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VALQUIRIA IMPERIANO

O MUNDO É PEQUENO PARA MULHERES TÃO GRANDES

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por Valquiria Imperiano

A Europa é o continente dos sonhos. Divulgada, na minha época, nos livros de história geral e nos jornais, parecia-me um mundo irreal e fantasioso.

Nos bancos da escola pública, com cadeiras quebradas, mesas riscadas, descascadas e desenhadas com corações pelas meninas apaixonadas, aprendi sobre os reis de França. Imaginava as cabeças que rolaram durante a revolução francesa e as mortes das guerras encabeçadas por Napoleão. Debruçada sobre a minha carteira rabiscada viajei pela França apreciando as fotos dos Luizes e seus castelos, posicionei-me sob e sobre a torre Eifel e deslizei nas galerias do Museu do Louvre; desembarquei de um navio de sonhos no Egito, visitei as pirâmides e apreciei Ramses e Nefertiti; na Grécia antiga, cuja página era decorada com uma foto do Pantheon (templo dedicado à deusa Atena). Completei em casa, motivada por meu pai, meu conhecimento histórico viajando pela antiguidade lendo os doze trabalhos de Hercules e a mitologia grega no minha coleção de Monteiro Lobato, presente do meu pai. Fixava-me nas figuras que decoravam as páginas do livro de história geral, mesmo que fossem em preto e branco. Gostava das histórias, mas não gostava do modo que eram apresentadas na sala de aula por um professor enfadonho e monótono que me berçava com sua fala sem vida e me fazia dormir sobre a carteira rabiscada. Falo dessa passagem lembrando do retrato dos Luizes franceses, mas não lembro da cara do professor que tentou me transmitir o seu saber. Hoje percebo que o que ficou das histórias livrescas foram as passagens que me atiraram até eles pra ver de perto o que sobrou da história da França, da Grécia e do Egito a fim de constatar aquela história que mais parecia uma fantasia. As histórias da Europa eram o centro do conteúdo da matéria escolar. Antecedida por uma insistente passagem anual sobre a história do Brasil que girou entre o descobrimento, a vinda da corte para o Brasil, pincelando sobre o perfil dos reis e rainhas que aqui chegaram e que me pareceram detestáveis. Veio o império com os Pedros, a abolição, a inconfidência, com o terror da imagem do Tiradentes decapitado que me provocou pesadelos durante dias.

Mais de 400 anos de história resumidas em algumas páginas de um livro velho que passava anualmente de mãos, graças a Deus para o bem da economia doméstica e aliviando a carga de

Eu achava muito mais interessante a história geral mesmo relatada por um professor que me ninava. A história do Brasil era mais ou menos como o estudo da língua inglesa, anualmente estudando o verbo to Be, ou seja, uma repetição cansativa e sem charme para nos fazer perguntar: Qual a importância de estudar essa tal história? Tô lá eu sentada numa sala de aula de uma escola de João Pessoa a me perguntar silenciosamente sobre essas coisas monótonas. Precisei crescer ainda ignorante em história do Brasil, mudar de país e descobrir, movida pela saudade e pela vergonha de não conhecer a história da terra da qual eu brotei, para descobrir os homens que defenderam ideais, que produziram arte, música, teatro e para procurar saber, com interesse, quem fez e por que fizeram essa história. E nessa introdução ao conhecimento, descubro também mulheres que se arriscaram por amor à liberdade, amor a um ideal, amor ao amor, enfim foram movidas pelo amor a combaterem, e a defenderem suas ideias numa época tão resguardada para os homens. São essas mulheres que merecem minha atenção hoje nas passagens históricas do Brasil e graças a uma consciência feminina coletiva de proteger e enaltecer a mulher, elas surgem endeusadas e valorizadas, e merecidamente colocadas em destaque pelas suas posições numa época em que a mulher assume uma posição de “Ser valioso” e aprendemos a nos valorizar como pessoas.

Quão difícil foi para tais representantes do sexo frágil afrontar uma sociedade machista, onde até as próprias mulheres descriminavam a mulher que ousavam empunhar um estandarte de guerreira em guerras que representaram o combate físico e o combate intelectual.

Sem entrar no âmbito das causas que defenderam, cito algumas mulheres brasileiras que tiveram a audácia de defender suas ideias, motivadas pelas suas paixões e pelo desejo ardente de impor suas decisões e imbuídas pela coragem de enfrentar preconceitos, pressões e críticas. Entre elas: a índia tupinambá, Paraguaçu (1495-1583) que fundou Salvador, abriu igrejas e protegeu conventos; Anita Garibaldi – mulher guerreira; 60 Revue Cultive - Genève Maria Tomásia Figueira Lima(1826-1902) abolicionista; Maria Firmina dos Reis, primeira escritora brasileira e criadora da primeira escola mista no Brasil; Princesa Izabel( 1846-1821) abolicionista; Chiquinha Gonzaga (1847-1935) pianista e compositora; Narcisa Amália de Campos (1856-1924) jornalista e poeta, primeira jornalista profissional do Brasil; Tarsila do Amaral ( 1886-1973) pintora e desenhista; Bertha Lutz (1894-1976) advogada e militante feminina e educadora; Enedina Alves Marques (1913-1981) primeira negra brasileira a se formar em engenheira civil; Zilda Arns (1934- 2010) médica fundadora da Pastoral da Criança; Maria Esther Bueno (1939-2018), tenista; Cristina Ortiz ( 1950) pianista; Raymunda Putani Yawnawá (1980) - pajé; Daiane dos Santos (1983) - Ginasta; Maria Quitéria (1792-1853) nascida em Feira de Santana, primeira mulher brasileira a entrar nas forças regulares para defender a independência do Brasil.

Para completar a lista das mulheres que contribuíram e contribuem com o desenvolvimento cultural e social do país não poderia deixar de citar os nomes das literatas: Rachel de Queiroz (19102003), Clarice Lispecto (1920-1977), Cora Coralina (1889-1985), Cecília Meireles (1901-1964), Carolina de Jesus (1914-1977), (05) Zélia Gattai (1916-2008), (07) Lygia Fagundes Telles (1923- ), (08) Hilda Hilst (1930-2004), Elvira Vigna (19472017), Ana Cristina Cesar (1952-1983), Adélia Prado (1935 ), Ruth de Souza 1921 - 2019 -atriz.

Nessa lista foco apenas as mulheres que já deixaram este mundo e não me estendo nas contemporâneas, porque a lista seria muito incompleta e não caberia nessas páginas.

Hoje o número de mulheres que se dedica à cultura, à literatura e às causas sociais é enorme e todas são merecedoras de homenagem e respeito.

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