, tem sua família em piores condições de vida e menor poder de negociação no interior dessa família. Considerando que estamos numa sociedade que atribui e cobra do homem o papel de trabalhador/provedor, essa situação cria, no imaginário masculino, uma idéia de impotência e, nesse caso, o bar, os amigos do bar, o álcool e as drogas podem ser interpretados por alguns como possibilitadores de reavivar sua masculinidade e auto-estima.

Censo Psicossocial dos Moradores em Hospitais Psiquiátricos Em julho de 2008, a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo realizou o Censo psicossocial dos moradores em hospitais psiquiátricos do Estado de São Paulo (BARROS, et al, 2008). Dados do Censo mostram que do total de 6.542 moradores 61,9% (3930) são do sexo masculino e 38,1% (2.419) mulheres. 61% (3.828) dos moradores são brancos, 16,36% (1.039) pretos e 22% (1.396) pardos; 1,2% são amarelos e 0,11% indígenas. Os dados do Censo Demográfico 2000 informam que 70,7% da população do estado é branca, 4,4% é preta, 22,8% parda; 1,2 % amarela e 0,2% indígena. Quando comparamos proporcionalmente o censo


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde populacional com o censo dos moradores, percebemos que entre os pardos há a mesma proporção dentre os moradores dos hospitais psiquiátricos e na população do estado; entre os brancos há uma sub-representação e entre os pretos há uma sobrerepresentação – há 3,7 vezes mais pretos moradores nos hospitais psiquiátricos. A Esquizofrenia é o maior motivo que os levaram a institucionalização. O maior percentual de moradores (65,3%) encontra-se em situação de precariedade social (consideram-se precariedade social o fato de o morador não ter lugar para morar fora do hospital e/ou não ter renda) combinada com transtorno mental. No entanto, 519 pessoas (8,2%) têm na precariedade social o motivo exclusivo de permanência na instituição, sem menção ao transtorno mental ou à doença clínica associados, o que revela o seu potencial para viver na comunidade. Estas proporções ocorrem de forma diferente entre brancos e negros - 11,4% dos moradores pretos, 9,3% dos brancos e 8,0% dos homens pardos. Dentre as mulheres este percentual é de 8,2% entre as pretas, 6,3% entre as brancas e 4,7% dentre as moradoras declaradas pardas. Quando analisamos a freqüência de visitas, constatamos que 3.341 moradores não recebem visitas de familiares, dentre os homens moradores de raça/cor preta, 62,3% não recebem visita, este percentual é de 59,5% entre os pardos, 44,7% entre os brancos, 44% entre os amarelos e 100% dos indígenas. Entre as mulheres 66,1% das mulheres pretas, 61,8% das mulheres pardas, 50,6% das mulheres brancas, 33,3% das mulheres amarelas e 25% das moradoras indígenas não recebem visitas familiares. A análise dos dados por transtornos mentais aponta a necessidade de se criar, nos grandes centros urbanos, serviços extra-hospitalares, serviços residenciais terapêuticos ou unidades psiquiátricas para portadores de transtornos mentais. A realidade da saúde mental dos homens e mulheres negros, à luz dos dados de morbidade, mortalidade, e contrapondo-se à fala dos usuários dos serviços de saúde mental e profissionais de saúde, mereceria melhor atenção em estudos futuros. No que tange as políticas de desinstitucionalização, a ausência de vínculo social e ou familiares, e o fato de alguns moradores receberem renda, oriunda de benefícios ou aposentadorias, permite-lhes obter alta hospitalar e morar na cidade.

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids Será que negros e brancos possuem o mesmo vínculo social? Que critérios serão utilizados para desinstitucionalizar estes pacientes? Será os hospitais psiquiátricos do estado de São Paulo o local de moradia dos negros loucos?

Causas Externas Quanto às causas externas, em 1999 a taxa foi de 93,74 por 100 mil pessoas (33.691). As diferenças entre os sexos estão expressas nas taxas de mortalidade – 165 e 25,61 por 100 mil para homens e mulheres respectivamente. Dentre as mulheres, prevalecem a mortalidade das mulheres pretas 30,37 por 100 mil mulheres pretas, contra 23,26 por 100 mil mulheres brancas. Entre os homens, prevaleceu maior mortalidade de pretos: 274,37, contra 136,23 de homens brancos. A razão entre taxas de óbito por causas violentas mostra que os homens pretos morrem duas vezes mais que os brancos. Quando se analisa a pirâmide populacional segundo a raça/cor, atenta-se à queda abrupta do percentual de homens pretos na faixa etária de 20 a 34 anos. Também observada nos homens brancos, essa queda, entretanto é menos acentuada. Outro dado populacional importante é que se espera que o percentual da mortalidade tenha relação com o percentual populacional; no entanto, os homens pretos perfazem 2% da população do Estado e a proporção de morte por causas violentas entre eles é de 7% (Batista, 2002). Ao se analisar a taxa de mortalidade por causas externas segundo a idade, percebe-se que até os 5 anos morreram mais brancos do que pretos. Essa diferença pode ser apenas casual, já que o número absoluto de óbitos por causas externas nessa faixa etária é pequeno. A partir de 10 anos, morrem muito mais pretos que brancos, evidenciando uma maior exposição dos homens pretos à violência. Dentre as principais causas de morte por causas externas, estão as agressões com arma de fogo, as agressões não-especificadas, agressões com objetos contundentes, os homicídios. Os acidentes com veículos a motor estão entre as quinze principais causas de morte dos homens brancos, enquanto entre os homens pretos a morte por essa causa foi de pedestres traumatizados em outros acidentes de transporte.


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde Há uma maior mortalidade dos homens pretos por agressão com arma de fogo, agressão com objeto contundente e objeto não identificado, justificada, talvez, por falta de opções de lazer, ter o bar como espaço de socialização, a arma como diversão e o “nada a perder” na vida.

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde Maria Inês Barbosa, em sua tese Racismo e Saúde, estudou o perfil da mortalidade dos negros na cidade de São Paulo e relatou que: O perfil mais crítico de saúde da população negra na cidade de São Paulo, quando

comparado

ao

da

população

branca,

se

revela,

a

nosso

ver,

fundamentalmente pelo peso das causas externas no conjunto das causas de morte; pela semelhança do perfil de mortalidade proporcional por faixa etária da mulher negra com o homem branco, contrariando os diferenciais por sexo normalmente encontrados – é mulher, mas é negra; pela prematuridade dos óbitos –, o negro morre antes. O perfil de mortalidade do homem negro, objeto escolhido por esta autora para analisar a relação racismo–saúde, o foi enquanto elemento privilegiado nos marcos de uma sociedade que se pauta por classe, gênero e raça. Cabe ao homem negro o maior ônus desse processo, uma vez que se configura como antítese do modelo de cunho patriarcal. Por que o homem negro? Por que o racismo impede o homem negro de cumprir, de modo pleno, o papel masculino esperado? Porque o perfil de mortalidade do homem negro oferece possibilidades de compreensão das condições de vida da família negra, em sua maioria, pautada pela carência em moradia, instrução, emprego e renda, onde se encontram em maior proporção as chefias de mulheres. Porque deve ser associada a sua morte violenta e precoce à perda de anos de vida produtiva, o que agrava ainda mais o quadro crítico da plena utilização da força de trabalho negra (BARBOSA, 1998). A crise econômica, a política de ajustes, o desemprego, a pobreza e a violência são os principais motivos da explosão da mortalidade por causas externas nos grandes centros urbanos, afirmam Souza & Minayo (1999). Quanto à relação da mortalidade por causas externas e condições socioeconômicas, as autoras lembram que não se pode fazer uma transposição mecânica das desigualdades sociais para a criminalidade e a desintegração social, mas há uma sinergia entre o agravamento da violência estrutural (a corrupção, os crimes de colarinho branco, a concentração de renda, o desemprego) e o aprofundamento das desigualdades sociais. Para as autoras, “se no passado a piora na distribuição de renda era compensada nos anos 80 pelo crescimento econômico, a

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids estagnação econômica dos anos 90, junto com a piora na distribuição de renda, contribuiu para o aumento da pobreza e da miserabilidade” (SOUZA & MINAYO, 1999). As estudiosas em questão ainda constataram que: Do ponto de vista conceitual, entende-se que esse acirramento da questão social se expressa no aprofundamento da violência estrutural. Esta, embora se fundamente na economia, reflete-se também na dinâmica das forças políticas e afeta os valores culturais do país. [...] Aqui se entende que a forma fundamental da violência é a “estrutural” sendo a partir dela que se pode analisar a criminalidade. Ao se apresentar de forma “naturalizada”, a violência estrutural viceja na legalidade e enseja a falsa visão de que os pobres são “criminógenos” e a delinquência é um atributo das classes populares, quando na verdade são esses grupos sociais a maior vítima da violência. (SOUZA & MINAYO, 1999) Se a violência estrutural, a corrupção, os crimes de colarinho branco, a concentração de renda, o desemprego, a pobreza, a falta de acesso aos bens e serviços são os determinantes da violência, então, os negros suas maiores vítimas. Os dados apresentados sobre a taxa de mortalidade dos homens pretos e brancos residentes no Estado de São Paulo mostram a maior mortalidade dos pretos quando comparada à dos brancos. O princípio da equidade propõe “tratamento diferenciado para os desiguais”. Os dados registram uma possível relação entre a dificuldade de acesso dos homens pretos aos serviços de saúde; a falta de informação para instrumentalizar sua tomada de decisão-vulnerabilidade individual (AYRES et al 1999); e, finalmente, a falta de atenção das políticas e programas de saúde às especificidades da população negra – vulnerabilidade programática (AYRES et al 1999). Se o princípio da eqüidade é tratamento diferenciado para os desiguais, então a forma pela qual as ações são realizadas pelos serviços e programas de saúde (realizado de forma integral, desconsiderando os diferenciais supracitados) estão promovendo desigualdades. A maior mortalidade de mulheres e homens pretos no Estado de São Paulo, por causas como doenças infecciosas e parasitárias, transtornos mentais e causas


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde externas, mostra a necessidade de gestores estaduais e municipais incluírem, em suas prioridades e metas, a questão da saúde da população negra. A morte por tuberculose apresenta-se como uma “doença da pobreza”; é a doença daqueles que têm maior dificuldade de acesso aos serviços de saúde e pior qualidade da atenção à saúde. A dificuldade dos homens em procurar os serviços de saúde deve ser considerada. Para eles, a prevenção não costuma ser colocada como um tema. É preciso ir além da coleta do quesito cor - a maior mortalidade das mulheres e homens pretos por HIV/Aids indica que os Programas Municipais, Estadual e o Departamento de DST/Aids e Hepatites Viriais precisam incluir a população negra nas estratégicas direcionadas a homens que fazem sexo com homens, na distribuição de medicamentos, na atenção pós-diagnóstico, na relação com a sociedade civil organizada e, em todos os outros aspectos de seus planejamentos e recursos. É central o entendimento de que a população negra está colocada em todas as esferas da sociedade, logo, o alcance a esta população deve se dar com diferentes estratégias, em diferentes universos e setores da sociedade e não apenas, na coleta do dado. Estas possibilidades de um novo caminho, devem estar conectadas as novas tecnologias e tendências, de forma que a resposta a epidemia não espere pela mudança ainda mais negativa dos números da mortalidade. As forças políticas por sua vez, devem ser usadas com vistas para integralidade, sem perder de vista de que “somos iguais, porém diferentes” e que o usuário é parte de um processo político-móvel, que se altera à medida que as respostas vão se qualificando. É inquestionável a importância e o sucesso das campanhas para ampliação do acesso ao diagnóstico, no entanto, é preciso atenção a cada um dos aspectos associados a prevenção do HIV/AIDS e das DST, considerando o contexto ao qual as pessoas fazem parte e, nele a vulnerabilidade real de cada sujeito. É urgente, portanto, a releitura da idéia de políticas em caixinhas, pois é preciso acompanhar a sociedade na sua complexidade, nesse caso, a invisibilidade continua sendo uma importante ferramenta contrária as políticas identitárias, sobretudo para o combate as desigualdades. Não cabe mais o velho jeito de fazer política para desafios que são atuais e, como já aprendemos, o racismo é uma ideologia que revigora-se, reconstitui-se e institucionaliza-se, conforme o cenário e a

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids instituição. Deve-se investir em intra-setorialidade, mas com vistas para as intersecções possíveis e não apenas as desejáveis. O investimento não pode ser direcionado, com base apenas em modelos escassos e insuficientes para o cenário atual, mas sim, para as inovações tecnológicas, tal como a análise dos dados, que deve se dar em diferentes espaços, com diferentes atores e diferentes vozes. Estes são apenas alguns dos elementos que podem ser adicionados ao nosso modelo de gestão sem prejuízo, de forma que os gestores públicos possam eliminar estes desafios de suas agendas enviando esforços para o combate as desigualdades, o preconceito racial e o racismo institucional. É preciso avançar no que tange a promoção e desenvolvimento humano e social dos indivíduos, portanto, a não atenção a esta discussão, implica na continuidade e reprodução das desigualdades. Do contrário não estaremos construindo novos sujeitos por meio das políticas públicas, estaremos apenas, reagindo a questões pontuais, cuja resolubilidade será mínima e curta, sem alcance e sem importância técnica. As causas de morte dos homens pretos analisadas não mostram associação com a doença, mas sim com os “processos sociais relacionados ao gênero”, com as condições sociais, com a sua dificuldade de acesso a serviços de saúde de qualidade, com o desconhecimento de seu perfil de saúde-doença e a inexistência de um olhar das políticas públicas e de saúde para esta população-vulnerabilidade programática (AYRES et al 1999). Para Lyra (2010) “chama-nos a atenção o fato dessas informações

(mortalidade de homens) não terem sido incorporadas, em sua complexidade, na construção de políticas públicas em saúde no nosso país”.

Considerações finais Estudar a mortalidade dos homens pretos implica considerar os homens em relação às mulheres; os pretos em relação aos brancos, pardos, amarelos e indígenas; e as vivências e condições de vida de cada um destes segmentos sociais. Significa estar atento às relações de gênero, às diferenças existentes dentro das diferenças. Analisar comparativamente o perfil da mortalidade da população numa perspectiva relacional, como aqui se fez possibilita discutir a relação entre a


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde construção social e o processo saúde, doença e morte. A suscetibilidade e a vulnerabilidade social e programática dos pretos contribuem para que os agravos de que são vítimas se tornem fatos políticos, além de permitir uma visão crítica sobre as desigualdades raciais e sua interface com a saúde. Por fim, cabe destacar que nossa luta é por um Sistema Único de Saúde, que esteja atento às especificidades das populações negra, indígena, ribeirinha, quilombola e cigana. Um SUS que considere a vulnerabilidade dessas populações em suas ações, metas e estratégias. Um sistema que para além de desagregar os dados por raça cor, elabore políticas de saúde a partir de evidências sociais e epidemiológicas.

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Parte I – Homens. Masculinidades e saúde MEDOS SEXUAIS MASCULINOS E POLÍTICA DE SAÚDE DO HOMEM: LACUNAS E DESAFIOS9 Romeu Gomes Lúcia Emília Figueiredo de Sousa Rebello Elaine Ferreira do Nascimento 10 OS MEDOS SEXUAIS DOS HOMENS Os medos sexuais dos homens (e os das mulheres também) podem estar muito relacionados com questões de gênero. Mas afinal o que é gênero? Essa expressão costuma ser utilizada para se referir a atributos culturais associados a cada um dos sexos. Nesse sentido, o que é feminino e o que é masculino têm significados diferentes nas diversas culturas. As construções culturais de gênero, de um lado, influenciam a formação das identidades das pessoas, afirmando-se assim o ser homem e o ser mulher à medida que ocorrem aproximações e afastamentos dos padrões que mais predominam na cultura onde se situam. Por outro lado, essas construções também influenciam as relações que se estabelecem entre os pares homem-homem, mulher-mulher e homem-mulher. (GOMES, 2008) Com base nesse conceito, observa-se que os modelos de gênero exercem um papel fundamental na reprodução e produção das identidades, relações e instituições sociais. Entretanto, esses modelos não atuam sozinhos. Junto a eles, convivem outros aspectos estruturais – como classe social e raça/etnia – que influenciam as formas como as sociedades pensam sobre as pessoas e como as próprias pessoas pensam sobre si. No universo simbólico de gênero, dentro de uma sociedade, podem co-existir diversos modelos de gênero e dentre eles um pode ser hegemônico, ou seja, concentrar maior poder em relação aos demais. A existência de um modelo 9

Textro originalmente publicado no livro “Homens e masculinidades: práticas de intimidade e políticas públicas”, organizado por Benedito Medrado, Jorge Lyra, Mariana Azevedo e Jullyane Brasilino – Recife: Instituto PAPAI, 2010. 10 Instituto Fernandes Figueira/Fundação Oswaldo Cruz

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids hegemônico não exclui a possibilidade de ocorrerem flexibilizações ou negociações sobre o que se entende por masculino e por feminino. Assim, nas esferas individuais e sociais, “a cristalização de características tidas como exclusivas de um gênero pode

tanto levar a uma não legitimação de identidade de um gênero como suscitar transgressões de um gênero em busca de outro” (GOMES, 2008: 65). Especificamente no que se refere à construção da masculinidade, um dos aspectos hegemônicos que circula amplamente no imaginário social diz respeito à formação do masculino em oposição ao feminino. Nesse sentido, homem e masculinidade são expressões que costumam significar a mesma coisa. Fernández (2001), no entanto, considera que homem – num senso estrito – é uma designação para aqueles sujeitos que possuem características sexuais específicas, designadas pela cultura, e adotam determinados padrões que os fazem serem reconhecidos como homem. Em contrapartida, segundo o mencionado autor, o masculino – assim como o feminino – é uma categoria que assume uma maior fluidez, não se reduzindo a um corpo de homem ou de mulher de maneira estanque. Nesse sentido, para ele, homens e mulheres tanto podem ter características masculinas como femininas. No senso comum, costuma ser muito difícil os homens reconhecerem que podem ter tanto as características tidas como masculinas quanto às consideradas femininas. Isso pode ser um dos aspectos que contribuem para que medos sexuais sejam sentidos por homens. Os medos sexuais masculinos que circulam no imaginário social podem afetar a sexualidade dos homens. Isso não significa que esses medos afetem a todos os homens ou que afetem de mesma maneira aqueles que por eles são influenciados. No conjunto desses medos, destaca-se a homofobia, que pode ser explicada pelo imaginário de que as relações entre gêneros devem ser pensadas a partir e unicamente do eixo da heterossexualidade, instituindo-se uma heteronormatividade para os gêneros. Em outras palavras, se constrói uma naturalização da heterossexualidade como algo a ser vivido por todos, homens e mulheres. Ilustrando o predomínio dessa norma, destaca-se uma pesquisa, realizada em 102 municípios brasileiros, com amostra probabilística com 2.363 entrevistados, que concluiu que


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89% dos entrevistados foram contra a homossexualidade masculina e 88% contra a feminina (ALMEIDA, 2007). Aprofundando

a

discussão

sobre

a

relação

entre

masculinidade

e

heterossexualidade, Welzer-Lang (2001) observa que os homens são definidos não só a partir de um aparelho genital tido como masculino, mas também pelo fato deles todos terem que atestar que seus desejos sexuais se voltam para o sexo oposto. Assim, aqueles que querem viver sexualidades de uma forma não-heterocentrada passam a ser rotulados como “anormais”, associados a mulheres e tratados como elas e, nesse sentido, rotulados como “passivos” ou “inferiores”. Segundo o mencionado autor, esse padrão de normalidade faz com que, de um lado, se conceba a superioridade do homem sobre a mulher e, de outro, normatiza a sexualidade masculina, produzindo uma visão heterocentrada e homofóbica sobre o homem normal, entendido como ativo, dominante e nãoafeminado. Todos os homens que não se enquadram nessa lógica serão os “outros”, pertencendo ao grupo dos que são dominados, como as mulheres e crianças. A homofobia pode produzir outros medos nos homens tidos como “normais”, tais como: ser tocados nas suas nádegas ou no seu ânus (partes do corpo masculino comumente interditas); participar de uma relação sexual, em que a mulher assume um papel mais ativo para que haja um maior prazer para ela ou para ele próprio e receber demonstrações afetivas de outro homem (mesmo consideradas como nãosexuais). Apesar de a homofobia orientar a expressão da intimidade entre os homens, em determinados espaços – onde a mulher não é admitida – as interações entre meninos e homens podem ser vividas intensamente, como nas equipes de futebol e acampamentos, situações em que os homens podem ter os seus corpos admirados e tocados ou comparados com os dos outros homens (LOURO, 2000). Isso, de certa forma, aponta para uma flexibilização da heteronormatividade, em determinadas situações. São várias as consequências da homofobia que influenciam a sexualidade masculina. Uma delas é a intolerância para com as pessoas que sentem desejo e prazer sexual por outras do mesmo sexo ou que transitam entre ambos os sexos.


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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids Esse fato pode gerar um sofrimento nos homens que sentem atração por outros homens, estimulando uma autorepressão. Numa sociedade regida por uma ética compreensiva – em que se aceita a manifestação da pluralidade como parte da ordem social – não há espaço para essa intolerância. Anseios democráticos, expressos em documentos internacionais e nacionais, caminham na direção de assegurar os direitos também no campo da sexualidade e um deles se refere ao fato de a pessoa ter o “Direito de expressar livremente sua orientação sexual:

heterossexualidade, homossexualidade, bissexualidade, entre outras” (Brasil, 2006: 4). Junto ao medo de ser tocado na sua parte “inferior” (traseira), o homem pode concentrar a sua preocupação de falhar na hora “h” (DAMATTA, 1997), podendo experimentar algum grau de dificuldade de ereção. Pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo, com 10 mil pessoas, em 19 cidades, aponta que a falta de ereção é um dos quatro grandes temores do homem brasileiro. Os outros três são perda da libido, adoecer e a queda do poder aquisitivo (VINHAL, 2008). Esses temores, de certa forma, se ancoram no modelo hegemônico de masculinidade, onde o principal eixo é a dominação. Assim, não ter ereção, não ter libido, adoecer e perder o status de provedor são “problemas” que comprometem as marcas identitárias do ser homem (NASCIMENTO & GOMES, 2008). Segundo Rodrigues Jr. (2009), a disfunção erétil pode ser uma dificuldade: em ter ereção rígida, em manter ereções penianas rígidas ou perder a ereção, fazendo com que a relação não seja concluída. Para esse autor, a disfunção erétil se associa à impotência. No entanto, essa última expressão também abrange a incapacidade de procriar. A disfunção erétil pode ter causas de ordem orgânica ou de ordem psicológica e, embora possa ocorrer com maior frequência à medida que o individuo envelhece, não se relaciona apenas com a idade. Abdo e colaboradores (2006), em estudo transversal com 2862 homens maiores de 18 anos, verificaram uma prevalência de disfunção erétil de 45,1%, sendo 31,2% mínima, 12,2% moderada e 1,7% completa. Seja para lidar com as causas de ordem orgânica, seja para melhor compreender as de ordem psicológica, faz-se necessário que se levem em conta os aspectos


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde culturais. Simbolicamente, a ereção costuma se associar à força e potência, constituindo-se numa das expressões centrais da masculinidade. A mídia – direta ou indiretamente e séria ou jocosamente – costuma colocar em pauta os problemas de ereção. Em torno desse tema, não só ocorrem avanços no campo das ações que visam a promoção da saúde sexual masculina, como também se criam cobranças aos homens para que possam ter um desempenho sexual “adequado”, que costuma ser atestado pelo fato de exibir um pênis ereto. Essa pressão pode ser a raiz de problemas de ereção de alguns homens. Para Figueiredo Neto (2009), essa preocupação muito grande com o desempenho faz com que se esqueça de compartilhar, no lugar de simplesmente mostrar, fazendo da cama um palco de concurso, ao invés de torná-la um cenário de pessoas que se amam, se atraem, brincam um com o corpo do outro e, por consequência, obtêm prazer. Além disso, no atual cenário da sofisticação tecnológica, há uma maior possibilidade de enfrentamento dos medos associados à disfunção erétil, através da busca de tratamentos que poderiam restituir ao homem a virilidade - tida como perdida - e, consequentemente, o poder. Outra grande preocupação de alguns homens – que pode assombrar suas expectativas sobre o seu relacionamento sexual com sua parceira ou seu parceiro – é o tamanho do pênis, associado ou não à falta de ereção. Segundo Berg (2009), embora o tamanho médio do pênis em adultos seja de 12 centímetros, em seu estado flácido, e de 13 a 18 centímetros de comprimento, em seu estado ereto, não há um padrão único entre os grupos estudados. Ainda segundo o autor, o pênis patologicamente reduzido é aquele que mede quatro centímetros, em estado flácido, e sete centímetros, em ereção. O mencionado autor observa que, desde cedo, os meninos são incentivados a se preocuparem com o tamanho do pênis, seja a partir de informações erradas, seja pelo excesso de preocupação dos pais em examinar constantemente esse órgão, seja ainda por conta das comparações feitas entre adolescentes, medindo seus membros sexuais. Para ele, os temores, muitas vezes infundados, também surgem pelo fato de revistas especializadas e filmes eróticos utilizarem atores com os órgãos genitais avantajados. Esses veículos midiáticos também costumam realçar o tamanho do pênis a partir de ângulos das fotos e tomadas de câmera. Sobre isso, Berg (2009)

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids conclui que esse “marketing negativo” é mais desfavorável aos homens do que as belas estátuas gregas e romanas que – com o tamanho de seus pênis – poderiam deixar todos os homens satisfeitos. O fato de o pênis ser foco não só do senso comum, mas também dos meios científicos e midiáticos, tem favorecido o crescimento de um vasto mercado com a promessa de se conseguir um aumento ou um alargamento peniano, tendo como uma das principais ancoragens no orgulho masculino com o seu “equipamento” (HAIKEN, 2000). O apelo desse mercado não atinge apenas os homens que têm ou pensam ter um pênis pequeno, mas também captura aqueles que nutrem o desejo de ter um membro sexual acentuadamente desenvolvido para que sua virilidade seja simbolicamente reforçada ou para que seja foco de admiração de mulheres ou de outros homens. Nesses casos, o ditado popular de que “tamanho não é documento” é esquecido ou passa ao não ter nenhum valor. Berg (2009) observa que o pênis não é um simples órgão no imaginário popular, mas costuma ser visto como “uma máquina”, “uma obra de arte”, “uma decepção”, “uma arma”, “um cetro” enfim como “um símbolo de força e poder”. Ainda segundo o mencionado autor, embora muitos homens expressem uma intimidade com seu pênis, batizando-o com nomes próprios e apelidos, desconhecem o mais básico sobre o seu “funcionamento”. Por que tanta preocupação com o pênis? Inúmeras respostas podem ser formuladas para essa questão. Entretanto, não se pode descartar a idéia de que essa preocupação tem muito a ver com o símbolo cultural da virilidade. O pênis pode assumir o papel de um arquétipo em diversas épocas para que homens construam a sua identidade masculina e, nesse sentido, problemas – reais ou fictícios – a ele relacionados podem arranhar essa identidade, comprometendo as imagens de fertilidade, força e poder. A partir dessa perspectiva, os temores suscitados pela homossexualidade, pela possibilidade de não se ter ereção e pelo tamanho “adequado” do pênis podem ter em suas origens questões relacionadas aos modelos culturais de masculinidade. O lidar com esses temores demanda não só o desenvolvimento de tecnologias ancoradas em conhecimentos cientificamente validados, mas também mergulhar no


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde imaginário social para que se acessem os possíveis nexos estabelecidos entre esses medos e as marcas identitárias das masculinidades, hegemônicas ou subordinadas. Ainda que esse mergulho não traga soluções concretas ou imediatas, ele pode ao menos

possibilitar uma maior compreensão da problemática em questão,

aumentando com isso a possibilidade de ações exitosas voltadas para o enfrentamento dos medos sexuais masculinos.

SEXUALIDADE MASCULINA E CUIDADOS EM SAÚDE Embora não se possa afirmar que todos os homens sejam afetados por medos sexuais e que os mesmos afetem da mesma maneira aqueles que por eles são influenciados, não se pode deixar de levar em conta que muitos desses medos se relacionam à resistência por parte dos homens a uma conduta de cuidados em saúde. As dificuldades de prevenção e de adesão ao tratamento tanto do câncer prostático, como das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), aí se incluindo a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids), são exemplos emblemáticos para se discutir o comprometimento da sexualidade masculina por conta da influência do modelo hegemônico de masculinidade. Em relação à prevenção e ao tratamento do câncer de próstata, para que se avance nessa discussão, há que se destacar a dimensão simbólica da próstata. A próstata é uma glândula que só o homem possui e que se localiza na parte baixa do abdômen. Nela se produz parte do sêmen, um líquido espesso que contém os espermatozóides produzidos pelos testículos e que é eliminado durante o ato sexual. O câncer de próstata surge quando, por razões ainda não conhecidas pela ciência, as células prostáticas passam a se dividir e se multiplicar de forma desordenada, levando à formação de um tumor. Caso não seja diagnosticado a tempo, esse câncer pode trazer sequelas como infertilidade, impotência sexual, infecção generalizada, problemas urinários e até mesmo ocasionar a morte. No entanto, é uma patologia que pode ser detectada precocemente através de métodos diagnósticos de triagem (GOMES et al 2008; GUERRA, MOURA GALO e MENDONÇA, 2005; MIRANDA et al 2004).

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids Em termos de diagnóstico precoce do câncer de próstata, costuma-se recomendar o exame clínico (toque retal ou toque digital da próstata) e o exame de sangue para a dosagem do antígeno prostático específico, conhecido por PSA. Esses exames, além do baixo custo, possuem boa sensibilidade e especificidade, porém para muitos homens o toque retal ainda representa algo que mexe com características identitárias masculinas (GOMES et al 2008). Gomes e colaboradores (2008) apontam que o exame de toque retal não toca apenas na próstata. Ele toca em aspectos simbólicos do ser masculino que, se não trabalhados, podem não só inviabilizar essa medida de prevenção como também trazer outras implicações para a saúde do homem em geral. Os homens tendem a perceber o toque retal como uma invasão em um espaço interdito de seu corpo e são acometidos por um medo de, mediante esse toque, haver ereção do pênis e a essa ser imputado um significado de excitação. Nesse caso, a ereção se encontraria tão fortemente associada ao prazer que não se conseguiria imaginá-la como uma simples reação fisiológica. Sendo assim, deixar-se tocar nessa parte “inferior” colocaria em questão a masculinidade de quem se deixa tocar. Essa idéia é reforçada no senso comum através de piadas do tipo “e se o cara gostar do toque e ficar viciado?” Os homens podem, ainda, fazer uma associação entre toque retal e penetração sexual. Essa imagem de ser penetrado, que se constrói em torno do exame, pode fazer com que os homens expressem constrangimentos e resistências, uma vez que no imaginário social o masculino se associa ao penetrador (ativo) e não ao ser penetrado (passivo). A condição de “passividade” no momento do exame situar-se-ia em oposição a um modelo vigente de “ser homem” (GOMES, 2008; GOMES et al, 2008). Um estudo realizado por Santos (2006) apontou que, no caso do câncer de próstata, os tratamentos podem interferir na sexualidade masculina, causando perda do desejo sexual e disfunção erétil. Analisando o relato oral de 10 homens com câncer de próstata que foram submetidos a tratamentos, com idades entre 51 e 82 anos, a autora identificou que essa situação faz com que os homens sintam-se frágeis em sua masculinidade. Assim, o medo das implicações desse tratamento na sexualidade pode afastar a maioria dos homens da busca de um diagnóstico dessa


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde doença. A recusa em receber esse diagnóstico pode funcionar como um mecanismo de proteção do comprometimento da masculinidade. Outro fantasma que povoa o imaginário masculino diz respeito às DST que, geralmente, manifestam-se por meio de feridas, corrimentos, bolhas ou verrugas nas genitálias (BRASIL, 1999). Nos últimos anos, principalmente após o início da epidemia da Aids, as DST readquiriram importância como problemas de saúde pública. A adoção de práticas de sexo mais seguro – sexo sem o risco de ser contaminado ou contaminar o(a) seu (sua) parceiro(a) – ainda encontra grande resistência por parte dos homens. Parte dessa resistência pode se explicar pelo fato das estratégias de prevenção nem sempre estarem sensíveis às questões do campo simbólico da masculinidade. Sobre isso, Jordaan (2007) critica a chamada estratégia “ABC” (pelas iniciais em inglês: A para a abstinência; B para ser-se fiel a um/a só parceiro/a, e C para o uso de preservativos), implementada na África do Sul por não conseguirem responder à especificidade da masculinidade, nem das relações de gênero. Em relação à questão da abstinência como forma de prevenção de DST, essa estratégia desconsidera que a relação sexual para o homem pode ser entendida como uma forma de comprovar a virilidade e que, entre os jovens a primeira relação sexual pode ser vista como um marco ou o primeiro passo para ser homem. (REBELLO e GOMES, 2009; GOMES, 2008; JORDAAN, 2007). Sendo assim, a abstinência não se constitui uma opção de fácil adesão. No que se refere à fidelidade, as estratégias baseadas nesse princípio podem não alcançar êxito junto a determinados segmentos masculinos, uma vez que pode mexer com o imaginário da perda do interesse sexual. Assim, a prevenção baseada na fidelidade esbarra no modelo cultural que estimula os homens a terem muitas parceiras sexuais, associando o ser infiel àquele que tem a sua virilidade atestada e potencializada (GUERRIERO et al, 2002; JORDAAN, 2007). Problematizando a resistência dos homens ao uso do preservativo, vários motivos são apontados. Em países da África, onde ter muitos filhos determina o “ser homem”, o uso do preservativo seria um inibidor desta prova de masculinidade (JORDAAN, 2007). No Brasil, mais especificamente no Rio de Janeiro, em uma

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids pesquisa realizada com homens jovens universitários identificou-se que interromper a relação sexual para colocar o preservativo ainda é motivo de angústia por esses homens temerem perder a ereção, o que poderia ser entendido pela parceira como ausência de virilidade (REBELLO e GOMES, 2009). O uso de preservativo também envolve negociações e relações de poder nem sempre fáceis de se contornar. Ainda que o uso do preservativo seja amplamente difundido como medida preventiva nos meios de comunicação e ofertado pelo Estado através de unidades básicas de saúde, a negociação de seu uso em relações afetivosexuais torna-se difícil por poder ser entendida como desconfiança entre os parceiros, incompatível com uma suposta fidelidade esperada neste tipo de relação (REBELLO e GOMES, 2009; GOMES, 2008; JORDAAN, 2007; GUERRIERO et al, 2002; SILVA, 2002). A este respeito, Maia e colaboradores (2008) afirmam que as dificuldades decorrentes da hierarquização de poderes nas relações afetivo-sexuais, ao impedir que haja uma comunicação sobre a sexualidade entre parceiros, são justificativas para a não utilização de práticas de sexo seguro em relacionamentos estáveis. Subsídios para as políticas de saúde voltadas para a sexualidade masculina Recentemente, o Ministério da Saúde liderou uma discussão na internet – via consulta pública – acerca de uma Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. A motivação dessa discussão parte principalmente da constatação de que esse segmento se apresenta com um maior nível de vulnerabilidade para os programas de saúde, trazendo grandes desafios para o setor público e, em particular, para o nível da gestão. Assim, faz-se necessária a adoção de estratégias para o enfrentamento dessa questão. Essa iniciativa reflete, dentre outros aspectos, uma sensibilidade com as especificidades de gênero e uma preocupação em caminhar na direção de um maior envolvimento de homens nas questões de saúde relativas tanto às mulheres quanto a si próprio. Esse movimento em si merece a atenção e a valorização de todos os profissionais que empreendem ações voltadas para a promoção da saúde e a prevenção de doenças a partir de uma perspectiva de gênero.


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde No que tange à sexualidade masculina, essa proposta de política da saúde do homem veio reforçar a promoção de direitos sexuais e reprodutivos – que já figuravam em outros documentos nacionais e internacionais – como os relacionados ao: envolvimento dos homens na saúde reprodutiva, respeito às orientações sexuais e o exercício da sexualidade que não traga riscos para os sujeitos. Percebe-se, assim, a partir da leitura do texto inicial da política em questão, um esforço que o Estado tem empregado em assegurar um espaço de cidadania plena para o segmento masculino. Junto a isso, constata-se a necessidade de se refletir sobre possíveis lacunas que ainda devem ser preenchidas, seja no campo das políticas públicas, seja no âmbito das estratégias que viabilizem tais políticas. O emprego do termo “possíveis lacunas” é proposital, uma vez que, dependendo da perspectiva adotada para a leitura do documento em questão, é que se constatam ou não as lacunas. Levando em conta a trajetória deste trabalho – que se inicia pelos medos sexuais masculinos e passa pelas implicações desses medos no campo da promoção da saúde sexual masculina – pelo menos duas lacunas podem ser destacadas. A primeira lacuna se refere ao fato de uma política pública de sexualidade masculina necessitar de uma maior articulação entre os princípios e as estratégias dessa sexualidade com a sexualidade feminina, numa perspectiva relacional de gênero. Caminhando por essa lógica, observa-se que uma política de sexualidade masculina avança na medida em que consegue ganhar maior contundência na esfera da discussão das relações de gênero, buscando romper com os velhos estereótipos oriundos da cultura patriarcal que se tem construído como armadilhas para o ser homem. Para a superação da cultura patriarcal, que tende a aprisionar homens e mulheres, uma das estratégias é a compreensão da adoção das múltiplas masculinidades que incorporem outros modelos para além do hegemônico. Acreditase que uma política voltada especificamente para segmentos masculinos não pode se silenciar sobre isso. Outra lacuna que se destaca é a ausência da valorização da dimensão simbólica da sexualidade masculina. As diretrizes dessa política não podem apenas se ancorar em dados epidemiológicos e em conclusões de ensaios clínicos, ainda que

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids tais referências sejam de fundamental importância, essas não dão conta da complexidade e da dimensão subjetiva que envolve o tema. Os diversos segmentos masculinos quando subjetivam as políticas o fazem a partir de diversas perspectivas. Dentre essas perspectivas, ressalta-se o imaginário social acerca da sexualidade. Esse imaginário pode servir de ancoragem para os homens – por adesão ou por oposição a ele – esboçarem suas formas de pensar, sentir e agir. Caminhar no desvendamento dessas questões que simbolicamente se fazem presentes na sexualidade masculina pode garantir um maior êxito das políticas. Ampliando a discussão, além das lacunas, observam-se pelo menos dois desafios a serem superados para se garantir o êxito dessa política. Um seria a organização das unidades básicas de saúde para além de um espaço infantil e feminilizado e o outro seria a qualificação/treinamento dos profissionais de saúde para o atendimento ao segmento masculino numa perspectiva de gênero. Problematizando o primeiro desafio, a construção e organização do ambiente das unidades de saúde como um espaço quase que exclusivamente reconhecido como sendo para as necessidades da mulher e da criança pode dificultar a inserção e a permanência do segmento masculino nas unidades básicas de saúde. Muito além da dimensão estrutural que se relaciona com aspectos vinculados ao horário de funcionamento das unidades e outras dificuldades de acesso, muitos homens se sentem pouco à vontade por não perceberem esses espaços como sendo um lugar que possam tratar de suas questões sexuais. A mudança do imaginário dos serviços públicos de saúde, ampliando-se para um espaço de inter-relações de gênero pode, de certa forma, fazer com que a sexualidade masculina se desloque do lugar coadjuvante nesse serviço para se tornar um dos protagonistas da saúde sexual, sem assimetrias. Em relação ao segundo desafio, o Estado ao regular a política precisa garantir minimamente que a mesma seja implementada com eficiência para o público-alvo. Nesse sentido, a qualificação regular e permanente da equipe de profissionais de saúde numa perspectiva relacional de gênero se faz necessária, à medida que os profissionais também se encontram imersos no imaginário social da segmentação e fragmentação da cultura de gênero. Assim, o corpo de profissionais deve ser capaz não só de compreender as demandas do masculino e atender bem os homens, como


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde desenvolver uma abordagem que acolha e estimule a participação e permanência desses sujeitos nas unidades de saúde. Por último, sempre é bom lembrar que a discussão sobre qualquer que seja a política pública, entendendo essa como um conjunto de ações coletivas que se voltam para a garantia dos direitos sociais, deve se traduzir numa construção que se dá sempre no interior de uma certa complexidade social, existindo espaços de disputa de poder que ganham corpo e materialidade tanto através de instituições objetivas na materialização da relação Estado/sociedade, quanto a partir das relações subjetivas que são caracterizadas e perpassadas pelas instâncias sócio-culturais.

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde VIOLÊNCIAS E MASCULINIDADES11 Lilia Blima Schraiber12 Márcia Thereza Couto12 Wagner dos Santos Figueiredo13 Iniciaremos este tema considerando a seguinte indagação: será a violência parte importante na socialização dos homens? Isto é: para serem aculturados no viver cotidiano das sociedades ocidentais contemporâneas os indivíduos do sexo masculino, ainda na primeira infância e a partir dela, são socializados com base na violência como referência norteadora de uma identidade social masculina, ou a de ‘ser homem’? Tais

perguntas

são

perfeitamente

consistentes

com

a

vida

social

contemporânea uma vez que se observa em dados de diversas pesquisas que a violência, especialmente nas modalidades física e psicológica, apresenta uma circulação, sobretudo entre homens (SOUZA, 2005; KRUG et al 2002; SCHRAIBER et al, 2008). Isto porque os homens são os principais agressores de outros homens, sofrendo também altas taxas de violência. Além disso, são também os principais perpetradores de violência contra as mulheres, e, neste caso, ressalta-se também a violência de natureza sexual. A partir destes questionamentos e constatações iniciais, discutiremos a relação entre masculinidade e violência. Inicialmente, abordaremos a violência entre homens, na qual estes se situam como agressores e agredidos e, na seqüência, trataremos da violência entre homens e mulheres e, especialmente dada a alta magnitude e os impactos na saúde, a violência que os homens perpetram contra as mulheres.

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As reflexões presentes neste texto constituem versão revista e resumida de duas publicações anteriores: 1. Schraiber, L; d’ Oliveira, AF; Couto, MT; Figueiredo, WS. Violência dói e não é direito: A violência contra a mulher, a saúde e os direitos humanos. São Paulo: Editora UNESP, 2005. 183p. e 2. Couto, MT; SCHRAIBER, LB. Homens, saúde e violência: novas questões de gênero no campo da saúde coletiva. In: MINAYO, MCS; COIMBRA Jr, CE (Orgs.). Críticas e atuantes: Ciências Sociais e Humanas em Saúde na América Latina. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2005, p. 687-706. 12 13

Departamento de Medicina Preventiva, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo. Departamento Medicina da Universidade Federal de São Carlos.

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids De saída, porém, ressaltamos que não entendemos tal ligação como uma “causa natural” ou como parte da “essência” masculina, mas como uma construção cultural, isto é, algo criado e valorizado em determinados modos de viver em sociedade. Com isso, não há homens sempre violentos, nem os homens são violentos desde sempre, ou serão. Em outros termos, indivíduos violentos em determinadas situações, podem não sê-lo em outras, e acreditamos que, por mais que qualquer um pudesse ser tentado a “perder a cabeça” – que é um dos principais argumentos oferecidos para justificar comportamentos violentos - , a cultura do diálogo e da não violência pode evitar essa perda de controle sobre as condutas interpessoais e sociais, exercendo limites culturais e morais nos comportamentos dos indivíduos. No entanto, hoje em dia mantém-se a conexão entre ser agressor e ser homem, pela alta freqüência com que isso ocorre, ainda que, segundo nossa compreensão dessa questão, seria melhor dizer que se mantém a conexão entre ser homem e apresentar comportamento violento. Entendemos que a experiência de situações de violência entre os homens resulta de prolongado processo, já que é construída ao longo do tempo de vida da pessoa, mediada pelas condições objetivas enfrentadas. Esse comportamento também se modifica constantemente a partir do modo como são experimentadas as relações com o mesmo sexo e com o sexo oposto, tanto no espaço público, quanto no interior da casa. Esse processo de construção dinâmica do ser homem ou mulher corresponde ao exercício da imagem socialmente construída de masculino e feminino, que finda por conformar, para cada um de nós, nossas masculinidades ou feminilidades efetivas. Masculinidade e feminilidade são sempre, nesse sentido, plurais: não há um só modo de ser homem ou mulher, ainda que possa existir uma forma idealizada de referência e que constitui um modelo, uma referência dominante. Estar mais próximo ou mais distante, convergir ou afastar-se dessa referência dominante, será sempre importante e trará repercussões para o viver cotidiano de homens e mulheres. Isto porque o modelo dominante é o que está sendo, em determinado momento, o mais valorizado para a sociedade ou grupo social em


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde questão, mesmo que nem seja o que mais aconteça. Essa tensão entre o que se “pretende” ser /viver, e o que se está realizando, pode gerar situações de conflitos que terminam em violências, nas relações entre homens, entre mulheres, ou entre homens e mulheres. Quando no estudo da violência pensamos nesses termos de masculinidades (plural), que são os mais variados exercícios da identidade de ‘ser homem’, isto significa compreendermos a origem dos conflitos e, pois, também das situações que terminam em violência, como embates entre masculinidades e feminilidades, ou entre diferentes masculinidades, ou no interior de uma mesma referência de masculinidade. É disto que trata o conceito de gênero e as questões de desigualdade colocadas nas relações de gênero. Neste sentido, nossa abordagem da temática masculinidades e violência se assenta na perspectiva teórico-política de gênero que considera as condições que histórica e socialmente constroem e estabelecem as relações sociais de sexo, permeadas pelo poder e desigualdade (SCOTT, 1990). Gênero é, portanto, entendido como um princípio ordenador e normatizador de práticas sociais. Não se trata de reduzir tudo a gênero, mas reconhecer que gênero, juntamente com outros referenciais do comportamento dos indivíduos em suas relações sociais e interpessoais, tais como os pertencimentos de classe, raça/etnia, geração, são fundantes das relações entre homens, homens e mulheres e mulheres entre si. Iniciando a reflexão propriamente dita sobre a violência nos padrões de relacionamentos dos homens entre si, que ocorrem sobremaneira nos espaços públicos, verificamos, em revisão de literatura (COUTO & SCHRAIBER, 2005), que essa temática vem sendo discutida nas Ciências Sociais e na Saúde Coletiva desde o final da década de 1980. Inicialmente, a partir dos indicadores tradicionais de morbimortalidade que apontam os homicídios e as agressões físicas como referências de um cenário que é quantitativamente definido pelos homens (LAURENTI; JORGE e GOTLIEB, 2005). Assim, o contraste com a violência vivida pelas mulheres é, pois, patente, já que estas vivenciam situações de violência no espaço privado e no contexto de relações de intimidade-afetividade. A violência, portanto, releva a existência de

diferenciais

entre

homens e

mulheres

que respondem

aos

posicionamentos dos sujeitos na sociedade, às identidades construídas ao longo da

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids

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vida e o modo como os sujeitos vivenciam as relações sociais com pessoas do mesmo sexo e com pessoas do sexo oposto nos domínios público e privado. Desde os anos 1990, pesquisas têm apontado que os homens são os maiores perpetradores da violência interpessoal, seja homicídio, ou nas violências não fatais como a violencia física e/ou sexual (KRUG et al, 2002). Estudos destacam, ainda, os altos e crescentes índices de violência e morte entre adolescentes (GAWRYSZEWSKI, KOIZUMI e MELLO JORGE, 2004). Entendemos que uma melhor compreensão do que está ocorrendo em relação ao binômio homens-violência pode ser alcançado ao se discutir a forma como as expectativas de gênero colocadas para homens jovens que habitam em regiões de periferia dos grandes centros urbanos e que têm ampla conexão com o tráfico de drogas tendem a enfatizar o controle e o exercício da força na construção de determinado padrão masculinidade. A fim de ilustrar tais achados, apresentaremos alguns resultados de pesquisa que desenvolvemos sobre homens, violência e saúde. Esta foi realizada entre os anos de 2002-2004, com 789 homens de baixa renda, na faixa etária de 18 a 60 anos, usuários de dois serviços do setor público de saúde da cidade de São Paulo (SCHRAIBER & COUTO, 2004)14. Na pesquisa citada, os achados apresentam alta magnitude para a prevalência da violência perpetrada e sofrida pelos nossos entrevistados nos espaços públicos, já que mais do que 1 em cada 2 homens (56,3%) relatou ter vivenciado alguma situação de violência física, traduzida nos seguintes atos: tapas, empurrões, socos, chutes. Nota-se que os agressores referidos vão desde os amigos/conhecidos até estranhos, passando pelos policiais. Ressalta-se, ainda, que, aproximadamente 1/3 dos homens referiram ter agredido alguém nos espaços públicos. Para a análise e compreensão destes achados recorremos a outras pesquisas e reflexões sobre violência e masculinidades que apontam o processo de socialização dos homens como importante aspecto para a conformação de um padrão hegemônico (e limitado) de masculinidade. Socializados neste padrão, os homens se 14

As primeiras análises descritivas sobre as diversas prevalências e superposições de tipos das violências sofridas e perpetradas com base nessa pesquisa, resultou no artigo de Schraiber, LB; Barros, CRS; Couto, MT; Figueiredo, WS; Albuquerque, FP “Homens, masculinidade e violência: estudo em serviços de atenção primária à saúde” , submetido à Revista Brasileira de Epidemiologia em maio de 2011.


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde encontrariam predispostos a perpetrar violências contra pessoas consideradas inferiores na escala social (mulheres, idosos, homossexuais, etc.) e a se envolver em situações de violência com pares do convívio social mais próximo ou distante. Assim, nos estudos sobre violências experimentadas por homens, a perspectiva de gênero, anteriormente apontada, é fundamental para que se possa compreender que os nexos entre masculinidade e violência, reforçados no processo de socialização e de afirmação da masculinidade, representam desvantagens em termos de saúde, dado que expõe os homens a situações constantes de risco, especialmente nos espaços públicos. Autores que compartilham tal perspectiva, como Hong (2000), também fazem alusão às categorias de R. Connell (2001) – especialmente hegemônica' e 'hipermasculinidade' - e

'masculinidade

relacionam a 'hipermasculinidade' a

comportamentos violentos, especialmente entre 1. Homens a quem foi negado acesso à masculinidade hegemônica por questões de raça/cor, classe e orientação sexual; 2. Homens cuja socialização se deu com outros homens que apresentam uma conformidade exagerada com os papéis tradicionais. Em sua análise acerca da relação entre violência e masculinidade, Nolasco (2001) destaca que a subjetividade masculina está fortemente ancorada nos referenciais de virilidade e trabalho. Aqueles que não encontram para si formas de reconhecimento e inserção social, tendem a se envolver em diferentes situações de violência, contra terceiros e contra eles mesmos. Em suma, estudos como os anteriormente mencionados destacam que os homens sofrem mais pressões sociais para endossar as prescrições de gênero dominantes na sociedade ou no seu grupo social de pertencimento.

Assim, a

socialização potencializa o envolvimento dos homens em situações nas quais a agressividade verbal e física estão presentes. O uso da violência, enquanto ‘padrão’ de comportamento, representa, em vários contextos sociais, uma forma corriqueira de resolução de conflitos quando se trata da relação entre diferentes, pessoas que na escala social detêm menos poder (crianças, pessoas mais pobres, mulheres, idosos, homossexuais, etc.). Entre pares (homens na mesma condição social), o recurso à violência verbal e, especialmente, física também parece se justificar

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids quando padrões de reciprocidade são quebrados, ou seja, quando estão envolvidos referenciais simbólicos-morais como honra, família, trabalho, entre outros. No que diz respeito, agora, à questão da violência entre homens e mulheres, que abordaremos segundo o referencial da violência de gênero, observa-se que esta emerge como questão importante para o campo da saúde pública devido às repercussões na saúde física, sexual e mental das mulheres e, não obstante, das crianças que estão presentes nestes contextos (HEISE, 1999). As investigações sobre a temática no campo da saúde reforçam a localização deste tipo de violência no domínio do doméstico, freqüentemente superposto ao espaço

da

casa,

companheirismo,

socialmente solidariedade

associado

à

(SCHRAIBER,

família,

segurança,

d´OLIVEIRA,

COUTO,

lealdade, 2006).

Entendemos que o espaço doméstico está potencialmente carregado de tensões e conflitos, já que reflete as transformações históricas e sociais que imprimem a necessidade cotidiana de re-arranjos e negociação nas relações de poder, hierarquia e reciprocidade entre os sujeitos. Diante de tal configuração a questão que se coloca é: como se consubstancia o sentido que relaciona a representação social masculina com a violência e que razões ou motivos podem ser acionados na busca de entender o envolvimento de homens e mulheres que partilham vida afetiva em situações de violência? A extensa literatura nacional e internacional sobre o tema aponta que as relações de afetividade/conjugalidade perpassadas pela violência são extremamente tensas e respondem a atitudes e concepções mais gerais de masculinidade e feminilidade (SCHRAIBER e d´OLIVEIRA, 1999; GREGORI, 1993; DANTAS-BERGER & GIFFIN, 2005). Suarez, Machado e Bandeira (1999) destacam, ainda, que os impactos

das

expressões

da violência nestas

relações, assim

como suas

conseqüências para a saúde, refletem uma articulação real e simbólica entre a divisão e naturalização dos lugares e atributos masculinos e femininos nos espaços físicos e socioculturais. Os contextos de relações violentas tendem a descrever uma escalada que vai desde agressões verbais, passando para as físicas e/ou sexuais, podendo atingir a ameaça de morte ou o homicídio. Mas essa dinâmica não se mostra como fixa ou


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde linear, e pode, também, não contemplar uma seqüência pré-estabelecida. Embora tenham como componentes externos situações como desemprego, álcool, droga, traição, que significam quebras no padrão de reciprocidade idealmente estabelecido entre os gêneros, estas quebras apenas dão forma a processos de agressões e violência que se consubstanciam pela busca de atualização de atributos e significados associados ao masculino e o feminino. Só a partir da década de 1990 os homens, como sujeitos implicados nas relações violentas, passam a ser investigados no âmbito da temática da violência domestica ou conjugal. A paulatina incorporação dos homens nos estudos e propostas de ações pela não-violência contra as mulheres ganha destaque quando as experiências de ações políticas apontam que o trabalho com as mulheres ‘vítimas’ necessita da inclusão dos homens nas propostas de intervenção que visam barrar o ciclo de violência (GREIG, 2001). Assiste-se, assim, à ampliação da compreensão sobre as estruturas de poder, opressão e dominação entre os gêneros, sem que se reforce o caráter de essencialização dos sujeitos nos papéis de vítima e vilão. Do mesmo modo, torna possível um diálogo com a recente produção teórica internacional na temática sobre masculinidades e violência (CONNELL, 2001; GREIG, 2001), na medida em que os diferentes padrões de masculinidades, a diversidade dos contextos sociais em que homens e mulheres se relacionam e os significados socioculturais com que a violência doméstica de caráter conjugal se expressa tornam-se alvo de trocas de informações e ampliação de conhecimento. Entendemos que tensões perpassam todos os relacionamentos afetivo-sexuais e que os motivos que dão margem a estas tensões têm origem interna e externa aos mesmos. Ilustrando com nosso citado estudo (SCHRAIBER & COUTO, 2004), investigamos com que freqüência ocorreram brigas e discussões nos relacionamentos entre os usuários do serviço e suas companheiras. Foi interessante observar que mais de 50% responderam que nunca ou raramente brigam, enquanto apenas 6,5% disseram que as brigas/discussões são freqüentes. Quanto à questão ‘quem, na maioria das vezes, inicia as brigas/discussões’, cerca de um terço dos homens atribuem a 'culpa' às mulheres e cerca da metade deles assumiu que as brigas/discussões partem dos dois. O principal motivo apontado foi o ciúme, sendo

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids que o ciúme da mulher em relação ao parceiro (20,3%) é bem superior ao ciúme dele em relação à ela (13,2%). Passando ao aspecto da violência perpetrada pelos homens contra suas mulheres/parceiras, os resultados demonstram a magnitude do problema, mesmo considerando que o foco da investigação são os próprios homens. Quando perguntados sobre atos concretos que teriam praticado contra suas parceiras tanto físicos, como tapas ou empurrões ou até mais graves como ameaças com armas, espancamento ou queimadura, bem como quando perguntados sobre atos de agressões psicológicas ou mesmo se teriam forçado relações sexuais, cerca de 50% dos homens entrevistados em nosso estudo responderam afirmativamente, mostrando a elevada freqüência com que a violência ocorre no casal perpetrada pelo homem. Esse dado reforça duas questões de extrema gravidade: 1. a naturalidade com que é expresso pelos homens entrevistados o relato de violência, como se fosse corriqueiro encontrarmos a resposta afirmativa de agressão; 2. a importância de se discutir o tema das violências contra a mulher nas relações conjugais. Pode-se perceber o impacto desses abusos e agressões, a dimensão assumida por essas atitudes na vida das mulheres, além de possibilitar a observação de que tais violências não são atos isolados, que acontecem eventualmente, mais ao contrário, são situações que se repetem, e que muitas vezes devido a sua reiteração torna-se algo corriqueiro, banal, contribuindo dessa forma para a sua invisibilidade. Na interpretação dos achados, utilizamos os poucos estudos que contemplam a face masculina dos episódios de violência contra mulher (WELZER-LANG, 2001; FULLER, 2001; ALVES, DINIZ, 2005). Na maior parte destes estudos há o reforço de interpretações sobre um ethos masculino que associa violência à própria construção da masculinidade. Para alguns, o peso maior da associação está colocado no processo de socialização em que o machismo prevalece (GREIG, 2001). Para outros, a violência de gênero teria como fundamento o princípio simbólico de honra que rege as expectativas e as atuações dos homens na ‘casa’ e na ‘rua’ (FULLER, 1998; SUAREZ, MACHADO, BANDEIRA, 1999), bem como as crenças internalizadas de autoridade dos homens e a conexão entre a noção de virilidade e violência (WELZERLANG, 2001; NOLASCO, 2001; FULLER, 1998).


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde Nas análises que se voltam para os aspectos da prática concreta das relações, a ênfase tem sido posta em dois conjuntos de fatores: 1. os poderes e privilégios sociais dos homens nas sociedades e a conseqüente permissividade social para a violência dos homens contra as mulheres e 2. As experiências contraditórias de poder vividas pelos homens, especialmente na infância, que se transforma, na vida adulta, em terreno fértil para a utilização do recurso à violência na esfera privada. Segundo Kaufman (1997), na vivência cotidiana, a relação entre os meninos e homens na violência contra as mulheres é muito complexa. Grande parte dos homens experimenta, direta ou indiretamente, durante a socialização, situações em que a violência contra mulher está presente. O silêncio que a maioria destes homens desenvolve diante de tais contextos é perpetuador da mesma violência. Seja no campo das relações ou dos referenciais simbólicos, a proposição que se coloca é que o recurso à violência contra a mulher (de caráter psicológico, físico ou sexual) não seria simplesmente

um elemento constitutivo da relação

afetiva/conjugal. Antes, sua emergência responderia à necessidade masculina de recolocar elementos associados à honra, autoridade e poder na relação quando esta é questionada ou está em crise. Em outras palavras, para um homem, a violência é uma possibilidade de resposta à demanda de desempenho de seu papel social. Embora seja estimulada de diferentes formas durante o processo de socialização, torna-se um elemento chave na reafirmação de um determinado tipo de subjetividade masculina quando o sujeito não encontra para si formas de reconhecimento e inserção social. Nestes casos, o mesmo tende a se envolver mais diretamente em situações de violência. Como Suarez, Machado e Bandeira (1999) e Couto & Schraiber (2005) apontam, é importante pensar o quanto as construções sociais de gênero se diferenciam, inclusive no interior de uma mesma sociedade, como a brasileira, mas, também, o quanto a violência de gênero está presente e disseminada entre seus diferentes setores, reforçada pela diferença que se consubstancia em desigualdade entre homens e mulheres. Assim, é somente a inteligibilidade do homem agressor como sujeito vulnerável que leva à compreensão da violência como tentativa de querer repor a ordem perdida ou em vias de ser abalada.

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids Sem dúvida, a ampliação dos estudos sobre a problemática da violência contra a mulher para a inclusão dos homens, desde a perspectiva de gênero, tem facultado o entendimento da violência nos diferentes contextos que os homens vivem. E, com isto, cria-se possibilidades de promover o trânsito entre uma visão da relação entre masculinidade-violência, com base numa idéia genérica de patriarcado, para uma idéia que privilegia a violência como expressão de insegurança masculina ou como a não atualização de um padrão hegemônico de masculinidade. Tal mudança nos parece importante na medida em que se discute como as experiências de poder (e falta de poder) para os homens estão relacionadas a outros referenciais identitários como classe, geração/idade, raça/etnia, etc., bem como ao contexto cotidiano das relações com outros homens e mulheres, o que sugere a possibilidade de fugir de categorizações abstratas de papéis sexuais, constitutivos de uma visão monolítica de homem e mulher. Caminhando para o final deste tema que nos propomos a introduzir, pensamos que é legítimo discutir o quanto as respostas a pressões de gênero, vinculados à noção de masculinidade hegemônica (CONNELL, 1995), da sociedade dizem respeito aos padrões de normatização vividos por sujeitos historicamente implicados neste processo. Assim, acreditamos que o cerne da questão é, não apenas, as pressões sociais que os homens sofrem para reconhecer como legítimo e utilizar o recurso à violência nas relações interpessoais com outros homens e com suas mulheres/companheiras, mas, também, como têm mais dificuldades em aceitar 'imposições' sociais sobre direitos de igualdade com os outros sujeitos que consideram menos valorizados na escala social. Este argumento remete a uma melhor análise da própria questão do poder e como enfrentar re-distribuições de poder (no sentido do aumento das simetrias das relações entre homens e entre homens e mulheres), os conflitos que daí advêm e a violência enquanto recurso para a resolução destes. Não caberá aqui ampliar tal elaboração, mas seu alerta vai no sentido de mostrar a necessidade de não se resumir a questão do poder à masculinidade. Também lembramos a alternativa de aproximação da noção de poder tal como formulada por Arendt (2000), em que o conceito expressa mais a face positiva que negativa do exercício deste,


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde correspondendo ao compromisso ético e socialmente responsável implicado nas escolhas de sujeito. Esperamos, pois, que estas considerações acerca da relação entre viver em sociedade enquanto homem, isto é, realizar as identidades masculinas e a violência possam servir de estímulo à reflexão, à discussão e à proposição de ações que visam minimizar os impactos da violência no campo da saúde.

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Parte I – Homens. Masculinidades e saúde HOMENS E ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE: TECNOLOGIAS DE ATENÇÃO Wagner dos Santos Figueiredo15 Lilia Blima Schraiber16 Márcia Thereza Couto16

1 - INTRODUÇÃO O presente capítulo tem por objetivo discutir possíveis ações práticas de saúde pública direcionadas à população masculina no âmbito de serviços de atenção primária à saúde (APS). Tais ações, compreendidas como estratégias tecnológicas, assumem grande importância no presente momento, na medida em que recentemente foi lançado pelo Ministério da Saúde a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009), que tem como enfoque a atenção básica, priorizando ações de promoção, prevenção e proteção à saúde. Para o alcance do objetivo firmado, utilizamos como base a proposta do Centro de Saúde Escola Samuel B. Pessoa (CSE Butantã) para lidar com as necessidades de saúde dos homens. Neste serviço de atenção primária, a proposta também teve como referência as ações de promoção, prevenção e cuidado à saúde. Atualmente, a ideia de promoção da saúde tem se constituído num ponto de grande interesse para a Saúde Coletiva (CZERESNIA, FREITAS, 2003). Tomando um sentido que transcende o setor saúde e incorpora diferentes dimensões que potencializam uma melhora da qualidade de vida, a promoção da saúde implica, entre outras, em questões de direitos e de equidades, tal como afirmam Schraiber, Gomes e Couto (2005) . Assim o que apresentamos neste texto é a inserção da temática “homens e saúde” como questão de conhecimento e prática para o campo da Saúde Coletiva, articulando as atividades na APS com as ações de promoção de direitos e de equidade de gênero. De um modo geral, na APS há uma frágil conexão entre as ações e atividades oferecidas e as específicas necessidades de saúde dos homens. Parte da dificuldade parece ser devido a uma falta de clareza acerca dessas necessidades. Essa situação 15 16

Departamento de Medicina da Universidade Federal de São Carlos Departamento de Medicina Preventiva, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids é associada principalmente a uma suposta identificação do sujeito masculino com a desvalorização do auto-cuidado e a pouca preocupação com a saúde, deixando, por isso, de procurar os serviços de saúde. Essa fragilidade também é justificada pelas características da APS, tidas como um espaço excessivamente feminilizado, devido à maior presença de mulheres, tanto como usuárias quanto como trabalhadoras do serviço (VALDÉS, OLAVARRÍA, 1998; FIGUEIREDO, 2005). Por outro lado, quando os homens procuram a APS, chama a atenção a invisibilidade de suas necessidades (COUTO et. al., 2010) ou, então, a medicalização dessas necessidades (SCHRAIBER et al., 2010). Todavia, estudos apontam para uma maior mortalidade masculina em todas as idades e para quase todas as causas, indicando as doenças cardiovasculares, as neoplasias e os agravos relacionados à violência (suicídios, homicídios, acidentes de automóvel) como responsáveis por essas altas taxas (LAURENTI, MELLO JORGE, GOTLIEB, 2005; WHITE, CASH, 2004). Outros problemas de saúde importantes para a população masculina são as enfermidades relacionadas ao alcoolismo (LAURENTI; MELLO JORGE; GOTLIEB, 2005) e as altas taxas de incidência do HIV/aids, mesmo considerando o crescimento da epidemia entre as mulheres (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010). Inúmeros estudos propõem a perspectiva de gênero para compreensão dos padrões de morbi-mortalidade masculina e para a definição das necessidades de saúde e práticas de cuidados dos homens (COURTENAY, 2000; SCHOFIELD et al., 2000; KEIJZER, 2003; FIGUEIREDO, 2008). Esses estudos também apontam que, se examinados dessa perspectiva, certos comportamentos masculinos relativamente à saúde e aos riscos de adoecimentos, como, por exemplo, a procura mais tardia por assistência quando se sentem doentes, podem ser explicados como produtos da busca por uma identificação do ser homem estruturada sócio-culturalmente, o que vem a ser a construção de gênero acerca das identidades dos homens e mulheres na vida social. Gênero é, pois, uma construção histórica acerca do masculino, do feminino e de suas relações recíprocas. Ou seja, é um elemento das relações sociais fundamentado nas diferenças entre os sexos e também uma forma de significar relações de poder entre eles (SCOTT, 1990), o que na história das sociedades tem


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde sido uma construção de maior poder dos homens relativamente às mulheres, com consequentes atribuições sociais (políticas, econômicas e morais-culturais) a partir das quais certos desempenhos são aderidos e, portanto, esperados para homens e outros para mulheres. Por isso, gênero também contribui para a definição da forma como os homens (e as mulheres) usam e percebem os seus corpos. De acordo com seus modelos de masculinidade, os homens muitas vezes assumem comportamentos considerados pouco saudáveis, comportamentos esses que estão relacionados a um modelo de masculinidade idealizada, a masculinidade considerada hegemônica (CONNELL, 1995). Além disso, ao trazer a público a desigualdade de poder historicamente construída entre homens e mulheres na sociedade, gênero também torna evidente a necessidade do debate público acerca da equidade de direitos sociais entre eles. Dessa forma, em nossa proposição, assumimos que a existência de várias atitudes e comportamentos masculinos, tomados enquanto parte do exercício da masculinidade, possa se manifestar como necessidades em saúde, e que na APS podem ser abordadas mais eficientemente. Para isso, é necessário que essa abordagem se dê numa dimensão em que se considerem essas situações como algo contextualizado nas relações socioculturais em que os homens e as mulheres vivem. Assim, propomos lançar mão do referencial de gênero para alcançar um maior conhecimento das necessidades de saúde das masculinidades e, dessa forma, desenvolver estratégias tecnológicas de atenção à saúde dos homens. Entendendo tecnologia como “um conjunto de saberes e instrumentos que expressa, nos processos de produção de serviços, a rede de relações sociais em que seus agentes articulam sua prática em uma totalidade social” (MENDES-GONÇALVES, 1994),

empregamos

esse

termo,

bem

como

a

noção

de

“estratégias

tecnológicas” enquanto saberes capazes de operar os processos de trabalho de modo a inserir gênero e direitos humanos na arquitetura dos arranjos produtores da atenção primária nos serviços de saúde. Ao nos valermos, pois, do olhar e do conceito de gênero para definir necessidades de saúde e ao buscarmos empiricamente as desigualdades e suas possíveis correções no diagnóstico dessas necessidades em uma comunidade concreta e particular, estaremos construindo um saber operatório do trabalho em saúde que é um recurso tecnológico reabilitador dos

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids direitos sociais e reprodutivos nas ações de produção dos cuidados primários, e, portanto, é também um recurso tecnológico para corrigir desigualdades de gênero. Vale dizer estaremos realizando uma inovação tecnológica (de gênero e de direitos) na atenção primária. Algumas questões, como a vivência da sexualidade e sua relação com a saúde sexual e reprodutiva e a violência, seja ela no espaço público ou no espaço privado, são importantes e complexas para a área da saúde, indicando o quanto é imperativo o desenvolvimento de tais estratégias. Contudo, tais problemas de saúde, considerando a complexidade no seu manejo, são modalidades para as quais a APS, se praticada em termos de uma atenção integral e não apenas como um prontoatendimento triador para outros níveis de atenção do sistema de saúde, tem condições de contribuir para uma efetiva ação terapêutica, entendendo-se tal efetividade pelo caráter mais de “sucesso prático” da terapêutica do que um “êxito técnico”, conforme os conceitua Ayres (2009). Segundo Schraiber & MendesGonçalves (2000), as situações da atenção primária citadas anteriormente, quase sempre podem ser consideradas como casos epidemiológica e assistencialmente complexos, mesmo que, enquanto situações clínicas, apresentem-se como patologias simples. A partir dessas considerações apresentaremos algumas propostas de atividades voltadas para o cuidado de saúde dos homens. Tomando como exemplo a experiência do CSE Butantã (CSE), recuperaremos as estratégias utilizadas nessa experiência, para que sirvam de estímulo para outros serviços de APS na construção de programas de atenção integral à saúde da população masculina. 2 – MOTIVAÇÕES E CONTEXTO Reconhecemos que existem diferentes motivações e possibilidades na construção de propostas inovadoras de práticas de cuidado à saúde. Qualquer projeto de intervenção que se quer construir deve considerar as particularidades contextuais, as condições objetivas para sua realização, as específicas necessidades percebidas e a capacidade institucional de realizá-la. Nesse sentido, contextualizar a realidade e buscar as reais motivações indutoras de novas propostas de trabalho são condições essenciais no processo de elaboração de específicas estratégias de


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde cuidado. No caso da atenção aos homens não poderia ser diferente. Assim, a título de ilustração, apresentaremos as motivações do CSE para a construção do programa de atenção integral à saúde dos homens. O CSE é uma unidade docente-assistencial vinculada à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e integrante da rede de unidades básicas de saúde (UBS) do município de São Paulo. Suas ações envolvem, por meio de tecnologias de intervenção em APS, entre outras, a atenção à saúde da criança, do adulto, em saúde mental e vigilância epidemiológica. Os cuidados são realizados por uma equipe multiprofissional, e integram modalidades educativas e assistenciais. Além disso, trabalha com atividades docentes para alunos de graduação, residência médica, especialização e aprimoramento profissional e constitui campo de estágio para profissionais da área. A inexistência na APS de atividades que respondessem às necessidades específicas de saúde dos homens, já há algum tempo era motivo de inquietação na equipe do CSE. Inicialmente, essa preocupação estava centrada na dificuldade encontrada pelo serviço em responder adequadamente as demandas trazidas pelas mulheres, mas que dependiam também de ações direcionadas para seus respectivos parceiros. Era o caso, por exemplo, do controle e da prevenção das DST, da discussão sobre contracepção e planejamento familiar, das situações de violência nas relações interpessoais, em especial aquela praticada pelo parceiro. Dessa forma, o primeiro movimento do CSE foi procurar desenvolver uma tecnologia que respondesse à necessidade de ampliação das ações para prevenção das DST. Assim, foi elaborado um grupo educativo direcionado para homens e mulheres, denominado “Saúde e Sexualidade”. A temática do grupo, contudo, ia além da discussão da prevenção das DST. Envolvia também questões relacionadas à sexualidade, conhecimento do corpo masculino e feminino, a atividade e o prazer sexual, as concepções de gênero e as relações de confiança e fidelidade nos relacionamentos. O diferencial na proposta era a incorporação dos homens em uma atividade na qual se discutia sexualidade e gênero. Essa atividade desencadeou o processo de construção do programa específico de atenção à saúde dos homens. O objetivo da proposta era desenvolver práticas de promoção e prevenção à saúde da população masculina com idade entre 18 e 50 anos, fundamentada nos

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids referenciais de gênero. Para isso, estava previsto uma interação prática com os pressupostos do programa de atenção integral à saúde da mulher, sem, no entanto, esquecer da articulação com outros programas, como o programa de atenção à saúde no envelhecimento e o programa de atenção aos adolescentes. Esperava-se com isso ampliar a visibilidade dos homens no serviço, estimular a percepção dos profissionais em relação às suas necessidades e promover o reconhecimento do serviço por parte dos homens como espaço institucional também de suas necessidades. A seguir, descreveremos algumas estratégias tecnológicas de atenção à saúde dos homens. 3 – TECNOLOGIAS DE ATENÇÃO: ALGUMAS ESTRATÉGIAS POSSÍVEIS 3.1 - Sala de Espera: espaço de conversa e reflexão A sala de espera tem sido considerada um território bastante profícuo para a realização de atividades complementares e alternativas na APS. Por se tratar de um lugar onde há um agrupamento de pessoas que aguardam o atendimento, tem-se a oportunidade de criar um espaço coletivo de interação e diálogo, transformando o tempo de espera dos usuários em momento educativo. Os serviços podem lançar mão de diferentes estratégias pedagógicas motivacionais com o objetivo de “puxar uma conversa”: podem ser folhetos, cartazes, material audiovisual, manchetes de jornal, etc. O repertório de assuntos pode variar de problemas de saúde prevalentes à temáticas atuais com repercussão na saúde, passando por uso e acesso aos serviços de saúde, atividades de promoção, prevenção e cuidado que os serviços cotidianamente oferecem, entre outros. Especificamente, quanto à saúde do homem, a conversa em sala de espera pode significar uma tecnologia educacional para sensibilizar a população sobre diferentes necessidades de saúde relacionadas às masculinidades. No CSE, por exemplo, os profissionais envolvidos em atividades de sala de espera estimulam a participação de todos os usuários, independentemente de serem homens ou mulheres. Vários temas relacionados às masculinidades e saúde são discutidos, como, por exemplo, alcoolismo, violência e paternidade, usando como mote datas comemorativas (dia dos pais, dia mundial de luta contra a aids, dia internacional pelo


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde fim da violência) ou a visibilidade de determinados temas pela mídia (lei seca, estatuto do desarmamento). De um modo geral, a atividade gera muita discussão entre os usuários, indicando o interesse da população pelo tema e a importância de sua inserção nas práticas de saúde. 3.2 – o trabalho em grupos educativos A educação em saúde constitui ação fundamental para as práticas de promoção da saúde e prevenção de doenças. O trabalho em grupos sociais específicos consiste em uma alternativa tecnológica de prática educativa no contexto da atenção primária. Esse tipo de atividade permite uma participação mais ativa dos usuários, contribuindo para a reflexão de realidades vividas, para a ampliação de conhecimentos e para a transformação de atitudes e habilidades para lidar com diferentes problemas de saúde. Além do mais, ainda que mantenham suas individualidades e singularidades, tais sujeitos compartilham valores, identidades e objetivos que os caracterizam como pertencentes àquele grupo. Dessa forma, têm a possibilidade de estabelecer uma relação mais horizontalizada com a equipe de saúde, contribuindo para uma relação usuário-profissional mais propositiva e igualitária. Um grupo educativo de homens surge como uma oportunidade para os usuários do sexo masculino refletirem conjuntamente com os profissionais de saúde acerca das suas concepções sobre promoção, prevenção e cuidado da saúde, considerando os seus modos de viver a vida. É uma ocasião propícia para reconhecer suas necessidades sociais de saúde e suas dificuldades em expressar tais necessidades e, a partir desse levantamento inicial, problematizá-las enquanto parte do exercício da masculinidade. Ou seja, o grupo – homens e profissionais – ao discutir valores, atitudes e comportamentos vivenciados em uma dimensão de gênero, pode trabalhar as questões de saúde dos homens de modo diferente. Por exemplo, restrição de autocuidado, sentimentos de invulnerabilidade e práticas sexuais incontroláveis, tão corriqueiramente referidas como típicas de pessoas do sexo masculino podem ser desnaturalizadas, questionadas e requalificadas como necessidades de saúde das masculinidades.

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids Consideramos o trabalho em grupo educativo uma tecnologia que amplia e facilita o acesso dos homens na APS. Em nossa compreensão, tal prática pode contribuir para romper a barreira da visibilidade dos homens nos serviços de saúde. Com isso, é possível viabilizar uma maior percepção da presença masculina e de suas necessidades por parte dos serviços e, ao mesmo tempo, abrir caminhos para uma maior identificação dos homens com esses mesmos serviços. Como forma de estimular a participação dos homens, algumas estratégias podem ser utilizadas. No CSE, por exemplo, foram afixados, no serviço e na comunidade de referência, cartazes com frases motivadoras anunciando a realização do grupo de homens. Também foram distribuídos convites, chamando os homens para a atividade. A participação dos profissionais da equipe é essencial na oferta da atividade. Durante as diferentes atividades assistenciais individuais (consultas médicas, consultas de enfermagem e atividade de acolhimento, etc.) se têm a oportunidade de conversar acerca da realização do grupo educativo. No planejamento da ação educativa alguns aspectos importantes devem ser observados. A escolha dos temas é um desses aspectos. Devemos priorizar temas de interesses para todos os envolvidos, ou seja, temas demandados pelos próprios usuários e temas selecionados pela equipe técnica, considerando sua magnitude enquanto problema de saúde, sua viabilidade técnica e a capacidade de estimular a participação. No CSE, são abordados o uso de serviços de saúde, saúde sexual e reprodutiva, problemas urológicos, relações familiares, violência, trabalho, etc. Mas também surgem discussões trazidas pelos homens, como política, relações raciais, religião. O importante é que se construa um vínculo entre os participantes que facilite e enriqueça a participação. Também devem ser previstos o tamanho do grupo, o tempo de duração da atividade e o profissional responsável pela coordenação da atividade. Quanto à dinâmica do grupo, o importante é construir estratégias que possibilitem trabalhar com homens na perspectiva de gênero. Sabemos que os serviços de saúde não dispõem de muitos recursos dessa natureza, mas o desafio está exatamente nessa construção. Não obstante, atualmente já existem recursos audiovisuais versando, por exemplo, sobre masculinidades e saúde sexual e reprodutiva, que podem contribuir para ampliar a discussão. No CSE, para dar cabo


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde da tarefa, utilizamos em um primeiro momento, tecnologias já consagradas em trabalhos com grupos educativos. Iniciávamos com a apresentação dos participantes, discutíamos os objetivos do grupo, fazíamos um aquecimento e partíamos para a discussão dos temas surgidos, priorizando sempre a participação e a construção coletiva dos conhecimentos. Em seguida, desenvolvemos uma dinâmica de participação, utilizando como ferramenta desencadeadora da discussão uma bola, tomando o futebol como tema. Essa estratégia se mostrou oportuna, facilitando a participação dos homens nos diversos temas sugeridos. Permitiu, inclusive, o surgimento de novos assuntos, como por exemplo, violência e futebol. A escolha do profissional responsável pela coordenação do grupo é essencial. Em primeiro lugar, é necessário gostar de trabalhar em grupo e se sentir comprometido com o projeto em construção. Deve ser coerente, respeitoso, empático, comunicativo e propositivo. Outros atributos importantes são a serenidade e ser continente. Como a proposta é trabalhar com homens na perspectiva de gênero é preciso conter as emoções e angústias que podem surgir durante a realização da atividade. Muitas vezes, valores e atitudes controversos e diversos daqueles do profissional são afirmados pelos homens participantes, como é o caso do machismo. Vale lembrar que tais valores e atitudes são endossados socialmente por uma cultura de desigualdade de gênero, e devem ser combatidos e questionados. Porém, o coordenador deve evitar assumir posicionamentos de caráter pessoal e ter uma postura ética que contribua para um bom andamento da atividade, mesmo quando for necessário buscar uma reflexão mais aprofundada sobre essas questões mais polêmicas. Nesse sentido, merece ser destacada a condução do grupo de homens no CSE por uma profissional do sexo feminino. Exatamente por trabalhar com os atributos referidos anteriormente, a presença dessa profissional não inibe a participação dos homens, nem obstaculiza o debate de práticas mais equitativas e integrais para a saúde das pessoas. Tal modo de conduzir a atividade parece confirmar que a discussão de gênero é sempre relacional.

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids 3.3 – Atenção individual aos homens Mesmo reconhecendo que os serviços de atenção primária oferecem atendimento aos homens, atendimentos esses relacionados aos programas de controle de doenças crônicas ou às demandas espontâneas e pontuais trazidas pelos homens, propomos uma atenção individual com um enfoque diferenciado. Tal olhar refere-se à incorporação da perspectiva das masculinidades na apreensão das necessidades e demandas dos homens nas práticas assistenciais oferecidas. Essa pode ser uma oportunidade para requalificar a resposta assistencial, evitando a reprodução das atribuições mais tradicionais dos homens perante a saúde, conforme afirma Schraiber et al. (2010). Diferentes necessidades de saúde podem ser abordadas do ponto de vista proposto por nós. Decerto que as necessidades relacionadas às questões de saúde sexual e reprodutiva são mais facilmente perceptíveis de serem tomadas nessa perspectiva, podendo, inclusive, servirem como indutor na organização da atividade. No CSE assim procedemos, ofertando primeiramente ações voltadas para demandas como DST, contracepção, dificuldades sexuais, disfunção erétil e prevenção do câncer de próstata. Além das proposições e condutas já universalmente reconhecidas para essas questões, buscamos avançar na produção de cuidados mais integrais, incorporando discussões acerca do corpo masculino e feminino, das preferências sexuais, da importância do prazer na vivência sexual, das práticas de gênero nos relacionamentos afetivos e das relações de confiança entre pares, articulando-as com a prevenção das doenças e a promoção de uma sexualidade saudável. Contudo, tomar as práticas de gênero como referência para prestar assistência a outras necessidades de saúde dos homens é factível. No caso das doenças crônicas, por exemplo, é possível pontuar como fatores e comportamentos de riscos reconhecidos no processo de constituição e agravamento de problemas de saúde como hipertensão arterial e diabetes podem ser relacionados aos modos de viver a vida como homem. Discutir a forma como os homens usam e percebem seus corpos e adotam comportamentos de riscos pode ser um caminho para modificar paradigmas culturais de gênero, expressos em estilos de vida prejudiciais ao controle das doenças crônicas, como é o caso do sedentarismo e hábitos alimentares inadequados.


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde Necessidades relacionadas ao trabalho também podem ser incluídas nessa atividade. Solicitações de informação sobre direitos trabalhistas e previdenciários, sofrimentos e preocupações com o desemprego e demandas advindas de atividades profissionais pouco ergonômicas (dores no corpo e dores na coluna) são situações rotineiras na atenção primária e podem ser abordadas na perspectiva aqui proposta. Por último, mas não menos importante, propomos a inclusão na atenção individual das situações de violência. Associado às discussões e reflexões sobre o tema nas atividades mais coletivas (grupos, salas de espera), é possível também construir ações individualizadas para aqueles homens com histórias concretas de violência. Tal proposição toma como referência a magnitude do problema, seja a violência sofrida ou a praticada por eles, e a relação desse fenômeno com alguns problemas de saúde para eles e para outros (suas parceiras, em especial). No CSE, por exemplo, essa proposta vem sendo debatida e emerge, principalmente, por força da demanda de mulheres que sofreram atos de violência de gênero. Elas solicitam assistência a seus parceiros quando são atendidas no programa de atenção às mulheres em situação de violência, o CONFAD. O CONFAD é um protocolo de orientação e assistência às mulheres que vivem conflitos familiares difíceis, sofrem ameaças ou agressões de seus parceiros. Pode ser definido como uma tecnologia de primeiro acolhimento às mulheres em situação de violência. O profissional envolvido deve ouvir a história da mulher, suas expectativas, redefinindo com ela os problemas e auxiliando-a na busca de uma possível solução. Procura também orientá-la no uso de um guia de serviços e rede de suporte social dirigidos ao problema da violência (SCHRAIBER, D‟OLIVEIRA, 2002; D‟OLIVEIRA et al. 2009). Nesse sentido, nossa proposta para os homens com história de situações de violência tem como norte inicial os referenciais do CONFAD. Com isso, podemos empreender algumas interações importantes, como por exemplo, se avançar na direção da atenção integral de homens e de mulheres. Também é possível articular as ações de promoção, prevenção e cuidado da saúde com ações de promoção de direitos e deveres sociais na direção de relações mais equânimes. Para a abordagem individual dos homens em situações de violência sugerimos, então, algumas questões orientadoras. Inicialmente, se deve pautar pelo

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids estabelecimento de um bom vínculo com os homens, valorizando a ética do cuidado e do respeito. Na assistência devem ser discutidas a situação de violência vivida e alternativas para lidar com violências e conflitos; as relações de gênero e suas implicações nas violências; a questão da responsabilização pelos atos e a ética das relações, sejam elas afetivo-sexuais, sejam elas relações entre pares. 3.4 – Trabalhando na comunidade A ação comunitária é considerada uma estratégia essencial de promoção da saúde para o alcance de melhor qualidade de vida. Reforçar, pois, uma maior participação popular no processo de discussão de suas reais necessidade de saúde é um caminho a ser percorrido pelos serviços de saúde comprometidos com a melhora das condições de saúde da população. Assim, tais ações devem ser estimuladas pela rede de serviços de atenção primária. Especificamente, nas ações de promoção da saúde direcionadas à população masculina, o trabalho comunitário adquire ainda mais importância. Isso acontece, principalmente, por duas razões. A primeira refere-se à maior dificuldade dos homens em participar de atividades nos serviços de atenção primária. A outra razão é devido à maior identificação de gênero dos homens com o espaço público. Sabemos, ainda, que existem alguns territórios e cenários que, reconhecidamente, concentram um contingente grande de homens. Dessa forma, esses espaços identificados socialmente com os sujeitos do sexo masculino podem constituir ambientes estratégicos para a discussão de promoção da saúde na perspectiva de gênero. Ou seja, espaços como ambientes de trabalho e de convivência comunitária podem representar mais oportunidades para o reconhecimento de necessidades de cuidado dos homens e ampliar o acesso deles às práticas de saúde. Nesse sentido, achamos necessário que os serviços de saúde articulem relações de parcerias com outras instituições existentes na comunidade e estabeleça ações intersetoriais que contribuam para o alcance desses propósitos. Para isso, a participação dos agentes comunitários de saúde (ACS) é essencial, pois esses profissionais são elo de integração da equipe de saúde com a comunidade. Eles conhecem suas características e os recursos existentes na comunidade e,


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde devidamente capacitados e orientados, podem contribuir na organização das atividades direcionadas aos homens. Para ilustrar, relatamos o trabalho desenvolvido com os ACS do CSE para qualificar as ações direcionadas aos homens na comunidade e algumas experiências concretas realizadas. Além das capacitações oferecidas (que falaremos a seguir), os ACS também são incentivados a sugerir formas de encontros e espaços que contem com uma boa participação dos homens da comunidade, como também atividades criativas que estimulem uma maior participação da população masculina. Uma experiência bastante interessante ocorreu durante um campeonato de futebol. A atividade consistia na instalação de uma barraca junto às arquibancadas do campo de futebol com material educativo sobre os seguintes temas: sexualidade, contracepção, prevenção de DST/ Aids, violência doméstica e no espaço público e alcoolismo. A estratégia para abordagem dos homens foi a simulação de uma reportagem televisiva, na qual os ACS interpretavam repórteres e ao entrevistar os homens, perguntavam, por exemplo: “Você acha que os homens cuidam adequadamente de sua saúde?”, “Você usa camisinha em todas as suas relações?”. Em seguida os ACS estimulavam as pessoas a procurar a barraca para maiores informações sobre os temas. A barraca foi muito visitada tanto por homens quanto por mulheres, interessados por informações sobre prevenção de DST/aids e retirada de preservativos e informações sobre o acesso a serviços de saúde. Também foram realizadas oficinas com alunos de uma escola de alfabetização para adultos. As oficinas eram conduzidas pelos ACS, com supervisão do coordenador do Programa de Atenção à Saúde dos Homens. Alguns temas abordados foram prevenção de doenças sexualmente transmissíveis/aids, o que é ser homem e o que é ser mulher, homossexualidade e direitos. 3.5 – Capacitação e Supervisão da Equipe Um ponto importante para o bom andamento da organização do trabalho de um serviço de APS é a capacitação da equipe de saúde. Na articulação das práticas de promoção e cuidado á saúde com as questões relacionadas a gênero, essas capacitações assumem uma dimensão ainda maior. É necessário ampliar não só a

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids compreensão da equipe acerca das práticas de promoção e de cuidado à saúde, mas também suas interconexões com os valores sócio-culturais trazidos por uma cultura de desigualdades de gênero. Ou seja, devemos problematizar com a equipe o processo de aculturação de gênero que determina, tanto para usuários quanto para profissionais, que alguns valores são mais qualificados que outros. Nesse sentido, para o trabalho na perspectiva de gênero, a equipe deve ser rotineiramente capacitada, sensibilizada e supervisionada. No CSE, por exemplo, os profissionais recebem regularmente capacitações para lidar melhor com questões relacionadas à masculinidade e saúde. São oferecidas oficinas, dramatizações e dinâmicas pedagógicas, cujos temas são: homens e uso de serviços de saúde, sexualidade, preferências sexuais, saúde reprodutiva masculina, paternidade, alcoolismo, violência doméstica e outros. A depender da necessidade da equipe, novos temas são incluídos ou rediscutidos. A supervisão do trabalho também é contínua. Fazemos reuniões periódicas com a equipe para discutir e solucionar dificuldades encontradas no trabalho. Essas supervisões podem ocorrer apenas entre pares ou contar com a participação de profissionais especializados 4 - CONSIDERAÇÕES FINAIS Acreditamos que nossas propostas não representam uma receita pronta para ser imediatamente utilizada por qualquer outra unidade de APS. A própria experiência do CSE nos leva a pensar no quanto o desenvolvimento de ações de prevenção e promoção à saúde dos homens está vinculada às especificidades de cada local, às características da equipe multiprofissional responsável pelo serviço, como também às necessidades de saúde sentidas nas práticas assistenciais prestadas. Entretanto, mesmo sem generalizar, achamos esta experiência pode estimular outras unidades básicas de saúde em reflexões e criações na mesma direção geral: desenvolvimento de ações que contribuam para práticas cotidianas mais saudáveis por parte da população masculina. O desafio que lançamos para as UBS é pensar o desenvolvimento de trabalhos voltados para os homens dentro de uma perspectiva de gênero. Entendemos que somente desta forma será possível aumentar a visibilidade das necessidades


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde específicas da população masculina, compreendida em um contexto sócio-cultural, a partir de ações mais efetivas de saúde. A perspectiva de gênero, de outro lado, acentua a distinção entre pensar a saúde dos homens e pensar a saúde dos indivíduos de sexo masculino. Com isso queremos dizer que, se há diversas formas assistenciais que tomam patologias de homens como seu alvo prioritário, essa tomada não representa por si só a criação de um saber integrado às perspectivas dos direitos e das equidades de gênero. O que ora ressaltamos e chamamos de inovador

tecnologicamente

está

na

compreensão

do

adoecimento

e,

em

contrapartida, da prevenção e promoção da saúde enquanto associados ao exercício concreto das masculinidades. Não se trata, pois, de organizarmos uma atenção primária que apenas dê destaque às principais ou mais prevalentes doenças de indivíduos do sexo masculino, senão da interpretação e compreensão das ações na atenção primária enquanto abordagens críticas da masculinidade hegemônica: essas ações devem ser processos diagnósticos e sobretudo terapêuticos e educativos capazes de inserirem a questão da masculinidade em seu interior. Este propósito é dependente de se ter como referência para a construção dos serviços, uma leitura da assistência produzida como um arranjo tecnológico dependente de um saber capaz de reorientar-se frente à tomada não tradicional das necessidades de saúde. Daí serem estas, quer no plano conceitual, quer no plano prático, elementos fundamentais da construção de novas tecnologias na atenção à saúde. 5 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Parte I – Homens. Masculinidades e saúde

HOMEM FAZ PRÉ-NATAL? PRECISA? ISSO NÃO É COISA DE MULHER? O PRÉ-NATAL DO HOMEM: UMA NOVA ESTRATÉGIA DE PREVENÇÃO DA TRANSMISSÃO VERTICAL DO HIV E DA SÍFILIS CONGÊNITA Ivone Aparecida de Paula17 INTRODUÇÃO

“A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem visa qualificar a atenção à saúde da população masculina na perspectiva de linhas de cuidado que resguardem a integralidade dessa atenção. O reconhecimento de que a população masculina acessa o sistema de saúde por meio da atenção especializada requer mecanismos de fortalecimento e qualificação da atenção primária, para que a atenção à saúde não se restrinja à recuperação, garantindo, sobretudo, a promoção da saúde e a prevenção a agravos evitáveis” (BRASIL, 2008). Mesmo quando se considera a vulnerabilidade de gênero e as altas taxas de morbimortalidade dos homens, esses não buscam os serviços de atenção primária, da mesma forma que as mulheres (FIGUEIREDO, 2005; PINHEIRO, 2002). Ao longo da história, o homem, na construção das identidades de gênero, assumiu o papel de provedor da família, o que o impede de assumir estar ou ficar doente, sendo esta uma fragilidade que ameaça o seu papel e a sua sensação de invulnerabilidade. Assim a dificuldade de deixar o trabalho para ir ao médico, é alegada como justificativa para não procurar os serviços de saúde. A ausência masculina nos serviços de atenção primária faz com que o homem não seja alvo de ações de prevenção e promoção à saúde e continue a fazer uso de procedimentos, que não seriam necessários, caso ele buscasse atenção à sua saúde no momento oportuno. “Muitos agravos poderiam ser evitados caso os homens

realizassem, com regularidade, as medidas de prevenção primária” (BRASIL, 2008). Várias são as masculinidades criadas ao longo da história e de diversos contextos sociais e culturais, estando esse conceito ainda em construção. Muito temos que aprender sobre o ser homem. Há tantas questões incorporadas a esse 17

Diretora Técnica da Gerência de Prevenção, Centro de Referencia e Treinamento em DST/AIDS, Programa Estadual de DST/AIDS, CCD/SES-SP.

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids conceito, ao longo dos anos, que hoje vemos a necessidade de desconstrução do mesmo para que possamos avançar em tecnologias de prevenção e de políticas públicas que favoreçam a população masculina. Ao homem, historicamente, foram atribuídos papéis que criaram estereótipos que o impedem de perceber que também tem direito a se cuidar, antes de adoecer. A prevenção aos agravos não é considerada como prioridade. Habitualmente, o homem só procura os serviços de saúde quando já está doente e, muitas vezes, procura as farmácias para cuidar de sua saúde (NAVES, MERCHAM-HAMANN, SILVER, 2005). Quando o assunto envolve doenças sexualmente transmissíveis (DST) e sexualidade a situação torna-se ainda mais delicada devido às exigências do ser homem. Assim, queremos discutir neste artigo a relação do homem com a transmissão das DST, especificamente a sífilis e o HIV. ELIMINAÇÃO DA TRANSMISSÃO VERTICAL DA SÍFILIS E DO HIV Em 2007 o PEDST/AIDS–SP, diante da constatação do crescente aumento dos casos de sífilis congênita nos municípios do Estado, elaborou um Plano de Ações para a Eliminação da Sífilis Congênita, até 2015 (SÃO PAULO, 2010).

Durante as

discussões para elaboração do plano observou-se que um dos maiores entraves para a eliminação da sífilis congênita é a dificuldade de tratar os parceiros das mulheres grávidas com sífilis. Segundo dados de notificação da Sífilis Congênita, fornecidos pela Vigilância Epidemiológica de DST/AIDS do estado de São Paulo, no período de 2000 a 2006, somente 14% dos parceiros foram adequadamente tratados. A constatação de que a re-infecção da gestante contribui de modo relevante para transmissão vertical da sífilis e a inclusão do tratamento do parceiro, como um dos condicionantes na definição de caso de sífilis congênita para efeito de tratamento do recém-nascido,

ressalta

a

importância

da

inclusão

de

ações

voltadas,

especificamente, para os homens (BRASIL, 2006). O GT masculinidades e DST/AIDS discutiu essas questões e elaborou uma estratégia de trabalho que pudesse contribuir para aumentar o acesso dos homens aos serviços de saúde, aumentar o número de parceiros adequadamente tratados para a sífilis e melhorar o diagnóstico precoce do HIV.


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde Nas várias discussões a dificuldade de tratamento do parceiro esbarrava em assuntos delicados como: a recusa do homem em comparecer as unidades básicas de saúde (UBS); a postura de não responder as solicitações para tratamento e não ver necessidade do mesmo, quando não apresenta sintomas relacionados à sífilis, sabendo-se que é uma infecção assintomática na maior parte do tempo de sua evolução. A estratégia, utilizada pelas UBS de fazer a convocação do parceiro pela própria mulher, muitas vezes é de total ineficácia devido às relações de poder entre os gêneros, que podem inclusive redundar em situações de violência e fragilizar a mulher (BONFIM, LOPES, PERETTO, 2010; SCHRAIBER, D`OLIVEIRA, COUTO, 2009). Assim, o grande desafio colocado era pensar uma metodologia que pudesse aumentar o acesso deste homem aos serviços de atenção primária, para que ele compareça aos serviços sem estar doente e de uma forma mais tranqüila. O GT “Masculinidades e DST/AIDS”, grupo dedicado a discutir as questões de prevenção às DST/AIDS para a população masculina, buscava elaborar estratégias de trabalho que pudessem contribuir para aumentar o acesso dos homens aos serviços de saúde, aumentar o número de parceiros adequadamente tratados para a sífilis e melhorar o diagnóstico precoce do HIV. Foi assim que surgiu a idéia de fazer um pré-natal voltado para o homem, um espaço garantido para que ele possa vir ao serviço de saúde e participar desse momento que, historicamente, é da mulher. Questionamos se a denominação desta estratégia como Pré-Natal do Homem seria apropriada, uma vez que o pré-natal é uma atividade essencialmente feminina e isso poderia afastar o homem, ao invés de aproximá-lo do serviço de saúde. Ao mesmo tempo faz-se necessário que a população, os profissionais de saúde e os empresários saibam qual é a proposta e quando se fala em pré-natal imediatamente associa-se a atividade aos cuidados durante a gestação. Levando-se em consideração essa importante questão avaliamos que essa atividade deveria chamarse Pré-Natal do Homem. Os resultados obtidos até o momento não demonstram estranheza por parte dos homens com relação ao nome da proposta.

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids A PROPOSTA DE PRÉ-NATAL DO HOMEM Levando em consideração a dificuldade do homem em deixar seu trabalho para cuidar de sua saúde, em reconhecer que pode adoecer e necessitar de tratamento e lembrando também das questões delicadas que interferem no tratamento das DST, percebemos que precisamos repensar algumas práticas que colocam a mulher como intermediária entre os serviços de saúde e seu parceiro. O parceiro muitas vezes exclui-se, e, é excluído da gestação privando-se, e, sendo privado de vivenciar as questões afetivas que envolvem esse momento importante sobre todos os aspectos quer numa gravidez planejada ou não. A proposta de pré-natal para o homem surge como possibilidade para aumentar o acesso às UBS e ao tratamento das DST, propiciar uma maior participação no momento da gestação, discussão sobre prevenção às DST/AIDS e outros agravos à saúde integral do homem. Nessa proposta, uma vez confirmada a gravidez, a gestante é acolhida pelo serviço, seus exames de rotina solicitados e marcada a primeira consulta do prénatal, onde deverão ser entregues os resultados dos exames. Neste ínterim, a unidade de saúde deverá convidar o parceiro da gestante para um atendimento individual. Nesta consulta serão ofertadas as sorologias para sífilis e HIV e se realizará o aconselhamento para a prevenção das DST, informando sobre as possibilidades de risco e práticas sexuais seguras.

Na sequência, será

agendada uma nova consulta, no prazo previsto de retorno dos exames, para entregar os resultados e fazer o aconselhamento pós-teste. Esta consulta deverá ser agendada, preferencialmente, no mesmo dia da consulta de sua companheira, assim, ambos receberão ao mesmo tempo, embora em atendimentos individuais, as orientações necessárias com relação à sua saúde e à saúde de seu bebê. A recomendação de momentos individuais é para garantir que ambos possam ter a oportunidade de privacidade para esclarecer suas dúvidas ou questões específicas. No período de acompanhamento do pré-natal da gestante poderão ser solicitados novos exames laboratoriais para sífilis e HIV ao parceiro sexual, a critério do profissional de saúde.


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde Os resultados dos exames e tratamento do homem deverão ser informados para a maternidade. O cartão da gestante, documento onde são colocados os dados sobre a evolução da gravidez pode também ser utilizado para informar os dados do parceiro para a maternidade. O pedido de exames é apenas a primeira etapa da proposta de pré-natal do homem, que pretende abrir as possibilidades de diálogo, deixando claro para os homens que sua saúde sexual e reprodutiva, tanto quanto a de sua companheira, pode ter reflexos importantes para a saúde da criança que está para nascer. Remetendo à questão da sífilis, por exemplo, a sua negativa de testagem e tratamento de uma infecção pelo treponema pallidum pode redundar em uma internação, sob o uso de penicilina endovenosa, de 10 dias para o seu bebê. Enfim a proposta de pré-natal do homem pretende orientar e sensibilizar os homens a participar de forma efetiva no cuidado da saúde de suas famílias, garantindo-lhes um espaço onde eles possam colocar suas dúvidas e questões particulares, que até hoje tem sido garantido apenas às mulheres. Figura 1: Fluxograma de realização do PréNatal do Homem.

Inclusão do Parceiro no Pré-Natal Teste de gravidez + (acolhimento, solicitação de exames para a gestante) 1ª Consulta – parceiro (acolhimento, aconselhamento, solicitação de exames)

1ª Consulta – gestante

2ª Consulta – parceiro

(resultado dos exames )

(resultado dos exames)

Não Alterados Alta

Alterados Segmento

2ª Consulta gestante

Uma vez elaborada a proposta, o próximo passo é a viabilização da implantação. Levá-la aos gestores municipais mostrando-lhes a importância de tal estratégia para eliminação da Transmissão Vertical da Sífilis e do HIV. Um dos questionamentos levantados é com relação ao aumento do número de exames, o que poderia inviabilizar a proposta, porém ao refletir sobre isso temos que considerar

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids o direito desses homens de fazer o teste de HIV e Sífilis lembrando, também, que o incentivo à testagem é uma das estratégias de prevenção que devem ser priorizadas para toda a população. O planejamento dessa atividade deve ocorrer articuladamente e compondo com os diversos setores envolvidos, as áreas de Saúde da Mulher, Saúde da Criança, Saúde do Homem, Atenção Básica tanto Estadual quanto Municipal, os responsáveis pela Estratégia de Saúde da Família e os Programas Municipais de DST/Aids . Discutir a proposta com os profissionais dos serviços de saúde é fundamental para o sucesso da implantação, realizar capacitações para os mesmos possibilitando um novo olhar para o pré-natal, onde não só a mulher, mas também o homem devem fazer parte do mesmo (DUARTE, 2007). Os profissionais devem envolver o homem, dando a devida importância para o seu comparecimento na unidade. Os serviços que compõe a rede de atenção também devem ser sensibilizados para adesão à proposta, inclusive as maternidades. A rede laboratorial também deve estar presente nas discussões contribuindo para a viabilização da proposta. O Programa Estadual de DST/AIDS tem envidado esforços para efetivar a implantação dessa recomendação, discutindo-a em várias instâncias com os gestores e profissionais de saúde regionais e municipais. Até meados de 2012 essa proposta foi discutida com 516 municípios do estado de São Paulo, monitorados pela atenção básica, destes 48 municípios já implantaram o pré-natal do parceiro em suas unidades. RECOMENDAÇÃO DE PRÉ-NATAL DO HOMEM NAS EMPRESAS DO ESP Várias foram as questões que surgiram quando discutimos a recomendação do pré-natal do parceiro, uma delas é a dificuldade do homem sair do trabalho para poder ir ao médico sem estar doente, para exercer o direito de fazer o pré-natal. Diante desta dificuldade, solicitamos o apoio do Conselho Empresarial de Prevenção ao HIV/AIDS do Estado de São Paulo (CEAIDS) para a proposta de prénatal do homem. Sensibilizado para a questão, este conselho em reunião ordinária, no ano de 2009, emitiu a nota técnica nº 001/2009 (anexos 1 e 2), recomendando às


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde empresas dispensa de seus funcionários do sexo masculino para realização do pré-natal do homem. A recomendação do CEAIDS também foi entregue a frente parlamentar de enfrentamento da epidemia de HIV/AIDS da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. CONSIDERAÇÕES FINAIS Acreditamos que com a proposta de pré-natal do parceiro, este homem terá uma oportunidade de cuidar de sua saúde, realizando sorologias que pode nunca ter feito e recebendo orientações sobre prevenção as DST/AIDS, e de outros agravos. Esperamos que estas ações e orientações, voltadas especificamente para ele, tenham um impacto maior com relação à sua própria saúde e a de seu bebê, minimizando os efeitos de descrédito e eventualmente de violência que ele possa sentir com a intermediação da parceira. O comparecimento ao serviço de saúde em um momento tranqüilo, sem estresse, com acolhimento, para realizar algum tratamento ou exame, pode ser um desencadeador de mudança da relação do homem com o serviço de saúde, pois o fato de ir ao serviço somente quando existe algum problema fragiliza o momento, comprometendo a finalidade do atendimento. Durante vários anos o homem tem sido colocado no lugar de expectador, acompanhando de longe a gravidez como algo de que não fizesse parte, ou então participando daquilo que lhe é permitido pela mulher e pela sociedade. Talvez esse possa também ser um fator que em muitos casos o afasta da responsabilidade com a saúde do bebê. Avançar nesse sentido é de fundamental importância para que este homem perceba o seu papel na gravidez e na saúde do concepto, propicia que ele participe mais desse momento, podendo também vivenciar o seu desejo de ter filhos (PAIVA, 2002) e a sua preocupação com o bem estar do bebê e de sua parceira. Acreditamos que o pré-natal do homem é uma importante estratégia de prevenção às DST/AIDS, tendo a possibilidade de ir além, quebrando o paradigma de que pré-natal é só para mulheres, abrindo possibilidade para que o homem possa

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids cuidar melhor de sua saúde e que isso seja reconhecido pela sociedade, contribuindo nas mudanças das relações de gênero (COUTO, 2010). Talvez seja preciso mudar a visão de alguns profissionais dos serviços de saúde para que as portas, principalmente dos serviços de atenção primária, possam se abrir para o homem, e que, ele possa ser percebido, pois, algumas vezes ele está nas salas de espera das UBS acompanhando suas esposas, ou filhos, entretanto não é notado pelos profissionais de saúde. Quando sua esposa, ou filhos, entram para a consulta ele fica na sala de espera, na maternidade ele aguarda do lado de fora da sala de parto e em muitas instituições tem que observar o horário estabelecido para visitas à sua companheira e ao seu filho. Como ele se sente nesse momento? Ele é homem, não chora, não tem medo, não faz parte desse processo. Temos que discutir questões como estas para que possamos ampliar a nossa visão, romper o preconceito para com o homem e poder entender um pouco melhor o universo em que o mesmo está mergulhado. Esperamos que o GT Masculinidades e DST/AIDS possa cumprir sua missão produzindo conhecimento para que Políticas Públicas sejam formuladas levando em conta a integralidade da atenção à saúde do homem. O Programa Estadual de DST/Aids de São Paulo adotou a estratégia de implantação do pré-natal do homem como importante ação de prevenção da transmissão vertical do HIV e da sífilis e de aumento do diagnóstico precoce do HIV. Esse trabalho é difundido para todos os municípios do Estado e sua implantação é monitorada pelo Núcleo de Atenção Básica da área de Prevenção do Programa Estadual de DST/Aids de São Paulo. Acreditamos que, com os esforços de gestores municipais incentivando a implantação dessa estratégia em seus municípios, em 2015 chegaremos à eliminação da sífilis congênita e da transmissão vertical do HIV.


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde

Anexo 1 NOTA TÉCNICA Nº 001/2009 O Conselho Empresarial de Prevenção ao HIV/AIDS do Estado de São Paulo, nos termos do Artigo 1º da Resolução SS nº 152, de 29 de novembro de 2005, em sua reunião ordinária de 13 de agosto de 2009, considerando:  A meta prevista no Plano estadual de Eliminação da Sífilis Congênita, (redução para menos de 1 caso/1000 nascidos vivos até o ano de 2012), o qual recomenda a participação do parceiro sexual no atendimento pré-natal da atenção básica;  As altas taxas de transmissão vertical do Treponema pallidum (de até 100% na gestante com sífilis primária, 70% na secundária e 30% na tardia), associadas a taxas de mortalidade perinatal de até 40% ;  A constatação de que a reinfecção da gestante contribui de modo relevante à transmissão vertical;  A prevenção da sífilis congênita depende do tratamento materno-fetal e do parceiro;  O reduzido percentual de notificação de parceiros de gestantes com sífilis tratados (14% no período de 2000 a 2006, no Estado de São Paulo);  A premência na redução da transmissão vertical do HIV;  A necessidade de que os parceiros das gestantes sejam acessados pelos serviços de Atendimento Pré-Natal, para fins de oferta da testagem para Sífilis e para o HIV  Os Princípios e Diretrizes da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (Ministério da Saúde, agosto de 2008) Resolve aprovar as recomendações do Grupo de Trabalho DST/AIDS e Masculinidades do Programa Estadual de Doenças Sexualmente Transmissíveis e AIDS quanto a inclusão dos parceiros das gestantes no atendimento de pré-natal, quais sejam: Confirmada a gestação a unidade de saúde deverá:  convidar o parceiro sexual para consulta para atendimento individual onde será ofertado os exames laboratoriais para sífilis, HIV e hepatites virais;  realizar aconselhamento para a prevenção de DSTs e informação sobre práticas sexuais seguras e demais situações de risco;  agendar consulta individual no prazo previsto de retorno dos exames para aconselhamento pós-teste, para ter simultaneamente o resultado da gestante e do parceiro;

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids  no período de acompanhamento do pré-natal poderão ser solicitadas novos exames laboratoriais para sífilis, HIV e hepatites virais ao parceiro sexual, à critério do profissional de saúde;  5.informar que foram realizados exames do parceiro na carteira da gestante.

Inclusão do Homem no Atendimento Pré -Natal Inclusão do Parceiro no Pré-Natal Teste de gravidez + (acolhimento, solicitação de exames para a gestante) 1ª Consulta – parceiro (acolhimento, aconselhamento, solicitação de exames)

1ª Consulta – gestante

2ª Consulta – parceiro

(resultado dos exames )

(resultado dos exames)

Não Alterados Alta

Alterados Segmento

2ª Consulta gestante

Para efeito do cumprimento do fluxo acima descrito, o Conselho Empresarial de Prevenção ao HIV/AIDS do Estado de São Paulo, manifesta-se de modo favorável à concessão de 2 (dois) dias de licença saúde, referente a 1ª e 2ª consultas dos parceiros das gestantes no decorrer da gestação em curso, para cumprimento dos fins pretendidos. São Paulo, 13 de agosto de 2009 ROSA MARIA DI PIERO Presidente do Conselho Empresarial de Prevenção ao HIV/AIDS do Estado de São Paulo


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde Anexo 2

Informa, ter aprovado em sua reunião ordinária de 13 de agosto de 2009 a inclusão do parceiro no atendimento de pré-natal, através das seguintes ações : A Secretaria de Estado da Saúde em Nota Técnica CCD 001/2007 – DOE 29/09/2007, dispõe sobre a Abordagem dos Parceiros Sexuais de Gestantes com Sífilis.

Os parceiros sexuais de gestantes com sífilis em qualquer fase da gestação, devem ser aconselhados para a prevenção, informados para o uso correto de preservativos, e tratados presumivelmente para sífilis – quando não houver a possibilidade do diagnóstico clínico-laboratorial adequado e ágil – mesmo que não apresentem sinais ou sintomas e independentemente de resultados de exames sorológicos; E, avaliando a importância da prevenção, recomendamos que seja considerada a possibilidade da participação do parceiro sexual no atendimento pré-natal, informando-o sobre as Doenças Sexualmente Transmissíveis e sobre o HIV/AIDS, assim como oferecer-lhe a pesquisa laboratorial do Treponema pallidum e do HIV;

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (Princípios e Diretrizes). Brasília.2008. 46p. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST/AIDS. Diretrizes para controle da sífilis congênita: manual de bolso. Brasília. 2006, 72 p. il. (Série Manuais N. 24). BONFIM, E.G.; LOPES, M.J.M.; PERETTO, M. Os registros profissionais do atendimento pré-natal e a (in)visibilidade da violência doméstica contra a mulher. Esc Anna Nery Rev Enferm. 14 (1), p. 97-104, 2010. COUTO, M.T. O homem na atenção primária à saúde: discutindo (in)visibilidade a partir da perspectiva de gênero. Interface – Comunic, Saude, Educ. 14 (33), p.257-70, 2010. DUARTE, G. Extensão da assistência pré-natal ao parceiro como estratégia de aumento da adesão ao pré-natal e redução da transmissão vertical das infecções. Rev Bras Ginecol Obstet. 29(4):171-4, 2007. FIGUEIREDO, W.S. Assistência à saúde dos homens: um desafio para os serviços de atenção primária. Cienc. Saude Colet. 10 (1), p.105-9, 2005. NAVES, J.O.S.; MERCHAN-HAMANN, E.; SILVER, L.D. Orientação farmacêutica para DST: uma proposta de sistematização. Ciênc. Saúde Colet. 10 (4), 2005. PAIVA, V. Sem direito de amar? A vontade de ter filhos entre homens (e mulheres) vivendo com o HIV. Psicologia USP. São Paulo, 13 (2), 2002. PINHEIRO, R.S. et al. Gênero, morbidade, acesso e utilização de serviços de saúde no Brasil. Cienc. Saude Colet. 7 (4), p.687-707, 2002. SÃO PAULO. Secretaria de Estado da Saúde. Coordenadoria de Controle de Doenças. Centro de Referência e Treinamento DST/AIDS. Coordenação do Programa Estadual de DST/AIDS. Guia de referências técnicas e programáticas para as ações do plano de eliminação da sífilis. São Paulo, 2010. Disponível em: www.crt.saude.sp.gov.br SCHRAIBER, L.B.; D`OLIVEIRA, A.F.P.L.; COUTO, M.T. Violência e saúde: contribuições teóricas, metodológicas e éticas de estudos da violência contra a mulher. Cad. Saude Publica. 25 (2 supl), p.205-16, 2009.


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde

DEBATENDO ALGUMAS QUESTÕES NA PRODUÇÃO DE MATERIAIS DIDÁTICOS E INFORMATIVOS PARA A POPULAÇÃO MASCULINA “Homem que é homem não lê cartilha nem manual, enfrenta tudo na marra” Fernando Seffner18 Enquanto os homens Exercem seus podres poderes Morrer e matar de fome De raiva e de sede São tantas vezes Gestos naturais Eu quero aproximar O meu cantar vagabundo Daqueles que velam Pela alegria do mundo... [...] Enquanto os homens exercem Seus podres poderes Motos e fuscas avançam Os sinais vermelhos E perdem os verdes Somos uns boçais.. (Podres Poderes, de Caetano Veloso)

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Fernando Seffner é professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS, na linha de pesquisa Educação, Sexualidade e Relações de Gênero. Sua ênfase é a pesquisa dos processos culturais e pedagógicos de produção, manutenção e modificação das masculinidades, com especial atenção para as relações entre masculinidade, corpo e sexualidade, políticas públicas de saúde e direitos sexuais. Currículo disponível em http://lattes.cnpq.br/2541553433398672

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1. O COMPLICADO PROBLEMA QUE QUEREMOS ABORDAR E DE QUAIS HOMENS QUEREMOS TRATAR Dito de modo muito resumido e numa visão bastante geral pode-se afirmar que os homens são campeões de mortes por motivos claramente evitáveis, sejam estes as doenças (muitas delas com modalidades de prevenção, tratamento e cura já conhecidas) ou por conta das chamadas causas externas (acidentes, agressões, imprudências, imperícias, bebedeiras, abusos, disputas pessoais, brigas, etc.) que quando não terminam em morte, podem resultar em agravos e sequelas permanentes19. No sistema público de saúde, reclamamos sempre da ausência masculina em ambulatórios e consultas regulares, mas se formos a uma unidade de pronto socorro, ali encontraremos os homens em grande quantidade. Estão lá por conta de excessos ou falta de cuidados preventivos, requerendo tratamentos mais onerosos aos cofres públicos, pois as emergências são sempre mais caras do que os cuidados preventivos, além de mais dolorosas para os pacientes20. Esta realidade é conhecida, no Brasil e em outros países, e é ela que queremos modificar, estimulando os homens à tomada de atitudes de cuidado corporal, cuidado de si e dos outros, atenção aos sinais de aparecimento e progressão de doenças, cuidados alimentares, evitação dos perigos e dos exageros, vida saudável, consultas periódicas ao sistema de saúde, correta adesão aos tratamentos, etc. Para atingir estes objetivos, um dos instrumentos são os materiais educativos, de vários tipos, que são destinados a leitura pelos próprios homens, na forma de folhetos, cartazes, pequenos livros, histórias em quadrinhos, adesivos, postais, cartas, guias, tabelas informativas, peças publicitárias para TV ou internet,

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Recomendo a leitura da Revista Ciência & Saúde Coletiva, da ABRASCO, que em seu volume 10, nº 1, de janeiro/março de 2005 publicou um dossiê sobre o tema da saúde do homem. Buscando pela expressão “saúde do homem” na web, será possível encontrar também muito material. 20 Neste momento, acompanho pesquisa de doutorado em que a aluna Alessandra Dartora investiga os significados simbólicos das internações em prontos socorros para os homens. É bastante freqüente que o fato de terem ingressado quase mortos, e terem sobrevivido, seja narrada aos demais homens como um sinal de bravura, escutando-se frases do tipo “já estive por três vezes quase morto no pronto socorro, e agora estou aqui comendo churrasco”. Desta forma, o atendimento de emergência, que deveria ser como o próprio nome diz um caso raro, transforma-se numa rotina que aumenta o capital simbólico destes homens. Não se cuidar da saúde traz vantagens, ajuda a produzir homens que se consideram fortes, e até mesmo acima do perigo dos acidentes, pois “sobreviveram”.


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde blogs, comunidades do Orkut, perfis do Facebook, sítios web, cartilhas, vídeos educativos, jogos educativos, softwares de perguntas e respostas, etc. Esse texto tem como objetivo levantar algumas reflexões sobre a produção destes materiais educativos para a população masculina. Estes materiais já são feitos largamente no Brasil (e também em outros países) e atendem a objetivos diversos: estimular a redução da infecção pelo HIV entre homens; sensibilizar os homens para o tema da violência contra a mulher; alertar os homens para o câncer de próstata; educar a população masculina para a prevenção a acidentes de trabalho; mostrar o perigo dos acidentes de trânsito; abordar o perfil da mortalidade masculina; estimular o exercício da paternidade e do registro civil dos filhos; combater o abuso de álcool e de outras drogas; etc. Não é meu propósito nesse texto fazer o julgamento dos materiais já produzidos no Brasil. Também não se apresenta aqui uma “fórmula” para fazer boas cartilhas, pois não me sinto capaz disso e nem acredito em fórmulas desse tipo. O que faço é colaborar com algumas reflexões sobre as masculinidades, no sentido de que isso ajude a produzir bons materiais. Há uma diversidade de instituições que produzem campanhas destinadas aos homens, com materiais de todo tipo21. Nosso objetivo aqui não é discutir essa produção, que consideramos válida e muito importante, inclusive pelo aspecto da experimentação. O objetivo é simplesmente o de levantar algumas reflexões que nos parecem importantes para quem vai produzir estes materiais, seja no âmbito de uma secretaria municipal de saúde, em uma escola, em uma empresa, em uma ONG, etc. Vale dizer que os demais artigos desta coletânea também trazem elementos muito importantes para pensar as masculinidades, e devem ser lidos por aqueles que pretendem produzir materiais didáticos dirigidos a este grupo. Seguramente temos no Brasil uma grande experiência na produção de materiais educativos para crianças, jovens, mulheres, idosos, homens homossexuais e até mesmo grupos minoritários, como travestis e transexuais. Isto ocorre, entre outros motivos, porque alguns desses grupos se mobilizaram para reivindicar a produção de materiais a eles dirigidos. Entre crianças e jovens, o sistema educacional tem larga experiência de produção de materiais didáticos, aplicados e avaliados de modo sistemático. Entretanto, temos pouca experiência na produção de 21

Veja-se, entre outros, em www.papai.org.br; www.promundo.org.br; www.noos.org.br.

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids recursos pedagógicos para homens heterossexuais jovens, adultos ou mesmo homens heterossexuais velhos. Por conta disso, toda a experimentação na área é bem vinda, temos que alargar a produção de materiais, bem como as estratégias de monitoramento e avaliação dos impactos, para melhorar o resultado de nossas ações. Esse texto está preocupado mais diretamente em tratar da produção de materiais educativos dirigidos a homens heterossexuais, casados ou solteiros. Ou seja, homens que orientam sua vida sexual no sentido quase exclusivo de práticas eróticas com mulheres, e para os quais o interesse erótico por outros homens é residual ou restrito a situações muito especiais. Observamos que a produção de materiais

educativos

para

homens

homossexuais

é

objeto

de

maior

reconhecimento e avaliação, pelo seu volume no Brasil, bem como a produção de materiais para a categoria intitulada “homens que fazem sexo com outros homens”. Sempre será útil aquele que desejar produzir materiais educativos para homens heterossexuais examinar estas produções. O enfoque do texto para pensar os homens heterossexuais nas políticas públicas de saúde nos leva ao conceito de masculinidade hegemônica, que será logo mais explicitado. Para abordar o tema apresentamos abaixo dois grandes tópicos. No primeiro deles, tecemos algumas considerações sobre a produção das masculinidades. No segundo, levantamos itens bons para pensar na hora de produção dos materiais educativos. Ao longo do texto, cito algumas fontes de internet, em especial vídeos e propagandas, para auxiliar na compreensão. Desta forma, uma boa maneira de ler este texto é ao lado de um computador conectado na web. 2. A PRODUÇÃO CULTURAL DAS MASCULINIDADES Os modos de ser homem em sociedade são cultural e historicamente construídos, embora para a maioria das pessoas pareça que “os homens sempre foram iguais”, ou “ser homem sempre foi à mesma coisa”. Começando por alguns exemplos extremos, parece que sempre as mulheres se arrumaram para mostrar-se aos homens, e que somente agora, nos últimos anos, por conta de certo avanço na “vaidade masculina”, os homens estão se preocupando mais com a aparência. Mas temos registros de sociedades em que os homens se enfeitam, e são examinados


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde pelas mulheres, que os escolhem ou não. Vale a pena ver algum dos vídeos sobre a tribo africana dos Wodaabe, na qual até hoje os homens cumprem delicados rituais de “maquiagem”, se exibem para as mulheres, e nem por isso deixam de ser masculinos22. Se a barriga é vista hoje como um feio atributo corporal de homens de meia idade, e todos preferem os “sarados”, vale dizer que durante os séculos XVIII e XIX, em muitas partes do mundo ocidental, uma barriga proeminente era sinal de prosperidade e riqueza masculina, sendo então um símbolo “sexy”de poder, e os muito magros eram tidos como miseráveis ou avarentos 23. E sem falar dos pelos masculinos. Por séculos o homem peludo foi considerado mais masculino e mais desejado, e os bigodes e barbas longas faziam sucesso, inclusive entre os jovens, que ansiavam por ver nascer os primeiros fios no rosto e no corpo, muitas vezes recorrendo a poções e fórmulas mágicas para apressar o processo. Quando os portugueses chegaram ao Brasil em 1500 se admiraram com os corpos quase imberbes dos homens indígenas, que ainda por cima se raspavam. Hoje em dia a vaidade masculina move uma guerra sem quartel contra os pelos masculinos, e é bastante comum que se escute dizer que “pelos são sujeira, é melhor tirar, aí fica mais limpo”, frase que não seria entendida por um homem europeu dos séculos passados. Os homens mais poderosos dos regimes monárquicos não cultivavam músculos, não tinham a pele bronzeada, não praticavam luta corporal, e dedicavam bastante tempo ao seu embelezamento, o que lhes garantia uma confortável posição nas conquistas amorosas das mulheres24. Mais importante do que os cuidados corporais, as representações culturais que apontam o que é considerado mais ou menos masculino variam em outras áreas. O homem rural foi por muito tempo considerado mais masculino do que o homem urbano, visto como um homem afeminado, o que valeu a certas cidades brasileiras a 22

Recomendo que se assista via web o vídeo produzido pelo National Geographic Channel, intitulado The Wodaabe, bem como o filme Dance with The Wodaabes, de Sandrine Loncke. Estes vídeos são facilmente localizados numa busca em www.youtube.com 23 Vale à pena ler alguns dos romances de Balzac ou de Dostoiévski, autores que são pródigos em descrever as características físicas de homens e mulheres, associando a estas traços de caráter e de moral dos sujeitos. De Balzac recomendaria, entre tantos contos e romances, Eugénia Grandet, com especial ênfase para o velho pai avarento. Em Crime e Castigo, obra prima de Dostoiévski, temos abundantes descrições de tipos masculinos. Ao ler estas descrições todas, seguramente se percebe como os atributos ditos masculinos variaram ao longo dos séculos, e ao longo das classes sociais. 24 Dentre os muitos filmes que se ambientam em períodos monárquicos, e que mostram os costumes do vestuário e cuidados do corpo das classes alta nestas épocas, sugiro que se assista a Ligações Perigosas (Dangerous Liaisons, 2003), dirigido por Stephen Frears. Repare no apuro da estética masculina. Um homem que saísse às ruas com punhos de renda hoje em dia seria sumariamente tachado de “gay”.

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids fama de serem locais de homossexuais. Nos últimos anos, os melhores modelos de masculinidades são de homens urbanos, ousados aplicadores das bolsas de valores, jovens executivos com alguns elementos da vida do campo: se “arriscam na selva urbana”, e dirigem camionetes do tipo “trail”, “cross country” ou “safári”, mas provavelmente nunca puseram os pés na vida rural ou na savana africana. Poderíamos seguir enumerando exemplos que apontam para uma variação histórica do que já foi considerado atributo de masculinidade, e também para uma variação nas nossas próprias sociedades, a depender de um complexo jogo de fatores como geração, cor da pele, nível de escolaridade, classe social, renda, região de moradia, estado civil, pertencimento religioso, beleza, integridade corporal ou deficiência, etc. Ou seja, no interior mesmo das nossas sociedades temos uma variação do que se considera como mais ou menos masculino, a depender deste leque de quesitos. Mas isso não impede que tenhamos, em cada ambiente social, em cada época histórica, modos de ser homem que desfrutam de mais capital simbólico e poder do que outros. Os trabalhos de Connell (em especial 2003) e Kimmel (1998) procuraram mostrar os modos pelos quais se constituem masculinidades hegemônicas e masculinidades subalternas, e quais as relações que estas guardam entre si. Por masculinidade hegemônica numa dada formação social podemos entender aquele conjunto de atributos dos homens que exercem muito poder sobre outros homens, e também sobre as mulheres, desfrutando de grande capital simbólico. Pensando a sociedade brasileira, modelos hegemônicos de masculinidade, de maneira geral, são aqueles de homens brancos, adultos jovens, de boa altura, urbanos, da região sudeste sul do país, trabalhadores do setor financeiro, casados com esposas jovens e bonitas, magros e esbeltos, com renda elevada e gosto por esportes radicais. Não por acaso, são estes os tipos que mais servem de modelo em propagandas. Em oposição, homens pobres, negros, velhos, gordos, de pouca escolaridade,feios, baixinhos, configuram modos subalternos de ser homem. Mas uma classificação geral como esta nos diz pouca coisa. O mais importante é examinar contextos específicos, e ver como atuam ali os regimes políticos que fazem com que determinados modos de ser homem sejam mais valorizados do que outros, produzindo diferentes vulnerabilidades aos agravos de saúde. Numa pesquisa acerca dos caminhoneiros no sul do Brasil, tivemos a oportunidade de verificar os muitos critérios que entram em


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde cena para posicionar os homens uns frente aos outros, por exemplo: motoristas de caminhão que transportam cargas perigosas versus motoristas de caminhão que transportam cargas “normais”; motoristas de longo curso versus motoristas que fazem viagens muito curtas; caminhoneiros que mantém relações com prostitutas nas estradas versus caminhoneiros que transportam por certo trecho uma prostituta com eles (sua “namorada”); fortes disputas entre homens casados que viajam junto com a esposa e caminhoneiros casados que viajam sozinho; caminhoneiros jovens versus caminhoneiros velhos (tanto idade cronológica quanto anos de profissão); caminhoneiros do sul do Brasil versus caminhoneiros de outras regiões do país; caminhoneiros brasileiros versus caminhoneiros argentinos, uruguaios, chilenos e paraguaios; caminhoneiros fortemente religiosos (frases do tipo “Eu dirijo mas é Jesus que me guia” no pára-choque) versus caminhoneiros com moralidade bem diversa (frases do tipo “Mulher bonita viaja de graça na cabine do motorista”). Todos estes atributos, e muitos outros, entravam em disputa, utilizados pelos homens para se posicionar frente aos outros com um forte capital simbólico de masculinidade (ser um pai de família; ser forte e viajado; ser um garanhão; ser um sujeito sério e religioso; etc.) Temos enormes desníveis no conhecimento dos processos de como se produzem e se mantém as masculinidades heterossexuais em contextos específicos, tais como: modos de ser homem entre militares; entre jovens que são pais; entre homens que trabalham em profissões de risco; entre estudantes do ensino superior de determinadas regiões e realidades; entre trabalhadores bancários; entre populações confinadas (como os presidiários); etc. Sob este aspecto, as pesquisas envolvendo homens homossexuais já proporcionaram maior retorno. Vale dizer que o homem heterossexual é considerado “a regra”, “o paradigma” de humanidade25, então ele é pouco pesquisado. Já os supostos “desvios” como a homossexualidade masculina, o travestismo, etc. são mais pesquisados, e isso também por evidentes intenções de controle, pois o conhecimento acerca de determinados grupos pode ajudar nas formas de vigilância e censura a estes grupos.

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Homem é na língua portuguesa um sinônimo para humanidade, e normalmente designa a todos, como em expressões do tipo “a evolução do homem”. Esta marca lingüística traz muitas conseqüências quando se pensa na produção de materiais educativos.

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids Para concluir este primeiro item, vale enfatizar que nossa posição é de que as masculinidades são metáforas de poder (ALMEIDA, 1995, 1996), produzidas por movimentos culturais e políticos, e estas representações podem ser modificadas pela pressão social. Devemos entender então que ninguém é homem por conta de um essencialismo biológico ou cultural, ou simplesmente porque tem um pênis no meio das pernas. Para aproveitar a famosa frase de Simone de Beauvoir, ninguém nasce homem, torna-se homem. Em nossa sociedade este tornar-se homem segue diversos caminhos, e temos que reconhecer que atributos como a violência, a força, a competição desleal, o machismo e o sexismo estão muito presentes na produção de homens. É esta realidade que nossos materiais devem confrontar, a partir de nosso interesse específico, que pode ser a prevenção da AIDS, mas que não pode deixar de fazer alguma referência a este pano de fundo. Fruto destas concepções, vamos então examinar algumas questões envolvidas na produção dos ditos materiais pedagógicos para homens.

3. PENSANDO A PRODUÇÃO DE MATERIAIS EDUCATIVOS ENVOLVENDO AS MASCULINIDADES Na hora de produzir materiais educativos em campanhas dirigidas a homens heterossexuais, podemos nos inspirar na grande quantidade de materiais já produzidos para outros grupos sociais, certo? Podemos, mas tomando alguns cuidados importantes. Há uma diferença enorme entre os materiais educativos já produzidos para jovens e mulheres, em especial, e aqueles que pensamos produzir para grupos de homens heterossexuais. No caso dos jovens e das mulheres, em geral o conhecimento que queremos lhes passar através dos materiais educativos vai trazer como implicação situá-los em patamares superiores de reconhecimento social, de capital simbólico e até mesmo de renda. Basta ver o setor onde mais temos experiência: a produção de materiais didáticos para o ensino regular. Há uma associação positiva muito forte entre progredir nos estudos e ter melhores chances de vencer na vida, atingindo patamares superiores. Desta forma, quando se pede a um jovem que estude, que “leia a cartilha”, que “faça o exercício”, “que se oriente


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde pelos conhecimentos dos livros, guias ou roteiros”, por mais que ele demonstre resistência, há uma certeza social, da qual ele em geral compartilha, de que aquilo vai lhe garantir um reconhecimento e maiores oportunidades na vida 26. Do mesmo modo, materiais educativos destinados às mulheres, estimulando a um envolvimento com temas de cidadania e direitos humanos (por exemplo, a luta contra a violência doméstica, a luta pelas oportunidades e salários iguais no ambiente de trabalho), são vivenciados cada vez mais pelas mulheres como processos educativos que lhes asseguram melhores condições de vida e alargamento do seu campo de autonomia e bem estar (inclusive segurança pessoal). Isso acontece porque mulheres e jovens são claramente indivíduos “desempoderados” na vida social, então os materiais educativos em geral se associam com oportunidades de crescimento pessoal e conquista de poder. Desta forma, a estrutura e as estratégias pedagógicas que estes materiais apresentam estão marcadas por essa certeza social. No caso da grande maioria dos materiais destinados ao público masculino, estamos pedindo aos homens que tenham atitudes que, no limite, ou podem comprometer sua masculinidade ou podem implicar retirada de privilégios já garantidos a eles. Se fizermos um material incentivando os homens a terem mais cuidado com seu corpo, a não se arriscarem em situações limite, estamos claramente pedindo a eles que “sejam menos homens”, pois o conjunto de valores simbólicos associados às masculinidades reforça justamente atitudes pouco cuidadosas, bem como valoriza o correr riscos, conforme já discutimos no item anterior: os modos de produção de homens em nossas sociedades são em geral muito violentos, e isto é socialmente valorizado, mesmo quando aparentemente existem críticas a estas posturas27. Em pesquisa já comentada da qual participei com colegas28, investigando 26

Esta afirmação que faço está hoje em dia sujeita a grandes discussões, em especial por conta do desemprego na juventude, que traz como conseqüência uma descrença nos benefícios do ensino escolar. Por outro lado, as carreiras meteóricas de ascensão social, tanto de modo legal (como os jogadores de futebol, atletas em geral, modelos e manequins ou via Big Brother) como as ilegais (o traficante que saiu da escola e ficou rico e poderoso, o bicheiro, o líder das milícias armadas, etc.) trazem também um desprestígio do ensino escolar, e ajudam a explicar um dos fatores da crise e indisciplina nos sistemas escolares, em especial aqueles das redes públicas, que respondem por cerca de 90% do atendimento do alunado. 27 Lembro aqui uma cena interessante em pesquisa de campo sobre o tema da segurança no trabalho em determinada empresa de Porto Alegre. A empresa, que lida com processos que envolvem perigo e risco de vida (motivados por possíveis explosões de componentes inflamáveis), investe de modo pesado na segurança do trabalho, e valoriza, inclusive com bônus financeiros, os funcionários que demonstram comportamentos seguros e atendem as regras de emergência. Entretanto, em uma que outra situação em que ocorreram falhas e perigo

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids elementos da construção simbólica da masculinidade dos caminhoneiros no Rio Grande do Sul, bem como de seus cuidados de saúde, foi bastante freqüente encontrar como resposta frases do tipo “essa coisa de médico e hospital é com a mulher e as crianças”, ou então como disse um informante com muito orgulho: “eu só uma vez na vida entrei em hospital, porque me acidentei na estrada, foi grave, fiquei desacordado, e me levaram para o hospital. Mas quando eu acordei, a primeira coisa que eu disse a eles é que eu queria sair do hospital, que eu já podia ir para casa”. Desta forma, ao estimular os homens para o cuidado, para a divisão das tarefas domésticas, para que não corram riscos, claramente estamos indo na contramão do que o senso comum indica como sendo “atitudes de homem”, que são amplamente valorizadas. Muitas das atitudes que desejamos que os homens adotem, como a prudência, são associadas ao terreno do feminino, e vistas então como ameaça a manutenção da sua masculinidade. Se formos colocar nos pratos da balança as duas frases “isso é coisa de mulher” e “isso é coisa de homem”, certamente a frase que indica maior concentração de poder é aquela relativa às coisas do homem. Ao ler muitos dos materiais já produzidos para educação dos homens, fico por vezes com a impressão de que lhes propomos um roteiro de novas atitudes, que pode ser por eles experimentado como a retirada dos seus poderes, sem oferecer quase nada em troca. Essa é uma situação difícil de ser resolvida na construção dos materiais educativos, que muitas vezes são produzidos por mulheres e homens homossexuais, e refletem diretamente como estes grupos desejariam que os homens heterossexuais fossem, para não serem por eles agredidos ou discriminados. Na hora de construir materiais educativos, penso que devemos enfrentar diretamente essa questão, sem rodeios. Ou seja, não devemos fazer materiais

de explosão, algum dos operários, contrariando as regras de segurança, arriscou-se e desligou uma válvula, ou meteu-se no meio da área em perigo e conseguiu deter o processo. Estes operários eram chamados pelos colegas de “Rambo”, e recebiam toda a admiração possível pela sua valentia e bravura, e inclusive porque não obedeciam sempre as regras de segurança. Eram, enfim, mais homens do que os demais, muito por conta do não obedecimento das regras. 28 Pesquisa intitulada “Sexualidade e modos de ser homem na estrada: determinantes da saúde de motoristas de caminhão no sul do Brasil”, financiamento Edital CNPQ 26/2006, coordenada por Daniela Riva Knauth, equipe composta também por Fernando Seffner, Andréa Fachel Leal e Ana Maria Ferreira Borges Teixeira.


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde pedindo humildemente que os homens deixem de ser violentos, grosseiros, machistas, sexistas, discriminadores, etc. e tal, e virem bons pais de família, como se isso fosse para eles uma questão de benemerência. Os materiais devem mostrar claramente que há uma luta no terreno social pelo acesso as oportunidades, e que o melhor regime para todos é o da equidade (de gênero, de renda, de sexo, de raça, etc.), onde cada um vence pelos méritos que tem, e não por ser homem ou mulher, heterossexual ou homossexual, etc. Mas os homens precisam dar-se conta que há movimentos sociais importantes como o feminismo, que obteve vitórias de igualdade muito grandes nas últimas décadas, bem como o movimento LGBT29. Em outras palavras, nossos materiais têm que mostrar que não estamos pensando em homens individuais, mas em movimentos sociais, que atuam e influenciam na sociedade, compostos por indivíduos organizados. Assim como homens se organizam num sindicato e reivindicam aumento salarial, eles precisam perceber que outros grupos sociais também se organizam, e lutam por igualdade de oportunidades. E que essa disputa é sempre social, entre grupos, e que as pessoas podem estar hoje num grupo (trabalhadores da construção civil) e amanhã em outro (comício de certo partido político) e depois da manhã em outro (associação de homens contra a violência doméstica), e assim por diante. Todos temos muitos pertencimentos políticos, e defendemos muitas bandeiras, e algumas das quais certamente produzem contradição com outras, fazendo com que grupos que hoje são nossos opositores em uma disputa, amanhã possam ser parceiros em outra demanda. Vale lembrar que homens jovens heterossexuais negros sofrem de discriminação por conta do racismo, e quando pobres são objeto de verdadeiro extermínio, tanto pelas forças policiais quanto por brigas com outros jovens ou entre si. Esta situação de discriminação e exclusão tem semelhanças com aquela enfrentada por homens homossexuais jovens brancos, que também sofrem com a violência a eles dirigida, e quando pobres tornam-se socialmente mais vulneráveis ainda. Dito em outras palavras, meu argumento principal é que os materiais precisam mostrar que os atributos de poder que os homens desfrutam em nossa sociedade 29

A 1ª Conferência Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais, realizada em Brasília em 2008, decidiu padronizar a nomenclatura usada pelos movimentos sociais e pelo governo, junto com o padrão usado no resto do mundo. Assim estabeleceu-se a sigla LGBT: Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais.

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permitem que alguns poucos homens tratem a grande maioria dos outros com desigualdade. A masculinidade hegemônica significa que alguns homens desfrutam de grande poder sobre outros homens. E na maioria das vezes são homens que produzem violência contra outros homens. São homens que em geral matam outros homens, são homens que em geral provocam acidentes em que outros homens morrem, são homens que especulam na bolsa levando outros homens à miséria, são homens que lideram o tráfico de drogas e oprimem outros homens, são homens da vida política que roubam milhões em esquemas corruptos e com isso prejudicam outros homens, e por aí adiante. Ou seja, há que se mostrar que o atual regime de gênero, em que homens são mais poderosos e tem mais oportunidades que as mulheres, não é apenas opressivo para as mulheres, ou apenas para homens homossexuais. Em verdade, são pouquíssimos homens que na vida conseguem desfrutar dos

atributos

daquilo que

estamos

chamando de

masculinidade

hegemônica, e com isso ter acesso a boas oportunidades. Precisa ficar claro para os homens que a grande maioria nunca chegará a desfrutar dos atributos de poder, que estão reservados a poucos homens. A posição de masculinidade hegemônica é uma ficção, uma espécie de Olimpo reservado a poucos, e que ali só conseguem equilibrar-se por pouco tempo. Desta forma, há que se mostrar que a maioria dos homens em nossa sociedade, e me refiro em particular aos homens heterossexuais, nunca terão condições de desfrutar dos privilégios que as propagandas mostram para a masculinidade30, privilégios esses que são apenas uma ficção, uma cenoura colocada na frente do burro, de forma que este tenha a ilusão de que caminha em direção a satisfação de sua fome, tentando comer a cenoura, que não deixa de se afastar dele eternamente. Adotar regimes de equidade de renda, de gênero, de orientação sexual, de tolerância religiosa, enfim, construir uma sociedade em que todos possam ter acesso as mesmas oportunidades, interessa a grande maioria dos homens, que vivem desfrutando em geral de seus pequenos poderes (que poderíamos chamar de podres

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Por exemplo, os privilégios de conquista fácil de mulheres por conta de possuir um determinado carro, por conta de consumir certas bebidas e serviços.


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde poderes31). Na maior parte dos casos, temos homens explorando outros homens, homens oprimindo outros homens, mas isso se torna difícil de ser percebido, porque os homens heterossexuais se “contentam” em oprimir mulheres, crianças, velhos, homossexuais, travestis, transexuais, etc. E se forem homens brancos, se sentirão superiores aos homens negros. E se forem homens bonitos, se sentirão superiores aos homens feios, que por sua vez se sentirão superiores aos homens portadores de deficiências. E assim seguimos nesta ciranda, que mantém os privilégios da masculinidade hegemônica. Quero deixar claro que não se trata de incentivar a guerra de homens contra homens, aliás todas as guerras que assistimos na história em geral foram assim, homens matando homens, e isso segue até hoje. Trata-se de reforçar, junto com nossas mensagens específicas (sobre a infecção pelo HIV, por exemplo), que a grande maioria dos homens tem a ganhar com um regime de maior justiça e equidade, que lhes assegure condições de serem homens sem os exageros que em geral conduzem a agravos de saúde e até mesmo a morte. Desta forma, cumprimos com outra característica que me parece deve estar presente nos materiais educativos: ir do caso particular, do contexto específico, para o geral. Nunca estamos falando apenas dos esforços de prevenção da AIDS, apenas isso seria pouco, os materiais tem que apontar para questões maiores, ligadas a esta péssima distribuição de oportunidades entre os homens, particularmente num país como o Brasil, campeão de desigualdades. Outra questão a ser levada em conta na hora de produzir materiais é que os homens são diversos, como também são as mulheres. Ou seja, não devemos investir em materiais simplesmente “para homens”, pois esse universo comporta um enorme conjunto de diferenças. Em outras palavras, temos homens brancos, pretos, morenos, pardos, indígenas, velhos, jovens, ricos, pobres, casados, solteiros, católicos, evangélicos, pertencentes às religiões afro-brasileiras, ateus, com filhos ou não, torcedores de um time de futebol ou outro, empregados ou desempregados, que vivem no ambiente rural ou urbano, que tem nível de escolaridade fundamental, 31

Cantar e refletir acerca da letra e música de Podres Poderes, de Caetano Veloso, será sempre um bom exercício antes de produzir materiais pedagógicos para impactar as masculinidades. Mas vale dizer que a música brasileira tem numerosos outros compositores e composições que denunciam, de forma espetacular, as misérias da condição opressora masculina. Fica a tarefa de cada um descobrir as “músicas que lhe fazem a cabeça” neste tema.

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids médio ou superior, gordos ou magros, numa diversidade sem fim. No trabalho com doenças sexualmente transmissíveis, um corte importante é saber se estamos falando para homens heterossexuais, bissexuais, homossexuais. No que se refere às profissões, há uma larga diversidade, e o ingresso das mulheres no mercado de trabalho já não permite caracterizar com facilidade profissões exclusivamente masculinas, embora tenhamos redutos profissionais masculinos, como bombeiros, caminhoneiros, policiais, jogadores de futebol, mineiros, etc. Lendo isso alguém pode pensar: mas então temos que produzir materiais diferentes para cada tipo de homem? Serão centenas de tipos de materiais, e nunca acabaremos de cobrir este universo de diversidade! Para enfrentar essa questão, duas estratégias me parecem adequadas. A primeira delas é colocar nos materiais fotos de homens diversos, evitando o que muitas vezes acontece que é representar apenas homens brancos e magros e adultos jovens, os preferidos. Nos textos que escrevemos, temos que ver se aquilo que estamos dizendo vale igualmente para homens jovens ou velhos, brancos ou negros, e temos que assinalar então as diferenças, com frases curtas, de modo que o leitor reconheça que ele está incluído em nossas preocupações. Mas a estratégia que me parece mais promissora é produzir materiais para serem usados em contextos específicos, utilizando a linguagem própria destes locais. Dessa forma, se nosso alvo são os trabalhadores da construção civil de uma dada cidade ou região, vamos buscar neste ambiente específico o linguajar por eles usado, as situações que caracterizam a vivência nas obras, os tipos de homens que por ali transitam, vamos explorar imagens e histórias que sejam próprias desse contexto. O pior que pode acontecer a um material educativo é que o leitor perceba que aquilo não é para ele, que não fala sua linguagem, que não tem a ver com seu dia a dia, e, pior ainda, demonstra falta de conhecimento de seus problemas específicos. Por conta disso, a elaboração de um material para homens em contextos específicos exige pesquisa junto aos grupos sociais, estabelecendo as histórias ali recorrentes, a linguagem utilizada, e investigando as situações de vulnerabilidade a agravos de saúde que são mais freqüentes nesses contextos. Com isso teremos mais chances de obter o impacto desejado. Nosso cuidado envolve até mesmo saber quais parcerias vamos fazer (por exemplo, nem sempre os sindicatos são bem vistos em certas


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde categorias), quem vai distribuir (por vezes é melhor investir na parceria com a carrocinha de cachorro quente na frente da obra, cujo dono tem grande amizade com os trabalhadores e é por eles respeitado), e até mesmo o uso de cores e o formato do material tem que ser pensado. Homens não carregam bolsa, como mulheres, e vão querer guardar as coisas no bolso, portanto isso influencia no tamanho do material a ser produzido. Do ponto de vista de uma situação ideal de educação em saúde e cidadania, o que melhor pode acontecer é que um homem que trabalha na construção civil receba um dia um folheto acerca da prevenção à AIDS, com redação e fotos atraentes, que dialoga com as situações de seu ambiente de trabalho, e que a partir do material ele converse com os colegas, e que ele sinta vontade de guardar o material no bolso. Dois meses depois, ao comparecer no culto evangélico, ele recebe outro material, também falando em prevenção à AIDS, mas redigido com texto de acordo com o linguajar próprio da religião, e entregue pelo próprio pastor durante o encontro. Duas semanas depois, seu filho lhe entrega um material que ganhou na escola, dirigido a jovens rapazes, falando da prevenção da AIDS. Tudo isso “cerca” o sujeito, e lhe faz refletir, pois os materiais lhe são entregues em contextos próximos (trabalho, vida religiosa, família). É muito diferente de ver um outdoor na rua falando em AIDS, mas não estou com isso tirando o valor das campanhas de rua, apenas indico que o sucesso das nossas intervenções é “cercar” o indivíduo com materiais que se integrem em sua vida cotidiana, e tragam interrogações sobre seus conhecimentos da doença e seus modos de agir. Ir aos lugares onde os homens já se reúnem pode fazer parte da intervenção que desejamos fazer, ao mesmo tempo em que conversamos, recolhemos informações para a produção do material. Mais ainda, temos que saber do que eles falam nestes lugares, para ver como podemos relacionar nosso trabalho educativo naquilo que eles já discutem. Precisamos conhecer o linguajar dos homens. Vale lembrar que homens podem ter um linguajar pesado, pornográfico mesmo, para tratar de temas da sexualidade e do gênero, carregado de referências machistas, homofóbicas, misóginas, sexistas e grosseiras. Devemos usar este palavreado em nossos materiais educativos? É uma decisão difícil, se por um lado aproxima o

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material do público masculino que nos interessa impactar, isso em geral causa escândalos na mídia. O tema é inesgotável, mas vou agregar apenas mais uma reflexão antes de finalizar. Como qualquer outra pessoa ou grupo social, os homens heterossexuais estão sujeitos a mecanismos de produção social que atuam o tempo todo, diariamente. Um bom exemplo disso são as propagandas, as novelas, as campanhas de todo tipo, os ditos do senso comum, os filmes, até mesmo a palavra de cientistas, que constantemente atuam no sentido de mostrar as possibilidades de construção das masculinidades, elogiando alguns caminhos, e condenando outros. Na área de educação, chamamos a este conjunto de estratégias de pedagogias do gênero e da sexualidade, indicando que todos os objetos culturais (uma propaganda de cigarros, por exemplo) são portadores de determinadas pedagogias, ou seja, de propósitos educativos. Penso que em nossas oficinas e trabalhos com homens temos que utilizar estes produtos culturais para debate. Especialmente, penso nas propagandas de cervejas, e em algumas propagandas de produtos masculinos, notadamente desodorantes e acessórios para barba. Nelas, de modo deliberado, se exacerbam as características de uma masculinidade que traz evidentes implicações com a violência contra mulheres e com os agravos de saúde, apresentando de modo sedutor modelos de homens sexistas, machistas e que devem estar sempre prontos para o sexo, em outras palavras, para “abater” as mulheres, vistas como eternamente disponíveis32. Estes materiais têm que ser discutidos em nossas oficinas com os homens, mostrando a extensão do dano que podem causar, e não seria uma má ideia lutarmos por uma regulação da imprensa e da propaganda que penalize as empresas, do mesmo modo como já se conseguiu em larga medida para as propagandas de cigarro. Finalizo com algumas palavras de otimismo misturado com pragmatismo. Efetivamente, penso que produzir materiais pedagógicos para o trabalho de educação em saúde com homens heterossexuais é tarefa muito difícil. Mas isso não 32

Recomendo que se busque, no www.youtube.com, as propagandas do Desodorante Axe, às vezes grafado como Desodorante Axé. Seria também interessante fazer a busca por propagandas do mesmo desodorante em inglês e em espanhol (coloque no buscador expressões como Axe TV Commercial, ou Efeito Axe, ou simplesmente Axe). Nada pode ser mais profundamente machista e sexista do que as propagandas, em nível mundial, deste desodorante. Sobre as propagandas de cerveja brasileiras nem vou comentar, mas elas merecem reflexão, pois buscam constituir um conjunto de valores masculinos totalmente contrário a visão de equidade de gênero e cuidados em saúde.


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde deve desanimar ninguém, temos que ampliar as experimentações na área, produzindo todo tipo de material, e avaliando seus impactos. Muita coisa boa ou pelo menos interessante já foi produzida33. Por fim, a diversidade de produção de materiais educativos dirigidos aos homens hoje em dia no Brasil deve ser vista como positiva, são experimentações que necessitam ser feitas, mas que devem ser avaliadas. Desta forma, antes de produzir seu material busque coletar o máximo possível de materiais já feitos, e busque discutir com quem produziu estes materiais, para avaliar seus impactos. E depois de produzir o seu material, divulgue para outras secretarias, serviços, ONGs, e busque avaliar o impacto que ele pode ter causado. Não temos como melhorar a produção de materiais educativos se seu uso não for acompanhado de programas de monitoramento e avaliação dos impactos. Temos que saber melhor o que funciona, e o que não funciona, e como funciona, reconhecendo que isso é bastante difícil também. Vale a pena arriscar-se a produzir materiais para a educação em saúde dos homens, buscando preencher este vazio que temos, e enfrentar este grande problema social e epidemiológico. Na maior parte dos países do mundo, os programas de saúde do homem são recentes, e tudo ainda está por inventar, deixe sua contribuição neste grande esforço.

33

Lembro aqui, no meio de tantas boas experiências no Brasil e no exterior, de uma propaganda australiana que faz clara associação entre jovens que querem se exibir com os carros e aqueles que têm um “pau pequeno”, como se diria em bom português. Busque em www.youtube.com por RTA advertisement (NSW, Australia). É um bom exemplo de tentativa de abordar o problema do excesso de velocidade e imprudências masculinas ao volante.

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, M. V. Senhores de Si – uma masculinidade. Lisboa, Fim de Século, 1995.

interpretação

antropológica

da

________________. Gênero, masculinidade e poder: revendo um caso no sul de Portugal. Anuário Antropológico/95, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1996. CONNELL, Robert William. Masculinidades. UNAM/PUEG, México, 2003. ________, Robert William. Políticas da Masculinidade. Revista Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, 185-206, jul/dez. 1995. ________, Robert William. La organización social de la masculinidad. In.: VALDÉS, T.; OLAVARRÍA, J. Masculinidad/es, poder y crisis. Chile, Flacso, 1997, p. 31-48. KIMMEL, Michael S. A produção simultânea de masculinidades hegemónicas e subalternas. In.: Horizontes Antropológicos, UFRGS/IFCH, PPGAS, Porto Alegre, outubro de 1998, Ano 4, n. 9, p. 103-117.


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde VIVENDO E CONVIVENDO COM HIV/AIDS NO MERCADO DE TRABALHO: LIMITES E POSSIBILIDADES

Ana Rosa Platzer34 Joseli Aparecida E. Cardoso² 1. INTRODUÇÃO A AIDS é responsável por mudanças significativas em vários campos, não somente a saúde, principalmente por combinar comportamento sexual e doença. Trouxe grandes desafios para os serviços de saúde, para os profissionais, e apontou para a necessidade de rever e respeitar conceitos ligados a sexualidade, família, estilos de vida, aspectos éticos, entre outros. Acarretou desafios para a área científica, trouxe novos atores para os movimentos sociais e atinge as pessoas em proporções geométricas, sem distinção social, econômica, racial, cultural ou política. Por seu caráter pandêmico e sua gravidade, a AIDS representa um dos maiores problemas de saúde pública da atualidade. Segundo dados do Programa Nacional de DST/AIDS (2009), desde a identificação do primeiro caso em 1980 até Junho de 2008 já foram notificados no Brasil, aproximadamente, 506 mil casos da doença. Considerado um tratamento complexo, além das implicações clínicas, o diagnóstico de HIV/AIDS apresenta implicações psicológicas e sociais significativas impondo esforços adaptativos e provocando grandes transformações na vida daqueles que vivem e convivem com o HIV/AIDS, interferindo nas relações sociais, familiares, na vida afetiva, profissional e na sexualidade (SOUZA, 2008). No campo social, um dos eventos mais estressantes vivenciados no processo da doença são as perdas profissionais. No campo das relações de trabalho as implicações da AIDS atingem aspectos éticos, legais, sociais, culturais e políticos. A 34

*Ana Rosa Platzer- Assistente Social do Centro de Referência e Treinamento em DST/AIDS/Hepatites do município de Santos; Graduada em Serviço Social pela Universidade Católica de Santos (UNISANTOS).Especialista em Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes pela Universidade São Paulo (USP). Pós-Graduada em Atendimento Familiar pela Universidade Católica de Santos (UNISANTOS). 2** Joseli Aparecida E. Cardoso- Assistente Social do Centro de Referência e Treinamento em DST/AIDS/Hepatites do município de Santos; Graduada em Serviço Social pela Faculdade Metropolitanas Unidas (FMU). Especialista em Terapia Comunitária pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Pós Graduada em Atendimento Familiar pela Universidade Católica de Santos (UNISANTOS).

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids epidemia afeta a estrutura social, econômica e o setor mais produtivo da força de trabalho, reduzindo salários e acarretando altos custos as empresas, pois diminui a produtividade e aumenta os custos trabalhistas. Estimativas da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2009) indicam que 95% dos portadores de HIV estão em idade produtiva e trabalham. Entre 1980 e 1990 as empresas se recusavam a abordar a existência da AIDS e, se o problema era reconhecido, isso acontecia sempre no plano individual por empregados que se infectavam e por alguns profissionais que, pontualmente, se envolviam com a situação, mas nunca no plano institucional. (SOLANO,

1998),

as

empresas

começaram

a

se

A partir de 1990

conscientizar

de

suas

responsabilidades sociais no enfrentamento da epidemia e, atualmente, existem muitas iniciativas de prevenção e assistência aos trabalhadores com HIV/AIDS e importantes avanços na legislação brasileira e no seu cumprimento por parte das grandes empresas. No entanto, ainda existe uma lacuna nas empresas de pequeno e médio porte onde ainda ocorrem conflitos decorrentes de dispensas arbitrárias afetando os direitos fundamentais no trabalho, sobretudo no que diz respeito à discriminação e a estigmatização dos empregados. (PIMENTA et al. 2002). A AIDS não é entendida ainda como uma doença como as outras sobre as quais as empresas têm responsabilidades enquanto segmentos da sociedade civil gerando problemas no ambiente de trabalho, uma vez que as empresas não sabem como administrar as questões que envolvem a doença. Considera-se que temas polêmicos

relacionados

à

AIDS

como

sexualidade,

questões

de

gênero,

comportamento, drogas, além dos sentimentos e das emoções que permeiam a doença são assuntos delicados e polêmicos para serem abordados, dificultando atitudes de prevenção e de apoio aos indivíduos que vivem e convivem com o HIV/AIDS no contexto profissional. Além do impacto emocional, uma das principais conseqüências da exclusão do mercado de trabalho é a perda da independência econômica, causando redução dos gastos com alimentação, saúde, educação, lazer, entre outros, determinando queda na qualidade de vida do indivíduo e de sua família (SOUZA, 2008). A interrupção da carreira profissional reduz a oportunidade dos contatos sociais e vai, pouco a pouco, conduzindo o indivíduo ao isolamento e a exclusão social. A vivência de perdas


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde familiares, afetivas, sexuais e sociais pelas quais passam os soropositivos, somados ao preconceito, resulta na morte social do indivíduo e “representa a morte simbólica perante os grupos dos quais participa. Socialmente, o mundo do doente começa a reduzir-se.” FONSECA (2004, apud SOUZA, 2008, p.50). A escolha do tema que aborda o contexto profissional de pessoas que vivem e convivem com o HIV/AIDS tornou-se objeto de nosso estudo a partir da experiência como Assistentes Sociais no Centro de Referência e Tratamento do município de Santos (CRT), onde freqüentemente são relatados episódios de discriminação no ambiente de trabalho e das dificuldades encontradas no exercício profissional decorrentes de adoecimento. Esses fatores provocam a busca por benefícios/serviços da previdência e assistência social como alternativa de renda, principalmente pela população de baixa renda atingida atualmente pela epidemia em que parte relevante dos trabalhadores exerce atividades informais, muitas vezes sem nenhuma proteção social. O presente estudo tem como objetivo aprofundar essa problemática visando identificar quais são as maiores dificuldades enfrentadas no exercício da atividade profissional e na inclusão/reinserção no mercado de trabalho na percepção do

portador de HIV/AIDS, e quais as possibilidades de enfrentamento para essa questão. 2. METODOLOGIA Para o presente estudo optamos pela abordagem qualitativa (MINAYO, 2000) por ser considerada um método que se aplica ao estudo das relações, das representações, das crenças e percepções que os indivíduos têm acerca de determinados aspectos de suas vidas, e para a compreensão de fenômenos caracterizados pela sua complexidade. Como estratégia para coleta de dados utilizamos a história oral, considerada por Minayo (2000), como instrumento privilegiado para análise e interpretação da realidade, na medida em que incorpora experiências subjetivas mescladas a contextos sociais, possibilita apreender o cotidiano das pessoas, e retratar a

perspectiva dos sujeitos envolvidos no estudo Foram entrevistadas sete pessoas que vivem com HIV/AIDS inseridas no

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids mercado de trabalho formal e informal em acompanhamento clínico no Ambulatório do CRT de Santos. A participação foi voluntária e de acordo com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em documento firmado por pesquisadores e participantes. Os depoimentos foram gravados e transcritos na íntegra visando garantir a fidedignidade do que foi dito durante as entrevistas. Assegurou-se o anonimato dos sujeitos da pesquisa utilizando-se nomes fictícios. Quanto às questões éticas, o estudo foi autorizado pelo Comitê de Ética da Secretaria Municipal de Santos e pela Coordenadoria do Programa Municipal de DST/AIDS/Hepatites de Santos. Para análise dos resultados nos orientamos sob a luz do Pensamento Sistêmico, o qual considera o indivíduo nas suas relações, através de múltiplos focos e padrões de interação com os sistemas sociais e seus contextos (VASCONCELLOS, 2002). 3. ANÁLISE DOS RESULTADOS A tabela abaixo mostra a caracterização e situação de trabalho dos participantes da pesquisa. Tabela 1 - População entrevistada NOME Fernando Alexandre Paulo Gustavo Pedro Tim José

IDADE 49 36 51 48 28 27 55

ATIVIDADE PROFISSIONAL Gerente Marceneiro Estivador Supervisor de Vendas Garçom Serviços Gerais Reciclador

ESCOLARIDADE Superior Fundamental Médio (inc.) Superior Médio (inc.) Fundamental Fundamental

Ao investigar o tema “vivendo e convivendo com o HIV/AIDS no mercado de

trabalho” identificamos que o ‘ambiente de trabalho’ está entre um dos sistemas sociais onde as pessoas soropositivas enfrentam muitas dificuldades para viver com seu status sorológico. Além dos aspectos clínicos, os aspectos psicossociais associados à doença são bastante significativos pois a pessoa vivencia várias fases ao longo do tratamento como negação, raiva, culpa, vergonha, e reações


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde psicológicas como isolamento, apatia, pânico, fobia, instabilidade de humor, entre outros. Nesse sentido, o apoio familiar, dos amigos e a manutenção dos projetos de vida, sobretudo o trabalho, é fundamental para a adesão ao tratamento e enfrentamento das dificuldades. A pesquisa indicou que a dificuldade em contar sobre a soropositividade aparece associada ao ambiente de trabalho, uma vez que as pessoas que vivem com o HIV/AIDS têm enorme receio em passar por atitudes discriminatórias por parte das chefias e dos colegas de trabalho, assim como perder o emprego. A AIDS é uma doença permeada de preconceito e estigma que produz forte impacto nas interações entre o indivíduo e sua rede social. Parker& Aggleton (2001) consideram que a experiência dos indivíduos com a discriminação e a estigmatização relacionadas ao HIV/AIDS é influenciada por crenças culturais enraizadas, pelas formas de estigmatização existentes na sociedade e por fatores tais como o tipo de acesso que as pessoas têm as redes sociais e de apoio nas suas comunidades, entre seus pares ou nas suas famílias. Consideram que o estigma não é uma atitude estática, mas um processo social em constante mutação, que desempenha papel central na produção e reprodução das relações de poder, no controle dos sistemas sociais e na reprodução das desigualdades sociais. Ainda, somam-se questões como as crenças e representações sociais que as pessoas têm acerca da doença, valores culturais, questões de gênero, de raça, de classe social e de sexualidade. Autores que fazem uma análise sobre os contextos chaves em que operam o estigma e a discriminação ao HIV/AIDS destacam como importante local para ações de intervenção o local de trabalho, pois existem evidências significativas de que quando pessoas soropositivas divulgam o status sorológico no ambiente de trabalho são discriminadas e estigmatizadas com freqüência. (PARKER& AGGLETON, 2001). Considerando-se o contexto que envolve a doença, a opção em ocultá-la no ambiente de trabalho tornou-se uma alternativa pela maioria dos entrevistados para manter as relações interpessoais e o emprego. Ao longo dos depoimentos alguns portadores do vírus HIV/AIDS descrevem o cotidiano profissional: Gustavo exerce um cargo de chefia na empresa em que trabalha e uma posição de destaque na área de vendas. Tem receio da reação de sua equipe caso

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids saibam sobre sua condição de saúde optando por não contar que é portador do vírus HIV/AIDS. É soropositivo há 20 anos e nunca desenvolveu infecções associadas à doença mantendo a saúde e a aparência física preservadas e esta condição favorece a manutenção do segredo. Ao longo do depoimento referiu que o tema ‘AIDS’ é considerado ‘tabu’ em seu ambiente de trabalho, justificando a decisão de ocultar o status sorológico:

“Lá onde eu trabalho ninguém sabe que eu sou portador de HIV, então pra mim é ‘normal’, eu nunca desenvolvi a doença (...)”. Eu não sei qual seria a ‘reação’ da minha equipe se eu falasse que sou soropositivo, mas é um risco que eu não quero correr, entendeu (...). Sou um destaque para minha companhia, sou campeão de vendas (...). Lá onde eu trabalho ainda tem um ‘tabu’ muito forte pra esse tipo de coisa. Eu não sei como eles iriam encarar isso, poderia ser discriminado de algum jeito, então é mais cômodo não falar, não quero correr esse risco, já ouvi comentários. ”(Gustavo)

Fernando relata situação semelhante à de Gustavo, uma vez que também não tem a aparência física como ‘reveladora’ da doença. “Ninguém nunca imaginou que isso acontece comigo, mesmo porque eu tive um cuidado na aparência, e graças a Deus, por esse lado tem me ajudado muito de eu sempre ter mantido uma aparência física bem saudável.” (Fernando) Podemos afirmar que um dos maiores receios da pessoa soropositiva diz respeito às conseqüências da doença na aparência física. Para Fonsi (2008), as alterações físicas afetam sobremaneira a auto-estima e a auto-imagem podendo, em alguns casos, ‘denunciar publicamente’ a condição sorológica da pessoa. Verificamos que a questão do preconceito e do estigma esteve presentes em todos os depoimentos.Erving Goffman (1988) definiu o estigma como um ‘atributo’ profundamente depreciativo, que aos olhos da sociedade, serve para desacreditar a pessoa que o possui. Segundo o autor, os portadores desses traços podem ser ‘desacreditados’ assim que eles forem desvelados. Da mesma forma, o individuo estigmatizado é visto como uma pessoa que possui uma 'diferença indesejável'. Para Parker & Aggleton (2001), as representações negativas associadas à doença, reforçada pelas metáforas que são usadas para falar e pensar sobre HIV/AIDS, como a doença de comportamentos imorais, da morte, da punição e da


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde vergonha, servem para reforçar e legitimar a estigmatização. Na análise dos depoimentos observa-se que essas metáforas reforçam o medo da discriminação levando ao silêncio sobre o status sorológico como sugerem as falas dos entrevistados:

“O dia a dia é normal porque eu não relato pra ninguém do trabalho, porque há conceitos e preconceitos, se vê ‘deboches’. As pessoas lá no trabalho debocham, falam assim: já pensou? Eu saio com aquela menina e ela está com HIV, com AIDS, vai ficar aidético... Ah, se eu tiver com AIDS me mato! Essas pessoas trabalham comigo, então imagina se eu falar pra alguém, no mínimo vou ser taxado de aidético, onde eu pegar ninguém vai querer pegar. E eu cuido de móveis de crianças, armários, já pensou? (...). Fica difícil chegar pra pessoa e dizer que eu tenho esse problema, se ela não me vê dessa maneira.” (Alexandre)

Alexandre também expressou como se sentiu humilhado compartilhando uma situação que passou em um ônibus da cidade verificando-se como o imaginário social acerca das circunstâncias que cercam a infecção reafirmam o sentimento de culpa e de vergonha com os quais convivem alguns soropositivos. De Bruyn (1999, apud Parker & Aggleton, 2001) indica que um dos fatores que colabora para o estigma da AIDS são as ‘crenças morais e/ou religiosas’ levando algumas pessoas a concluir que ter HIV/AIDS seja o resultado de uma ‘falta moral’ como promiscuidade ou desvio sexual que merece punição.

“Eu vinha no ônibus, era 22h00hs e umas meninas, não sei que tipo de faculdade, mas elas estavam de roupa branca, o que elas vinham debochando de uma amiga que morreu, não foi fácil. Eu levantei do ônibus e desci. Elas falavam: tá vendo, saía com todo mundo, transava com todo mundo, pego AIDS e morreu, se ferrou! É isso que dá, não se preveniu... e todas elas ali rumo à faculdade, com seus livrinhos, rumo a pós graduação, rumo a se formar. Você vê que coisa, com grau superior e com tamanha ignorância, não estão tão longe de saber como funciona essa história.” (Alexandre) Fernando trabalha a mais de 20 anos em uma empresa. Teme que reações de menos valia relacionados ao HIV/AIDS acarrete prejuízos pessoais e profissionais,

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids principalmente após uma experiência negativa que tem como referência:

“Ninguém no trabalho conhece essa situação... por causa da questão do preconceito, ele atrapalharia as ‘relações pessoais, principalmente porque eu exerço um cargo de confiança. Tenho muitos méritos dentro da empresa e reconhecimento. Então atrapalharia tudo. Somente a médica do trabalho sabe e ela cuida bem desse sigilo... Existe uma pessoa no trabalho que abriu o jogo e ela mesmo acabou se isolando, fica na salinha dele, isolado...As pessoas comentam: olha! aquele ali é HIV...isso me dá uma sensação, assim de ‘perda’ sabe, ao invés de você ser uma referência como ser humano, que tem um problema”(...)“Eu também faço parte de um convívio social dentro da igreja e também ninguém sabe dessa questão e eu tenho certeza que também mudaria toda a história porque eu não conheço nenhuma doença que traga mais preconceito de que ela. Na empresa existem palestras, campanhas, só que o preconceito não vem de fora pra dentro, vem de dentro pra fora”. Sluski (1997) pontua que a presença de uma doença, especialmente quando se trata de uma doença crônica, produz um impacto nas relações e nas interações entre o indivíduo e sua rede social, assim como produz um efeito interpessoal aversivo, ou seja, geram nos outros, condutas evitativas, e que esse fenômeno social é bastante conhecido por aqueles que adoeceram de câncer e descrevem como os amigos, ao ficarem sabendo da doença, aumentaram a distância física. Ao mesmo tempo a doença restringe a mobilidade do sujeito, reduzindo a oportunidade dos contatos sociais isolando-o. Fernando expressa de que forma compreende o preconceito associado à doença:

“O preconceito não vem de fora pra dentro, vem de dentro pra fora”. Parker & Aggleton (2001)

defendem a idéia de que o estigma e a

discriminação, onde e quando aparecem, são fenômenos sociais e culturais ligados a ações de grupos inteiros e não conseqüências de comportamentos individuais. Alexandre, Gustavo e Fernando descreveram de que forma conseguem manter o sigilo e a adesão ao tratamento, o qual inclui consultas e exames periódicos


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde e, quando necessário, uso da terapia antiretroviral. Também citaram alguns cuidados que são necessários quando estão expostos a ambientes mais insalubres:

“Tem que sempre inventar alguma coisa, sou inimigo da mentira, mas vivo agora com um pouco de mentira, digo que estou com dor nas costas e aproveito que eu tenho um corte na barriga e digo que foi um cisto no pâncreas e tenho que fazer acompanhamento (...). Também tem que ter cuidado onde tem pó, tinta, cheiro forte, fora isso dá pra trabalhar normal, a maior dificuldade é ninguém saber, se ninguém souber vai te tratar como uma pessoa ‘normal’. (Alexandre)

“Quando eu tenho que vir no médico, eu digo que vou atender um cliente.” (Gustavo) “Eu adquiri outra doença e como é uma doença que não tem tanto preconceito (câncer), quando eu tenho que me ausentar essa doença é a causa da minha ausência.” (Fernando) Dentre os entrevistados Tim teve uma experiência diferente quando revelou ser soropositivo ao patrão que, a princípio, aceitou a situação. No entanto, em decorrência da exposição a produtos de limpeza, passou mal algumas vezes e teve que faltar para ir ao médico iniciando assim um processo de prejuízos no ambiente de trabalho. “Faltei um dia, me senti mal, aí ele perguntou qual o motivo que eu tava faltando, aí eu fiquei com vontade e contei, porque eu não tenho medo de preconceito, tava com muito atestado aí contei pro meu patrão (...).Ele aceitou,me falou que não tinha problema algum. Agora me chamou pra fazer um ‘acordo’, to passando mal, e tudo... pra eu me tratar (...). Ultimamente não estou podendo mexer com produtos de limpeza, me sinto mal, semana passada tive que parar tudo” (Tim) Com relação à situação apresentada por Tim ressaltamos que do ponto de vista jurídico as principais questões relativas aos direitos da pessoa soropositiva no mundo do trabalho estão voltadas ao Direito Trabalhista e Previdenciário. Os principais agravantes dizem respeito a demissões arbitrárias por discriminação, sigilo

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids profissional, exigência de testes anti-HIV na admissão, nos exames periódicos e demissionais, e questões relativas a auxílio-doença e aposentadorias (ABBADE, 1998). Lembramos que grande parte do Judiciário Trabalhista tem sido sensível às necessidades dos trabalhadores soropositivos no sentido de assegurar o direito do trabalho e coibindo os atos discriminatórios mas embora

existam avanços nessa

área, muitos desafios ainda estão postos para que, de fato, as leis sejam cumpridas segundo a percepção de alguns entrevistados:

Pedro: “Não é tão aberto não, existe o preconceito, não deveria ter esse ‘exame’(...).Não sei se as empresas vão contratar as pessoas, a gente. Pode contratar um deficiente físico, tem mais probabilidade do que um portador de HIV”. “Tim: É difícil para quem tem HIV, tem lugar que não vai aceitar , seus colegas não vai querer ficar trabalhando com você, vão se afastar (.). No meu estado, não tenho estudo direito, vai ser difícil se eu perder o emprego agora e arrumar outro, acho que a prefeitura poderia arrumar um emprego pra quem tem HIV trabalhar.” José: “Entrando fazíamos o exame e saindo fazíamos o exame de sangue, pra ver se era doente, se entrou doente, já era rotina lá na firma. Aí, talvez por isso eu fui dispensado, não teve justa causa”. Alexandre: “O trabalho é fechado, porque existe a parte preconceituosa. Com tantos recursos hoje, acho falta de informação total. Eles pedem exames e nesse tipo de exames eles podem estar pedindo o teste e depois vão dizer que você não tem perfil . Se eles ficam sabendo você é excluído, isso é certeza”. Fernando: “O empresário sabendo que o trabalhador tem HIV dificilmente daria o emprego para essa pessoa. Mesmo porque sabe que facilmente tem uma probabilidade de se afastar com mais facilidade, seria um grande fator de bloqueio (.). Eu buscaria se não tivesse um emprego, estudar bastante para ser uma pessoa diferenciada, para ter o próprio negócio, assim você se liberta dessas questões de desemprego”. De acordo com Ferreira (2006), a perda do emprego em decorrência da AIDS é a discriminação mais difícil de ser superada, pois não há meios de se enfrentar a


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde doença com dignidade na ausência de uma remuneração salarial. De modo semelhante, o trabalho ocupa um espaço de grande importância na vida das pessoas, pois promove a inserção social dignifica o ser humano e dá sentido à vida, definindo a identidade pessoal e impulsionando o indivíduo ao crescimento humano: “Se estou desempregado, sem trabalhar, se não ocupa a mente, você acaba colocando coisas na sua cabeça, acaba colocando coisas que não deve, é bom ocupar a mente...” (Pedro) “Antes o que mais me fazia falta era o trabalho, lutava e não conseguia nenhum emprego. Aí, depois de um tempo as portas se abriram pra mim.” (José) “Eu não tenho medo de nada só de ficar dependente. E uma outra frase que eu também sempre penso é ‘ viva a sua vida e não a da enfermidade’ porque se você viver a vida da enfermidade, você se entrega. Então, se às vezes você está com alguma dor, você supera a dor e vai para o restaurante, vai pra praia, vai viver a sua vida, por isso que trabalhar é importante, porque você vive a sua vida e não a vida da enfermidade.” (Fernando) Como alternativa para o desemprego e em situação de exclusão social, muitos portadores passam a requerer benefícios previdenciários como uma forma de fonte de renda. Cabe informar que no início da epidemia, quando ainda não existia a terapia com os antiretrovirais, uma grande parte dos portadores do vírus HIV ou doentes de AIDS considerados incapacitados para o trabalho pela Previdência Social aposentavam-se por invalidez. Atualmente a AIDS é considerada uma doença crônica e, em alguns casos, as aposentadorias passaram a ser revistas e a concessão de benefícios tornou-se extremamente seletiva e restritiva. Paulo relata em seu depoimento que se aposentou por invalidez mas retornou ao trabalho após alguns anos para fazer alguns “bicos”

pois

a renda da

aposentadoria era insuficiente para as necessidades da família. Relata que sofreu uma denúncia por voltar a trabalhar e atualmente responde por fraude . “Eu estive afastado, eu tive aposentado, não pedi pra aposentar, eu gosto muito de trabalhar (...). Um dia eu passei na perícia e ela viu o laudo de acompanhamento e falou que iria me aposentar por invalidez (...). Existe um processo contra mim por fraude na polícia federal (...). Eu sei que tem muita gente que vem aqui e pede pra aposentar porque tem HIV.” (Paulo)

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Por fim, destacamos a importante observação de um dos entrevistados com relação à prevenção e ao combate da epidemia no Brasil nos tempos atuais: “A AIDS, eu sinto que deveria ser mais falada, não se ouve mais falar de AIDS, até parece que teve a cura da AIDS, deveria falar mais de prevenção, de aceitação, muitas pessoas devem omitir isso e pode ser uma pessoa que não se cuida, tem os seus traumas (...). Acho que poderiam orientar o pessoal, falar sobre DST, porque essa geração, não sei se usam camisinha, mas nasceram com a camisinha.” (Gustavo) 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS De acordo com Gustavo atualmente há pouca informação, orientação e reflexão sobre a doença. Identificou-se no estudo que a dificuldade de viver com o HIV/AIDS no contexto profissional está relacionada ao medo do preconceito e estigma associados à doença ainda presentes na sociedade, indicando a necessidade de ações educativas com enfoque

na redução do estigma e da discriminação. A

estigmatização das pessoas que vivem com o HIV/AIDS contribui para o silêncio sobre a infecção e pode causar prejuízos no cuidado à saúde daqueles que são portadores, dificultando a procura por orientação e apoio ao tratamento. Como possibilidade para o enfrentamento dessa problemática faz-se necessário o desenvolvimento de programas de educação no ambiente de trabalho que promovam o respeito, a tolerância e a mudança de atitudes com os trabalhadores que vivem com o HIV/AIDS. O Repertório de Recomendações Práticas da Organização Internacional do Trabalho (VALENTIM, 2002), recomenda ações articuladas entre todos os atores e setores

envolvidos

como:

setor

empresarial,

sindicatos,

ONGs,

órgãos

governamentais, mídia e sociedade civil, bem como investimentos contínuos nos locais de trabalho e nas comunidades locais a fim de promover a redução do risco ao HIV e melhorar a qualidade de vida das pessoas que vivem com o HIV/AIDS. Também, contribui no marco legal estabelecendo diretrizes para o enfrentamento do HIV/AIDS no local de trabalho e se aplica a todos os empregadores e trabalhadores do setor público e privado, incluídas as pessoas que estão procurando emprego e a todas as formas de trabalho, formal e informal.


Parte I – Homens. Masculinidades e saúde Conforme Valentim (2002, p.76), entre os princípios fundamentais que devem nortear a ação contra a AIDS do Repertório destaca-se:  Proibição de realização ou apresentação de resultados de testes de detecção do vírus HIV dos candidatos a um emprego, das pessoas contratadas e garantia do sigilo das informações sobre o trabalhador.  Manutenção da relação de emprego, uma vez que a infecção pelo vírus HIV não constitui uma causa justificadora de dispensa e promoção do diálogo entre governo, empregadores e trabalhadores infectados pelo HIV.  Prevenção da infecção por meio de mudanças de comportamento, na difusão de conhecimentos e na instauração de um ambiente livre de discriminação e respeito aos direitos humanos.  Concluindo, consideramos que há muito para ser aprofundado sobre as questões abordadas nesse estudo. Nessa direção, a pesquisa indica a necessidade de um debate social sobre a legislação vigente no campo das relações de trabalho, a fim de garantirmos os direitos sociais e uma vida livre de preconceitos para aqueles que vivem e convivem com o HIV/AIDS.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABBADE, Á. C. S. Principais questões sobre AIDS e Direito. In:________. Manual de Diretrizes Técnicas para elaboração e implantação de programas de prevenção e assistência das DST/AIDS no local de trabalho. Brasília: Ministério da Saúde, 1998, p. 130. BARRETO, A. Terapia Comunitária: passo a passo. In: _____. Pensamento Sistêmico. 3ª Edição. Fortaleza: Gráfica LCR, 2008, p.178. BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST/AIDS. Boletim Epidemiológico/AIDS, 2009. Disponível em:< http://www.aids.gov.br/ >. Acesso em: 01/10/2009. FERREIRA, R. C. M.; FIGUEIREDO, M. A. C.; Reinserção no mercado de trabalho. Barreiras e silêncio no enfrentamento da exclusão por pessoas com HIV/AIDS. Revista de Medicina (FMUSP), Ribeirão Preto,v.39,p.591-600,2006. FONSI, M. Toxidade dos ARV's, o combate deve ser multidisciplinar. Saber Viver – Profissional de Saúde, 13ª Ed, p. 05, Agosto, 2008.

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulação de uma identidade deteriorada. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 1988. MINAYO, M. C. S. O desafio do Conhecimento: Pesquisa Qualitativa em Saúde. 7º Ed. São Paulo - Rio de Janeiro:HUCITEC-ABRASCO; 2000. PARKER, R.; AGGLETON, P. Estigma, discriminação e a AIDS. Associação Brasileira Interdisciplinar em AIDS. Coleção ABIA: Série Cidadania e Direitos, 2001. PIMENTA, M. C.; JUNIOR, V. T.; PRADO, M. (Org), CUNHA; M. B. (Coord). As ações Brasileiras de Combate ao HIV/AIDS e o Mundo do Trabalho. p. 33, In: ______. HIV/AIDS no mundo do trabalho: as ações e a legislação brasileira. Organização Internacional do Trabalho. Brasília: OIT, 2002. VALENTIM, J. H.; PRADO, M. (Org), CUNHA; M. B. (Coord). Legislação Nacional sobre HIV/AIDS no Mundo do Trabalho. P. 76, In:______. HIV/AIDS no mundo do trabalho: as ações e a legislação brasileira. Organização Internacional do Trabalho. Brasília: OIT, 2002. PINTO, A. C. S.; PINHEIRO, P.N.C.; VIEIRA, N.F.C.; ALVES, M. D. S. Compreensão da Pandemia da AIDS nos últimos 25 anos. Jornal Brasileiro de Doenças Sexualmente Transmissíveis. Rio de Janeiro, Vol. 19, nº 01, p.45, 2007. SLUZKI, C. E. A Rede Social na Prática Terapêuticas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.

Sistêmica:

Alternativas

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Parte II - Experiências no trabalho com homens PREVENÇÃO ÀS DST/AIDS ENTRE TRABALHADORES DO TRANSPORTE DO ESTADO DE SÃO PAULO: DESAFIOS E POSSIBILIDADES DA EDUCAÇÃO ENTRE PARES35 Patrícia Helena Vaquero Marques36 HISTÓRICO A realização de ações de prevenção às DST/AIDS tem se mostrado desafiadora, seja pelas mudanças no perfil da epidemia ou pela dificuldade de acesso a determinadas populações em contextos de vulnerabilidade social. Frente a tais desafios, mostra-se necessário a mescla de novas e velhas tecnologias de prevenção. Propostas como a ampliação do diagnóstico precoce do HIV, a PEP (Profilaxia Pós-Exposição), entre outras, somam-se e não excluem a ampliação do acesso ao preservativo masculino e o incentivo ao uso de preservativo nas relações sexuais. A metodologia e forma de se trabalhar tais conteúdos podem ser diferentes, dependendo da população que se pretende acessar, das parcerias inter e intrainstitucionais e da necessidade percebida no trabalho de campo. Analisar esses aspectos é fundamental para que tal trabalho seja bem sucedido, sustentável e atenda as necessidades da população escolhida. Todas essas considerações foram fundamentais para o trabalho que realizamos junto aos trabalhadores de transporte (urbano, rodoviário e de carga) do estado de São Paulo. A parceria junto ao Instituto “O Resgate”, (associação sem fins lucrativos de trabalhadores do transporte) teve início em 2007 e desde então, realiza várias atividades de prevenção às DST/AIDS. DESCRIÇÃO DA EXPERÊNCIA E METODOLOGIA A estratégia adotada foi a de educação entre pares, que nos pareceu a mais adequada para o Instituto, por contar com um grupo de trabalhadores dirigentes

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Anteriormente foi escrito um texto intitulado “Prevenção às DST/Aids em trabalhadores do setor de transporte do estado de São Paulo: experiência com oficinas para multiplicadores”, onde foram detalhadas as ações realizadas com os multiplicadores. 36 Programa Estadual de DST/AIDS, Gerência de Prevenção – Núcleo de Atenção Básica

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids sindicais, que já estava sensibilizado para as questões de saúde da categoria, inclusive em relação às DST/AIDS. A educação entre pares tem sido muito utilizada entre adolescentes, usuários de drogas e profissionais do sexo, tendo como principal característica o envolvimento de pessoas do mesmo grupo social nos processos de comunicação, com a finalidade de facilitação desses processos devido ao compartilhamento de determinados valores e culturas. (CALAZANS, 2006) O grupo de multiplicadores foi escolhido pelo próprio instituto e contou com a participação inicial de 23 trabalhadores de 14 empresas de transporte urbano e também representantes dos sindicatos de trabalhadores do transporte de carga e rodoviários. Desses trabalhadores, 5 eram motoristas, 6 cobradores de ônibus, 7 dirigentes sindicais e 5 exerciam outras funções (borracheiro, fiscal, administrador, etc.), sendo o grupo formado por 16 homens e 7 mulheres, com idades entre 25 e 65 anos. A partir de então foi definido uma agenda anual que incluíam oficinas com temáticas escolhidas pelo grupo e pelos técnicos de Prevenção da Coordenação Estadual de DST/AIDS - SP. O principal objetivo do trabalho realizado foi o de aliar conhecimento com a experiência vivida pelos multiplicadores, de tal forma que eles pudessem compreender a existência de uma “cultura da categoria”, que criava barreiras para as ações de prevenção às DST/AIDS no local de trabalho (SEFFNER, 2006; PINTO, 2008). Os principais temas foram: noções sobre a transmissão e infecção pelo vírus HIV; sexualidade e vulnerabilidade; doenças sexualmente transmissíveis e sífilis; a importância do trabalho do multiplicador; o acolhimento; a Aids e a saúde do trabalhador, e oficina de sexo seguro, Redução de Danos, Saúde e direitos humanos, noções sobre hepatites B e C, gênero e masculinidades, saúde sexual e violência. A equipe de prevenção permaneceu dando retaguarda ao trabalho, esclarecendo dúvidas, durante as oficinas e também fornecendo preservativos masculinos e materiais educativos para as ações.


Parte II - Experiências no trabalho com homens RESULTADOS ALCANÇADOS As ações realizadas pelos multiplicadores, entre os anos de 2007 a 2010, atingiram aproximadamente 10 mil trabalhadores do transporte, em sua maioria homens. Durante esse tempo o grupo de multiplicadores desenvolveu ações em garagens de empresas de transporte urbano e rodoviário de São Paulo e grande São Paulo e também com caminhoneiros em terminais de cargas na cidade de São Paulo. Durante as oficinas e o acompanhamento das ações de Prevenção às DST/Aids do grupo de multiplicadores, pode-se observar uma cultura inerente a essa categoria eminentemente masculina, em que são valorizados a atividade sexual como prova de virilidade, a “tomada de riscos” e o consumo de substâncias lícitas (álcool) e ilícitas (drogas e rebite), além da dificuldade dos motoristas e caminhoneiros de acessarem de forma regular os serviços de saúde (SUS).(SEFFNER, 2006; PINTO, 2008) A identificação dessa “cultura da categoria” mostra-se fundamental para a busca de transformações nos contextos mais amplos que vulnerabilizam as pessoas e comunidades e obstacularizam a prevenção e a promoção da saúde, ao invés de simplesmente modelar comportamentos e atitudes. (CALAZANS, 2006) Os sucessos e fracassos no trabalho foram mudando a forma com que os multiplicadores realizavam ações, percorrendo um caminho que foi da modelagem de comportamentos, aspecto que inicialmente era valorizado, para a compreensão de que dentro da própria categoria havia muitas culturas, valores e formas de se compreender a saúde sexual e reprodutiva, e que isso interferia no trabalho de prevenção. Os multiplicadores evidenciavam que por fazerem parte dessa cultura, tinham maior acesso aos colegas de trabalho, mas que o desafio era o de “como tocar de fato essas pessoas”. O trabalho de campo foi revelando que a formação de pequenos grupos de trabalhadores é importante porque propicia o aprofundamento das discussões, já nos grupos maiores a discussão fica mais superficial. Outro aspecto enfatizado nas oficinas foi o fato de que os multiplicadores não precisariam reproduzir em seu local de trabalho o discurso de prevenção às DST/AIDS calcado na chamada “racionalidade técnico-científica”, (OLIVEIRA, 2010),

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids pois se observou que esse discurso era inicialmente reproduzido, pois os multiplicadores sentiam-se mais seguros, durante as ações em campo.

Aos poucos, como resultado dessas oficinas, os multiplicadores foram percebendo que seu maior trabalho era o de transformar esses conteúdos em uma linguagem própria de seus pares, levando-se em consideração as barreiras envolvidas nesse contexto. Destaca-se também, que durante as oficinas e no trabalho com seus pares os multiplicadores passaram a repensar suas práticas e escolhas. Tal processo foi evidenciado quando o tema discutido foi a violência e as masculinidades, em que o multiplicador faz uma reflexão de suas práticas e da influência do machismo no relacionamento conjugal, que poderia levar a um tipo de violência.

“(...) antes cometia esse tipo de violência com minha mulher, eu queria ter relação com minha mulher mesmo que ela não quisesse. Aí fomos conversando, tem dia que o homem não está a fim e eu acho que com a mulher acontece o mesmo. Eu não sou mais homem, só porque faço relação todos os dias. Eu cometia esse crime muito grave!” Quando se discutiu a temática de gênero notou-se o embate de novos discursos e práticas, com as visões do papel social do homem, mostrando o processo


Parte II - Experiências no trabalho com homens de transformação em curso, as resistências, barreiras e avanços. O trecho abaixo exemplifica a percepção de um dos multiplicadores: “Costumo ajudar minha esposa em casa, limpo a casa (...), mas quando minha mãe e meus irmãos chegam em casa, largo tudo e sento, porque tenho vergonha!” “(...) Quando vou lavar o banheiro eu ligo o chuveiro como se tivesse tomando banho e lavo numa boa”.

LIÇÕES APRENDIDAS As temáticas das oficinas foram acompanhando o amadurecimento do grupo, inicialmente pautado em questões mais clássicas sobre a prevenção às DST/AIDS, para discussões mais aprofundadas, sobre gênero e masculinidades e violência, como relatado anteriormente. As questões que surgiam durante o trabalho em campo contribuíam para as reflexões nas oficinas e para o amadurecimento do grupo, evidenciando que a proposta da educação entre pares mantém o grupo de multiplicadores atento e atualizado frente às novas dúvidas dos colegas de trabalho, mas também atentos as suas próprias barreiras e dificuldades no que diz respeito a sexualidade e as ações de prevenção às DST/Aids .

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BERRA, J. A. P.; BACETTI, L. B.; ALVES, K. J. F.; FIÓRIO, V. L. P.. Soroprevalência de HIV em caminhoneiros usuários da Rodovia Anhanguera, SP 330, Brasil. Revista Instituto Adolfo Lutz, 62 (3),P.171-176, 2003. SCHRAIBER, L. B.; FIGUEIREDO, W. S.; GOMES, R.; COUTO, M. T.; PINHEIRO, T. F.; MACHIN, R.; SILVA, G. S.N.; VALENÇA, O. Necessidades de saúde e masculinidades: atenção primária no cuidado aos homens. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 26(5), p. 961-970, 2010. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Coordenação Nacional de DST e Aids. Manual de redução de danos. Ministério da Saúde, Coordenação Nacional de DST e Aids. Brasília: Ministério da Saúde. 2001.

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Parte II - Experiências no trabalho com homens SAÚDE NAS EMPRESAS: AÇÕES DE PREVENÇÃO EM DST/AIDS/HEPATITES B E C NAS EMPRESAS EM SÃO JOSÉ DO RIO PRETO Renata Galli Barbosa37 Aracelis de Castro Achcar38, Maria Aparecida Batista da Rocha Silva39 Maria Aparecida Fernandes40

MUNICÍPIO: São José do Rio Preto - SP EQUIPE PARTICIPANTE DO PROJETO: Programa Municipal de DST/Aids, CEREST, GVE-29, Vigilância Epidemiológica das DST/AIDS. ANO EM QUE AS AÇÕES FORAM REALIZADAS: 2007 a 2010 ANO BASE DE DADOS RELATADOS NA EXPERIÊNCIA: 1º semestre de 2010 HISTÓRICO DO INÍCIO DO TRABALHO: Em 2007, o PM de DST/Aids diante de suas preocupações em relação ao acesso de trabalhadores, principalmente do sexo masculino, quanto ao diagnóstico precoce das DST/HIV e acesso mais rápido e continuado aos serviços de aconselhamento e testagem, retomou as discussões e planejamento de estratégias de prevenção e de incentivo ao diagnóstico para este público, privilegiando o local de trabalho como potencialmente importante para estas ações. Dentre as áreas interessadas nestas discussões e estratégias de cuidado foi possível contarmos também com a participação de outras áreas técnicas da Secretaria de Saúde Municipal, como: Saúde do Trabalhador (CEREST), Saúde do adulto; e com Sindicatos Patronais e de Trabalhadores, Planos de Saúde, Entidades da Indústria e do Comércio, entre outras instituições, dando início ao Projeto “Saúde 37

Psicóloga - coordenadora de prevenção dos Programas "Universitários" e "Saúde nas Empresas", Programa Municipal de DST/AIDS de São José do Rio Preto - SP 38 Gerente de Prevenção do Centro Municipal de Diagnóstico e Prevenção das DST/AIDS - Programa Municipal de DST/AIDS de São José do Rio Preto - SP 39 Enfermeira - responsável técnica das DST - Programa Municipal de DST/AIDS de São José do Rio Preto - SP 40 Educadora em saúde - coordenadora do Programa Mulheres de Baixa Renda e seus Parceiros

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids nas Empresas”. Do ponto de vista desta experiência, será relatado aqui que têm sido realizado em relação às DST/Aids e Hepatites B e C neste Projeto. Dentre várias ações que consideramos importantes neste processo de implantação/implementação do Projeto destacamos: realização e divulgação de resultados de uma pesquisa realizada em 2007, denominada “Masculinidade e Vulnerabilidade de Gênero: uma discussão necessária para o enfretamento da epidemia de DST/Aids”, realização de duas audiências públicas sobre o tema “Empresa, Trabalho e Saúde”, com a apresentação de um Pacto de Ações de Saúde comprometendo o PM DST/Aids e outras áreas técnicas da Secretaria de Saúde, Empresas e Planos de Saúde; instituição de parceria com FIESP e ACIRP (entidades que representam a indústria e comércio na região, respectivamente) para discutir estratégias de comparecimento do parceiro em consultas de pré-natal e solicitação de exames de HIV, sífilis e Hepatites B e C, sem perda de benefícios para este parceiro; estabelecimento de parceria com universidades e escolas técnicas de enfermagem para colaborarem no monitoramento e nas ações educativas nas empresas; parceria com Planos de Saúde e laboratórios particulares para monitoramento de 100% das gestantes dos municípios em relação à transmissão vertical; formação dos Grupos de Trabalho (GT) Regional denominados “GT Regional “Masculinidades” e GT Regional “Empresarial” coordenados pelo Setor de Articulação Estadual de DST/Aids da GVE-29. OBJETIVO GERAL: Compartilhar as responsabilidades de saúde da população trabalhadora com o setor empresarial, representantes de classes dos trabalhadores e planos de saúde, por meio da implantação de um “Projeto de Prevenção em DST/Aids para Empresas”. OBJETIVOS ESPECÍFICOS:  implantar um “protocolo mínimo” de ações referentes às DST/Aids e disponibilização de insumos prevenção nas Empresas de forma continuada;  aumentar o número de homens que acessam as unidades de atenção básica e/ou planos de saúde para realização de diagnósticos e participação em ações de prevenção referentes às DST/HIV/Sífilis/Hepatites B e C e para acompanhamento do pré-natal da parceira (ações de prevenção e controle das TV);


Parte II - Experiências no trabalho com homens  oferecer informações sobre o atendimento de saúde na rede básica e sobre Redução de Danos em uso de álcool e outras drogas no CAPS-ad e Programa PRD;  estimular as empresas a reivindicar ações de prevenção e promoção de saúde dos planos de saúde que atendem seus colaboradores;  sensibilizar o empresariado, representantes de classe de trabalhadores e planos de saúde sobre suas responsabilidades no combate às DST/Aids/Hepatites B e C e outros agravos importantes para saúde; entre outros. DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA E METODOLOGIA: Em geral, utilizamos a seguinte metodologia para implantação, implementação e monitoramento do Projeto:  apresentação para as empresas dos objetivos e justificativas do Projeto, por meio de reuniões com representantes administrativos e de saúde das mesmas;  demonstração de dados epidemiológicos e de pesquisas sobre: DST/AIDS/Hepatites B e C, saúde do homem e transmissão vertical;  capacitação de agentes multiplicadores de prevenção - colaboradores da empresa como: cipeiros, técnicos em segurança do trabalho ou outros;  planejamento das tarefas e das ações de prevenção do Projeto que consta de: informações gerais do projeto para os colaboradores, disponibilização de cotas de preservativos e material instrucional, realização de palestras participativas e oficinas de prevenção, monitoramento mensal de insumos e das ações de prevenção (em loco, via e-mail e por meio de reuniões trimestrais com as empresas participantes do Projeto). A carga horária de trabalho com as empresas é variável (depende das ações e do envolvimento que estas têm com o Projeto), mas em geral, oferecemos inicialmente uma capacitação de 08 horas, realizada em 02 dias para os agentes multiplicadores de prevenção com temas como: transmissão, prevenção, testagem, uso dos serviços de saúde no SUS municipal, Transmissão Vertical do HIV, sífilis e Hepatites B e C, importância dos cuidados no pré-natal (mulher e parceiro), dados epidemiológicos, entre outros.

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids Os profissionais envolvidos na implantação, orientação e monitoramento do Projeto nas Empresas são os técnicos dos Programas de Prevenção e da Vigilância Epidemiológica do PM de DST/Aids, alunos e professores de alguns cursos técnicos e superiores de enfermagem e um convênio de saúde empresarial que tem como uma de suas funções com as empresas, promover ações de prevenção nas empresas conveniadas. Estas instituições de ensino e o plano de saúde trabalham em parceria com o PM DST/Aids e estão sob nossa orientação. Outros técnicos da Secretaria de Saúde, assim como as Unidades de Atenção Básica que estão nos territórios das empresas, também realizam atividades de saúde nestes locais. RESULTADOS ALCANÇADOS: Somente entre os anos de 2009 e 2010, foram acessadas mais de 40 Empresas pelo PM de DST/Aids e parceiros. Porém, serão demonstrados aqui os resultados provenientes da parceira com as 26 Empresas que já aderiram ao Projeto (realizam ações continuadas de prevenção e disponibilizam insumos).  as 26 empresas implantaram bancos de preservativos e somente no 1º semestre de 2010 estas empresas:  disponibilizaram mais de 50.000 preservativos, 500 cartazes e 10.000 folhetos educativos sobre DST/HIV/Hepatites B e C;  foram acessados mais de 6.000 trabalhadores;  8 delas foram atendidas pela Unidade de Redução de Danos Itinerante para realização de orientações e testagem de HIV/Sífilis//Hepatite B e C;  das 8 empresas atendidas pela URDI, foram realizados 313 pré-testes (HIV/sífilis/Hepatites B e C), sendo encontrado 1 caso de Hepatite B, 1 de hepatite C e 1 caso de HIV.


Parte II - Experiências no trabalho com homens LIÇÕES APRENDIDAS: A implantação de um projeto continuado de prevenção em empresas precisa:  do envolvimento de vários técnicos de saúde;  do fortalecimento de parceiras com Entidades diversas que representam trabalhadores e empresários para compreender a dinâmica do mundo empresarial;  de novas tecnologias de prevenção e cuidados com a saúde que atendam, de algum forma, esta dinâmica dos processos de trabalho nas empresas;  de articulação gradual, mas permanente com os responsáveis diretos pelas ações de saúde nas empresas e instrumentá-lo para que ele consiga “convencer” seus superiores e empresários sobre a importância das ações de saúde para os colaboradores;  de respeito aos direitos dos trabalhadores no momento de realização de ações de saúde (respeitar horários de entrada, saída, lanche, almoço, etc.) – saber articular e argumentar com o empresariado ;  de desmistificar a crença de que as ações de saúde, principalmente as de DST/Aids só podem ser realizadas por técnicos altamente especializados e/ou que não fazem parte do ambiente de trabalho.

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Parte II - Experiências no trabalho com homens CONSTRUINDO SAÚDE: PREVENÇÃO NA CONSTRUÇÃO CIVIL EM PRAIA GRANDE Letícia Zampieri M. Lázaro41 MUNICÍPIO: Praia Grande ANO: Pesquisa em 2000; Intervenções Educativas início em 2003. HISTÓRICO A Estância Balneária de Praia Grande (SP), por ser pólo turístico, triplica sua população em tempos de férias de verão, assim tem a Construção Civil como uma das maiores economias locais empregando em sua maioria, homens. A dificuldade de acesso da população masculina às informações sobre Doenças Sexualmente Transmissíveis como a Sífilis e Aids bem como a ausência de ações

de

prevenção

específicas

para

esta

população,

foram

fatores

que

impulsionaram a realização deste trabalho. OBJETIVOS 1.Promover a reflexão da população masculina sobre sexualidade e prevenção; 2.Realizar oficinas educativas nos canteiros de Obras; 3.Minimizar o preconceito a respeito da utilização do preservativo; 4.Proporcionar maior acesso ao Serviço de Referência para diagnóstico do HIV, Sífilis; 5.Incentivar aproximação do Homem no Pré-natal da parceira; 6.Elaborar e Confeccionar materiais educativos personalizados.

DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA E METODOLOGIA 41

Psicóloga, Responsável pela Equipe de Prevenção Programa Municipal de DST/Aids e Hepatites Praia Grande.

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Com a parceria das construtoras locais, as obras selecionadas (amostra realizada entre 03 das maiores construtoras) receberam visita de um grupo de entrevistadores (03 psicólogos, 03 assistentes sociais e, eventualmente, outros profissionais da equipe) da Coordenação Municipal de DST/Aids que aplicou um questionário, seguido de coleta de sangue para a realização das sorologias anti HIV e VDRL. Foram realizadas 300 entrevistas em 12 dias com trabalhadores da construção civil. Todos os trabalhadores entrevistados são do sexo masculino, com idade média de 32 anos. Os resultados da pesquisa foram os seguintes:  67% são migrantes do Nordeste;  09% cursaram escola secundária ou superior;  80% identificam aids;  35% mencionam sífilis;  Menos de 20% identificaram corretamente alguma outra DST;  Apesar de 90% identificaram corretamente algumas formas de transmissão de HIV, um grande percentual acredita que mosquitos e compartilhamento de louças e talheres são responsáveis pela transmissão do HIV;  94% acreditam que o preservativo previne o HIV; Dos 55 homens que reportaram ter parceiros casuais, 69% disseram sempre fazer uso de preservativo. 

02 homens disseram ter feito uso de drogas injetáveis

02 positivos para HIV

0 positivos para Sífilis

174 não retornaram para o pós teste, mas nenhum deles era positivo para

HIV e/ou Sífilis. A próxima etapa deste processo foi o desenvolvimento de ações de prevenção continuada, em local de trabalho, com estratégias e materiais desenvolvidos e dirigidos especialmente para essa população. As atividades realizadas nessa etapa foram: elaboração e confecção de material educativo; apresentação da proposta de trabalho às Construtoras;


Parte II - Experiências no trabalho com homens sensibilização das Equipes da Atenção Básica quanto a aproximação do Parceiro no pré-natal; visita da equipe de Prevenção aos Canteiros e realização das oficinas educativas; divulgação dos Serviços de Referência em DST/Aids do município; disponibilização de preservativos e materiais educativos personalizados. RESULTADOS ALCANÇADOS O trabalho vem sendo realizado por esta equipe desde 2003 (1 psicóloga; 1 monitora de campo; 5 agentes multiplicadores). Todos os profissionais das unidades com Estratégia de Saúde da Família (ESF) foram sensibilizados para oferecerem sorologia para HIV e Sífilis para o parceiro no Pré-Natal; Durante esse período foram visitados 143 Canteiros de Obras; acessados 2.516 homens; disponibilizados 14.135 preservativos e 2.516 materiais educativos personalizados. LIÇÕES APRENDIDAS 

A possibilidade de estar em local de trabalho proporciona melhor

aproximação desta população; 

Desenvolver oficinas participativas com material educativo personalizado

possibilita melhor compreensão e envolvimento dos participantes; 

Este trabalho é resultado da articulação do Programa Municipal de

DST/Aids, Atenção Básica e Construtoras locais que abriram suas portas proporcionando à estes Homens a oportunidade de receberem informações e poderem fazer reflexões sobre sua saúde, de desmistificar aspectos sobre a sexualidade masculina, preconceitos, fidelidade e a compreensão da importância de fazer escolhas mais conscientes em prol de uma vida melhor.

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Parte II - Experiências no trabalho com homens RESPONSABILIDADE SOCIAL: EXPERIÊNCIA DE UMA MULTINACIONAL NA PREVENÇÃO ÀS DST/AIDS Silvia Almeida42

O que uma mulher como eu faz há mais de 25 anos em uma empresa de mineração? Não são raras as vezes que preciso responder a esta questão. Pode parecer improvável, mas em um segmento dominado pelos homens e em que se trabalha em ambientes áridos característicos dos mineradores, o Grupo Anglo American se destaca na prevenção às DSTs, especialmente a AIDS. HISTÓRICO Para quem não conhece a Anglo American, é uma das maiores companhias de mineração do mundo, com sede no Reino Unido. É líder global em platina e diamantes; metais básicos – cobre e níquel; e outras commodities, como minério de ferro, carvão metalúrgico e carvão térmico. Com operações instaladas desde 1973 no País, a Anglo American no Brasil possui uma planta de Níquel em Niquelândia (GO) e está investindo em um projeto no município de Barro Alto (GO) para ampliar sua produção de ferroníquel, a partir de 2011. Além disso, possui presença em outros segmentos como Minério de Ferro (Sistemas Minas-Rio e Amapá) e unidades de produtos fosfatados em Catalão/Ouvidor (GO) e Cubatão (SP), e nióbio em Catalão. A empresa é líder na luta contra o HIV/AIDS desde os anos 90. Hoje sua abordagem equilibra prevenção, cuidado, suporte e tratamento. Grande parte dos trabalhos de combate ao HIV/AIDS da Anglo American está concentrado na região sul do continente africano, e isso se dá por uma boa razão: é ali que cerca de 60% de seus empregados vivem e trabalham. Estatisticamente, 19% dessas pessoas, ou 13.886, são soro positivo. A experiência na região é valiosa para a formação da abordagem da empresa contra epidemias emergentes na Europa oriental, Índia e China, bem como para fatos atuais presentes na América do Sul – incluindo o Brasil - onde o HIV/AIDS vem atingindo

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Assistente de Responsabilidade Social da Empresa Anglo American Brasil

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids cada vez mais a população feminina. E de acordo com estimativas do Ministério da Saúde a síndrome já afeta 39,5 milhões de pessoas no mundo. Por isso, e também levando em consideração que historicamente a indústria da mineração emprega um alto índice de profissionais do sexo masculino, a Anglo American definiu dentro de sua política de responsabilidade social uma estratégia específica para tratar o tema HIV/AIDS, baseada na não discriminação, na troca de ideias, na inclusão e no estímulo para a participação plena de todos os envolvidos. Estas ações são decisivas para sustentar as respostas efetivas ao HIV/AIDS, como a eliminação do estigma e da discriminação com base na condição real ou percebida do portador de HIV; prevenção de novas infecções; cuidados, apoio e tratamento para empregados e seus dependentes que estejam infectados e/ou afetados pelo HIV/AIDS; investimentos sociais nas comunidades e administração e mitigação do impacto do HIV/AIDS. Desde 2009, assumi a posição de assistente de Responsabilidade Social na Anglo American – unidade de negócio Níquel, com o objetivo de liderar as iniciativas de prevenção à contaminação e inclusão social de soropositivos dentro e fora da empresa, grupo do qual faço parte desde 1994. Abraço sempre as boas oportunidades e estou em constante busca de novos desafios e parceiros dentro e fora da empresa. Mesmo desenvolvendo alguns dos maiores programas privados de combate ao HIV/AIDS, a Anglo American tem ciência de que não é possível ter sucesso na luta contra a epidemia sozinha. Dessa forma, a empresa prioriza o estabelecimento de parcerias com governos nacionais e estaduais e autoridades locais, doadores internacionais, organizações não governamentais, além de comunidades capacitadas para apresentar uma resposta efetiva à epidemia. OBJETIVOS Nosso objetivo é reduzir o medo do HIV/AIDS – por meio de trabalho de conscientização e prevenção – e minimizar as conseqüências desta epidemia no âmbito social, econômico e de desenvolvimento, bem como na contaminação entre seus empregados, seus familiares e comunidades onde a empresa está presente.


Parte II - Experiências no trabalho com homens DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES Assim,como parte de sua política de responsabilidade social, a Anglo American foi uma das primeiras a desenvolver uma ampla estratégia de conscientização e prevenção, no início doas anos 90, com o objetivo de minimizar a contaminação entre seus empregados. No Brasil, realizamos em datas específicas ações para reforçar a briga contra o vírus HIV, e estas ações são extensivas aos familiares de seus empregados e às comunidades onde a empresa está presente. Existem outras atividades às quais tenho me dedicado por meio da empresa: Anglo American faz parte do CEAIDS - Conselho Empresarial de Prevenção ao HIV/AIDS do Estado de São Paulo - criado para desenvolver ações no setor privado voltadas à prevenção da doença, sendo eu a representante da empresa na instituição. E, outra parceria de destaque que temos, é com o GIV - Grupo de Incentivo à Vida, ONG de ajuda mútua para pessoas com sorologia positiva ao HIV. Em outubro de 2008, lançamos o podcast “Segunda Pessoa”, no website da instituição - http://www.giv.org.br/ - com o objetivo de abordar assuntos como preconceito, prevenção e qualidade de vida dos portadores do HIV, a partir de minha história de vida. Todas as iniciativas conduzidas no Brasil pela área de Responsabilidade Social seguem a política mundial por meio de ações e programas que têm como objetivos comunicar e orientar por meio do conhecimento básico sobre a doença e sua prevenção; criar a aceitação da comunidade de pessoas que vivem com o HIV/AIDS para evitar sentimentos de rejeição e isolamento; fornecer aos empregados informações sobre aconselhamento e testes voluntários dentro da organização, sobre disponibilidade de programas de promoção da saúde e de medicamentos, sobre produtividade no trabalho e o que acontece quando os empregados estão incapacitados para o trabalho e seus direitos em caso de incapacidade médica para o trabalho; bem como informar os empregados sobre medidas de proteção para qualquer pessoa potencialmente exposta ao HIV no curso de suas atividades. Disponíveis para os empregados de todos os cargos, as ações e programas de prevenção são estendidos às suas famílias às comunidades ligadas às suas operações, em parceria com Governos, Sindicatos, ONGs e agências de fomento.

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids RESULTADOS ALCANÇADOS Ações em datas importantes Uma das mais importantes ações conduzidas pela Anglo American no Brasil, desde 2003, é a realização no dia 1º de dezembro (Dia Mundial de Luta Contra a Aids) uma ampla campanha de conscientização de seus empregados para a prevenção da contaminação e disseminação do HIV. Em 2009, às vésperas desta data, lançamos uma campanha de incentivo à testagem voluntária de HIV por meio do “Fique Sabendo”, programa do governo federal que oferece esses testes à população. A empresa tem como objetivo, por meio dessa ação, informar os empregados sobre os pontos positivos que o conhecimento da sorologia traz e como a realização do teste está sendo usada como forma de combate ao vírus. Ainda em 2009, participamos da Jornada para Profissionais de Saúde Ocupacional e Recursos Humanos (16 de junho de 2009), que visa atualizar este público sobre o tratamento e prevenção às DST/AIDS e seus impactos no ambiente de trabalho. Com organização do CEAIDS, ministrei uma oficina para 50 profissionais onde se discutiu a transmissibilidade de DST/AIDS. No ano anterior, em comemoração ao Dia Mundial de Combate à Aids de 2008, a cidade de Barro Alto (GO) recebeu faixas e as rádios locais também chamaram a atenção para o tema. Na semana seguinte, o assunto foi abordado numa peça de teatro, um monólogo e um jogral, que foram apresentados por um grupo de alunos do 6º ao 9º ano da Escola Municipal Dona Maria Divina da Silva. Ao final de cada apresentação, que aconteceu na escola estadual e nas escolas municipais de Barro Alto, o grupo distribuiu para a plateia um folheto explicativo e os tradicionais laços vermelhos, que simbolizam a luta contra a Aids. Temos ainda uma outra data especial – o Dia do Caminhoneiro, comemorado no Brasil dia 30 de junho. Os caminhoneiros fazem parte da vida de empresas como a Anglo American e, por se tratar de um público vulnerável às DSTs, dedicamos uma campanha a eles desde o ano passado. Em 2009, realizamos a primeira ação em Cubatão em parceria com o Instituto Barong (www.barong.org.br), criado em 1995 com a finalidade de contribuir na luta contra as DST/Aids e hepatites. Desenvolvemos uma ação específica para cerca de 2 mil caminhoneiros que


Parte II - Experiências no trabalho com homens transitam no Ecopátio de Cubatão. O Ecopátio é um terreno de 442,7 mil metros quadrados, localizado em Cubatão (SP), por meio do qual a Ecovias, dá apoio logístico aos caminhões no Porto de Santos, regulando o fluxo de veículos e a movimentação de cargas. Cinco voluntários do Barong e também com a minha presença, distribuíram material informativo e mais de 3 mil preservativos para mais de 300 caminhoneiros. Foram esclarecidas dúvidas sobre o tema e veiculados filmes temáticos em um telão instalado para a ação, que serviu de piloto para que em 2010, fosse replicada em Goiás, num trecho da rodovia que liga Niquelândia-Barro Alto e Brasília. A Anglo American também tem ação permanente junto ao Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas (MNCP). Em julho de 2009, houve a capacitação das Cidadãs Posithivas no Cerrado Mineiro. Com apoio da Anglo American, fui uma das organizadoras do encontro, que reuniu mulheres portadoras do vírus HIV dos 27 Estados brasileiros, e teve como objetivo capacitá-las para fortalecê-las e torná-las disseminadoras de trabalhos de prevenção em todo o país. Vale destacar que o MNCP é uma organização brasileira que tem como objetivo promover o fortalecimento de mulheres sorologicamente positivas para o HIV, em qualquer estágio, independentemente do credo, raça, cor, orientação político-partidária, em nível municipal, estadual, regional e nacional. Como parte das recentes ações para respostas efetivas ao HIV/AIDS, as unidades da Anglo American no Brasil desenvolveram ações específicas em datas comemorativas. Para o Carnaval de 2010, por exemplo, a empresa elaborou uma cartilha, em formato de gibi, que foi distribuída a todos os empregados das unidades de níquel, nióbio e fosfato da organização no Brasil. Intitulado de “Esquadrão da Saúde”, o gibi é ilustrado com caricaturas dos próprios empregados, o que mostra efetivamente o alcance das ações de prevenção, a conscientização da importância de levar informações, e a adesão à política da empresa. O conteúdo abrange informações sobre Aids e outras DSTs, prevenção, quais os cuidados que devem ser tomados e como encarar essas doenças nos relacionamentos interpessoais. Inicialmente, a cartilha foi destinada apenas ao público interno das unidades da Anglo American –mas em abril, ” o “Esquadrão da Saúde” teve uma nova edição distribuída em ações nas comunidades em que a companhia está inserida.

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids A parceria mais recente é a estabelecida entre a Anglo American, Reprolatina e com a Prefeitura Municipal de Barro Alto. Juntas, iniciamos, em abril de 2010, o Projeto “Construindo uma cultura de prevenção e facilitando um projeto de vida com mais saúde para adolescentes em Barro Alto”, que visa diminuir as vulnerabilidades de adolescentes para as DST/HIV-Aids, gravidez não planejada, violência, o uso de drogas, bem como facilitar a construção de projetos de vida com mais saúde. O processo é muito dinâmico e estimula que novas ações sejam realizadas com base nos resultados das avaliações. Em três anos, a expectativa dos agentes é atingir toda a população foco de Barro Alto. Todas as ações mundiais e locais da Anglo American já resultaram em índices muito positivos. Atualmente 65% dos empregados da Anglo American globalmente com HIV positivo que precisam de tratamento foram atingidos. Como seus dependentes também estão em risco, a empresa tornou o tratamento da AIDS, incluindo a terapia anti-retroviral, disponível a todos os membros da família como um benefício mínimo estabelecido para todos aqueles empregados, que optam por participar do programa seguro saúde (co-financiado pela empresa e pelo empregado). No Brasil, as ações em respostas efetivas ao HIV/AIDS já atingiram mais de 20 mil pessoas, desde o ano de 2003. O trabalho pioneiro da Anglo American no campo da política e defesa do combate ao HIV/AIDS tem sido reconhecido inúmeras vezes. Em 2004, a Global Business Coalition on HIV/AIDS, TB and Malaria concedeu à empresa o eminente Leadership Award em sua premiação anual Awards for Business Excellence. Em 2007, a Anglo Coal foi elogiada pela Global Business Coalition por seus programas comunitários. Mais recentemente, no 2008 African Business Awards, a Anglo American recebeu o prêmio por Gender Sensitivity (Sensibilidade ao Gênero), em parte devido aos nossos programas de combate ao HIV/AIDS.


Parte II - Experiências no trabalho com homens A IMPORTÂNCIA DAS AÇÕES DE PREVENÇÃO ÀS DST/HIV/AIDS EM ESTÁDIOS DE FUTEBOL NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO Maria Elisabeth de Barros Reis Lopes43 HISTÓRICO No ano de 2008, o número de casos de Aids no município de São Paulo, em indivíduos com 13 anos ou mais, era de 69.274. Desse total, 50.561 casos estavam no sexo masculino e 18.713 casos no sexo feminino. Nas mulheres, desde 1980, a forma de transmissão do HIV sempre foi quase que, na sua totalidade, pelo uso de drogas injetáveis ou por via sexual (no caso, apenas heterossexual). Já na população masculina, quando feita a análise da forma de transmissão por via sexual encontramos, entre os anos de 1980 e 1989, 48% dos casos notificados na categoria homossexual, 16% na bissexual e 9% na categorial heterossexual. No período que vai de 2000 a 2008, essa proporção modifica-se para 30% dos casos notificados, segundo categoria de exposição homossexual, 13% na bissexual e 43% na heterossexual. Com tal cenário epidemiológico, passa a fazer parte das discussões sobre prevenção ao HIV, a falta de uma estratégia específica voltada à população masculina heterossexual. Percebe-se que a própria feminização da epidemia do HIV era já um sintoma do caminho de transmissão heterossexual entre os homens. Surge, a partir daí, a questão: como trabalhar com uma população que não tem a “tradição” de cuidar de si, de fazer uso de serviços públicos de saúde e, principalmente, fazer uso de atitudes preventivas de saúde?

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Assessora Técnica do Projeto Homens - Programa Municipal de DST/Aids – São Paulo

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES E METODOLOGIA Foi então que, por meio de um projeto piloto, técnicos do Programa Municipal de DST/Aids de São Paulo (PM DST/Aids – SP) foram diretamente à um espaço aonde os homens poderiam ser encontrados. Não foi preciso pensar muito para se concluir que estas ações deveriam ser iniciadas em estádios de futebol. Na verdade, tínhamos mais dúvidas do que respostas. Como seríamos recebidos? Seria o local correto para se fazer uma ação de prevenção à saúde desse homem? Como passar a mensagem de prevenção? E, principalmente, que linguagem utilizar com esses homens? Em todo o processo de respostas a estas dúvidas, foram extremamente importantes as parcerias estabelecidas com a Federação Paulista de Futebol (FPF) e o 2º Batalhão de Choque da Polícia Militar do Estado de São Paulo, que nos indicaram e abriram todos os caminhos necessários. “A primeira partida a gente nunca esquece” A primeira partida foi com uma das maiores torcidas do país, a Corintiana, no jogo entre Corinthians e Ponte Preta, no Estádio do Pacaembu. A facilidade que tivemos na realização desta primeira ação deveu-se à abertura e parceria com a FPF. A ação inicia-se no momento em que há a abertura dos portões, cerca de duas horas antes da partida. Técnicos do PM DST/Aids - SP e da Rede Municipal Especializada em DST/Aids (RME DST/Aids) e agentes de prevenção do Projeto Homens, posicionam-se em cada uma das entradas dos estádios para distribuição dos preservativos, embalados por uma carteirinha plástica com mensagens alusivas à prevenção às DST/HIV/Aids e jargões futebolísticos, além dos endereços dos 24 serviços da RME DST/Aids. A utilização deste material plástico surge como alternativa ao material tradicional uma vez que, por medidas de segurança, nos estádios de futebol deste município, não é permitida a entrada de papel. Para solucionar este problema, criamos um material perene e com utilidades diversas. Por ser uma carteirinha de


Parte II - Experiências no trabalho com homens plástico, incentiva o torcedor a preservá-la para guardar o próprio preservativo ou ainda ingressos, cartões ou documentos. Como forma de reforçar a mensagem, uma faixa alusiva à prevenção às DST/Aids é passada meia hora antes do início da partida e no intervalo do jogo ao redor do campo. Essas mensagens mudam de acordo com a referência que se deseja fazer, muito em virtude da época em que é escolhida a partida na qual será realizada a ação. Por exemplo:  “DEFENDA COM PROTEÇÃO”  “ NÃO EMBOLE O MEIO DE CAMPO”  “ATAQUE COM SEGURANÇA”  “USE

SEMPRE

CAMISINHA”

(A

mesma

mensagem

do

porta-

preservativo)  “VOCÊ SABE O QUE É SÍFILIS?” (Ação alusiva ao Dia Nacional de Combate à Sífilis)  “1º DE DEZEMBRO, DIA MUNDIAL DE LUTA CONTRA A AIDS”  “A COPA É DO MUNDO. A PREVENÇÃO À AIDS TAMBÉM” (Ação alusiva à Copa do Mundo 2010). Em cinco jogos realizados desde 2008, nos três estádios do município de São Paulo, Pacaembu, Palestra Itália e Morumbi, foram distribuídos perto de 240 mil preservativos alcançando cerca de 200 mil torcedores. Para a realização de cada ação são mobilizadas por volta de 25 pessoas, entre técnicos e agentes de prevenção. A recepção Esta era uma grande dúvida: Como seríamos recebidos em um local onde todos estão preocupados com seu lazer e com a vitória do seu time? Como falar de doença em um local onde a alegria é o elemento que mobiliza e integra todos aqueles torcedores? A resposta foi falar de saúde, de prevenção como forma de prazer, torcendo junto com cada um daqueles homens e desejando momentos de alegria. O

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids preservativo passa a ser visto como instrumento importante em uma possível comemoração, caso o time do coração seja vitorioso. Foi exatamente a forma como a população masculina nos recebeu logo no início que nos forneceu a linguagem que deveríamos usar no Projeto a partir daí. Não havia necessidade de muito explicar, os homens percebiam que o preservativo entregue era para prevenção de sua própria saúde e, rapidamente, nós também percebemos que, no caso deles, menos era mais.

LIÇÕES APRENDIDAS O Projeto Homens veio para ficar, ampliando a percepção dos profissionais do PM DST/Aids em relação à atenção que se deve ter aos caminhos que segue a epidemia do HIV. As diferenças de comportamento nas

diversas populações requerem

estratégias diferenciadas, sendo uma delas, a análise de crenças e expectativas culturais e a forma como estas influenciam de forma singular nas ações de prevenção à saúde tanto em homens como em mulheres. As ações nos estádios acabaram por refletir a necessidade de ampliar as ações de prevenção voltadas à população masculina, de maneira específica, em outros setores sociais, como os aquartelados, trabalhadores da construção civil entre outros.


Parte II - Experiências no trabalho com homens A partir desta experiência, o Projeto Homens deixa de ser piloto e passa a ser uma das prioridades do PM DST/Aids, no formato dos demais projetos já existentes e com a contratação de agentes de prevenção -

agentes de saúde da própria

comunidade e/ou grupo social, passaram a atuar pelo projeto homens com a responsabilidade de divulgar informações sobre prevenção às DST/Aids entre seus pares. A discussão sobre as “masculinidades” se aprofunda, inclusive sobre a sua reprodução social e até que ponto ela pode gerar situações de vulnerabilidade às DST/HIV/Aids. Além disso, percebeu-se a necessidade de levar o debate para os diversos equipamentos de saúde que não possuem, tradicionalmente, rotinas e fluxos voltados à população masculina em geral. Para discutir o tema, o PM DST/Aids realizou seminários e oficinas sobre as diversas "masculinidades" e a forma como lidam com a sua saúde, tendo como foco a prevenção às DST/HIV/AIDS. Setores diversos da área da saúde do município de São Paulo participaram dos eventos com o objetivo de debater novas políticas públicas de saúde voltadas à população masculina. As ações nos estádios de futebol não apenas ajudaram na reflexão sobre novas e importantes estratégias voltadas à população masculina, até então sem políticas de saúde específicas, mas, principalmente, a nortear o caminho e a linguagem que começamos a traçar e conhecer para a prevenção junto aos homens, e passam a fazer parte da solução no combate e controle da epidemia do HIV. O Projeto Homens durante a sua construção teve a participação de quase todos os técnicos do Programa Municipal de DST/Aids o que evidenciou a importância do trabalho intersetorial. Em virtude disso, e para não correr o risco de esquecer de mencionar nenhum integrante deste grupo, agradecemos a todos que participaram das diversas ações realizadas. Gostaríamos de agradecer especialmente a Roberto Ramolo, desenhista do Setor de Comunicação responsável pelas artes e material educativo que tanto caracteriza o Projeto Homens.

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids


Parte II - Experiências no trabalho com homens O TEATRO COMO FERRAMENTA NA PREVENÇÃO DAS DST/AIDS NA UNIDADE DE REGIME SEMI-ABERTO P-1, DO COMPLEXO PENITENCIÁRIO DE HORTOLÂNDIA. Sérgio Ferreira Júnior44 Vivian Mae Schmidt Lima Amorim45 HISTÓRICO Hortolândia, município do estado de São Paulo, localizado a 120km da capital, pertence à Região Metropolitana de Campinas e tem a sua economia baseada na prestação de serviços, na produção de fármacos, e empresas de tecnologia de ponta. Apresenta taxa de crescimento de 7,1% ao ano desde a sua emancipação do município de Sumaré em 1991. Nesta ocasião, Hortolândia contava com 45.000 habitantes, saltando para 201.000 habitantes em 2010. Abriga ainda um Complexo Penitenciário, com quatro unidades prisionais de regimes semi aberto e fechado, com população estimada em 12.000 detentos e 1200 funcionários. A presença deste complexo penitenciário provocou um grande impacto no município. Segundo a Secretaria Municipal de Inclusão Social, para cada preso levado ao complexo, seguem com ele em média cinco pessoas, entre familiares e agregados que ao longo do tempo instalaram-se ao redor dos muros do presídio, em áreas de ocupação, formando grandes bolsões de pobreza. Nestes locais, são muitas as demandas nas áreas de saúde, educação, segurança e serviços sociais. Esta população representa cerca de, 34% da população geral do município. Populações encarceradas sempre representam um grande desafio para o controle das doenças infecto-contagiosas. Aparentemente, o confinamento

nas

instituições prisionais onde há serviços de saúde pode sugerir ser fácil o controle das doenças infecciosas na população prisional em especial as Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), a Síndrome da Imunodeficiência Humana Adquirida (aids) e a Tuberculose (TB). Entretanto, na prática as dificuldades encontradas são inúmeras.

44 45

Coordenador do Programa Municipal de DST/AIDS de Hortolândia - SP Diretora do depto. de Saúde Coletiva - Secretaria Municipal de Saúde de Hortolândia - SP

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164

Masculinidades e Prevenção às DST/Aids O baixo investimento do Estado na área da saúde prisional, em detrimento à área de segurança, nas últimas décadas levou ao sucateamento dos serviços de saúde do sistema prisional e à redução de suas equipes de saúde. Como conseqüência, os agentes de segurança, que em geral não possuem formação na área de saúde, passaram a representar nos últimos anos um papel regulador, dificultando ou facilitando o acesso dos detentos aos serviços de saúde. A população de detentos no sistema prisional brasileiro em sua maioria possui pouca escolaridade e pertence a grupos de baixo nível sócio-econômico e muitos ingressam no sistema penitenciário já doentes ou infectados pelo HIV/aids, TB e outras doenças. A média de permanência de um detento no sistema prisional é de 30 meses, tempo consideravelmente longo, que propicia a transmissão de doenças infecciosas como a TB e as DST/HIV/Aids. O uso indevido de álcool e drogas e o comportamento sexual consentido ou não, sem o uso de preservativos, são situações toleráveis no sistema prisional mostrando-se importante barreira no controle da TB e vulnerabilidade acrescida às DST e o HIV/aids. As freqüentes transferências dos detentos entre as unidades prisionais e as eventuais fugas causam o abandono ou interrupção dos tratamentos. A ineficiência do serviço de saúde prisional resulta na demora da identificação dos detentos suspeitos, podendo ocasionar o aumento do risco de transmissão na população prisional, falhas na adesão à terapia medicamentosa e o abandono do tratamento. Neste ambiente violento e hostil das prisões, onde as tensões entre detentos e seguranças determinam uma lógica que organiza e rege a vida de todos que atravessam os portões no cotidiano desta instituição. Trabalhar as temáticas relativas à saúde do homem e representatividade da masculinidade dentro do contexto prisional torna-se um imenso desafio para a prevenção das DST/HIV/Aids e TB com esta população encarcerada. O Programa Municipal de DST/Aids de Hortolândia-SP – PMDST/Aids, em sua Programação Anual de Ações e Metas (PAM), para 2008, 2009 e 2010, pactuou com o Ministério da Saúde o desenvolvimento de ações de prevenção às DST/HIV/Aids e TB no Complexo Penitenciário de Hortolândia em parceria com a FUNAP – Fundação Professor

Doutor

Manoel

Pedro

Pimentel,

responsável

pelo

planejamento,

desenvolvimento e avaliação de programas sociais para os presos egressos das 144


Parte II - Experiências no trabalho com homens

165

penitenciárias do Estado de São Paulo e presente nas unidades prisionais do Complexo Penitenciário de Hortolândia. OBJETIVOS O objetivo geral deste projeto foi desenvolver ações que levassem a informação sobre as formas de prevenção das DST/HIV/aids e TB para a população penitenciária

do

regime

semi

aberto.

Mais

especificamente,

aumentar

o

conhecimento das formas de transmissão destas doenças e estimular novas práticas e atitudes que reduzam a vulnerabilidade frente a estas doenças. Também formar multiplicadores de informação entre os detentos; capacitar os monitores de educação da FUNAP para trabalharem estas questões em salas de aula.

DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES E RESULTADOS Em 2007, como proposta de trabalho, foi sugerida pelo PMDST/aids de Hortolândia, a realização de duas semanas da saúde por ano, direcionadas para a população de presos e funcionários, abordando vários assuntos relativos à prevenção em saúde, em especial às DST/HIV/aids e TB. A partir de então, considerou-se a utilização do teatro como ferramenta de disseminação de informação intra e extra muros com a formação de um grupo de teatro formado por 10 reeducandos. O texto sugerido foi “O Auto da camisinha”, de José Mapurunga que possui o formato de teatro de rua e literatura de cordel.


166

Masculinidades e Prevenção às DST/Aids A chamada para a formação do grupo de teatro foi realizada pela FUNAP que reuniu os reeducandos interessados em participarem das oficinas de teatro e identificou, entre os mesmos, um arte educador, contratando-o durante o período de julho a dezembro de 2007 para a realização destas oficinas. O grupo teatral, inicialmente formado por 10 reeducandos, recebeu do programa municipal de DST/Aids – PMDST/aids, uma formação em prevenção às DST/HIV/aids e TB, transformando-se em multiplicadores de informação entre os reeducandos. Os ensaios ocorreram duas vezes na semana nas instalações da escola da unidade prisional e foram acompanhados pelo Programa Municipal de DST/AIDS que colaborou no discurso dos atores em relação à prevenção das DST/HIV/aids e TB, corrigindo os erros e equívocos nas falas de prevenção. A produção do espetáculo contou com a ajuda dos monitores da FUNAP e os figurinos e cenários foram produzidos pelo grupo de reeducandos com materiais existentes no próprio presídio ou doados pelos monitores. O

espetáculo

foi

inicialmente

apresentado

para

os

reeducandos

freqüentadores da escola e para a direção da unidade prisional P-I e, posteriormente, passou a ser levado nas atividades de prevenção do PMDST/aids em escolas, empresas e unidades de saúde. Muitas foram as dificuldades encontradas para a realização deste projeto. A maior delas foi a rotatividade do grupo, causada pela liberdade de alguns componentes ou pelo retorno de outros ao regime fechado. Mas também houve a desistência de um dos componentes que sofreu preconceito e discriminação por representar um papel feminino por parte de outros reeducandos. Foi sensivelmente perceptível as barreiras imposta pela segurança que dificultou a saída do grupo por muitas vezes causando o cancelamento do espetáculo ou o atraso das apresentações agendadas. Mas, apesar de todos estes obstáculos, o grupo realizou 16 apresentações em 2007/2008 e ainda participou do Festival Campineiro de Teatro de 2007. Em 2009, esta parceria foi reafirmada e foram contratados um professor de artes cênicas pelo PMDST/Aids com recursos da PAM por 24 horas/mês durante três meses e um monitor de artes cênicas pela FUNAP com recursos próprios por seis meses. Neste ano o trabalho foi comprometido pela demora na contratação destes profissionais e pela rotatividade dos reeducandos, mas, mesmo assim o espetáculo


Parte II - Experiências no trabalho com homens foi produzido e o grupo realizou seis apresentações em locais públicos e privados e participou do I Encontro Paulista de Prevenção e Controle das DST/aids, 2009. Em 2010, ainda com as mesmas dificuldades, uma arte educadora foi contratada para as oficinas de teatro com recursos da PAM 2010 por três meses totalizando 80 horas. O mesmo monitor de artes cênicas foi novamente contratado pela

FUNAP

e

o

projeto

teve

a

sua

continuidade, produzindo um novo espetáculo

“A chegada de Marcolino no Purgatório”, de Oriângelo Leal Martins e seguirá com as apresentações agendadas para as unidades de saúde da rede pública municipal e outros espaços. junho

No total, entre junho de 2007 e de

2010,

foram

realizadas

aproximadamente 30 apresentações dentro e fora da unidade prisional, atingindo cerca de 3500

pessoas.

Durante

os

ensaios

e

apresentações, participaram das oficinas cerca de 35 detentos e 5 profissionais de teatro. Além destes resultados, tivemos como desdobramento deste projeto, a inserção do PMDST/aids nas outras unidades prisionais do complexo, a realização das “Semanas da Saúde”; em parceria com a SIPA – Semana Interna de Prevenção a Acidentes, trabalhando a prevenção das DST/HIV/Aids e TB com a população de trabalhadores do presídio e o aumento da procura dos detentos e funcionários pelos preservativos masculinos. Também foi verificada a adesão das 4 unidades prisionais do complexo penitenciário na Campanha “Fique Sabendo” de 2009, com cerca de 1200 sorologias para HIV realizadas, aumentando também a demanda para exames de Sífilis, HIV e Hepatites. Em relação à TB observou-se uma sensibilização dos detentos e trabalhadores em relação aos riscos da transmissão e infecção da doença, aumentando a procura por exames de baciloscopia, contribuindo para o diagnóstico precoce, adesão ao tratamento e possibilitando a melhoria do controle da TB na unidade prisional.

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168

Masculinidades e Prevenção às DST/Aids LIÇÕES APRENDIDAS O Teatro mostrou ser uma excelente ferramenta na transmissão do conhecimento sobre as

formas

de prevenção das

DST/HIV/aids, podendo

transformar comportamentos, práticas e atitudes, reduzindo a vulnerabilidade da população prisional frente a estas doenças. Também possibilitou para o grupo, uma nova experiência de vida, um novo olhar do detento em relação à sua própria condição e seus riscos, promoveu a reinserção social, a elevação da auto-estima, o resgate da cidadania, o sentimento de pertencimento a um grupo, a quebra de paradigmas, a desmistificação do estigma prisional e a descoberta do teatro como uma nova possibilidade de vida após a liberdade. “O teatro é tudo isso: Empenho, dedicação e envolvimento. Tenho aproveitado isso para desanuviar a mente e saber que posso alçar vôos mais altos e elevar minha estima” (Washington Inácio – reeducando)

“Nunca participei de um teatro. É a minha 1ª. Vez. Essa coisa de eu ser duas ou três pessoas na peça é fantástica! Despertei o outro lado do meu cérebro.” (Paulo Jorge C.Filho – reeducando)

Hortolândia, SP – 2010 – dst.aids@hortolandia.sp.gov.br


Parte II - Experiências no trabalho com homens

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A CAMISA TE DEIXA ELEGANTE, A CAMISINHA TE GARANTE! - AÇÃO DE PREVENÇÃO AS DST/AIDS NO CEASA DE CAMPINAS Shirlei Aparecida de Souza46 Maria Cristina Prini47 Maria do Carmo Martins 48 HISTÓRICO Este trabalho relata a experiência do desenvolvimento de ações de prevenção e assistência às DST/aids realizada pelo Ambulatório de Saúde da CEASA (Central de Abastecimento S/A) com o Programa Municipal DST/aids de Campinas (PMDST/aids), de 2008 a 2010. A proposta de desenvolver um projeto de prevenção das DST/aids na CEASA partiu de um anseio feminista, com reflexões realizadas, principalmente com mulheres, em diferentes espaços como Conferência Municipal de Políticas Públicas para Mulheres, Projeto de Aconselhamento entre Pares (grupo de mulheres), encontro para elaboração do Plano Municipal de Enfrentamento da Feminização da aids e Plano de Ações e Metas. Na escuta das mulheres foram recorrentes as demandas por envolvimento e co-responsabilização dos parceiros, pois, as mesmas questionavam que

a

responsabilidade pela prevenção estava sendo mais uma sobrecarga para elas, além da resistência dos homens em aceitar o uso do preservativo. Foi apontada a necessidade de trabalhar com homens na perspectiva de refletir sobre suas vulnerabilidades e sensibilizá-los para o uso pactuado do preservativo com suas parceiras (ou parceiros). Havia também uma preocupação do Programa em buscar novas estratégias de diálogo com os homens que, através do NECS (Núcleo de Educação e Comunicação Social) apropriou-se do documento do Ministério da Saúde sobre a Política de Saúde

46

Psicóloga e Aconselhadora no CTA/Centro de Referência DST/aids de Campinas Enfermeira e Coordenadora do Ambulatório de Saúde da CEASA/Campinas 48 Enfermeira no Centro de Referência DST/aids de Campinas 47


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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids do Homem que estava sob consulta pública e, promoveu discussões internas acerca das masculinidades. Considerando que a procura dos homens pelos serviços de atenção primária é baixa e que o Ambulatório de Saúde da CEASA já havia solicitado apoio do Programa para trabalhar com prevenção das DST/aids, optou-se por iniciar este trabalho nesta unidade de saúde. DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA E RESULTADOS A CEASA está localizada na Rodovia D. Pedro I, km 140,5. É constituída do mercado de flores, de Hortifrutis e área administrativa. Circulam diariamente neste espaço cerca de 15 mil pessoas, em sua grande maioria homens: caminhoneiros, carregadores,

compradores,

vendedores,

pessoal

da

área

administrativa,

lanchonetes, de limpeza e serviços gerais. O Ambulatório da Ceasa é uma unidade de atenção ä saúde localizada na área administrativa, que tem como missão a promoção, prevenção, diagnóstico precoce e tratamento das doenças infecto-contagiosas, agudas, crônicas e ocupacionais; vigilância em saúde: sanitária, epidemiológica, saúde do trabalhador e ambiental; pronto atendimento das urgências que ocorrem no ambiente de trabalho e em todo território da CEASA; assistência odontológica integral aos trabalhadores da CEASA e atendimento de urgências. A abrangência nacional e internacional da CEASA coloca esta Unidade em posição estratégica na Vigilância em saúde. O trabalho do PMDST/aids com as unidades de saúde tem como eixo a diretriz da descentralização das ações de aconselhamento para a rede básica, com um “olhar” especial para o enfrentamento da feminização da aids. São desenvolvidos projetos singulares, tendo como referenciais os pressupostos da educação permanente, da comunicação social e do aconselhamento. Neste projeto foram realizadas ações de educação em saúde e de comunicação social pela equipe do NECS e do Núcleo de Assistência do PMDST/aids, com profissionais do Ambulatório de Saúde da CEASA, com o objetivo de sensibilizar a equipe para esta temática, iniciando-se pelo aconselhamento em HIV/DST/aids.


Parte II - Experiências no trabalho com homens

171

A equipe do Ambulatório é constituída de três médicos, um enfermeiro assistencial,

uma

enfermeira

coordenadora

da

unidade,

oito

auxiliares

de

enfermagem e dois dentistas. Após a sensibilização da equipe, foi elaborado um plano de ação e, a partir deste, desencadeadas atividades em datas comemorativas, itinerantes e no próprio Ambulatório:  Campanha Fique Sabendo, 2008 – Coleta de sorologias para HIV, sífilis e hepatites virais no mercado de flores, com distribuição de materiais educativos e preservativos.  Dia anterior ao dia dos namorados, 2009 – Distribuição de 1800 kits de prevenção (materiais educativos e preservativos) nos mercado hortifuti.  Dia dos namorados, 2009 – Distribuição de 1200 kits de prevenção no mercado de flores e em outros locais.  Dia Mundial de luta contra a aids, 2008 e 2009 – atividade itinerante com o “carrinho da prevenção”

A equipe percorreu os mercados com

intervenções lúdicas, com um carrinho de supermercado e de praia enfeitados com guarda sol, boneca sensual e com as frases. elaboradas por usuários, dialogando com os trabalhadores e frequentadores dos mercados e distribuindo kit de prevenção.  Dia dos caminhoneiros, 30/06/2010 - Distribuição de kit de prevenção na entrada dos veículos.  Feira de saúde 2008 e 2009 - Evento realizado anualmente no mês de agosto, composta de barracas (“cantinhos”) com diferentes ofertas de cuidados para com a saúde. Para todos os “cantinhos” foram necessários os recursos humanos e materiais que exigiram a articulação de uma rede intersetorial, a saber: 1. Cantinho

do

bom

de

cama

(prevenção

DST/aids

com

oferta

e

encaminhamento para o aconselhamento e exames de HIV, sífilis e hepatites virais, ações de redução de danos, rádio atitude) - parceria com PMDST/aids (NECS, equipe de Redução de Danos e CTA).


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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids 2. Cantinho da mulher consciente (exames de prevenção ao câncer de mama e de útero e planejamento familiar) – parceria com outras unidades de saúde da rede básica. 3. Cantinho da auto-estima (corte de cabelo e manicure) – parceria com a empresa Embeleze e escola de cabelereiros do SENAC. 4. Cantinho da nutrição (orientação nutricional; degustação de frutas, sucos naturais e granola) - parceria com a PUCCAMP com alunos do curso de nutrição. 5. Cantinho do relaxamento (massagem terapêutica e orientação postural) – parceria com a PUCCAMP com alunos do curso de Fisioterapia. 6. Cantinho da prevenção da dengue e de acidentes com animais peçonhentos parceria com a equipe do Centro de Controle de Zoonoses e agentes comunitários do DSN. 7. Cantinho da vacinação – atualização de vacinas de hepatite B, dT, Dupla viral, SCR e febre amarela; Influenzae Sazonal pelos profissionais do Ambulatório e da VISA Norte. 8. Cantinho da prevenção de doenças crônicas – parceria com UNICAMP com alunos do curso de auxiliar e técnico de enfermagem e técnico de Enfermagem do Trabalho da Escola Global. 9. Cantinho dos bons dentes – profissionais do Ambulatório da CEASA. 10. Cantinho da solidariedade – parceria com a CEASA (Banco de Alimentos e ISA). Em 2008, foram realizados shows com diversos estilos musicais, e, em 2009 a gincana da prevenção e rádio ao vivo com vinhetas e spots de prevenção produzidos com frases elaboradas pelos usuários. A infra-estrutura da feira foi garantida pela administração da CEASA. A feira foi um dispositivo para o desencadeamento do trabalho de prevenção das DST/aids na CEASA. A equipe do Ambulatório propôs um concurso de frases


Parte II - Experiências no trabalho com homens para ser utilizada como mote do projeto que, inicialmente, foi intitulado como: “Sexo com responsabilidade é saúde”. Este concurso teve como objetivo, envolver e “aquecer” a comunidade local para estas questões, e, obter um produto de comunicação que dialogasse com o os homens daquele espaço de trabalho. A divulgação do concurso ocorreu através de meios alternativos (rádio comunitária e carro de som). Os participantes do concurso depositaram suas frases no Ambulatório da CEASA, e, posteriormente, a equipe do NECS organizou um encontro com homens para eleger a melhor frase. A frase eleita foi: “A camisa te deixa elegante e a camisinha te garante!” (Antonio Domingos da Paixão). O produto deste concurso foi utilizado para a confecção de uma camiseta que foi entregue a todos/as que trabalharam na feira e aos usuários/as que participaram do aconselhamento e/ou realizaram os exames HIV/sífilis. As demais frases selecionadas foram utilizadas para a produção de spots para rádio, banners e calendário: 

Use camisinha, seja na primeira, na segunda ou até acabar a gasolina...(Miguel Branco)

Use capacete, use cinto, e principalmente, use camisinha. Você passa dos 60, dos 90, sem levar qualquer multinha! (Miguel Branco)

O país é muito grande e a missão não é só minha, por isso vou falar, use sempre camisinha! (Miguel Branco)

Para fazer amor, isto não tem hora: pode ser de dia, pode ser à noite, pode ser agora! (Miguel Branco)

Sexo, no quarto, na sala e na cozinha, prá ficar legal, tem que ser com camisinha! (Miguel Branco).

A equipe do NECS produziu também um adesivo para ser entregue aos caminhoneiros, com a frase de uma campanha do carnaval do Ministério da Saúde: “Bom de cama é quem usa camisinha”. contratado um jovem grafiteiro.

Para confeccionar o adesivo, foi

173


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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids RESULTADOS ALCANÇADOS As estratégias utilizadas para as ações de prevenção das DST/aids foram inovadoras. Muitas vezes a equipe subia na boléia de caminhões para dialogar com os usuários e entregar os preservativos.

A criatividade, envolvimento e

entrosamento das equipes do PMDST/aids e Ambulatório de Saúde da CEASA contribuíram para o alcance destes resultados. Avaliou-se que existem dificuldades ainda a serem superadas, porém, é possível afirmar que a equipe incorporou em sua prática as ações de prevenção e assistência às DST/aids e está melhor preparada para o atendimento destas questões, com avanço na qualidade do vínculo dos profissionais com os usuários, o que pode ser constatado nos depoimentos a seguir: RH insuficiente pois, gera aumento de demanda. (Pedro André de Ávila,

auxiliar de enfermagem da farmácia) Ritmo de trabalho dos usuários (frenético); preparo (planejamento das atividades) muito próximo do evento, nem sempre há envolvimento de toda a equipe por falta de tempo hábil; atividades precisam ter atrativos novos/ não pode ser muito repetitivo. (Elida Acosta, auxiliar de enfermagem) As dificuldades para a implantação do projeto são: muita demanda de usuários;

falta

de

profissionais

para

dar

continuidade

para

palestras,

acompanhamento e entrega de exames para pacientes orientando-os. (Ivomilde Guimaràes Liano, auxiliar de enfermagem). Mais pessoas procurando fazer exames/ HIV e outros, portanto maior acesso à prevenção, tanto para DST quanto à saúde em geral. Quando ele busca fazer HIV, recebe também outras orientações.(Elida Acosta, auxiliar de enfermagem) Mais que qualquer outro local, muito importante porque tem um público masculino em grande quantidade que tem dificuldade de participar em grupos fora daqui, pela carga horária de trabalho extensa. (Teresa Cristina de Fátima da Silva, auxiliar de enfermagem) Abertura: O usuário se sente mais a vontade para procurar (investigar) o serviço, sabe que não vai encontrar “juizes” e sIm profissionais mais éticos. (Elida Acosta, auxiliar de

enfermagem.)


Parte II - Experiências no trabalho com homens Ajudou um pouco a conscientização dos profissionais que eram pouco envolvidos com essa questão de Aconselhamento e outras. Informação, participação do cliente, procura do serviço para coleta de exames, prazer em realizar este trabalho de informação e prevenção das DSTs, que é o que a Saúde Pública tem que fazer. (Teresa Cristina de Fátima da Silva, auxiliar de enfermagem) O projeto confirmou a necessidade de ações nos locais de trabalho, pois, ampliou o acesso dos homens aos cuidados com a saúde e propiciou o aumento da procura dos usuários no Ambulatório por insumos de prevenção, exames e tratamento das DST/aids, o que foi possível constatar através do crescimento das coletas de sorologias. Durante os dois anos de projeto apenas um usuário obteve resultado reagente para HIV e um número maior com sorologias positivas para hepatite B e C e Sífilis. LIÇÕES APRENDIDAS O desconhecimento do universo dos caminhoneiros pode ter dificultado a execução de ações propostas, como foi a oficina de serigrafia em parachoques. A justificativa pela ausência dada pelos caminhoneiros foi a falta de tempo. Esta é uma realidade, dada a característica do trabalho na CEASA, porém, ficou uma dúvida: teria sido uma falta de tempo ou uma esquiva em colocar uma frase sobre o tema nos parachoques? Estas questões apontaram a necessidade de refletir sobre alguns estigmas e preconceitos em relação aos caminhoneiros e de dialogar, escutar e conhecer melhor estes usuários. O concurso de frases demonstrou a necessidade de desenvolver ações que promovam a desconstrução de velhos estigmas e preconceitos, de que a aids é uma doença que atinge apenas alguns grupos, o que foi observado em frases que não foram selecionadas no concurso. O adesivo ”Bom de Cama”, que foi pensado inicialmente neste projeto para caminhoneiros, acabou gerando outras ações do PMDSTt/aids e também passou a ser utilizado como um material para outras ações e projetos. A associação de uma qualidade desejável socialmente para os homens a uma imagem a uma cena de

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids sexo, é possível que tenha garantido a

aceitação deste material pelos homens,

principalmente entre os mais jovens. A produção dos materiais foi um dispositivo potente que desencadeou processos de trabalho intersetoriais e trocas interdisciplinares, conexões de projetos e serviços, encontros de pessoas para conversarem sobre vulnerabilidade, masculinidade e sexualidade, gerou mudanças no serviço e na equipe e atingiu a comunidade para além do território da Ceasa. O projeto confirmou a necessidade de investir em estratégias de comunicação que considerem a linguagem e informação adequadas e o uso de meios convencionais,

alternativos,

descentralizados

e

populares

que

valorizem

as

experiências das pessoas, e que possam garantir a participação dos usuários na construção da informação e a integralidade nas ações. Este foi um dos modos de operar com este princípio. O trabalho continua... e a equipe do Ambulatório a todo vapor está organizando a terceira feira de saúde. O Ambulatório da CEASA foi selecionado para desenvolver Projeto Piloto de Saúde do Homem do Ministério da Saúde, que inclui a temática das DST/aids nas demais ações voltadas para a saúde do homem.

Na boléia, no box ou na caixinha. prá ficar legal, tem que ser com Camisinha!!! (Cláudio Dias Neves, motorista do PMDST/aids)


Parte II - Experiências no trabalho com homens

CONVERSA DE ROLÊ: EXPERÊNCIAS DE MASCULINIDADES ENTRE JOVENS DO SKATE E DO GRAFFITI NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS. Almir da S. Pinheiro49 Ana Cristina dos Santos Vangrelino50 MUNÍCIPIO: CAMPINAS – SP ANO: 2008 / 2009 INTRODUÇÃO Desde 2008 o Núcleo de Educação e Comunicação Social do Programa Municipal de DST Aids de Campinas – São Paulo, vem desenvolvendo projetos e ações pontuais de diminuição de vulnerabilidades de homens e mulheres adolescentes e jovens pertencentes a grupos urbanos em contextos diferentes de escolas ou ONGs. Esses grupos circulam pela cidade e se manifestam por meio de expressões artísticas, tendo uma relação particular nesse território urbano, sendo a rua um espaço de circulação e convivência apesar de suas diferenças e peculiaridades. A rua é um espaço predominantemente masculino e isto se reflete nas ações de educação em saúde, uma vez que o espaço da rua abarca também comportamentos, referências identitárias, linguagens e formas de sociabilidade que se refletem nas relações de gênero constituídas histórica e socialmente. (BARBOSA, AMARAL, 2006; MAGNANI, SOUZA, 2007)

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Programa Municipal de DST/Aids de Campinas - SP Programa Municipal de DST/Aids de Campinas - SP

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids OBJETIVOS: O objetivo geral desse trabalho com os artistas urbanos ligados ao graffiti e os skatistas é desenvolver ações de prevenção às DST/aids e material educativo para esses grupos. Os objetivos específicos consistem em abordar questões referentes às sexualidades e às vulnerabilidades desses dois grupos de maioria masculina em relação à prevenção das DST/Aids. DESCRIÇÃO: Com os jovens do graffiti, em sua maioria do sexo masculino, desenvolvemos oficinas de criatividade para confecção de material gráfico educativo. O tema que norteou as oficinas foi a experiência de ser homem, tendo uma psicóloga e um assessor em artes visuais como coordenadores. Outros profissionais como uma sexóloga, um sociólogo e uma auxiliar administrativa foram convidados em momentos pontuais, utilizando materiais de educação em saúde, revistas de graffiti e outras, contos eróticos, filmes, jogos e dinâmicas. As reuniões das oficinas de sticker (adesivo) foram realizadas no período de abril de 2008 a junho de 2009, trabalhando com 22 graffiteiros e interventores urbanos e indiretamente com mais de 50 adolescentes e jovens. Com os skatistas produzimos um campeonato onde divulgamos o preservativo para um público de 150 pessoas no final de 2008. Em 2010 nos procuraram para um novo evento. Com os jovens skatistas realizamos conversas pontuais em eventos voltados para este público e os temas predominantes para o grupo foram o uso de preservativo e as vulnerabilidades relacionadas ao uso de álcool e outras drogas. Para esses grupos o “dar um rolê” tem um significado de andar pelas ruas, pelos lugares, sem objetivo de chegar a algum lugar, às vezes apenas para observar, procurar muros, andar, conversar, dialogar, interagir com todo espaço, com a cidade, relacionando a rua à arte e qualquer assunto. (BARBOSA, AMARAL, 2006; MAGNANI, SOUZA, 2007)


Parte II - Experiências no trabalho com homens RELATOS DOS COORDENADORES DAS OFICINAS: Relatamos aqui algumas situações durante os “rolês”, em que alguns dos temas discutidos nas oficinas apareceram. 1. Vou fazer um rolê na hora do almoço próximo ao terminal de ônibus,

encontro Geórges que trabalha como vendedor de celulares na rua em meio a multidão, a gente conversa sobre os rolês de graffiti, pichação, sticker (adesivos) produzidos nas oficinas de prevenção, o trabalho e do final de semana. Georges comenta que queria pegar o filho de dois anos que vive com a mãe, mas ela ia viajar e levá-lo. Sinto uma tristeza na expressão de Georges, que há pouco falava da rua de forma animada, ele continua dizendo da dificuldade de diálogo com mãe de seu filho, de como seu filho é lindo e esperto; coisas de “pai coruja”. De repente quando se percebe triste muda de assunto e volta a perguntar do FUBÁ51 e dos preservativos, em seguida me despeço e sigo no meu rolê pelo centro da cidade. 2. Num final de tarde aparece no serviço o Caio, um graffiteiro com a filha de seis anos. _Vim fazer um rolê aqui! Enquanto a gente conversa sobre as oficinas, prevenção, projetos e trabalho, a menina pede papel e lápis, entrego-lhe algumas canetinhas e folhas, ela desenha e pinta uma, duas, três, várias folhas e vem nos mostrar o que produziu. O pai todo orgulhoso comenta, faz algum rabisco, eu também rabisco algo, a menina volta a desenhar, continuamos a conversa e quando vão embora ela nos oferece os desenhos. Nos dois primeiros relatos podem-se destacar as diferenças de vivência da paternidade desses homens, tema abordado nas oficinas. Em que em algumas situações o pai está distante dos filhos, vivenciando a tristeza e frustração, por não poder participar da vida dos filhos, mas em outras situações ele tem uma relação próxima aos filhos, levando-os inclusive para o “rolê” e participando da vida deles.

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jeito carinhoso que apelidaram a oficina de sticker do Programa Municipal de DST/AIDS, devido ao bolo de fubá que era servido nas oficinas.

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids Destaca-se também que alguns dos participantes do grupo são “oficineiros” e levam a temática de prevenção às DST/aids para outras oficinas que realizam. 3. Domingo, oito e meia da manhã, rolê de graffiti, um muro de uns quarenta metros, de esquina, autorizado, rebocado, cada um chega de um lugar da cidade, mochilas, tintas, rolos, mais de quinze jovens, a maioria se conheceu nas oficinas do FUBÁ... Discutem sobre a cor que ficará de fundo e o que cada um vai fazer e onde. O muro começa a tomar vida tons de azul e verde com partes escorridas, em seguida rabiscos de spray, rascunham formas que se tornam letras e personagens. Alguém reclama de fome, recolhe uns trocados, sai e volta com pães, mortadela e refrigerante, pois já são onze horas. Parar para comer, atravessam a rua, alguns começam a se servir, a maioria observa o muro que ainda é um processo, até alguém gritar: _ Num pinta aí! É apenas um garotinho de quatro ou cinco anos, com um rolo tinta pintando com graffiteiros, como se aquele muro também lhe pertencesse, ele pinta o fundo e o graffiti de alguém, Reinaldo, o pai que estava comendo seu pão com mortadela atravessa a rua, tira o rolo e o traz para comer, mas o garoto quer voltar e pintar, a maioria acha engraçada a situação, alguns comentam, continuamos a comer e logo voltamos a pintar. Algumas pessoas observam, entre elas namoradas de alguns, ficam por ali pacientes, estão desde o início, comentam, dão risadas, inclusive do garotinho e seu pai, ele ainda quer pintar, conversam entre si, até que um assunto chama a atenção dos que pintam é a gravidez de uma delas, logo terá uma menina, com esse comentário os rapazes começam a dizer que seus filhos e sobrinhos, inclusive o garotinho que está por ali tentando pintar alguma coisa e disputa um espaço no muro, irão namorar a menina que está por vir. Lourival o futuro pai retruca dizendo que não, num é bem assim, ele que vai escolher, quer ver o currículo e o holerite de cada um, o dia segue sem pausa, tinta, risada, polícia passa devagar, observa e continua, muitos assuntos, até a finalização da pintura, quando vamos embora já está escurecendo.


Parte II - Experiências no trabalho com homens

A atividade descrita demonstra o vínculo criado nesse grupo, pois os participantes combinaram a produção dessa pintura em uma das oficinas, sinalizando a referência identitária, as linguagens e formas de sociabilidade, destacadas anteriormente. Também nesse relato observa-se a temática da gravidez não planejada e de como os pais lidam com a idéia de futuro de seus filhos, o que sonham para os filhos em relação ao relacionamento, ao namoro, a profissão, entre outros. Evidencia-se também que a produção do graffiti é predominantemente masculina, pois as namoradas estão presentes, mas não participam da pintura.

4. A lojinha de skate é um point, com “som ambiente” (rap ou hard core), reunindo jovens e adolescentes que ficavam à tarde toda dentro da loja ou sentados na calçada. O movimento é grande, chega um sai outro, às vezes em dupla, mas a conversa não pára. E o que se conversa numa loja de skate? “Da balada, do rolê, da escola, das minas, do vídeo de skate, às vezes alguém fala de filosofia, física quântica ou de política, até que Rodney comenta do amigo que está “encanado”, preocupado por que transou sem preservativo. Dos que estavam ali, um ou outro não se importou muito, mas a conversa continua e o que

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids parecia apenas um caso de alguém que “vacilou”, se torna uma oportunidade de aconselhamento de prevenção, rico em acolhimento, informações sobre uso de preservativo, divulgação do preservativo feminino, orientações sobre diagnóstico de DST/HIV, além de falarem de seus medos em relação a isso, respeitando a vivência de cada um. Eu apenas observava e às vezes fazia algum comentário, e como conversa de bar o papo emenda um no outro. Nessa situação, a discussão sobre prevenção tem início a partir das informações que tiveram nas oficinas. Posteriormente outras atividades foram realizadas tendo como parceiro o dono da loja, que ajudou a reunir o pessoal e divulgar as oficinas de prevenção.

Tais parcerias evidenciam as inúmeras

possibilidades no trabalho de prevenção extramuros, que pode ser feito fora dos serviços de saúde e o quanto tais ações mostram resultados interessantes.

5. Mesmo lugar, mesma loja, mesmo som ambiente, outros assuntos, a balada do final de semana, que foi boa, bom som, mulheres, bebida; Bebida, alguém faz cara feia e comenta: “_Fiquei estragado de goró!” Isso já é o assunto, um comenta que é normal, outro que é chato ter que cuidar de bêbado, mas quando é amigo cuida, outro diz que é por isso que não bebe; a pessoa que ficou “estragada” diz que o problema não é beber, é saber a hora de parar de beber, comento sobre redução de danos, e por aí vai a tarde. PARA SABER MAIS:

1. Geórges saiu do trabalho nas ruas, estava em um shopping, cola sticker, o filho continua com a mãe. 2. Caio, trabalha com oficinas de graffiti em projetos sociais, não mora mais em Campinas, mas está sempre por aqui, nasceu a terceira filha em abril de 2010, a filha continua desenhando muito. 3. Reinaldo, o pai do garotinho trabalhou em alguns projetos de oficinas estava sempre próximo do filho apesar de ele viver com mãe, desde a pintura do muro, hoje está em outro ramo de trabalho. A filha de Lourival nasceu,


Parte II - Experiências no trabalho com homens tem mais ou menos um ano e meio, o pai não está com mãe, tem dificuldades de fazer o “rolê” pois tem que cuidar da filha. 4 e 5. A loja de skate fechou por um tempo, reabriu em outro lugar, mas as pessoas continuam se encontrando lá, outros projetos estão em andamento. LIÇÕES APRENDIDAS: Observamos que as experiências de paternidades são comuns e distintas, e a vivência de cuidado com o outro pode ajudar a diminuir as vulnerabilidades. As oficinas com os graffiteiros valorizaram esta questão e os espaços dos skatistas se constituem como potencialidades no aconselhamento entre pares, pois todos eles continuam graffitando e andando de skate. A possibilidade de discutir arte de rua e produzir material de educação em saúde na linguagem do graffiti e sticker (adesivos) aproximou o grupo do graffiti do serviço de saúde e fortaleceu o discurso da prevenção e divulgação do uso do preservativo e diagnóstico precoce entre os jovens, suas comunidades e seus pares, da mesma forma, isso aconteceu com as atividades do skate. O espaço da rua e o momento do “rolê” podem ser potencializados para auxiliar nas discussões de prevenção às DST/AIDS, importante destacar que esse trabalho foi facilitado, porque um dos coordenadores das oficinas de prevenção trabalha com graffiti e tem proximidade com esse grupo e com o espaço da rua, sendo uma referência dentro do grupo e facilitando o acesso deles aos serviços de saúde. *Todos os nomes foram mudados para preservar a identidade de cada um.

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBOSA, A. M.; AMARAL ,L. (orgs): Interterritorialidade: Mídias, contextos e educação; Edições SESC SP, 2005. MAGNANI, J. G. C.; SOUZA, B. M.(orgs.).Jovens na metrópole: etnografias de circuitos de lazer, encontro e sociabilidade. Terceiro Nome, 2007, São Paulo.


Parte II - Experiências no trabalho com homens ACESSO DOS HOMENS AOS SERVICOS DE SAUDE PERFIL DOS USUÁRIOS ATENDIDOS EM DOIS SERVIÇOS PÚBLICOS EM MAUÁ Walkiria S. Zacheu52 Hudson Galvão53 Damásio Aparecido de Souza54 INTRODUÇÃO Mauá é um município localizado na região metropolitana de São Paulo. Faz divisa com Santo André a oeste, São Paulo ao norte, Ribeirão Pires a leste e sul e Ferraz de Vasconcelos a nordeste. Possui uma área empresarial e comercial em ascensão, atualmente devido à presença do Rodoanel. A estimativa da população residente em Mauá em julho de 2009, segundo o IBGE, era de 417.458 habitantes55, sendo 50,79% da população recenseada feminina e 49,21% masculina em 200056. Mauá que completou 56 anos de emancipação e possui o 11° PIB do estado57, está entre as 50 maiores cidades de todo o Brasil, mas ainda é considerada cidade dormitório para boa parte dos trabalhadores que habitam a cidade. No quesito saúde do homem, apresenta um longo caminho a percorrer, construindo uma política de saúde em consonância à jovem política nacional de atenção integral à saúde do homem, voltada a implementar os treinamentos aos profissionais, planejamento de campanhas específicas e fortalecimento da rede de saúde local e regional. A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem reconhece que eles adentram ao sistema de saúde por meio da atenção especializada, necessitando ampliar os atendimentos na Atenção Básica. Para tanto, é primordial “fortalecer e qualificar a atenção primária, garantindo a promoção da saúde e a prevenção aos

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Núcleo de Prevenção às Violências em prol da Saúde (PREVISA-COVISA) Prefeitura Municipal de Mauá - SP. Núcleo de Prevenção às Violências em prol da Saúde (PREVISA-COVISA) Prefeitura Municipal de Mauá - SP. 54 Núcleo de Prevenção às Violências em prol da Saúde (PREVISA-COVISA) Prefeitura Municipal de Mauá - SP. 55 Fonte: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estimativa2009/POP2009_DOU.pdf 56 Fonte: http://www.maua.sp.gov.br/Informacoes/Perfil.aspx. 57 Fonte: http://www.mauavirtual.com.br/acidade.asp?secao=1 53

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids

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agravos evitáveis, essa é a essência da proposta do plano operativo da atenção integral para a saúde do Homem no biênio 2010/2011.”

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O Grupo Técnico de Masculinidade, vinculado ao Programa Estadual de DST/AIDS de São Paulo, propiciou um espaço de reflexão no qual foi possível a identificação de algumas ações governamentais, empresariais e da sociedade civil em prol da inclusão do homem na rede pública de saúde, assim como a discussão de inquietações pertinentes ao tema. Este trabalho consistiu no levantamento de dados de dois serviços de saúde pública na cidade de Mauá, visando identificar basicamente o percentual por sexo, idade e período de atendimento dos usuários no Centro de Referência em Saúde do Trabalhador e no Pronto Atendimento (PA) São João, nos meses de julho e agosto de 2009. Os serviços eleitos nesta pesquisa apresentam perfis distintos. O PA funciona 24 horas, de segunda-feira a domingo com demanda espontânea e o ambulatório do CEREST funciona de segunda a sexta, das 8h às 17h com agendamento marcado, salvo o serviço de acolhimento. O CEREST é um serviço de referência especializado em agravos relacionados ao trabalho. Há determinação legal para as empresas encaminharem seus trabalhadores ao CEREST. Esta pesquisa visa subsidiar futuras ações da política pública de acesso do homem aos serviços de saúde pública na cidade e assim fortalecer o SUS. A necessidade de identificar o percentual de acesso dos homens aos serviços públicos de saúde se deu, por constatarmos queixas freqüentes das mulheres assistidas no consultório de psicologia, no Centro de Referência e Treinamento de DST/AIDS de Mauá, que pontuavam a dificuldade em trazer os companheiros às consultas de saúde. Observamos também algumas frases dos homens atendidos em palestras na comunidade, que pontuavam ser de responsabilidade das mulheres o fato de transmitirem doenças. Segundo alguns deles, caberia somente as mulheres a responsabilidade de informarem se são portadoras de alguma DST e o cuidado de prevenção para não engravidar.

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http://portalses.saude.sc.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=748%3Apolitica-nacional-deatencao-integral-a-saude-do-homem&catid=581&Itemid=392 13.08.2010 às 11h29min.


Parte II - Experiências no trabalho com homens METODOLOGIA Em 2009, com o início de uma nova gestão governamental, ocorreu a revisão de alguns contratos e a empresa responsável pelo vínculo de 430 profissionais atuantes nas Unidades de Saúde da Família teve seu contrato encerrado, pois o valor empenhado excedeu o valor do contrato antes mesmo do seu término. Não houve tempo hábil para realização do processo licitatório, ocasionando uma defasagem de profissionais e mudança nas rotinas da rede de saúde municipal. As áreas de serviços mais vulneráveis contaram com a transferência de funcionários de outras unidades para cobrir minimamente o básico ou passaram a referenciar os serviços para outros locais. É neste cenário que se optou por eleger entre os três PA’s da cidade a Unidade São João, por ser a que atende a maior demanda de público e abranger uma área de aproximadamente 23% da cidade, podendo vir a atender inclusive pessoas de outras regiões. Os atendimentos mensurados foram com base no livro de registro da recepção do PA São João para as consultas destinadas a médicos clínicos e pediatras. O ambulatório do CEREST foi escolhido por ser percebido como o serviço de saúde pública que mais atende homens. Este serviço atende trabalhadores acidentados e lesionados, por meio de consulta médica, psicológica ou nas orientações com a socióloga. O trabalhador procura espontaneamente este serviço, que abrange os municípios de Mauá, Estância Turística de Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. Para conhecer o percentual real de pessoas do sexo masculino atendidas nesta amostra dos serviços públicos em Mauá, foram escolhidos dois meses: julho por se tratar de período de férias e a cidade receber visitantes de outras regiões, assim como a saída de pessoas pelos mesmos motivos, e agosto por demonstrar uma nova fase na saúde pelo ingresso de novos profissionais na rede de saúde. A pesquisa inicial previa realizar levantamento de dados em três meses de atendimentos realizados em três tipos de serviços: Unidade de Saúde Básica, PA e um serviço de especialidade de Mauá.

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids A mudança ocorreu após contato com a Unidade de Avaliação e Controle UAC e constatou-se que algumas informações cogitadas não eram digitadas e lançadas no sistema pelas Unidades, sendo que o sexo do usuário atendido era uma destas informações ausentes. Restava então ir à Unidade e garimpar a informação na fonte. Nas unidades básicas não constavam o perfil do usuário, ou seja, não sabiam, por exemplo, quantas famílias estavam cadastradas na região, qual o sexo, idade, escolaridade e principais patologias, visto não haver nada registrado nos últimos anos, e parte do banco de dados criado no passado estar desaparecido. A ausência de profissionais na cidade foi também foi o motivo que levou a exclusão na amostragem das Unidades Básicas de Saúde. A contratação e capacitação das equipes nas Unidades de Estratégia da Família tornaram-se prioridade para o governo nesta ocasião. O levantamento dos dados na Unidade do São João foi possível com o subsídio técnico, de um funcionário que apresentou os dados registrados e montou a planilha no Excel, atendendo as solicitações apresentadas, para fornecer as informações possíveis. Com uma equipe de dez colaboradores, foram digitadas, ao longo de oito meses as informações, gerando uma análise posterior para acerto dos dados. Foram digitados 27.771 atendimentos para as consultas médicas contidos nos quatro cadernos de registro da recepção do PA da Unidade São João. O levantamento dos dados do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador foi com base nas planilhas diárias de atendimento dos profissionais, correspondendo a 254 consultas no bimestre analisado.

RESULTADOS Nas campanhas e ações educativas desenvolvidas para a população em geral, vê-se que as mulheres se mostram mais presentes nos eventos, assim como as crianças. Os jovens surgem em grupo; quando adulto, em geral, o homem fica mais distante acompanhando as apresentações e orientações fornecidas. A forma de abordar o homem deve ser estudada, considerando as questões de gênero.


Parte II - Experiências no trabalho com homens

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Por mais de uma década de observação, foi freqüente notar o número diminuto de homens nas Unidades de Saúde. A maior presença era do público infantil e feminino. As pessoas do sexo masculino que freqüentavam, eram em sua maioria crianças acompanhadas pelos responsáveis e idosos que voltam a comparecer à Unidade de Saúde com doenças crônicas e degenerativas. Os homens jovens e adultos compareciam pontualmente com diagnósticos fechados buscando um atendimento mais rápido. Raramente observou-se a presença de idosos, em especial homens, em consultas para adquirir atestado de saúde para participar de competições da terceira idade. É comum ainda hoje, nas consultas realizadas às segundas-feiras, que a população adulta masculina esteja muitas vezes à procura de atestado para o dia todo, independentemente da queixa apresentada. Durante o estudo ficou constatado que a Unidade São João atendeu em média 400 pessoas. O Gráfico I apresenta o perfil do usuário no PA São João, segundo sexo e horário de atendimento na recepção. \Havia a hipótese que o horário de trabalho seria o impeditivo às consultas agendadas e com isto haveria uma maior demanda do público adulto masculino aos horários que não coincidissem com os horários padronizados na maioria das Unidades de Saúde.

00h às 05h59 min. 06h às 11h59 min. 12h às 17h59 min. 18h às 23h59 min.


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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids Constata-se na Tabela I a maior presença, de acordo com a fase de desenvolvimento e sexo crianças femininas e masculinas entre 12h e 17h59min; adolescentes femininas e masculinas entre 12h e 17h59min, adulto masculino entre 6h às 11h59min; adulto feminino entre 12h e 17h59min e idoso entre 6h e 11h59min, independente do sexo. No horário de 0h às 5h59min quem mais apareceu, segundo o critério de fase de desenvolvimento, foram os adultos masculinos e femininos, representando 64,29% do público atendido.

Tabela I – Perfil dos usuários atendidos no PA São João, segundo sexo, fase de desenvolvimento e horário, Mauá, julho e agosto de 2009. FAIXA ETÁRIA Adolescente

00:00 às 05:59

06:00 às 11:59

PERÍODO 12:00 às 17:59

Masculino

2,76%

3,27%

3,93%

4,46%

3,78%

Feminino

5,92%

4,21%

5,59%

6,68%

5,38%

8,67%

7,47%

9,52%

11,14%

9,16%

Masculino

33,27%

23,93%

18,58%

22,40%

21,97%

Feminino

31,02%

28,78%

30,78%

32,12%

30,40%

64,29%

52,70%

49,36%

54,52%

52,37%

Masculino

10,51%

10,16%

13,69%

13,29%

12,21%

Feminino

8,27%

12,19%

14,37%

13,20%

13,08%

18,78%

22,35%

28,05%

26,50%

25,30%

Masculino

3,57%

8,32%

5,66%

3,12%

5,91%

Feminino

4,69%

9,15%

7,40%

4,72%

7,26%

8,27%

17,47%

13,06%

7,84%

13,17%

100,00%

100,00%

100,00%

100,00%

100,00%

SEXO

Adolescente Total Adulto Adulto Total Criança Criança Total Idoso Idoso Total Total geral

18:00 às 23:59

Total geral


Parte II - Experiências no trabalho com homens Independente do horário de atendimento, o PA São João atendeu uma população 56,13% feminina e 43,87% masculina, conforme revela o Gráfico II.

O Gráfico III apresenta o perfil do usuário do PA São João, segundo a fase de desenvolvimento que se encontra de acordo com os meses da pesquisa. De forma concisa, o gráfico V retrata a média deste período sob a ótica do gráfico anterior.

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids O perfil dos usuários do PA São João segundo fase de desenvolvimento e sexo está presente no Gráfico IV.

No CEREST, foram analisadas as consultas entre os profissionais das áreas de medicina, psicologia e sociologia. As planilhas continham ausências do horário da consulta dos profissionais da área não médica, prejudicando dessa forma uma análise frente ao período de atendimento. A população que procura este serviço é essencialmente adulta, representando 99,6% do total dos atendimentos registrados, destes 99,48% são homens e 100% mulheres, de acordo com o gráfico V. O CEREST apresentou 77,95% dos usuários do sexo masculino e 22,05% feminino, como mostra o gráfico VI.


Parte II - ExperiĂŞncias no trabalho com homens

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Masculinidades e Prevenção às DST/Aids

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CONCLUSÃO (dos achados) Partindo da premissa que os homens, na fase adulta, não frequentam as Unidades de Saúde, salvo em casos de necessidade, encontramos na literatura pesquisas qualitativas que identificam a baixa adesão do homem ao serviço de saúde. “Grande parte da não-adesão às medidas de atenção integral, por parte do homem, decorre das variáveis culturais. Os estereótipos de gênero, enraizados há séculos em nossa cultura patriarcal, potencializam práticas baseadas em crenças e valores do que é ser masculino. A doença é considerada como um sinal de fragilidade que os homens não reconhecem como inerentes à sua própria condição biológica. O homem julga-se invulnerável, o que acaba por contribuir para que cuide menos de si mesmo e se exponha mais às situações de risco59. A isto se acresce o fato de que o indivíduo tem medo que o médico descubra que algo vai mal com a sua saúde, o que põe em risco sua crença de invulnerabilidade.”

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O hábito pessoal de cuidar preventivamente da saúde não está arraigado à nossa cultura. Os homens são educados desde criança que: “homem não chora, isto é coisa de mulher”, “deixa de ser frouxo”, “quem vai ao médico tá procurando doença, só vou quando tiver pra morrer”, assim, banalizam qualquer sintoma e rejeitam a possibilidade de adoecer. Os serviços de saúde pública priorizaram historicamente as populações mais vulneráveis com os programas de saúde da criança, da mulher e do idoso. Havendo campanhas de massa para este público alvo. Até os animais, devido à campanha contra raiva, são mais acessados maciçamente que os homens. Os homens passaram a ser invisíveis ao sistema, e mesmo nos casos de violência, quando são considerados “agressores”, o sistema de saúde demonstra fragilidade, pois são raros os profissionais que atendem estes casos, apresentando uma melhor estrutura para atender as vítimas de agressão.

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Keijzer, 2003; Schraiber et all, 2000; Sabo, 2002; Bozon, 2004. Gomes, 2003; Keijzer, 2003; Schraiber et all, 2000, a saber: barreiras sócio-culturais e barreiras institucionais.


Parte II - Experiências no trabalho com homens As Unidades de Saúde agendam as consultas com os médicos, não sendo em geral para o mesmo dia. Outro fator é o fornecimento do comprovante das horas nas quais a pessoa esteve na Unidade e, por fim, as consultas são agendadas entre às 7h e 17h em várias Unidades e 7 às 21 em poucas Unidades na cidade. Observamos que a população que freqüenta o PA na madrugada, 24h à 5h59min é adulta, perfazendo 64,29% neste horário, e aqui se vê o único horário que a presença do homem é ligeiramente superior a da mulher, de 33,27% para 31,02% respectivamente, conforme tabela I. Portanto observa-se, que independente do horário de atendimento do serviço, as mulheres procuram mais os serviços de saúde e desta forma, não poderíamos ser taxativos ao dizer que a mudança de horário das unidades de saúde, resultaria na facilitação ao acesso para os homens. Não seria então a quantidade de tempo em que as portas de um serviço ficam abertas, que resultaria em melhor acesso aos homens, mas em como esse serviço acolhe os homens, no tempo em que esta aberto. Esta pesquisa aponta que embora Mauá apresentasse no ano de 2000, 49,21% de sua população masculina, vemos que o CEREST apresenta um perfil de usuário essencialmente masculino, com atendimento de 77,95% e 22,05% feminino, sendo a maioria adulta, já o PA do São João possui entre os usuários atendidos 43,89% pessoas do sexo masculino. Observa-se que o CEREST atende mais homens por se tratar um serviço especializado em agravos relacionados ao trabalho. O homem buscaria o serviço de saúde nos casos em que sua capacidade laboral estivesse reduzida, comprometendo sua imagem e seu papel social de provedor. A forma de abordar o homem deve ser estudada, as Unidades de Saúde apresentam estímulos e informações voltadas basicamente às mulheres e crianças, há de ser estudada a melhor forma de acolhimento e atendimento considerando o quesito gênero. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem

-

Princípios

e

Diretrizes.

Brasília-DF,

maio

de

2009.

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196

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