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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO COMARCA DE SÃO PAULO FORO CENTRAL CÍVEL 43ª VARA CÍVEL Praça João Mendes s/nº, 13º andar - salas nº 1300/1301/1302, Centro - CEP 01501-900, Fone: 2171-6276, São Paulo-SP - E-mail: sp43cv@tjsp.jus.br Horário de Atendimento ao Público: das 12h30min às 19h00min DECISÃO Processo Digital nº: Classe - Assunto Requerente: Requerido:
1030369-63.2014.8.26.0100 Procedimento Sumário - Defeito, nulidade ou anulação ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE DESPORTOS Federação Paulista de Futebol - FPF e outros
Em 2 de abril de 2.014, faço estes autos conclusos ao MM. Juiz de Direito Titular I da 43ª. Vara Cível, Dr. Miguel Ferrari Júnior. Eu ______________________________, subscrevo.
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Miguel Ferrari Junior
Vistos.
Trata-se de demanda proposta pela Associação Portuguesa de Desportos em face da Federação Paulista de Futebol (FPF), FÉDÉRATION INTERNATIONALE DE FOOTBALL ASSOCIATION – FIFA - e CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL – CBF em que pretende a anulação de ato jurídico e o recebimento de indenização. Em suma, a autora insurge-se contra o ato praticado pelo Tribunal Desportivo vinculado à Confederação Brasileira de Futebol que lhe impôs a perda de 4 (quatro) pontos no campeonato brasileiro de futebol de 2013, em virtude da escalação irregular do atleta Heverton Duraes Coutinho Alves, punido com dois jogos de suspensão na sexta-feira anterior ao jogo com o Grêmio Foot Ball Porto Alegrense disputado no dia 8 de dezembro de 2013. Em
uma
cognição
sumária
(perfunctória
e
superficial) própria das tutelas jurisdicionais de urgência, entendo que estão presentes os pressupostos genéricos da antecipação (urgência e probabilidade). No que tange ao direito material, a organizadora do certamente futebolístico não obedeceu ao disposto no artigo 35, caput, do
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CONCLUSÃO
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Estatuto do Torcedor, segundo o qual "as decisões proferidas pelos órgãos da Justiça Desportiva devem ser, em qualquer hipótese, motivadas e ter a mesma publicidade que as decisões dos tribunais federais". O parágrafo 2º do artigo 35 do mesmo Diploma Legislativo estabelece que as decisões proferidas pelos órgãos da Justiça Desportiva serão disponibilizados no sítio eletrônico da
Brasileira de Futebol (CBF). E o artigo 36 proclama que: "São nulas as decisões proferidas que não observarem o disposto nos arts. 34 e 35". No caso em apreço, consoante demonstrado nos autos pela autora e como é de conhecimento notório (CPC, artigo 334, inciso I), a punição imposta na sexta-feira imediatamente anterior à realização do jogo entre a autora e o Grêmio de Porto Alegre passou a surtir efeitos imediatamente, sem que os artigos do Estatuto do Torcedor ora sob exame tivessem sido observados pelo Tribunal Desportivo. Todavia,
as
regras
aplicadas
pelo
Tribunal
Desportivo Nacional não atendem aos mais elementares preceitos fundamentais da Carta da República, nomeadamente o do devido processo legal e da segurança jurídica, dentre outros. Não há como, ao menos em uma exame perfunctório da matéria, dar-se prevalência às regras editadas pelo Tribunal Desportivo em detrimento das normas cogentes estabelecidas pelo Estatuto do Torcedor e que tiram seu fundamento de validade do preceito maior da República – Constituição Federal de 1988. E o artigo 35 do Estatuto do Torcedor é claro ao preconizar que as decisões proferidas pelos órgãos da Justiça Desportiva devem ter a mesma publicidade que as decisões dos tribunais federais. Como é cediço, os prazos recursais correm a partir da publicação do julgamento no diário da Justiça correspondente, pouco importando para a eficácia da decisão o fato de o advogado da parte estar ou não presente à sessão de julgamento. O artigo 242 do Código de Processo Civil reza que: "O prazo para a interposição de recurso
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entidade responsável pela organização do evento, no caso a Confederação
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conta-se da data, em que os advogados são intimados da decisão, da sentença ou do acórdão." E o próprio parágrafo primeiro traz a exceção à regra: "Reputamse intimados na audiência, quando nesta é publicada a decisão ou a sentença." Assim, a eficácia da decisão proferida pelo Tribunal Desportivo estava condicionada à sua publicação nos termos do artigo 35 do Estatuto do Torcedor,
questão deve ser analisada no plano da eficácia e não nos planos da existência e da validade. A Lei nº 10.671, de 15 de maio de 2003, conhecida como Estatuto do Torcedor, tem plena aplicabilidade ao caso concreto e pode ser invocada não somente pelo torcedor-consumidor, mas também pelos Clubes de Futebol participantes do certame. Do contrário, a norma seria letra morta em nosso ordenamento jurídico, desprovida de qualquer eficácia prática, a despeito de sua vigência de direito. Consoante acima destacado, entendo que a ausência de publicação da decisão do Tribunal Desportivo na forma estabelecida pelo Estatuto do Torcedor fere não somente esta norma jurídica, mas sobretudo a Constituição Federal que estabelece como pilares fundamentais, dentre outros, a segurança jurídica, a legalidade e o devido processo legal. A propósito, o texto do inciso II do artigo 5º da Constituição é de meridiana clareza ao estabelecer que: "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude lei." (princípio da legalidade). Estamos diante de uma clara hipótese de aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre particulares. Assim já decidiu o Supremo Tribunal Federal ao reconhecer a aplicabilidade do devido processo legal nas relações entre particulares ao julgar o RE 158.215: DEFESA - DEVIDO PROCESSO LEGAL - INCISO LV DO ROL DAS GARANTIAS
CONSTITUCIONAIS
-
EXAME
-
LEGISLAÇÃO
COMUM. A intangibilidade do preceito constitucional assegurador do devido processo legal direciona ao exame da legislação comum. Daí
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não havendo, para a hipótese, qualquer exceção normativa. Frise-se que a
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a insubsistência da óptica segundo a qual a violência à Carta Política da República, suficiente a ensejar o conhecimento de extraordinário, há de ser direta e frontal. Caso a caso, compete ao Supremo
Tribunal
Federal
exercer
crivo
sobre
a
matéria,
distinguindo os recursos protelatórios daqueles em que versada,
embora torne-se necessário, até mesmo, partir-se do que previsto na legislação comum. Entendimento diverso implica relegar à inocuidade dois princípios básicos em um Estado Democrático de Direito - o da legalidade e do devido processo legal, com a garantia da ampla defesa, sempre a pressuporem a consideração de normas estritamente legais. COOPERATIVA - EXCLUSÃO DE ASSOCIADO - CARÁTER PUNITIVO - DEVIDO PROCESSO LEGAL. Na hipótese de exclusão de associado decorrente de conduta contrária aos estatutos, impõe-se a observância ao devido processo legal, viabilizado o exercício amplo da defesa. Simples desafio do associado à assembléia geral, no que toca à exclusão, não é de molde a atrair adoção de processo sumário. Observância obrigatória do próprio estatuto da cooperativa. (Relator(a):
Min. MARCO
AURÉLIO - Julgamento: 30/04/1996, SEGUNDA TURMA) A respeito do tema, o professor Virgílio Afonso da Silva lembra do caso "Bosman v. UEFA": "Um caso que teve grande repercussão na grande imprensa em meados da década de 1990, inclusive no Brasil, foi o caso Bosman v. UEFA. Os estatutos da UEFA (União Européia de Futebol), da mesma forma que os estatutos da FIFA (Federação Internacional de Futebol) continham regras que limitavam a livre circulação de jogadores entre clubes de países diferentes e exigia pagamento de uma espécie de "taxa de transferência" para que um jogador pudesse se transferir para algum clube de outro país, mesmo que seu contrato já tivesse sido encerrado. Além disso, limitava a liberdade dos clubes para utilizar jogadores estrangeiros em suas formações, já
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com procedência, a transgressão a texto constitucional, muito
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que havia um limite máximo de três jogadores estrangeiros que poderiam jogar simultaneamente. Bosman era jogador de futebol profissional de nacionalidade belga que alegou cerceamento em sua liberdade de profissão devido a essas limitações impostas pelos Estatutos da UEFA. É preciso sublinhar aqui que, da mesma forma que ocorre no Brasil, as federações de futebol na Europa, sejam as
disciplinadas pelo direito privado. A despeito disso, a Corte Européia de Justiça decidiu que o art. 48 do Tratado de Roma, segundo o qual "a livre circulação de trabalhadores deve ficar assegurada", não vale somente contra atos emanados do poder público e que mesmo as associações regidas pelo direito privado não podem, no exercício de sua autonomia privada, colocar obstáculos à livre circulação de pessoas e serviços que os Estados membros da Comunidade pretenderam eliminar. Neste sentido, o disposto no art. 48 do Tratado de Roma deveria ser aplicado a toda e qualquer regulamentação das condições de trabalho, sejam elas públicas ou privadas. Na linha da aplicabilidade direta, não houve apenas uma simples reinterpretação de cláusulas gerais aplicáveis ao direito privado, mas o reconhecimento de um direito subjetivo, no âmbito de uma relação sem a participação do Estado, com base tão-somente em um dispositivo de direitos fundamentais." (A Constitucionalização do Direito – Os direitos fundamentais nas relações entre particulares, 1ª. Edição, 3ª. Tiragem, Malheiros, páginas 95/96). Daí a razão pela qual, também não poderá a autora sofrer qualquer espécie de punição por parte da FIFA pelo simples fato de ter ingressado em juízo, diante do postulado fundamental da inafastabilidade do controle jurisdicional (CF, artigo 5º, XXXV). Em suma, a ausência de publicação da decisão ora combatida no sítio eletrônico da CBF antes da realização da partida entre Portuguesa e Grêmio impediu a produção de seus regulares efeitos, razão pela qual o jogador Heverton Duraes Coutinho Alves tinha plenas condições de ser relacionado e escalado para a disputa desportiva.
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nacionais, sejam as supranacionais (como a UEFA), são entidades criadas e
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De outra banda, sob o aspecto processual, os efeitos da tutela jurisdicional de mérito devem ser antecipados a fim de se evitar dano de difícil ou incerta reparação, sobretudo porque o Campeonato Brasileiro de Futebol de 2014 está prestes a começar, sendo inócua qualquer decisão posteriormente proferida. Na doutrina de José Roberto dos Santos Bedaque: "A
antes do momento procedimental próprio deve-se ao perigo de que, se tiver de aguardar o final do processo, fique impossibilitado de fazê-lo." (Tutela Cautelar e Tutela Antecipada: Tutelas Sumárias e de Urgência - tentativa de sistematização, Malheiros, página 307). Em face do exposto, concedo a tutela de urgência para o exato fim de suspender os efeitos do julgamento nº 320/2013 do Pleno da Justiça Desportiva e restabelecer os quatro pontos perdidos pela autora, devendo a CBF inclui-la no Campeonato Brasileiro de 2014, sob pena de multa diária que fixo em R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), para o caso de descumprimento do preceito, a contar do início do campeonato. Concedo, também, a tutela de urgência, para que as rés se abstenham de impor à autora qualquer espécie de sanção pelo fato de ter ingressado em juízo, sob pena de multa diária que fixo em R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). Citem-se,
observando-se
as
recomendações
feitas pela autora. Intime-se.
São Paulo, 02 de abril de 2014. DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE NOS TERMOS DA LEI 11.419/2006, CONFORME IMPRESSÃO À MARGEM DIREITA
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possibilidade de o autor usufruir provisoriamente dos efeitos do provimento final